COVID-19 e mercado de trabalho no Brasil: análise da legislação emergencial brasileira à luz do preceituado pela OIT

COVID-19 and the labor market in Brazil: analysis of the brazilian emergency legislation in light of the ILO’s precepts

 

Bárbara Gonçalves[1]

Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas) – Campinas/SP, Brasil

[email protected]

 

Silvio Beltramelli Neto[2]

Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas) – Campinas/SP, Brasil

[email protected]

 

 

OBJETIVO: Este estudo analisa a compatibilidade das medidas legislativas emergenciais adotadas, entre março de 2020 e outubro de 2021, pelo Governo federal brasileiro e os preceitos da OIT para enfrentamento dos impactos da pandemia de COVID-19 no mercado de trabalho.

MÉTODO: A partir de uma abordagem dedutiva, operou-se uma análise comparativa, de cunho bibliográfico e documental, entre as principais mudanças impostas pela legislação brasileira adotada a propósito da crise sanitária e o preceituado pela OIT nos relatórios oficiais denominados “Observatório da OIT: A Covid-19 e o Mundo do Trabalho”.

RESULTADOS: Quanto ao enfrentamento dos impactos da pandemia no mercado de trabalho, sustenta-se que a legislação emergencial brasileira tomou direção oposta ao preceituado pela OIT, desnudando uma opção de aprofundamento de políticas neoliberais de redução ou flexibilização de direitos trabalhistas e da proteção social.

PALAVRAS-CHAVE: COVID-19. OIT. Trabalho decente. Brasil. Legislação emergencial.

 

OBJECTIVE: This study analyzes the compatibility of the emergency legislative measures adopted between March 2020 and October 2021 by the Brazilian federal government and the precepts of the ILO to address the impacts of the Covid-19 pandemic on the labor market.

METHODOLOGY: Based on a deductive approach, a comparative bibliographic and documentary analysis was carried out between the main changes imposed by the Brazilian legislation adopted in connection with the sanitary crisis and the precepts of the ILO in the official reports called "ILO Observatory: Covid-19 and the World of Work".

RESULTS: As for facing the impacts of the pandemic in the labor market, it is argued that the Brazilian emergency legislation took the opposite direction of what was precepted by the ILO, revealing an option for deepening neoliberal policies of reduction or flexibilization of labor rights and social protection.

KEYWORDS: COVID-19. ILO. Decent work. Brazil. Emergency legislation.

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, TRABALHO DECENTE E A PANDEMIA; 2 A EROSÃO PANDÊMICA DO MERCADO DE TRABALHO AOS OLHOS DA OIT; 3 MEDIDAS LEGISLATIVAS EMERGENCIAIS PARA ENFRENTAMENTO DOS EFEITOS DA PANDEMIA NO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO; 4 PANORAMA BRASILEIRO DESDE A ÓTICA DIAGNÓSTICA E PROPOSITIVA DA OIT; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.

 

SUMMARY: INTRODUCTION; 1 INTERNATIONAL LABOR ORGANIZATION, DECENT WORK AND THE PANDEMIC; 2 THE PANDEMIC EROSION OF THE LABOR MARKET IN THE EYES OF THE ILO; 3 EMERGENCY LEGISLATIVE MEASURES TO ADDRESS THE EFFECTS OF THE PANDEMIC ON THE BRAZILIAN LABOR MARKET; 4 BRAZILIAN OVERVIEW FROM THE ILO'S DIAGNOSTIC AND PROPOSITIVE VIEWPOINT; FINAL CONSIDERATIONS; REFERENCES.

 

§ INTRODUÇÃO

 

O combate da pandemia da COVID-19 apenas por meio do distanciamento social até o atingimento da vacinação em massa da população oferece uma grande resistência na reprodução da sociedade capitalista, atacando pelo menos dois elementos centrais deste sistema: a livre exploração da mão de obra e a circulação de mercadoria.

O emprego da energia humana em um sistema baseado na produção de bens e serviços exige, de um lado, adaptação a processos produtivos precisamente planejados e, de outro, disposição física e econômica para o consumo. Neste contexto, a corporalidade está na essência da dinâmica capitalista e é agredida por uma patologia, seja em sua vitalidade no que tange à saúde, seja em sua mobilidade de circulação. Ou, ainda, à disposição de espírito e econômica para o consumo.

Se as crises econômicas são ínsitas aos ciclos macroeconômicos típicos do capitalismo, é possível afirmar que os gatilhos das suas instabilidades podem variar e, no caso da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, possui uma motivação biológica, de capacidade expansiva incontestável. O sistema capitalista foi levado a buscar instrumentos privados e públicos de redução de danos, associado à potencialização de oportunidades — a exemplo do “boom” dos serviços por plataformas digitais —, como de resto sempre foi sua índole.

Dentre os instrumentos privados, buscou-se a adaptação célere de processos produtivos voltada a mitigar os prejuízos das restrições sanitárias à circulação das pessoas, utilizando-se da adoção acelerada de ferramentas digitais e de novas técnicas de gerenciamento e alocação de recursos humanos. Já no espaço dos instrumentos de públicos, se destaca o tradicional socorro financeiro, social e normativo do Estado.

Esta lógica foi seguida pelos diagnósticos e recomendações que vêm sendo feitas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), no período da pandemia, de modo consentâneo com o marco da promoção do Trabalho Decente, mas também revelando a intenção de se manter minimamente operacional, dos pontos de vista econômico e social, a dinâmica produtiva capitalista.

Em todo o mundo, foram adotadas legislações emergenciais para tentar conter os danos econômicos e sociais advindos da crise sanitária. No Brasil, o Governo Federal foi responsável por estabelecer as normativas emergenciais a pretexto do enfrentamento da crise econômica, social e política causada pela pandemia, muitas das quais alusivas a excepcionalidades impostas à regulação trabalhista de determinados institutos, tais como jornada de trabalho e teletrabalho.

O escopo deste estudo é analisar a compatibilidade dessas medidas legislativas emergenciais, adotadas pelo Governo federal brasileiro, entre março de 2020 e outubro de 2021, para enfrentamento dos impactos da pandemia de Covid-19 no mercado de trabalho nacional com as recomendações da OIT para o tratamento desses impactos.

Para tanto, a partir de uma abordagem dedutiva, operou-se uma análise comparativa, de cunho bibliográfico e documental, entre as principais mudanças impostas pela legislação emergencial brasileira adotada a propósito da crise sanitária (e com declarado impacto nas relações de trabalho) e o recomendado pela OIT nos relatórios oficiais denominados “Observatório da OIT: A Covid-19 e o Mundo do Trabalho”, publicados desde o início da crise sanitária global (são oito, ao todo, sendo o último datado de 27 de outubro de 2021), documentos por meio dos quais esta Organização compilou aquelas referidas diretrizes.

 

1          ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, TRABALHO DECENTE E A PANDEMIA

 

A OIT, criada pelo Tratado de Versalhes de 1919 (DAELE, 2008, p. 485-486), declara ter por principal objetivo a busca pela justiça social nas relações trabalhistas, dedicando-se a mediar, por instrumentos regulatórios e fomentadores de políticas públicas, as tensões entre capital e trabalho, que são naturalmente agudizadas em tempos de crise.

Após décadas apostando no cumprimento de seu mister por meio da atividade regulatória, notadamente pela edição de convenções internacionais e recomendações — modelo que se mostrou limitado em termos de efetividade, com o avanço da desconstrução do Welfare State pelas receitas neoliberais de austeridade, preconizadoras da flexibilização de direitos trabalhistas — a OIT impôs-se, a partir de 1999, uma guinada em seu modo de atuação, passando a direcionar seus esforços para a cooperação internacional ativa junto aos seus Estados Membros, orientada à formulação de políticas públicas nacionais de promoção do Trabalho Decente, por sua vez pautada por quatro objetivos estratégicos precisamente delimitados: proteção de direitos humanos nas relações de trabalho, geração de empregos de qualidade, ampliação da proteção social e fomento do diálogo social (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 1999, p. 5)[3].

 O primeiro objetivo estratégico se volta à proteção de direitos humanos nas relações de trabalho, notadamente aqueles assim classificados pela Declaração da OIT Sobre Princípios e Direitos Fundamentais de 1998, quais sejam a liberdade sindical e o direito à negociação coletiva, eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, abolição efetiva do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação — um conjunto que se convencionou chamar de Core Labor Standards (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 1999, p. 14).

O segundo objetivo estratégico se refere à criação de empregos de qualidade, o que não se limita à expansão do quantitativo de postos de trabalho, mas pressupõe que os trabalhadores e trabalhadoras possuam remuneração adequada e que o labor seja ausente de riscos à saúde e à segurança, sem discriminação negativa de qualquer aspecto (BELTRAMELLI NETO; VOLTANI, 2019, p. 169).

O terceiro objetivo estratégico, por sua vez, busca fortalecer e ampliar a proteção e a seguridade social, principalmente em períodos de crise econômica (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 1999, p. 14), de modo que preza por garantir a fruição dos elementos essenciais à sobrevivência digna em momentos em que externalidades que impeçam a manutenção do sustento próprio de modo permanente ou transitório.

E, por fim, o quarto objetivo estratégico promove o diálogo social, a partir de interações consensuais entre Estado, representantes dos trabalhadores e dos empregadores, tal como se dá dentro da estrutura tripartite da própria OIT, tido como ferramenta fundamental ao aperfeiçoamento da democracia.[4]

Após o alastramento do surto inicial de Covid-19, ocorrido na cidade de Wuhan, na China, em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou que a contaminação causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) foi elevada ao status de pandemia (CUCINOTTA; VANELLI, 2021, p. 157). O cenário se revelou, desde então, um dos maiores desafios sanitários do século, em escala global, a ser enfrentado, basicamente, através de medidas de isolamento social.

De acordo com dados fornecidos pela OMS, no mundo todo, até o final de outubro 2021, haviam sido contabilizados mais de 248 milhões de casos confirmados, dentre os quais mais de 21 milhões de casos no Brasil, País com mais de 600.000 mil mortes confirmadas (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2021). Instalou-se, assim, um fenômeno sanitário de efeitos globais difusos, repleto de incertezas e pautado pela luta pela sobrevivência, que teve no mercado de trabalho, notadamente no que se refere aos trabalhadores em situação precária de labor, um ponto de alto impacto da convergência dos riscos sanitários, psicológicos e socioeconômicos (STURZA E TONEL, 2020).

Certamente os efeitos da pandemia são refletidos, em larga escala, nas relações de trabalho e em âmbito social, tendo em vista a dificuldade de conter a propagação do vírus e a implementação de medidas restritivas de circulação e isolamento. Disso resultou a paralisação, redução ou remodelação de atividades de parte relevante dos meios de produção e de prestação de serviços, levando à abrupta queda do consumo e de renda, o que dificulta o ciclo básico capitalista de circulação, baseada na oferta e na procura[5].

 

2          A EROSÃO PANDÊMICA DO MERCADO DE TRABALHO AOS OLHOS DA OIT

 

A OIT criou o observatório “Covid-19 e o Mundo do Trabalho”, dedicado a reunir informações e recursos confiáveis para facilitar o compartilhamento de experiências e conhecimento no trato com a pandemia. Com isso, busca analisar quais os impactos socioeconômicos que atingem o mercado de trabalho mundial a curto, médio e longo prazos, bem como orientar seus Estados Membros na adoção de políticas públicas nacionais, a partir dos estudos conjunturais postos em relatórios editados e disponibilizados no decorrer do período.

Para tanto, a OIT segue promovendo exames e propostas alinhadas com os quatro objetivos estratégicos da promoção do Trabalho Decente, agora reorientados a proporcionar uma recuperação econômica sólida e eficaz, em contexto de crise sanitária. Os referidos relatórios evidenciam a necessidade de resguardo dos mais vulneráveis, sejam eles informais ou formais precários, no que se refere ao gênero, à importância da proteção social aos trabalhadores e àqueles que se veem impedidos de laborar, bem como a imprescindível proteção do emprego e renda e a relevância do diálogo social para adoção das políticas nos tempos atuais.

As análises conjunturais realizadas pelos relatórios do referido observatório da OIT perpassam diversos temas, dentre os quais se sobressaem as perdas de horas de trabalho, a situação das mulheres e dos jovens, o desemprego e a informalidade e a crise econômica decorrente da pandemia. [6]

Com as diversas repercussões na saúde pública, as economias e mercados de trabalho têm sofrido perturbações sem precedentes, considerando que esta é a situação sanitária mais grave enfrentada pelo mundo desde a 2ª Guerra Mundial (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020b, p. 3). A imposição de medidas de isolamento corresponde à interrupção da atividade econômica, levando ao rápido aumento da destruição do emprego, reduzindo o número de postos de trabalho e perda de horas de trabalho, estimada pela OIT, ainda no início do processo pandêmico, em 6,3% nas Américas e 6,7% no mundo todo, o equivalente à perda do esforço de 195 milhões de trabalhadores em uma jornada com duração de 48 horas semanais[7]. As medidas governamentais restritivas de circulação reduzem a movimentação da maioria dos trabalhadores, afetando em larga escala as atividades do setor de serviços e da indústria[8], além de causar perturbações nas cadeias de fornecimento.

A região das Américas, desde o início, foi apontada como entre as mais afetadas em termos de perdas de horas de trabalho, em função do fechamento dos locais onde se desenvolvem as atividades laborativas. Nelas, 51% dos trabalhadores estão situados em países acometidos por esse tipo de restrição de funcionamento, especialmente na América do Sul, onde houve perda, em 2020, de 4,8% das horas de trabalho em relação ao 4º trimestre de 2019 (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020f, p. 3). Ao revisar as conjecturas iniciais sobre a perda de horas de trabalho, a OIT confirmou a região das Américas como a mais afetada, estimando-se uma diminuição de horas de trabalho de 19,8%, no terceiro trimestre de 2020[9]. No ano de 2020, essa perda foi quatro vezes maior do que a diminuição ocorrida durante a crise financeira mundial de 2009 e, para o ano de 2021, as projeções iniciais foram de uma derrubada de 1,3%, equivalente a 36 milhões de empregos em tempo integral (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2021a, p. 1, 2 e 8). Em mais uma recente revisão, apoiada na realidade transcorrida, a OIT elevou suas estimativas de perdas em 2021 para – 7,1% de horas trabalhadas no primeiro semestre (–27,1 milhões de empregos em tempo integral), - 5,8% no segundo trimestre de 2021 (- 21,9 milhões), - 5,4% no terceiro trimestre (- 20,6 milhões) e - 3,7% no quatro trimestre (- 14,2 milhões) (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2021b, p. 19).

Como se não bastasse, o observatório da OIT já vinha chamando a atenção para o risco de novas contaminações pelo vírus e alertado sobre uma possível segunda onda de contaminação que atingiria ainda mais a economia e o mercado de trabalho, além de dificultar a recuperação do emprego (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020f, p. 3 e 7). Tal prognóstico se confirmou, na Europa, ao partir do final de 2020 e, no Brasil, desde fevereiro de 2021[10].

Contudo, as consequências antevistas não param por aí. Foi acrescentado, no rol de análises da OIT, o trabalho em situação de risco, desempenhado por pessoas que seguem atuando nos chamados serviços essenciais (transporte público, agricultura e alimentação e área da saúde). Este tipo de trabalho, ocorrido de maneira não uniforme, depende do nível de afetação econômica de cada setor de trabalho (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020b, p. 5).

No que concerne às condições dos trabalhadores informais durante a pandemia, a OIT verificou sua concentração em países emergentes e em desenvolvimento, somando, nestes locais, cerca de 2 bilhões de artífices, alcançando a marca, estimada em 2020, de 50% da totalidade dos empregos no Brasil (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020b, p. 7). São pessoas mais intensamente expostas à infecção pelo vírus, dada a ausência de proteção social, o que acaba por excluí-las de medidas de manutenção de renda, na ocorrência de impossibilidade de exercício das atividades habituais.

A depender da região do mundo, no segundo semestre de 2020, as medidas de restrição de circulação passaram a ser relaxadas, mesmo diante do aumento do número de infecções e da propagação do vírus em certos países, principalmente nos de baixa renda. A “justificativa” apresentada era de que os trabalhadores informais necessitavam sair do isolamento social para produzir o seu próprio sustento[11].

Este grupo de trabalhadores, inseridos em economias em desenvolvimento e emergentes, foram afetados de modo muito mais intenso do que em crises pretéritas, enfrentando dificuldades para realização do teletrabalho, o que deu lugar a novos obstáculos associados ao mercado de trabalho (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020g, p. 5). Essa foi indicada como uma das razões subjacentes do aumento da perda de horas de trabalho, diretamente relacionada com a perda da renda, que diminuiu cerca de 12,1% nas Américas, já nos três primeiros trimestres de 2020 (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020e, p. 5).

A partir do final de maio de 2020, verificou-se o início do relaxamento das medidas de restrição e circulação, sobretudo na Europa e na Ásia, permitindo o regresso de forma gradual em determinadas localidades do mundo. Contudo, a pandemia continuou causando retrações sem precedentes à economia e ao tempo de labor, sendo que as Américas, Europa e Ásia Central se firmaram como regiões com maior número de horas de trabalho perdidas, situação ainda mais agravada em se tratando de América do Sul (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020e, p. 5).

Em termos de remuneração digna, proteção da saúde no local de trabalho e grau de afetação da economia, os setores comercial e de serviços já eram apontados, desde o início da pandemia, como aqueles detentores das condições mais alarmantes. Tal setor emprega 482 milhões de trabalhadores e abarca, de um lado, parte das atividades essenciais para abastecimento da população, cujo desempenho cabe a trabalhadores expostos ao alto risco de doenças profissionais; e, de outro, empregados do comércio não essencial, submetidos a reduções drásticas de emprego e de jornada de trabalho, circunstâncias que caracterizam o comércio como um dos setores mais mal pagos e desprotegidos (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020b, p. 5-6)[12].

Os dados obtidos pela OIT revelam maior grau de inatividade dos trabalhadores do que de desemprego - situação reflexo de medidas de conservação de emprego, que permitem a diminuição das jornadas de trabalho - e declínio relativo de emprego[13] maior para as mulheres do que para os homens, afetando conjuntamente jovens e pessoas mais velhas[14]. A esse respeito, a renda proveniente do trabalho teve diminuição de 10,7%, nos três primeiros trimestres do ano de 2020, equivalente a 3,5 trilhões de dólares, em comparação aos do ano de 2019, sendo a região das Américas, novamente, uma das regiões mais afetadas (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020f, p. 10-12).

Já com o cenário de todo o ano de 2020 disponível para análise, a OIT pôde corroborar que mulheres[15], jovens[16] e menos qualificados foram os mais atingidos pela perda de horas de trabalho, no mundo, em 2020, sendo, em comparação com 2019, -4,2% de empregos para mulheres (contra – 3,0% para homens), -9,1% para jovens entre 18 e 24 anos (contra -2,6% para adultos) e -4,7% para semiqualificados e -3,3% para pouco qualificados (contra -1,3% para muito qualificados) (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2021b, p. 10).

A OIT apresentou um padrão de recomendações centradas no ser humano, com vistas ao enfrentamento da crise de Covid-19 a partir de quatro pilares orientadores — estatuídos a partir de claras adaptações dos quatro objetivos estratégicos da promoção do Trabalho Decente —, quais sejam: estímulo da economia e emprego; apoio aos negócios, empregos e renda; proteção dos trabalhadores nos locais de trabalho e a busca de soluções através do diálogo social. Mais recentemente, a importância da vacinação também passou a ser enfatizada, como medida essencial à recuperação das horas de trabalho perdidas.

O primeiro pilar de enfretamento das consequências deletérias da crise sanitária no mundo do trabalho e de retomada dos patamares pré-pandemia refere-se ao estímulo da produção e do emprego, com o objetivo de estabilizar a economia, mediante políticas fiscais eficazes, incluindo medidas de proteção social, políticas monetárias flexíveis, apoio financeiro a empresas — em especial às pequenas e médias e a setores específicos de acordo com o grau de impacto enfrentado pela crise. A OIT ainda indica que o investimento nos sistemas de saúde é essencial para a recuperação do período enfrentado e para a criação de empregos de qualidade (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020f, p. 15).

O segundo pilar aborda o apoio governamental dos países às empresas e ao emprego e à renda, para que se estenda a proteção social a toda sociedade. Para tanto, a OIT estimula a adoção de medidas de manutenção dos postos de trabalho por meio da disponibilização de assistência financeira e tributária aos empregadores (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020f, p. 15).

O terceiro pilar consiste na proteção dos trabalhadores nos locais de trabalho, que deve contar com o a adaptação das modalidades de ocupação existentes e com o reforço das medidas de saúde e segurança, prevenção da discriminação e exclusão, promoção e expansão do acesso à saúde e da licença para todos. Para além disso, a adoção de medidas de detecção e rastreio de contato com o vírus foi apontada como a saída mais ágil para diminuir a perda de horas de trabalho (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020e, p. 5). 

O quarto e último pilar dá especial atenção ao diálogo social, no que diz respeito à tomada de decisões e implementação de medidas nos países, para que assim se fortaleçam as organizações de empregadores e trabalhadores e a capacidade de atuação dos governos. Somente através de respostas políticas que deem ensejo à implementação do processo de vacinação, somadas à adoção de medidas de saúde pública e fomento da economia e emprego fundadas no diálogo social é que, segundo a OIT, ocorrerá a valorização do ser humano em uma reconstituição sólida e generalizada que promova o emprego, a renda, os direitos dos trabalhadores (ORGANIZACION INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2021a, p. 3).

A proteção da saúde dos trabalhadores e suas famílias, especialmente os de baixa renda, em consonância com a atenção necessária àqueles suscetíveis à perda de ingressos com as medidas de isolamento e contenção do vírus, ressaltam a importância da manutenção da demanda e renda, como forma de evitar o desemprego. Na esteira do terceiro objetivo estratégico do Trabalho Decente, sistemas universais de proteção social eficazes são colocados como pontos de reformas políticas e institucionais indeclináveis, para que atuem como estabilizadores nos planos econômico e social frente à crise, o que contribui também para que se recupere a confiança nos governos e suas instituições. Isto porque, o contágio pelo vírus traz como consequência da instabilidade que provoca o aumento substancial do desemprego e das formas de subemprego, decorrente da redução da atividade econômica e do aumento da vulnerabilidade (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020b, p. 7).

No relatório publicado no final de outubro de 2021, a OIT já aborda as políticas estatais de assistência social como uma medida globalmente acatada, tratando-a como uma premissa para recuperação da economia aceita pelos Estados com distintos estágios de desenvolvimento econômico. Neste mesmo documento, os movimentos de recuperação econômica e de empregos, em níveis global e regionais, são examinados sem muita ilustração estatística, mas, ainda assim, a OIT afirma que a retomada econômica ainda se mostra lenta, acidentada (períodos de avanços e estancamentos) e sobremaneira distinta entre países ricos, em desenvolvimento e pobres e que a relação entre recuperação produtiva e de horas de trabalho já se evidencia diretamente relacionada com o nível de cobertura vacinal da população (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2021b).

 

3          MEDIDAS LEGISLATIVAS EMERGENCIAIS PARA ENFRENTAMENTO DOS EFEITOS DA PANDEMIA NO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO

 

Em 20 de março de 2020, foi declarado “estado de calamidade”, no Brasil, pelo Decreto Legislativo nº 06 (BRASIL, 2020b), que ratificou a situação excepcional causada pela pandemia de Covid-19 e teve o intuito de estabelecer diretrizes para a condução do País, durante o período de crise sanitária. A partir de então, sucessivas medidas provisórias foram editadas pelo Poder Executivo Federal para consolidação das diretivas de enfrentamento dos efeitos adversos da pandemia no mercado de trabalho brasileiro.

A primeira norma editada foi a Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020 (MP 927), que deu início a uma série de exceções aos direitos dos trabalhadores formais e enquadrou a crise sanitária como hipótese de força maior (BRASIL, 2020f)[17]. Admitiu-se a suspensão das atividades de trabalho com autorização para antecipação de férias (coletivas ou não) e feriados, períodos de descanso legalmente garantidos ao trabalhador (DELGADO; AMORIM, 2020, p. 4), alcançando, inclusive, os trabalhadores submetidos ao regime de banco de horas. Permitiu-se a suspensão de contratos de trabalho sem qualquer pretensão remuneratória durante o período[18], ampliaram-se as hipóteses de compensação de jornada, além de ter o Governo brasileiro suspendido exigências administrativas em matéria de segurança e saúde no trabalho.

A MP 927 autorizou a dilação da jornada de trabalho dos profissionais da saúde, permitindo que os corriqueiros turnos em regime de 12h de trabalho por 36h de descanso fossem estendidos com duração de até 24h, contando com “descanso” em igual período. Tolerou-se a realização de atividades insalubres sem a exigência das medidas administrativas de proteção. Todas essas possibilidades a serem implementadas mediante simples acordo individual, sem a necessidade de intervenção, anuência ou crivo de órgão representativo de classe.

O pagamento da remuneração de férias e da gratificação natalina foi postergado e a fiscalização das condições de trabalho foi flexibilizada, ao se restringir a atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho que, segundo a redação do artigo 31 da MP 927, tornaram-se, de fato, meros orientadores, em prejuízo da atuação fiscalizatória e seus instrumentos corretivos e punitivos, tais como embargos, interdição e imposição de multas.

Ainda, o texto original da MP 927 intencionou excluir os casos de contaminação pelo vírus da lista de doenças ocupacionais, atribuindo ao trabalhador o ônus de demonstrar sua contaminação no ambiente de trabalho como condição para a fruição da garantia de emprego acidentária, o que, como salientado pelo Supremo Tribunal Federal, expressamente contrariou a legislação previdenciária (artigos 20 e 21 da Lei Federal 8.213/91), que garante aos trabalhadores o direito de permanecerem livres de dispensas imotivadas (até mesmo arbitrárias) por determinado período, após o afastamento em decorrência da contração de doenças, como é o caso da que ocorre nesta pandemia[19].

Seguiu-se à edição da MP 927 a publicação da Medida Provisória nº 936, de abril de 2020 (MP 936), que instituiu o “Programa Emergencial de Emprego e Renda”, implementando o “benefício emergencial”, substitutivo dos salários dos empregados que tiverem seus contratos de trabalho temporariamente suspensos ou reduzidos, proporcionalmente à redução da jornada laboral, pelo período máximo de até 60 dias. A MP 936 manteve afastada a atuação sindical para as hipóteses de negociações individuais de redução de jornada de trabalho e salário limitada a 25% e de suspensão dos contratos trabalhistas de remuneração igual ou inferior a três salários-mínimos, estendendo-se aos empregados graduados com remuneração igual ou superior à duas vezes o limite máximo dos benefícios do regime de previdência social[20].  Concomitantemente, foi aprovada a Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020 (BRASIL, 2020d), responsável por instituir o pagamento de “auxílio emergencial” no valor de R$ 600,00 mensais, limitados, inicialmente, a três meses de duração e especificamente voltado para microempreendedores individuais, trabalhadores informais e autônomos[21]. Tal auxílio foi viabilizado, única e exclusivamente, por ação do Congresso Nacional brasileiro, a contragosto da Presidência da República, que havia proposto um benefício de singelos R$ 200,00 mensais, em razão de seu impacto orçamentário.

Após quatro meses de duração, o Presidente da República, por meio da Medida Provisória 1.000, de 02 de setembro de 2020 (BRASIL, 2020e), tornou o auxílio emergencial residual, diminuindo as parcelas mensais à metade do valor anteriormente ofertado, vindo a extingui-lo em janeiro de 2021, mesmo após sua redução. O pagamento do auxílio viria a ser retomado em montante mais baixo, R$ 250,00, por determinação da Medida Provisória 1.039, de 18 de março de 2021 (BRASIL, 2021a).

A MP 936 (BRASIL, 2020g) foi convertida na Lei nº 10.422 de 2020, mantendo a validade dos acordos individuais e coletivos de redução e suspensão de jornada, prolongando o período de duração de sua utilização e inovando, ao permitir que tais flexibilizações se realizassem de forma setorial, por departamentos ou até mesmo na totalidade dos postos de trabalho, o que deu aos empregadores a prerrogativa de escolher quais trabalhadores seriam atingidos por tais medidas. Essa conversão viabilizou o cancelamento do aviso prévio (que antecede a rescisão contratual) por força de acordo individual, alijando direito social garantido pelo artigo 6º, XXI, da Constituição Federal de 1988.

A Medida Provisória nº 944, de abril de 2020 (MP 944), incumbida de instituir o “Programa Emergencial de Suporte a Empregos” e de financiar as folhas salariais das empresas (BRASIL, 2020a), disponibilizou 8,3 bilhões de reais para o programa, sendo 7,1 bilhões fornecidos pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Social – BNDES e 1,2 bilhões provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, destinado ao custeio do Programa do Seguro-Desemprego, Abono Salarial e ao financiamento de programas que visem o desenvolvimento econômico (MINISTÉRIO DA ECONOMIA, 2018).

A Emenda Constitucional nº 106 de 2020 (EC 106), aprovada na sequência (BRASIL, 2020c), teve o objetivo de ampliar a capacidade de gastos públicos, direcionando às instituições bancárias R$ 1,2 trilhão de reais, bem como autorizando a atuação do Banco Central no mercado secundário, dando-lhe aval para compra de ativos financeiros de origem pública e privada (POCHAMNN, 2020, p. 145).

Em abril de 2021, sob a retórica de incentivo às contratações, o Governo Federal editou a Medida Provisória 1.045 (MP 1045) - logo apelidada, popularmente, de “Minirreforma Trabalhista” -, que tinha por escopo de instituir um novo programa emergencial de emprego e renda (BRASIL, 2021b). Seu principal alvo são os jovens (de 14 a 29 anos) e os adultos com mais de 55 anos, propondo sua submissão ao Regime Especial de Trabalho Incentivado (REQUIP), tornando-os trabalhadores de segunda classe e sem direitos proporcionados pelos contratos de trabalho. No que diz respeito aos que detém entre 14 e 18 anos, a MP 1045 determinava que sua contratação se dê primordialmente como aprendizes. A mesma norma dificultava a fiscalização de violações graves de direitos humanos trabalhistas, pois condicionava a aplicação de multas por infrações a, ao menos, duas visitas prévias pelos Auditores-Fiscais do Trabalho. Instituía, ademais, a redução da remuneração das horas extraordinárias, além da possibilidade de redução da jornada de trabalho. Ceifava, pela metade, o direito à multa de 40% sobre o saldo total do FGTS e permitia o recebimento da gratificação natalina e das férias de forma parcelada. Demais disso, estipulava que os trabalhadores que tivessem seus contratos de trabalho suspensos por força de suas disposições deveriam arcar com recursos próprios com a contribuição social. Ocorre que a MP 1045, conquanto aprovada pela Câmara dos Deputados, foi rejeitada, incontinenti, pelo Senado Federal, em setembro de 2021, perdendo, com isso, sua curta vigência.

Já a Medida Provisória 1.057, de 06 de julho de 2021 (MP 1057), ainda sob análise do Congresso Nacional até a conclusão deste trabalho, estabelece o Programa de Estímulo ao Crédito (PEC), autorizando todas as instituições financeiras (públicas e privadas) a atuarem no fornecimento de crédito aos empresários e empresas de pequeno porte e aos produtores rurais (BRASIL, 2021c). A MP 1057 estipula que as taxas de juros serão objeto de livre negociação, sem intervenção governamental, desimpedindo objeções ao lucro das instituições bancárias (já agigantado).

As redação e adoção das medidas normativas emergenciais citadas contaram com a participação ativa do Ministro da Economia, Paulo Guedes. Sua Agenda Oficial de compromissos, divulgada ao público, não registra, sobretudo no período da edição das medidas legislativas (a partir de março de 2020), qualquer reunião ou encontro com representantes de órgãos de classe ou de entidades da sociedade civil que atuam na defesa de direitos das minorias (AGENDA DE AUTORIDADES, 2020)[22].

As medidas normativas emergenciais adotadas em 2020 não foram efetivas quanto ao objetivo da manutenção de emprego e renda. O incentivo estatal à atividade empresarial, até então pressuposto para a preservação de postos de emprego, não foi capaz de deter o crescente número de desemprego no País, que atingiu o impressionante índice de 14,7%, no primeiro trimestre de 2021 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2021a), tendo variado, positivamente, apenas 0,6 pontos percentuais, no segundo trimestre de 2021, alcançando históricos 14,1% (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2021d). Acresça-se que o número de trabalhadores informais - privados dos direitos trabalhistas garantidos pela CLT - chegou a 34,1 milhões (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2021b), em sua maioria submetidos à prestação de serviços por intermédio de plataformas digitais.

 

4          PANORAMA BRASILEIRO DESDE A ÓTICA DIAGNÓSTICA E PROPOSITIVA DA OIT

 

As flexibilizações de direitos trabalhistas promovidas pelas legislações emergenciais editadas pelo Poder Executivo brasileiro, no período da pandemia, contrariam, diretamente, o primeiro objetivo estratégico do Trabalho Decente.

Isso porque se deu a partir de uma concepção estreita de que a redução de direitos leva à diminuição de custos e à minimização de perdas de capital. Esta estratégia, além de penalizar economicamente os mais vulneráveis, é equivocada também do ponto de vista da racionalidade capitalista macroeconômica, na medida em que contribui para a retração do consumo.

Usando de uma narrativa neoliberal desgastada, que opõe sustento e direitos humanos trabalhistas, o Governo Federal brasileiro conferiu-lhes nova roupagem durante a pandemia, suscitando, de modo propositalmente deturpado, suposto dilema entre saúde e emprego, tendo como objetivo insistir na atividade produtiva, mesmo em ambiente de risco fatal, e mitigando direitos sob a justificativa da excepcionalidade sanitária e econômica.

O primeiro objetivo estratégico do Trabalho Decente preceitua a proteção dos direitos humanos nas relações de trabalho e sua existência ganha contornos de essencialidade justamente em momentos tão agudos quanto o da pandemia de Covid-19. Na contramão deste paradigma internacional, as Medidas Provisórias editadas pelo Governo Federal, suspenderam a aplicabilidade de direitos básicos de parte considerável de trabalhadores formais, como se depreende das profundas flexibilizações atinentes à jornada de trabalho (controlada ou não, como no caso do teletrabalho), férias e décimo terceiro salário, suscetíveis de implementação por meio de negociação individual entre patrão e empregado, assim como da desproteção advinda da autorizada suspensão contratual.

Tais medidas normativas governamentais, conquanto adotadas a propósito da pandemia, relativizaram a teia de proteção jurídica de quem trabalha, já desgastada pela Lei da Reforma Trabalhista de 2017, permitindo a intensificação do labor - mesmo dos privilegiados que passaram a laborar em que ambiente protegido (teletrabalho) - e aceleraram um processo já em marcha de direcionamento de quem vive da venda da força de trabalho para o desemprego ou a informalidade precária (intrinsecamente desprovida de direitos)[23], porquanto tais medidas não se fizeram acompanhar do asseguramento de uma fonte de renda em montante razoável e de modo estável (perene).

O segundo objetivo estratégico do Trabalho Decente preceitua a geração de empregos de qualidade e se relaciona com dois primeiros pilares de enfrentamento dos efeitos adversos da pandemia elencados nos examinados relatórios da OIT: o estímulo da economia e do emprego. Acontece que o direcionamento de verbas para manutenção da atividade empresarial pelo Governo Federal brasileiro, identificada como meio de garantir a manutenção do emprego e renda, não foi suficiente para o estímulo pretendido, como comprovado pelos índices históricos de desemprego experimentados em 2021. Demais disso, o PIB do primeiro trimestre de 2021 foi negativo em 3,8%, tendo apresentado discreto saldo positivo de 1,8%, no segundo trimestre do mesmo ano, medido em relação ao robusto decréscimo do mesmo período do ano anterior (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2021e). Em contrapartida, em setembro de 2021, o principal índice inflacionário do País (IPCA) alcançou a maior variação para o mês, desde o início do plano real (1994), no importe de 1,16%, acumulando um total, no ano, de altíssimos dois dígitos: 10,25% (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2021f). Em consequência, há expressiva corrosão dos rendimentos dos brasileiros com tamanha alta da inflação, que atinge, de modo desigual e muito mais intenso, o salário dos trabalhadores e seu poder de compras.

Veja-se, a propósito destes dois primeiros objetivos estratégicos da promoção do Trabalho Decente, que a realidade brasileira comparada entre o trimestre de junho a agosto de 2020 e o mesmo trimestre de 2021 mostra uma tendência de importante elevação da informalidade após a redução das restrições sanitárias de circulação combinada com a queda de valor do auxílio emergencial pago pelo Governo Federal. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-C), entre junho e agosto de 2021, contabilizaram-se 25,4 milhões de pessoas trabalhando por conta própria (recorde da séria histórica), com alta de 18,1%, na comparação com o mesmo período de 2020. No mesmo comparativo anual, houve alta de 23,3% de postos de trabalho no setor privado sem carteira assinada (10,7 milhões de pessoas), chegando-se a uma taxa de informalidade de 41,1% da população (ou 37,1 milhões de pessoas) para um universo de 103.844 indivíduos que compõem a força de trabalho brasileira (IBGE, 2021g).

Está-se falando, portanto, de pessoas sem acesso a quaisquer direitos trabalhistas tipicamente vinculados à contratação formal e, por conseguinte, de postos de trabalho precários. Em suma, um estado de coisas que se posiciona na direção oposta daqueles dois objetivos estratégicos e que comprova a ineficácia, senão o efeito contrário, das medidas emergenciais governamentais implementadas em decorrência da pandemia. Outra consequência deste contexto de informalidade e subocupação é justamente a maior dificuldade de experimentação da proteção social.

Enquanto a OIT preconiza um caminho de proteção social pelo Estado para a manutenção ou mitigação da perda de empregos formais, o que se verificou, no “Brasil pandêmico” de 2021, após a retração de medidas sanitárias restritivas de circulação e do pagamento de benefício assistencial emergencial aos vulneráveis, foi, como visto, o aprofundamento da tendência de ampla informalização do trabalho, desprovida de direitos trabalhistas básicos.

A noção de emprego de qualidade tal como albergada pela OIT também toca as condições materiais em que a atividade laboral é realizada, embora, em circunstância de grave crise, como a ocasionada pela pandemia, as atenções, naturalmente, se voltem para a ausência de oportunidades de empregos, circunstância essa que, no Brasil, se vê representada pelas 31,1 milhões de pessoas  desocupadas ou subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas ou na força de trabalho potencial (IBGE, 2021h).

Quanto ao emprego de qualidade, noção importante para os postos de trabalho formais mantidos ou criados na pandemia, cumpre perceber que a legislação emergencial brasileira relativiza importantes salvaguardas que miram a saúde e segurança no trabalho, como se nota do mandamento limitativo das ações coercitivas da Auditoria-Fiscal do Trabalho; na permissão de seguimento, sem travas, do trabalho informal e precário de entregadores (classificados pela normativa emergencial como essenciais); e da ampla flexibilização admitida para jornadas de trabalho e compensações, tendo por ápice da exploração a possibilidade de dobra da jornada já naturalmente extensa dos profissionais de saúde, justamente aqueles que hipotecam sua vida para salvar as de outras pessoas, na guerra pandêmica. Some-se a isso a tentativa frustrada de se atribuir ao trabalhador o ônus de provar a existência de nexo de causalidade entre a contração do vírus e a atividade realizada

Em contraponto, o socorro estatal aos grandes capitalistas ocorreu em larga escala. A utilização de verbas do Fundo de Amparo ao Trabalhador para custeio do Programa Emergencial de Suporte a Empregos remontou a R$ 1,2 bilhão (ordenados MP 936), seguida pelo encaminhamento aos bancos pelo erário público do vultoso valor de R$ 1,2 trilhão, determinado pela EC 106, sem um mecanismo transparente de acompanhamento da alocação e uso destes recursos, pretensamente destinados à manutenção e geração de emprego e renda.

Ainda, como visto, a OIT dedica especial atenção às mulheres, já prevendo os efeitos advindos da sobrecarga do acúmulo de trabalho remunerado e não remunerado tendem a ser submetidas a maior risco de contaminação pelo vírus, sendo mais propensas ao desemprego. Na América Latina, a taxa de desemprego, no contexto das mulheres medido em 2020, foi de 10,4%, enquanto a dos homens foi de 7,4%, tendo a taxa de desemprego juvenil batido seu recorde, registrando 23,2% (ORGANIZACION INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020a, p. 39), sem qualquer política pública brasileira específica para o assunto.

Como era de se esperar, a pandemia de Covid-19 também atingiu, gravemente, a economia brasileira e, de modo desigual e mais intenso, a participação das mulheres no mercado de trabalho. Mais da metade da população feminina com 14 anos ou mais foi excluída do mercado de trabalho, no segundo trimestre de 2020. De modo simplificado, significa dizer que a taxa de participação na força de trabalho — que abarca pessoas empregadas, desempregadas ou em busca de emprego — foi de 45,8%, em comparação com a força produtiva masculina, que foi de 65,7%. No que diz respeito ao desemprego – taxa de desocupação –, no mesmo segundo trimestre de 2020, foram afetados 12,8% dos homens, 16,8% das mulheres e 19,8% das mulheres negras (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2020b, p. 77). Em 2021, a taxa de desocupação, no segundo trimestre, foi de 11,7% para os homens e 17,1% para as mulheres (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2021d, p. 35)[24].

Como se já não fosse gravíssima per si, a aceleração pandêmica da desigualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro não pode olvidar, ademais, a exigência imposta a muitas mulheres de dedicação exclusiva aos trabalhos de cuidado concernentes ao lar, no período de isolamento social. Nestas circunstâncias, agiganta-se a tragédia que emerge do fato de que mulheres impedidas de integrar os espaços produtivos deixam de contar com meios importantes de se posicionar contra as opressões do sistema patriarcal, tampouco de sustentar os pequenos progressos já obtidos. Como bem elencado por Vergès, os direitos das mulheres, quando esvaziados de sua dimensão radical, representam um trunfo nas mãos dos poderosos (VERGÈS, 2020, p. 11-12).

O terceiro objetivo estratégico do Trabalho Decente busca a ampliação da proteção social, que encontra correspondência em dois pilares dispostos pela OIT em seus relatórios acerca da pandemia: o primeiro, relativo ao estímulo da economia e emprego, incluindo investimentos no setor público de saúde, os quais podem ampliar a cobertura fornecida à população; e o segundo, que diz respeito à proteção dos trabalhadores nos locais de trabalho e à expansão do acesso à licença remunerada, bem como do alcance ao sistema de saúde para todos. Trata-se de garantia do essencial à manutenção da vida, que, por sua vez, é imprescindível para o desenvolvimento de qualquer tipo de atividade laborativa. Ora, se a proteção social já é fundamento da promoção do Trabalho Decente, que dirá em momento de pandemia, que traz a reboque risco à vida, à saúde e aos empregos.

O pagamento do auxílio emergencial a pessoas em condição economicamente vulnerável, instituído inicialmente no valor de R$ 600,00, em abril de 2020, mantido por cinco parcelas mensais, foi um tanto quanto tímido, já que insuficiente para prover as necessidades mais básicas da população a que se destinava. Não obstante, o numerário disponibilizado contou com substancial redução pela metade, a partir de setembro de 2020, no exato momento em que o País passou a experimentar a elevação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA), que passou de 0,24%, em agosto de 2020, para 0,64%, em setembro do mesmo ano, fator que impactou, diretamente, na alta de preços de alimentos e itens essenciais, classificada como a maior já ocorrida desde setembro de 2003[25]. De acordo com dados do DIEESE (2020), o salário-mínimo necessário para suprir as necessidades básicas, nos meses em questão, deveriam ser de R$ 4.536,12, em agosto, e R$ 4.892,75, em setembro, enquanto o vigente para o ano de 2020 foi de R$ 1.045,00.

Com a retomada do pagamento do benefício assistencial, em março de 2021, após seu encerramento em janeiro de 2021, a quantia disponibilizada para a população em situação de vulnerabilidade com a atual crise pandêmica foi ainda menor, de somente R$ 250,00. Entretanto, segundo o indicado pelo DIEESE (2021), o valor do salário-mínimo suficiente para evitar a penúria deveria ser superior a cinco mil reais. Nestes termos, o importe fornecido pelo Governo Federal representou apenas um vigésimo do essencial para o custeio da subsistência. Importante aqui reiterar que, em setembro de 2021, a elevação do IPCA foi de 1,16%, acumulando um total inflacionário de dois dígitos 10,25% para o ano (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2021f).

A necessidade de endurecimento das medidas de isolamento social impostas pelos governos estaduais frente ao colapso enfrentado no ano de 2021, em função da chamada “segunda onda” da pandemia, que marcou 2.841 mortes em 24h (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2021), em tese, impede que parcela considerável de trabalhadores saiam às ruas para garantirem sua subsistência e se exponham a uma situação de mais vulnerabilidade. Isso, tendo em vista que o Estado brasileiro não garantiu sequer o mínimo de assistência social, frente à crescente alta dos alimentos e itens essenciais. Fala-se “em tese”, pois a ausência do amparo estatal para a população vulnerável tem como resultado o descumprimento das restrições sanitárias por necessidade econômica, favorecendo o avanço das contaminações e mortes.

Para além das falas públicas negacionistas da gravidade da pandemia vindas do Chefe do Governo Federal, as medidas legislativas emergenciais demonstraram a evidente falta de preocupação com o aumento do número de mortes e a situação dos trabalhadores do País em função da pandemia, ao tempo em notabilizam a preocupação com o giro econômico.

A esse respeito, pode-se relembrar o pensamento foucaltiano sobre a biopolítica e sua essencialidade para o capitalismo (FOUCAULT, 1999, p. 132-135), que anuncia um modo de poder que viria a exercer suas mais altas prerrogativas excludente e causar a morte, negando o imperativo da vida. Esta inquietação é atual, tendo em vista que o reflexo da manutenção da vida, na perspectiva político-institucional do Governo Federal brasileiro e do próprio capital nunca foi tão nítido, quanto num contexto pandêmico. Em ambos os polos de organização do poder sobre a vida — que toma o corpo como máquina adestrada para extorsão das forças de trabalho e vislumbra o corpo como espécie para controle da vida e da mortalidade que integram esse raciocínio—, não há êxito do Governo Federal brasileiro em exercício, pois sequer demonstra aptidão para garantir a vida ou atua para diminuir o número de existências tomadas pelas forças do vírus.

O fomento do diálogo social, quarto objetivo estratégico da promoção do Trabalho Decente, mais do que ignorado, restou inteiramente afrontado pela legislação emergencial brasileira, a começar pela dispensa da necessidade do aval sindical para suspensão dos contratos de trabalho ou redução de jornada com redução de salário. A dispensa do aval sindical para suspensão dos contratos de trabalho em geral ou redução de jornada laboral e de salário somou-se à possibilidade de dilação das jornadas de trabalho realizadas pelos profissionais da saúde, sem a observância de padrões mínimos de proteção. Em algumas das situações, não houve sequer a garantia da oportunidade de participação dos respectivos órgãos de classe, o que permite a suposição segundo a qual os efeitos da excepcionalidade sanitária na macroeconomia serviram de subterfúgio para a legislação emergencial durante a pandemia no Brasil. A respeito, digna de nota também foi a decisão do Supremo Tribunal Federal que afastou a necessidade de aval sindical aos acordos individuais de redução de jornada de trabalho com redução de salários ou suspensão de contratos de trabalho, instituída pela MP 936/2020 (BRASIL, 2020h).

Acerca da análise da Agenda Oficial do Ministro da Economia, Paulo Guedes, os dados são reveladores. Desde que foi declarado o “estado de calamidade”, no País, por causa da pandemia, as reuniões de que participou foram, em sua maioria, com representantes de instituições financeiras, de grandes empresas nacionais e internacionais, não se tendo notícia de qualquer encontro com representantes dos trabalhadores ou de uniões sindicais incumbidas a dar voz a este segmento. Um segundo ponto importante concerne à ocorrência de encontros com representantes de bancadas parlamentares de peso no Congresso Nacional – aquelas que formam frentes parlamentares em torno de agendas temáticas em comum –, o que, não por mera coincidência, pode ter culminado na aprovação do direcionamento de recursos aos bancos pela via da EC 106 (AGENDA DE AUTORIDADES, 2020).

Nestes termos, não houve qualquer diálogo social, posto que alijou por completo a representação sindical das medidas de relativização das obrigações decorrentes dos contratos de trabalho, especialmente no que tange à jornada de trabalho e a remuneração[26].

Enfim, é possível concluir-se, da análise da legislação federal emergencial aqui examinada que, a pretexto de se proteger empregos contra a crise econômica decorrente da pandemia, instaurou-se uma lógica jurídica contratual liberal típica dos tempos do capitalismo pré-século XX, baseada na igualdade formal entre as partes contratantes, a partir da qual a condição fática e jurídica do labor volta a ser definida, de forma unilateral, pelo patronato.  Nesta linha, a investigação empreendida não logrou identificar qualquer medida legislativa do Governo Federal brasileiro que tenha interferido no mercado de trabalho conforme com os cânones da promoção do Trabalho Decente, segundo o preceituado pela OIT, tampouco no que diz respeito às providências recomendadas por esta mesma Organização Internacional em relação às especificidades da pandemia de Covid-19.

A pandemia expôs, de modo brutal, as desigualdades no mundo do trabalho (OXFAM INTERNATIONAL, 2021, p. 16), mas, no caso do Brasil, contou ainda com auxílio governamental para acentuá-las. Isso porque, ao invés de mitigar os danos da pandemia à dinâmica capitalista, a legislação emergencial brasileira precarizou ainda mais as condições de trabalho sob a justificativa não confirmada de manter empregos, o que atenta contra o que a própria estrutura macroeconômica que visa garantir, dando sinais de que não possui sequer o discernimento para alcançar seu objetivo. Demais disso, essa conjuntura empurra pessoas em situação de desemprego ou trabalho precarizado informal ou formal para uma maior suscetibilidade aos efeitos mais graves da Covid-19 para a saúde e a vida[27].

A situação das pessoas economicamente vulneráveis só não foi mais desastrosa, em razão da desproteção jurídica e econômica albergada pela conduta governamental, em razão do pagamento do auxílio emergencial de R$ 600,00 imposto pelo Congresso Nacional e cujo pagamento, não sem dificuldades operacionais, assegurou alguma renda a 107 milhões de brasileiras e brasileiros, até agosto de 2020[28].

Não obstante, o exame das medidas normativas emergenciais adotadas, no Brasil, para contenção dos efeitos deletérios da pandemia de Covid-19 denota, em termos gerais, direção oposta ao preceituado pela OIT a respeito, bem como desnuda uma opção de aprofundamento de políticas neoliberais de redução ou flexibilização de direitos trabalhistas, que não favorecem sequer a dinâmica capitalista, como se pode inferir da conduta distinta verificada em países centrais, como os EUA, onde avançam medidas estatais de intervenção na garantia de alguma proteção social aos economicamente vulneráveis (COSTA; FILGUEIAS, 2021).

 

§ CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A pandemia de Covid-19 ensejou uma espécie de paralisação mundial para conter a propagação do novo coronavírus, engendrando uma intensa crise econômica, com impactos diretos no campo do labor. A OIT direcionou esforços para analisar o cenário do mercado de trabalho global e propôs medidas para enfrentamento do período pandêmico, principalmente por meio da publicação de relatórios periódicos, com análises que remetiam a cânones da promoção do Trabalho Decente.

Neste cenário, a preservação de empregos com a ajuda crucial do Estado a capitalistas, via crédito ou outros benefícios econômicos (v.g. tributários), mas também à população economicamente vulnerável por meio de assistência social, foi a receita propagada pela OIT e cumprida por quase todos os países do mundo, independentemente de sua situação de desenvolvimento.

Não obstante, a legislação emergencial adotada no Brasil não comungou, integralmente, com tal receituário, notadamente no que respeita à proteção social. Foram dados incentivos robustos a grandes operadores do capital, ao lado da implementação de uma flexibilização drástica de direitos, com parca assistência econômica e social aos pequenos e médios empresários. E, sobretudo, no que se refere aos trabalhadores formais e informais, deu-se o que se pode classificar como um “(não)combate neoliberal à brasileira” da pandemia de Covid-19, que tem mostrado como resultados o avanço da miséria e a intensa multiplicação de mortes.

Tomando-se por paradigma a promoção do Trabalho Decente, segundo o preceituado pela OIT, inclusive em sentido aplicado à pandemia, é possível afirmar que o Estado brasileiro negou consideração a todos os seus quatro objetivos estratégicos, sem exceção.

As normas emergenciais editadas pelo Governo Federal para intervenção no mercado de trabalho fragilizaram a proteção jurídica já atacada pela Lei da Reforma Trabalhista de 2017, ao darem guarida à intensificação do labor e, como resultado prático, verificou-se a acentuação do desemprego ou da informalidade, dado que a legislação emergencial de que se trata não se fez acompanhar do asseguramento de renda razoável.

O esforço de manutenção de empregos não se preocupou com sua qualidade, no sentido remuneratório e ambiental, porquanto as medidas normativas emergenciais, repita-se, corroboraram o trabalho em longas jornadas, em sistemas de compensação atípicos, enfraqueceram instrumentos de fiscalização e relativizaram obrigações de saúde e segurança do trabalho. Ademais, como dito, a realidade estatística brasileira pós-medidas emergenciais denota aumento substancial do desemprego e, após a redução das restrições sanitárias, o avanço da informalidade, que traz consigo, para além do decréscimo salarial, desproteção jurídica, vivenciada na prática, da saúde e da vida.

A proteção social oferecida foi resultado de insistência do Parlamento brasileiro e, a despeito de sua importância para a proteção da vida dos mais necessitados, contou com intermitência e valores que não trouxeram segurança social sólida, resultando em aumento da precarização do trabalho e, no limite, da fome e da pobreza extrema.

Já o diálogo social foi explicitamente ignorado pelo Governo Federal, com as bençãos do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, a partir do alijamento dos sindicatos profissionais de qualquer debate sobre normas emergenciais, assim como no que se refere à implementação dessas normas, nos espaços produtivos. 

Dentro deste “estado de coisas brasileiro”, é de se temer que o que se apresenta como legislação pretensamente emergencial e extraordinária consolide-se como ordinária e permanente, tendo a Covid-19 apenas precipitado o avanço mordaz do ímpeto desconstrutivo dos direitos trabalhistas básicos que ainda vigem.  

 

REFERÊNCIAS

 

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AGENDA DE AUTORIDADES. Ministério da Economia: Paulo Roberto Nunes Guedes. 2020. Disponível em: http://antigo.economia.gov.br/Economia/agendas/gabinete-do-ministro/ministro-da-economia/paulo-guedes/2020-03-02?month:int=3&year:int=2020. Acesso em: 21 nov. 2020.

 

ANTUNES, Ricardo. Coronavirus: o trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Boitempo, 2020.

 

BELTRAMELLI NETO, Silvio; VOLTANI, Júlia de Carvalho. Investigação histórica do conteúdo da concepção de Trabalho Decente no âmbito da OIT e uma análise de sua justiciabilidade. Revista de Direito Internacional, v. 16, n. 1, 2019, p. 166-185.

 

BELTRAMELLI NETO, Silvio; RODRIGUES, Mônica Nogueira. Trabalho Decente: comportamento ético, política pública ou bem juridicamente tutelado? Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 11, n. 1, p. 471–494, 2 abr. 2021. https://doi.org/10.5102/rbpp.v11i1.6738.

 

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BRASIL. Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020. Dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), e dá outras providências. In: Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 mar. de 2020f. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-927-de-22-de-marco-de-2020-249098775. Acesso em: 14 nov. 2020.

 

BRASIL. Medida Provisória nº 936 de 1º de abril de 2020. Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dá outras providências. In: Diário Oficial da União, Brasília, DF, 01 abr. 2020g. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv936.htm. Acesso em:  16 nov. 2020.

 

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Informações adicionais e declarações dos autores

(integridade científica)

 

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration): os autores confirmam que não há conflitos de interesse na realização das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

 

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declaration of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores; todos os coautores se responsabilizam integralmente por este trabalho em sua totalidade.

 

·      Bárbara Gonçalves: coleta e análise de dados (data curation), levantamento bibliográfico (investigation), revisão bibliográfica (investigation), redação (writing – original draft), participação ativa nas discussões dos resultados (validation) e aprovação da versão final.

 

·      Silvio Beltramelli Neto: projeto e esboço inicial (conceptualization), desenvolvimento da metodologia (methodology), análise de dados (data curation), levantamento bibliográfico (investigation), redação (writing – original draft), participação ativa nas discussões dos resultados (validation), revisão crítica com contribuições substanciais (writing – review and editing) e aprovação da versão final.

 

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of originality): os autores asseguram que o texto aqui publicado não foi divulgado anteriormente em outro meio e que futura republicação somente se realizará com a indicação expressa da referência desta publicação original; também atestam que não há plágio de terceiros ou autoplágio.

 

Dados do processo editorial

· Recebido em: 22/03/2022

· Controle preliminar e verificação de plágio: 22/03/2022

· Avaliação 1: 25/03/2022

· Avaliação 2: 17/04/2022

· Decisão editorial preliminar: 09/06/2022

· Retorno rodada de correções: 28/06/2022

· Decisão editorial final: 03/08/2022

· Publicação: 04/08/2022

Equipe editorial envolvida

·  Editor-Chefe: FQP

·  Assistente-Editorial: MR

·  Revisores: 02

COMO CITAR ESTE ARTIGO

GONÇALVES, Bárbara, BELTRAMELLI NETO, Sílvio. COVID-19 e mercado de trabalho no Brasil: análise da legislação emergencial brasileira à luz do preceituado pela OIT. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, v. 8, n. 02, e18100, jul./dez. 2021. doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v8i02.18100. Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/18100. Acesso em: dia mês. ano.



* Editor: Prof. Dr. Flávio Quinaud Pedron. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4259444603254002. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4804-2886.

[1] Mestra pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), na linha de pesquisa Cooperação Internacional e Direitos Humanos, quando foi bolsista do Núcleo de Atenção Solidária da Universidade (NAS-PUCC) e membro do grupo de pesquisa "Direito num mundo globalizado" (CNPq/PUC Campinas). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4865713307762379. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8961-7805.

[2] Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Faculdade de Direito, vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito, integrante da linha de pesquisa “Cooperação Internacional e Direitos Humanos” e dos Grupos de Pesquisa CNPq “Direito num Mundo Globalizado” e "Saúde, Direitos Humanos e Vulnerabilidades". Lattes: http://lattes.cnpq.br/4777371367391173. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3940-5983.

[3] A concepção de Trabalho Decente não se resume a uma intenção da OIT de orientar, via cooperação internacional, políticas públicas de Estado, comportando dimensão normativa (BELTRAMELLI NETO; RODRIGUES, 2021) que, contudo, não é o foco deste estudo.

[4] Incumbe al Estado una misión importante en lo tocante a facilitar y promover todas las formas de diálogo social. Tiene que crear un ambiente acogedor, en el cual se solicite y aprecie la aportación de los empleadores, de los trabajadores y de otras categorías sociales. Para ello es indispensable respetar el principio de la libertad sindical y de asociación, y facilitar la negociación colectiva” (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO. CONFERENCIA INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 1999, p. 41).

[5] “Como poderia o modelo econômico dominante, com sua legitimidade reduzida e sua saúde delicada, absorver e sobreviver aos impactos inevitáveis do que poderia se tornar uma pandemia? A resposta dependia muito de quanto tempo a ruptura poderia durar e se espalhar, pois, como Marx apontou, a desvalorização não ocorre porque as mercadorias não podem ser vendidas, mas porque não podem ser vendidas a tempo” (HARVEY, 2020, p. 13-14).

[6] Interessa, neste escrito, sumariar os dados e recomendações da OIT relativos às condições gerais do mercado de trabalho global (perda de horas, desemprego, informalidade e crise econômica), sem conceder atenção aos apontamentos específicos relativos às mulheres e aos jovens, não porque se trata de recorte de menor importância, mas para atender à análise comparativa proposta por este estudo, a qual se dedica, por questão de delimitação do texto, ao exame de circunstâncias mais gerais do comportamento do mercado de trabalho brasileiro, a partir da legislação emergencial adotada pelo Governo Federal, a qual não se preocupou com as questões etárias e de gênero.

[7] As estimativas elaboradas pela OIT (2020b, p. 3), nos relatórios em análise, representam a melhor estimação possível do impacto atual nos mercados de trabalho, feitas com base nos dados disponíveis ao tempo de sua edição, através seu modelo de previsão de curtíssimo prazo.

[8] De acordo com a OIT (2020b, p. 5), os intitulados “setores chave da economia”, assim considerados a indústria, os serviços e o comércio, empregam 1,25 bilhão de trabalhadores no mundo todo, representando cerca de 38% da força de trabalho existente, que enfrentam redução drástica e abrangente das horas de trabalho.

[9] De acordo com a OIT (2020f, p. 8), nas previsões mais pessimistas para o 4º trimestre de 2020, estimou-se a perda de 18% de horas de trabalho, o equivalente a 515 milhões de empregos a tempo integral (não parcial). Posteriormente, a OIT (2021, p. 1) confirmou que, em 2020, perdeu-se 8,8% das horas de trabalho em nível global, em comparação ao quarto trimestre de 2019, o equivalente a 255 milhões de empregos em tempo integral, sendo particularmente mais elevada na região da América Latina e Caribe, Sul da Europa e Sul da Ásia. Especificamente no Brasil, a perda foi de 15% no ano de 2020 (OIT, 2021, p. 24). Em termos gerais, foi a perda de horas de trabalho mais intensa desde a crise financeira global de 2009, aproximadamente quatro vezes maior do que o registrado no período (OIT, 2021, p. 1).

[10] De acordo com o Ministério da Saúde (2020/2021) brasileiro, o número de casos novos por dia de notificação, com média móvel de 14 dias, foi de: novembro de 2020 – 32,82 mil; dezembro de 2020 – 40,4 mil; janeiro de 2021 - 51,19 mil; fevereiro de 2021 - 51,2 mil; março de 2021 – 75,35 mil. Enquanto isso, o número de óbitos novos por dia de notificação, com média móvel de 14 dias, ao final dos respectivos meses foi de: novembro de 2020 – 507,57; dezembro de 2020 - 723; janeiro de 2021 - 1,05 mil; fevereiro de 2021 – 1,12 mil; março de 2021 – 2,62 mil.

[11]Pese al aumento del número de contagios registrado en los países de ingreso bajo, en estos las medidas adoptadas han evolucionado de forma diferente, principalmente debido a la acuciante necesidad de que una gran cantidad de personas en situación de pobreza en esos países, en particular en la economía informal, retomara su trabajo como medio de subsistência” (ORGANIZACION INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020g, p. 4).

[12] No Brasil, o setor de serviços aumentou em cerca de 400 mil o número de empresas prestadoras (+ 41,5%) e em 2,4 milhões o número de empregados (+23%), no período de dez anos, entre 2010 e 2019 (IBGE, 2021h).

[13] “Habida cuenta de que la crisis de la COVID-19 afecta de forma desproporcionada a las mujeres trabajadoras de muchas maneras, existe el riesgo de que se produzca un retroceso con respecto a algunos avances logrados en los últimos decenios, y de que se exacerbe la desigualdad de género en el mercado laboral. A diferencia de crisis anteriores, el empleo femenino corre un mayor riesgo que el masculino, en particular como consecuencia de los efectos de la recesión en el sector de los servicios. Por otro lado, las mujeres constituyen una gran parte de los trabajadores que realizan trabajos de primera línea, especialmente en los sectores sanitario y de asistencia social. El aumento de la carga de trabajo no remunerado de la atención sanitaria que ha provocado la crisis afecta en mayor medida a las mujeres que a los hombres” (ORGANIZACION INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020f, p. 1).

[14][14] Salvo raras exceções como em Israel, França e México (ORGANIZACION INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020g, p. 10)

[15] Para além do natural aumento, em temos pandêmicos, da já extensa demanda de serviços não remunerados de cuidados atribuídos às mulheres, é preciso notar que, dos segmentos em maior situação de risco, se sobressaíram os profissionais da saúde, que atuam na linha de frente no combate ao novo coronavírus. No mundo, em 2020, foram 136 milhões de trabalhadores que se dedicaram à saúde humana e à assistência social, dos quais 70% dos postos de trabalho existentes ocupados por mulheres (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020b, p. 05). Também o departamento de hospedagem e alimentação tem sido gravemente atingido pela restrição de deslocamento e interrupção das atividades, representando, no primeiro ano da pandemia, 144 milhões de trabalhadores, metade dos quais mulheres (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020b, p. 6).  Ademais, dos trabalhadores domésticos em situação de risco, em todas as regiões do mundo, as mulheres constituem maioria de pessoas nessa função, estimando-se que a América conte com 88,5% de trabalhadoras sujeitas a tais condições (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020f, p. 11). A OIT advertiu sobre o risco de perda massiva de renda das mulheres, elevando o seu nível de pobreza, que se revelou, no segundo trimestre de 2020, em patamares relevantes de 22%, de acordo com a variação do rendimento do trabalho, muito em razão adoção de medidas de apoio ao tipo de trabalhador, em vários países (ORGANIZACION INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2021a, p. 19). Por fim, afirma a OIT, quanto maior a perda de postos de trabalho feminino em virtude da pandemia, menores serão as possibilidades de recolocação de mulheres no mercado de trabalho (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020f, p. 12).

[16] Os jovens estão suscetíveis, segundo a OIT, a conformarem uma “geração de confinamento”. A taxa global de desemprego juvenil em escala, no ano de 2019, alcançou a marca de 13,6%, com mais de ¾ ocupados de modo informal, representando quatro dentre dez trabalhadores atingidos de modo ainda mais intenso, no contexto pandêmico. O cenário econômico complexo torna difícil a reinserção desses jovens no mercado de trabalho, especialmente no que diz respeito a encontrar empregos adequados aos níveis educacionais que possuem. Essas incertezas impactam também na saúde mental, tornando-os suscetíveis a episódios de ansiedade e depressão, especialmente aqueles que tiveram de deixar de trabalhar no início da pandemia (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 2020e, p. 2-13).

[17] Hipótese, prevista nos artigos 501 a 504 da CLT, a qual, se implementada, altera a disciplina ordinária de alguns direitos trabalhistas, a saber: “Art. 501 - Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente; Art. 502 - Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte: I - sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478; II - não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa; III - havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade; Art. 503 - É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região”.

[18] Após extrema repercussão negativa deste último item, houve, no dia seguinte à edição da MP 927, a revogação expressa do dispositivo legal por parte do Presidente da República, por meio da edição da Medida Provisória nº 928, de 23 de março de 2020, Art. 2º.

[19] Os artigos 8º, 9º, 26, 29 e 31 da MP 927 foram objeto de Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADINs – (nº 6.342, nº 6.344, nº 6.346, nº 6.348, nº 6.349, nº 6.352 e nº 6.354), em que aqueles que se referiam à redução da capacidade de atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho (31) e à retirada dos acometidos pela Covid-19 do rol de empregados estáveis (29) foram suspensos. Pela suspensão do artigo 29 votaram os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux; e pela suspensão do artigo 31 votaram Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux.

[20] Diante do disposto no Art. 12 da MP 936, “o diploma normativo somente exigiu a negociação coletiva para empregados com remuneração intermediária entre as hipóteses acima descritas, população que corresponde à menor parcela da força de trabalho empregada no país” (DELGADO; AMORIM, 2020, p. 8); Entendimento acerca da validade do dispositivo foi ratificado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN nº 6.363.

[21] Diz o artigo 2º da Lei 13.982/2020 e seus incisos: “As condições abrangem critérios etários e econômicos, além de excluir pessoas que sejam titulares de benefício previdenciário ou assistencial ou possuam empregos formais. Um trabalhador com 16 anos cuja atividade tenha sido suspensa durante a quarentena, por exemplo, não terá direito ao auxílio. Tampouco terá acesso ao benefício uma pessoa cuja remuneração tenha superado R$ 28.559,70 em 2018 (em média R$ 2.379,97 ao mês), ainda que sua renda tenha sido inferior no período subsequente” (ISONI, 2020, p. 16-17).

[22] Esta mesma pesquisa restou inviabilizada para o ano de 2021, porquanto a agenda oficial do Ministro da Economia, quanto ao período, não esteve disponível ao público em geral.

[23] A partir de esforço de sistematização dos dados oficiais do IBGE, Leone et. al (2021, p. 98-99) identificaram “a queda da participação do emprego no setor privado com registro de 39,3% para 35,6%, ampliação do emprego do setor privado sem registro de 11,3% para 12,5% e do trabalho por conta própria de 23,4% para 26,0%, entre 2014 e 2019.

[24] Para o segundo trimestre de 2021, não houve pela PNAD-C a divulgação de dados desagregados por gênero e raça.

[25] “A maior variação (2,28%) e o maior impacto (0,46 p.p.) no índice do mês vieram do grupo Alimentação e bebidas, que acelerou em relação a agosto (0,78%). Houve altas em outros seis grupos, com destaque para Artigos de residência (1,00%), Transportes (0,70%) e Habitação (0,37%). [...] A aceleração no grupo Alimentação e bebidas (2,28%) ocorreu especialmente em função dos alimentos para consumo no domicílio, cujos preços subiram 2,89% frente a agosto. Entre as maiores variações, estão o óleo de soja (27,54%) e o arroz (17,98%), que acumulam no ano altas de 51,30% e 40,69%, respectivamente. Em conjunto, os dois itens contribuíram com 0,16 p.p. no IPCA de setembro. Os preços de outros produtos importantes, como o tomate (11,72%), o leite longa vida (6,01%) e as carnes (4,53%) também subiram. No lado das quedas, os destaques foram cebola (-11,80%), batata-inglesa (-6,30%), alho (-4,54%) e frutas (-1,59%)” (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICAS, 2020c).

[26] É preciso que se registre, todavia, que, na contramão dos impedimentos impostos pela Lei da Reforma Trabalhista e aprofundados pelas medidas emergenciais adotadas a propósito da pandemia de Covid-19, a atividade sindical intensificou-se, sobretudo com a instalação da crise sanitária e notadamente junto às categorias profissionais que desempenham atividades essenciais, mediante ações relacionadas à fiscalização de locais de trabalho, mobilizações e reivindicações de direitos relativos à proteção de saúde e renda e distribuição de bens de primeira necessidade (como alimentos), o que se vê demonstrado no estudo de Campos et. al (2021).

[27] Após tratamento de dados oficiais e cruzamento de estatísticas e informações sobre escolaridade, sua relação com a posição no extrato social e mortalidade por infecção com SARS-Cov-2, Cardoso e Peres (2021, p. 308) indicam, com base nos dados do sistema público “SIVEP – GRIPE” (destinado a registrar as notificações de síndromes respiratórias agudas graves - SRAG), taxa de mortalidade por Covid-19 de 54,5% para brasileiros analfabetos ou sem escolaridade contra 21,4% para brasileiros com acesso ao ensino superior, com o que afirmam: “mover-se dos estratos mais baixos para os mais altos em termos de escolaridade significa subir na estrutura social e, como pode ser visto, reduzir fortemente as chances de ser morto pelo SARS-CoV-2. Uma pessoa analfabeta, se internada com Covid-19, tem 254% mais chances de morrer do que uma pessoa com mais de doze anos de estudo”.

[28] “O auxílio emergencial (ou ‘Corona-Voucher’ como pretendido pelo Ministério da Economia) garantiu renda para domicílios onde viviam 107 milhões de brasileiros e brasileiras (dados de agosto de 2020). Esse percentual relativamente alto contrasta com a realidade de 46 milhões de pessoas inicialmente “invisíveis” para o programa. Os critérios de obtenção do auxílio exigiam documentos e registro por meio de aplicativo de celular (que a população extremamente vulnerável não possui). O desenho da política pública foi simplesmente desastroso: o aplicativo gerava uma senha que expirava rapidamente, dificultando o preenchimento do formulário de inscrição. Além disso, milhões de brasileiros não têm conta em banco, levando a população a se aglomerar em filas quilométricas nos arredores de bancos e órgãos públicos, para conseguir sacar o benefício – expondo ainda mais ao vírus uma população que vive em situação de precariedade e vulnerabilidade. Seja como for, em agosto de 2020, segundo a PNAD COVID19, 107 milhões de pessoas viviam nos 30 milhões de domicílios que informaram ter recebido alguma parcela do auxílio” (CARDOSO, PERES, 2021, p. 296).