Ainda sobre a tese da constitucionalização simbólica

Still on the thesis of symbolic constitutionalizing

 

 

David F. L. Gomes[1]

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte/MG

[email protected]

 

 

OBJETIVO: O principal objetivo deste artigo é oferecer um complemento à minha análise crítica da tese da constitucionalização simbólica, de Marcelo Neves.

MÉTODO: Nesse sentido, de um ponto de vista metodológico, esse complemento é baseado em uma reconstrução categorial dos argumentos do posfácio de 2018 a seu livro “Constituição e direito na modernidade periférica”.

RELEVÂNCIA/ORIGINALIDADE: A relevância desta discussão reside em sua contribuição para uma abordagem crítica da história constitucional brasileira, principalmente pós-1988.

RESULTADOS: Os resultados mostram que a tese da constitucionalização simbólica possui três problemas, além daqueles previamente discutidos em meu ensaio “Para uma crítica à tese da constitucionalização simbólica”: um problema na “redução sociológica” que ela opera; um problema na adequação entre seu arcabouço conceitual e o fenômeno conceitualizado; e um problema em seu referencial teórico de fundo.

CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS/METODOLÓGICAS: A principal implicação teórica deste artigo situa-se em sua possível contribuição para o desenvolvimento de uma teoria constitucional crítica sobre a relação entre constitucionalismo e periferia, cujos delineamentos fundamentais apresento sucintamente na última seção.

PALAVRAS-CHAVE: Constitucionalização Simbólica. Marcelo Neves. Crítica. Brasil.

 

OBJECTIVE: The main purpose of this paper is to offer a supplement to my critical analysis of Marcelo Neves' thesis of symbolic constitutionalizing.

METHOD: In this sense, from a methodological point of view, this supplement is based on a categorical reconstruction of the arguments of the 2018 postscript to his book “Constitution and law in peripheral modernity”.

RELEVANCE/ORIGINALITY: The relevance of this discussion lies in its contribution to a critical approach to Brazilian constitutional history, mainly post-1988.

RESULTS: The results show that the symbolic constitutionalizing thesis has three problems, in addition to those previously discussed in my essay “To a criticism of the symbolic constitutionalizing thesis”: a problem in the “sociological reduction” that it operates; a problem of adequacy between its conceptual framework and the conceptualized phenomenon; and a problem in its theoretical background.

THEORETICAL/METHODOLOGICAL CONTRIBUTIONS: The main theoretical implication of this paper lies in its possible contribution to the development of a critical constitutional theory about the relationship between constitutionalism and periphery, which fundamental outlines I present in the last section.

KEYWORDS: Symbolic Constitutionalizing. Marcelo Neves. Criticism. Brazil.

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 PROBLEMAS NA “REDUÇÃO SOCIOLÓGICA”; 2 PROBLEMAS NA ADEQUAÇÃO ENTRE ARCABOUÇO CONCEITUAL E FENÔMENO CONCEITUALIZADO; 3 PROBLEMAS NO REFERENCIAL TEÓRICO DE FUNDO; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.

 

SUMMARY: INTRODUCTION; 1 PROBLEMS IN THE “SOCIOLOGICAL REDUCTION”; 2 PROBLEMS IN THE ADEQUACY BETWEEN CONCEPTUAL FRAMEWORK AND CONCEPTUALIZED PHENOMENON; 3 PROBLEMS IN THE THEORETICAL BACKGROUND; FINAL CONSIDERATIONS; REFERENCES.

 

§ INTRODUÇÃO

 

Em 19 de junho de 2018, tive a oportunidade ímpar e a alegria incomensurável de poder apresentar e discutir meu texto “Para uma crítica à tese da constitucionalização simbólica” (GOMES, 2017a) na Faculdade de Direito da UnB. O evento intitulava-se “O que constituímos desde 1988? A causalidade no sul e os desafios à constituição simbólica”, e havia sido organizado por iniciativa de Felipe Capareli, então monitor de Teoria Geral do Estado junto ao professor Menelick de Carvalho Netto.

O professor Marcelo Neves participaria do debate, mas precisou cancelar sua presença na véspera, em razão dos compromissos ligados à sua candidatura ao Senado Federal naquele mesmo ano. Para substituí-lo, indicou o professor Pablo Holmes, do Instituto de Ciência Política (IPOL) da UnB, um seu interlocutor próximo já de longa data. Sob a presidência de Felipe Capareli, a mesa de debate ficava então composta por Menelick de Carvalho Netto, por Pablo Holmes e por mim.

Em um debate franco e contundente, como deve ser, mas ao mesmo tempo respeitoso e centrado na divergência teórica – não em polêmicas e ataques pessoais –, pude aprender muito naquela noite: com Menelick de Carvalho Netto, por suposto e como sempre, mas, naquela ocasião, sobretudo com Pablo Holmes, exatamente por causa das posições teóricas divergentes. Tive a oportunidade de entender melhor tanto alguns pressupostos de fundo da obra de Marcelo Neves quanto meus próprios pontos fundamentais de crítica a essa magnífica obra. Em que pese a riqueza daquele debate e da correlata aprendizagem proporcionada, penso que não haja algo de relevante a alterar no enfoque tecido em “Para uma crítica à tese da constitucionalização simbólica”.

Insistindo, assim, em preservar as críticas ali apresentadas, gostaria, não obstante, de acrescentar ainda alguns comentários que podem ajudar a esclarecer melhor de que divergência teórico-constitucional se trata. Para isso, tomo em consideração principalmente o posfácio à edição brasileira do livro “Constituição e direito na modernidade periférica: uma abordagem teórica e uma interpretação do caso brasileiro”[2] (NEVES, 2018), texto posterior ao meu ensaio “Para uma crítica à tese da constitucionalização simbólica”, escrito em 2016[3], e busco apontar três outros tipos de problemas no conceito-tese de constitucionalização simbólica: problemas na “redução sociológica”, problemas na adequação entre o arcabouço conceitual e o fenômeno conceitualizado, problemas no referencial teórico de fundo. Ao final, apresento de maneira muito sucinta um esboço do estado da arte de meu projeto de “uma Teoria da Constituição como Teoria da Sociedade”.

 

1          Problemas na “redução sociológica”

 

Antes de entrar nos comentários críticos específicos que eu gostaria de adicionar à minha reflexão anterior, quero deixar muito claro, mais uma vez, o respeito e a admiração intelectuais que tenho pela obra de M. Neves, sobretudo por sua tese referente à constitucionalização simbólica (NEVES, 2007)[4]. Dá gosto ler! É profunda, sistemática, bem elaborada, bem escrita, extremamente sedutora. Merece o destaque que tem no contexto nacional[5], e, embora tenha também reconhecimento internacional[6], sem dúvidas mereceria tê-lo em ainda maior grau  fora de nossas fronteiras – e o teria, não fossem as dificuldades de “geopolítica acadêmica” com as quais tem de lidar um autor que vem da periferia, principalmente quando não se reduz a repetir a última moda teórica importada, mas cria algo próprio, novo, singular. Não são outros os motivos senão esse respeito e essa admiração intelectuais, bem como a qualidade em si da obra, que me levaram a debruçar-me de maneira tão detida sobre seus textos.

Do modo como vejo as coisas, minhas críticas não dizem respeito a nenhuma detração da tese da constitucionalização simbólica, mas fundamentalmente a um intento de desenvolver um modelo teórico-constitucional distinto, embora referido a problemas semelhantes. Esse modelo procura aprender, na própria apresentação de suas críticas, com alternativas explicativas concorrentes – e, certamente, o modelo explicativo de M. Neves é um dos mais robustos disponíveis. Saber até que ponto um ou outro modelo teórico-constitucional é mais adequado a uma aproximação compreensiva-explicativa da realidade – isto é, qual o modelo mais “acertado” – é uma tarefa que cabe menos a quem os desenvolve, em regra demasiado mergulhadas e mergulhados em suas próprias modelagens, do que a quem pode lê-los com alguma distância, interpretá-los e, eventualmente, tornar os diálogos entre eles mais frutíferos.

Feitas essas considerações, um primeiro tópico a somar às críticas postas em meu texto de 2016 relaciona-se à “redução sociológica”: o conceito-tese de constitucionalização simbólica padece de problemas no que tange à redução sociológica que opera como conceito. Para Guerreiro Ramos, a redução sociológica “consiste na eliminação de tudo aquilo que, pelo seu caráter acessório e secundário, perturba o esforço de compreensão e a obtenção do essencial de um dado” (RAMOS, 1996, p. 71)[7]. Em referência direta a Guerreiro Ramos, M. Neves diz: “A 'redução sociológica' ou o 'esquematismo' teórico como tipificação conceitual é inafastável no plano das ciências sociais” (NEVES, 2018, p. 377).

Embora essa asseveração venha situada na réplica a críticas quanto à sua distinção entre centro e periferia (NEVES, 2018, p. 368-378), ela pode ser generalizada para todo o arcabouço teórico-conceitual relacionado à tese da constitucionalização simbólica – mais do que isso, para todo e qualquer arcabouço conceitual, para toda e qualquer modelagem teórica, de toda e qualquer autoria. Ou seja, não há problema algum em realizar, numa elaboração teórica, uma redução sociológica: pelo contrário, essa redução é inevitável. E é digno de nota que M. Neves desenvolva essa elucubração metodológica a partir de Guerreiro Ramos e de sua “redução sociológica”, contrapondo-a expressamente aos tipos ideais weberianos e entendendo-a como mais adequada (NEVES, 2018, p. 377).

Se o problema não está na redução sociológica como categoria inelutável no labor teórico, ele reside, por outro lado, na específica redução sociológica talhada por M. Neves. Em outros termos: ele reside na delimitação conceitual correspondente ao conceito-tese de constitucionalização simbólica, mais diretamente no conceito de Constituição do qual parte e na própria conceituação correspondente do que seria um processo de constitucionalização simbólica.

Voltarei a esse ponto abaixo. Desde já, porém, e de forma muito sucinta, essa redução sociológica, essa delimitação conceitual, não consegue, de um lado, explicar satisfatoriamente as relações umbilicais entre constitucionalismo moderno e modo de produção capitalista, ao passo que, de outro lado, não consegue abarcar os processos múltiplos de aprendizagem social dos quais uma Constituição é expressão histórica e os quais retroalimentam-se novamente a partir de uma nova Constituição histórica, sempre passível na modernidade de ser interpretada como marco inaugural que tensiona normativamente, desde dentro, uma sociedade qualquer[8].

 

2          Problemas na adequação entre arcabouço conceitual e fenômeno conceitualizado

 

Em estrita ligação com os problemas na redução sociológica operada colocam-se os problemas relativos à adequação entre o arcabouço conceitual e o fenômeno conceitualizado. Na medida em que o “caso brasileiro” se apresenta, quando menos, como um exemplo privilegiado para tornar mais palatável as abstrações envolvidas no conceito-tese de constitucionalização simbólica, essa inadequação entre conceito e fenômeno também se dá a ver privilegiadamente na análise da história constitucional brasileira, precipuamente na análise de nossa história sob a Constituição de 1988.

Marcelo Neves tem razão nas denúncias que faz, seja no que diz respeito estritamente ao cenário nacional:

além de não ter havido mudança significativa na desigualdade social, o combate à exclusão não foi suficiente para uma transformação fundamental necessária às exigências do modelo textual de constitucionalismo democrático-social, nem teve a persistência temporal que se exigiria para sedimentar uma estrutura social de preferência por inclusão (NEVES, 2018, p. 403)

Seja no que se refere à relação, muito mais ampla, entre países do centro e países da periferia da “sociedade mundial”:

O lixo dos centros foi e é jogado nas periferias em forma de escravidão, invasão, guerra, apoio a ditaduras, corrupção de servidores públicos e governantes por corporações multinacionais etc. (…)

Os centros irradiadores de ideias constitucionais, ao mesmo tempo, externalizaram ou “exportaram” amplamente problemas de exclusão jurídica e política para as periferias da sociedade mundial, apoiando regimes antidemocráticos e excludentes que lhes eram favoráveis. (NEVES, 2018, p. 386-397).

Assiste-lhe igualmente razão na crítica à “judicialização da política como politização do judiciário”, bem como ao neoconstitucionalismo e ao correspondente uso “superestimado” dos princípios como “panaceia para a concretização constitucional” (NEVES, 2018, p. 407-409).

Mas essa é apenas parte da história. Sem dúvida, a sociedade brasileira preserva-se com muitas das patologias que a assolavam ao final da década de 1980. Mas muita coisa profundamente significativa também mudou. Pudemos aprender como sociedade no que tange à proteção das minorias, sem reduzir essa proteção a questões meramente identitárias[9]: aprendemos quanto à opressão de gênero, à opressão racial, à opressão da população LGBT. Pudemos também aprender sobre nossa relação com o entorno natural, com um meio ambiente do qual viemos a saber que também fazemos parte. E, se é verdade que a desigualdade socioeconômica segue sendo entre nós abismal, não é menos verdade que aprendemos aos poucos a não mais aceitá-la como algo naturalizado, como uma sina inalterável e, segundo muitas e muitos no curso de nossa história, merecida dos mais pobres[10].

M. Neves não desconhece os passos que demos na proteção das minorias históricas, por exemplo via atuação do STF: “Mesmo que tenha havido inserção relevante em temas jurídicos de indiscutível relevância moral e social, esses permaneceram no campo do reconhecimento de grupos” (NEVES, 2018, p. 407-408). Entretanto, de um lado não vê a articulação profunda entre “reconhecimento de grupos” e questões de cunho socioeconômico: aquela “inserção relevante em temas jurídicos de indiscutível relevância moral e social” teria ocorrido “sem relevante impacto na questão da exclusão de origem primariamente econômica” (NEVES, 2018, p. 408). De outro lado, não aceita que as mudanças – repita-se, não restritas a questões identitárias de “reconhecimento de grupos” – entre a sociedade brasileira do final da década de 1980 e a sociedade brasileira da virada da década de 2010 para a década de 2020 sejam suficientes para alterar seu diagnóstico já conhecido acerca de nosso fracasso constitucional:

Nesse contexto, as condições do sistema penitenciário (este marcado claramente por um forte crivo racial, com predominância desproporcional de negros), o altíssimo grau de criminalidade violenta, as deficiências dos sistemas de saúde e educação, entre outras variáveis sociais, convencem-me de que as condições de um constitucionalismo periférico, no qual os pressupostos não constitucionais da Constituição estão ausentes, ainda perduram no Brasil (…). (NEVES, 2018, p. 405)

É importante insistir: M. Neves tem toda razão nas denúncias que apresenta. Mas elas correspondem tão só a uma parte de nossa experiência constitucional pós-1988, tão só a uma parte do fenômeno constitucional que o conceito-tese de constitucionalização simbólica pretende abarcar. Ficam de fora as transformações que pudemos obter, as aprendizagens que pudemos desenvolver em relação a tantos temas sociais – inclusive em relação a esses que continuam como nossas mazelas mais acentuadas, com o recorrente recurso à Constituição na luta, travada ou não judicialmente, contra essa permanência.

E esta é outra faceta da experiência constitucional moderna como um todo – logo, também da nossa experiência constitucional específica – que o conceito-tese de constitucionalização simbólica não consegue abranger: a faceta das lutas sociais. Os processos de aprendizagem a que me refiro não são mecanismos automáticos de qualquer coisa como um progresso moral irrefreável e inadiável, que tivesse de ocorrer independentemente da reflexão e da ação de mulheres e homens concretos na concretude de seus cotidianos, como que por “detrás das suas costas” ou “por cima das suas cabeças”. Não: esses processos só podem efetivamente ser tomados como processos de aprendizagem na medida em que podem ser lidos como fruto da reflexão e da ação social de sujeitos humanos responsáveis, isto é, aptos a referirem seus atos a si mesmos e a responderem por eles. No transcurso efetivo da história, essa reflexão e essa ação vêm internamente conectadas com lutas sociais que se pronunciam contra elementos estruturais e normativos de uma sociedade que, a seus olhos, precisa ser mudada.

As limitações do conceito-tese de constitucionalização simbólica diante dessa dimensão crucial da experiência constitucional moderna, do fenômeno social-constitucional moderno,  são  tão grandes que sua alternativa acaba sendo, como regra, a desqualificação dessas lutas: em “A constitucionalização simbólica” (NEVES, 2007), elas são apresentadas como tendendo a igualmente perder-se numa apropriação retórica, simbologizada e simbologizante, da Constituição, que revelaria “muitas vezes uma concepção voluntarista e instrumentalista do direito” (NEVES, 2007, p. 176). No posfácio sobre o qual ora me concentro, na esteira da ruptura institucional de 2016, M. Neves oferece um esquema simplificador, sem nenhum lastro sociológico: “aprofunda-se a apatia do público. Em contradição com isso, os movimentos sociais radicalizam-se” (NEVES, 2018, p. 414). Esse esquema redutor é delineado mesmo diante, e apesar, da ampla articulação social, envolvendo variados setores, que acompanhou e contestou praticamente cada passo no caminho da ilegítima destituição da então presidenta Dilma Rousseff, e que permaneceu e permanece na tarefa teórica e prática de crítica depois dessa destituição.

Para quem fez e segue fazendo parte cotidianamente dessa ampla e difusa articulação, acompanhando de dentro essas variadas lutas, não há como concluir diferentemente em relação ao conceito-tese de constitucionalização simbólica: sua bela arquitetura parece corresponder a um fortificado castelo, de cuja elevada torre o grande teórico lança sua mirada à participação social e às lutas sociais no Brasil, condenando-as sempre por continuarem aquém de um ideal – talvez sonhado em terras estranhas.[11]

O zênite dessas limitações do conceito-tese de constitucionalização simbólica em face da experiência constitucional moderna e do fenômeno social-constitucional especificamente brasileiro vem, como consequência, quando M. Neves aborda as possibilidades que se colocam no horizonte de nossa sociedade.

Em primeiro lugar, ainda refletindo em torno da ruptura institucional de 2016, M. Neves apresenta o que seria a subsequente “tendência de passarmos da constitucionalização simbólica para a degradação da Constituição” (NEVES, 2018, p. 414). Esta, por seu turno, “associa-se com a tendência de as Constituições simbólicas serem mantidas apenas na medida em que favorecem os sobreincluídos em detrimento dos subincluídos” (NEVES, 2018, p. 416). Mas essa tendência não estava desde sempre implicada no conceito-tese de Constitucionalização simbólica? Haveria, então, inicialmente duas alternativas: ou a distinção entre constitucionalização simbólica e degradação constitucional não faz sentido, ou a Constituição de 1988 e nossa experiência constitucional sob sua égide foi mais do que um fenômeno de constitucionalização simbólica, e esse mais é que estaria agora sendo degradado – mas essa hipótese já fora descartada pelo próprio M. Neves. Assim, em qualquer dessas duas alternativas, o corpus como um todo da reflexão teórica fincada sob o conceito-tese de constitucionalização simbólica vem claramente a ter uma nova fissura, um novo ponto de contradição não resolvida. Uma terceira alternativa seria relacionar a degradação constitucional mais diretamente aos golpes de Estado, e M. Neves oscila também em direção a esta alternativa:

Mais especificamente, isso [a degradação constitucional] significa: se elas [as Constituições simbólicas] tendem a ser concretizadas jurídico-normativamente em benefício dos subcidadãos, o resultado é uma alta probabilidade de ruptura constitucional de “exceção”. (NEVES, 2018, p. 416)

Mas, se for esse o caso, o novo conceito de degradação constitucional é simplesmente desnecessário: haveria Constituições simbólicas, e, se se manifestasse algum processo de mudança de seu caráter simbólico em direção à sua concretização jurídico-normativa em benefício dos subcidadãos, a tendência seriam os golpes de Estado. Mesmo aqui, porém, seria preciso uma vez mais aceitar que a experiência social-constitucional pós-1988 tivesse sido mais do que uma mera reiteração de nossa tragédia constitucional histórica, mais do que simplesmente outro caso de constitucionalização simbólica – e, insisto, essa aceitação está de partida descartada por M. Neves.

Em segundo lugar, M. Neves pronuncia-se muito acertadamente contra a ingenuidade de se ver na reforma política, na simples formulação de novos arranjos institucionais, a panaceia para nossos males: não que ela não fosse importante, mas precisaria vir relacionada a “transformações estruturais da sociedade no Brasil” (NEVES, 2018, p. 417), sob pena de recaírmos, apoiando-nos apenas em emendas constitucionais que viessem consubstanciar uma reforma política, numa “reconstitucionalização simbólica permanente” (NEVES, 2018, p. 417). Com essa advertência, M. Neves encaminha-se para o desfecho de seu posfácio:

É por isso que cabe refletir em termos paradoxais se, ao contrário de um conceito jurídico de revolução nos termos da tradição kelseniana, que implica a substituição factual de uma Constituição por outra Constituição, a concretização e a realização satisfatória do modelo textual da Constituição de 1988 não suporiam uma ruptura estrutural da sociedade brasileira, que envolveria uma “revolução” social. (NEVES, 2018, p. 418).

Todavia, não é exatamente isso o que se tem tentado fazer no Brasil com as lutas, inicialmente – em meados da década de 1980 –, pela Constituição de 1988 e, em seguida, a partir da Constituição de 1988? Não são essas lutas, que tanto têm ocorrido nas últimas décadas, que M. Neves sistematicamente desqualifica, como apontado textualmente acima? Novamente, agudizam-se as contradições - de resto já apontadas em meu ensaio de 2016: são necessárias transformações estruturais na sociedade brasileira, essas transformações não passam por uma nova Constituição, mas pela concretização e pela realização satisfatória da Constituição de 1988, concretização e realização satisfatória que vêm relacionadas a uma “revolução” social; mas a Constituição de 1988 ela mesma não é tomada nem como sintoma nem como fator dessa “revolução”, enquanto as lutas a partir dela – que buscam justamente sua concretização e sua realização satisfatória – são interpretadas com a desqualificação costumeira.

Essas contradições são ainda mais dignas de nota na medida em que, por um lado, essa “revolução” não é pensada como processo de um ato só:

Tão reflexão não significa admitir que essa situação resultaria necessariamente, em termos clássicos, de um momento heroico de predomínio da violência física contra o status quo, mas sim de um processo conflituoso de busca de um projeto hegemônico sustentável de natureza democrática e, portanto, includente. (NEVES, 2018, p. 418)

Ao passo que, por outro lado, uma “alternativa dos subalternos seria exigir e lutar por um modelo de legalidade amparado constitucionalmente” (NEVES, 2018, p. 416).

Ou seja, exatamente aquele tipo de exigência e luta concretas que se têm repetido incessantemente na experiência social-constitucional brasileira – desde sempre (GOMES, 2017b), mas sobretudo pós-1988 –, e que não conseguem vir ao primeiro plano da análise teórica quando a lente utilizada para observá-las é oferecida pelo conceito-tese de constitucionalização simbólica: o filtro desse arcabouço conceitual só permite enxergar delas, repetidamente, a imagem distorcida de uma terra arrasada.

 

3          Problemas no referencial teórico de fundo

 

M. Neves está longe de simplesmente reproduzir ou “aplicar” a teoria luhmanniana dos sistemas à análise da periferia[12]. Mas seu pano de fundo teórico fundamental permanece luhmanniano em seus aspectos mais importantes. No que afeta mais diretamente o que aqui me interessa discutir, seu conceito de Constituição – base para o conceito-tese de constitucionalização simbólica – segue sendo aquele desenvolvido por Niklas Luhmann: Constituição como acoplamento estrutural entre os sistemas da política e do direito (LUHMANN, 2016, p. 348-392). Com isso, M. Neves acertadamente recusa qualquer tipo de inflação conceitual no trato das Constituições – mesmo quando, sob a rubrica do “transconstitucionalismo” (NEVES, 2009), discorre sobre problemas que ultrapassam as fronteiras de uma única ordem jurídica estatal, (NEVES, 2016b).

Por outro lado, no entanto, esse conceito de Constituição traz consigo as limitações da própria teoria dos sistemas. Não é ocasião aqui para detalhar essas limitações – que, da minha perspectiva, revelam-se por contraste com a abordagem de teoria da sociedade que venho procurando desenvolver a partir de um diálogo reciprocamente crítico entre a crítica da economia política de K. Marx e a teoria da ação comunicativa de J. Habermas (GOMES, 2019a). Contudo, é possível tocar indiretamente nessas limitações de fundo por meio de seu reflexo no conceito sistêmico de Constituição.

Em primeiro lugar, a Constituição vem definida como acoplamento estrutural apenas entre os sistemas da política e do direito. Não é que não haja relações de acoplamento estrutural entre o direito e outros sistemas, mas é que para essas relações haveria outras estruturas de acoplamento. Assim, o acoplamento estrutural entre direito e economia, por exemplo, é propiciado pelo contrato e pelo instituto da propriedade, não pela Constituição (LUHMANN, 2016, p. 348-392).

Tenho chamado de “ponto cego” da teoria constitucional moderna como um todo a relação umbilical, que essa teoria não alcança enxergar, entre constitucionalismo e modo de produção capitalista. Também a teoria dos sistemas e o conceito-tese de constitucionalização simbólica que nela se apoia possuem o mesmo ponto cego: a relação historicamente produzida de codependência interna, num plano estrutural, entre capitalismo e constitucionalismo nunca vem ao primeiro plano, sendo a relação entre direito e economia deslocada em termos de acoplamento estrutural para o contrato e a propriedade privada.

Isso não implica, por suposto, uma leitura simplista segundo a qual questões e problemas constitucionais nada teriam que ver com a economia. Mas a interferência – ou “irritação”, para ficar mais próximo do jargão sistêmico – da economia nos assuntos constitucionais apareceria sempre mediada, fundamentalmente, pela política: com seu código próprio ter/não-ter, o sistema economia se sobreporia ao sistema política, desfigurando-o em sua autorreprodução conforme seu próprio código poder/não-poder; o sistema política, com seu código assim sobredeterminado, se sobreporia, por sua vez, ao sistema direito pela via do acoplamento estrutural oferecido pela Constituição[13], sobredeterminando o código lícito/ilícito e inviabilizando a autopoiese do sistema jurídico. Por esse caminho indireto é que constitucionalismo e capitalismo, problemas constitucionais e sistema economia, estariam precipuamente relacionados.

Essa leitura não faz jus às relações historicamente postas e conceitualmente demonstráveis (GOMES, 2018; 2019a) entre constitucionalismo e modo de produção capitalista, não faz jus ao peso efetivo que a economia, com seus imperativos próprios, tem tido ao longo de todo o desenvolvimento do constitucionalismo moderno, de suas origens até os dias de hoje, no centro e na periferia do mundo: não se trata de uma relação meramente mediata, mas de uma relação direta, determinante, definidora mesmo do que vieram a ser esse constitucionalismo e o conceito de Constituição que lhe corresponde.

A alternativa, porém, não seria um conceito de Constituição pensado como acoplamento estrutural também entre o sistema direito e o sistema economia: não, pois em uma tal estratégia, para além do equívoco da redução da Constituição a uma estrutura de acoplamento entre o sistema política e o sistema direito, persistiria a redução da sociedade a um sistema de sistemas. Essa é a segunda limitação de fundo da teoria dos sistemas que vem refletida no conceito sistêmico de Constituição.

Como é típico dos maiores nomes da história do pensamento humano, N. Luhmann levou às últimas consequências, de modo coerente, sua proposta teórica[14]. A categoria da comunicação, lida no caso também em termos sistêmicos, e a diferença sistema-ambiente vieram a adquirir ares de categorias gerais de estruturação da realidade social e de sua correspondente apreensão teórica. A coerência mantida por N. Luhmann no todo de uma obra magistral torna a crítica interna a essa obra extremamente difícil, e exige que o trabalho de crítica logre explodir exatamente os limites tão bem traçados de uma teoria que vai tudo reduzindo à comunicação e à diferença sistema-ambiente, explosão que não pode senão começar justamente por esses dois pilares: a leitura sistêmica da comunicação não corresponde à maneira como nós, sociedade humana, viemos a nos constituir historicamente como uma sociedade na qual seus indivíduos se comunicam e formam suas identidades no medium dessa comunicação; e isso precisamente porque nem tudo em uma sociedade é sistema, e a sociedade ela mesma não é apenas um sistema de sistemas que são reciprocamente ambientes uns dos outros, abertos cognitivamente uns aos outros, mas fechados operacionalmente com seus próprios códigos binários.

Nessa perspectiva, acompanho integralmente as críticas de J. Habermas a N. Luhmann[15]. Mas, se também quanto a essas críticas não é aqui o lugar para retomá-las e aprofundá-las, é igualmente possível tangenciá-las por seus reflexos no conceito de Constituição – o que guarda relação íntima com os comentários críticos das duas seções anteriores, ao passo que os explica melhor e os articula. Em suma, é dessas limitações refletidas no conceito de Constituição que decorrem tanto os problemas na redução sociológica quanto os problemas na adequação entre arcabouço conceitual e fenômeno conceitualizado.

Retomando o que ficou dito acima, de um lado o conceito sistêmico de Constituição, ao tomá-la como acoplamento estrutural entre o sistema direito e o sistema política, não consegue abarcar adequadamente a relação imediata, determinante, entre constitucionalismo moderno e economia moderna, entre as Constituições modernas – o conceito moderno de Constituição – e o modo de produção capitalista. De outro lado, ao consistir em um conceito sistêmico, esculpido com o rigor e a coerência sistêmicos, ele também não abarca aquilo que não pode ser reduzido aos conceitos basilares da teoria sistêmica, isto é, aquilo que simplesmente não é sistema: fundamentalmente, um cotidiano vivido por indivíduos responsáveis, no sentido minimalista de capazes de refletir, agir e atribuir a si mesmos seus atos, indivíduos que formam suas identidades no transcurso de suas vidas em uma profunda carência recíproca por reconhecimento, no bojo de processos comunicativos inumeráveis e infindáveis nos quais compartilham sentido e tomam parte justamente como sujeitos ativos. Nesse cotidiano assim vivenciado, pode-se aprender praticamente[16] – mais que isso, é impossível, exceto em casos patológicos muito graves, não aprender – a vulnerabilidade fundamental e específica de toda vida humana, a precariedade de um si mesmo que só pode seguir seu curso de vida na dependência estrita de relações intersubjetivas estabelecidas em múltiplos níveis. Dessa vulnerabilidade, então aprendida no processo mesmo de socialização[17], emerge também a aprendizagem igualmente prática quanto ao reconhecimento negado e, como negação da negação, o impulso à luta, a injunção prática ao que pode vir a consolidar-se como lutas sociais coletivamente organizadas e historicamente situadas[18].

 

§ Considerações finais

 

Como explicado acima, no início da segunda seção, o esforço de análise pormenorizada da impressionante obra de M. Neves, principalmente do conceito-tese de constitucionalização simbólica, está relacionado ao intento de desenvolver um modelo teórico-constitucional próprio, o que venho fazendo desde minha tese de doutorado (GOMES, 2019a) e que ora sigo sob a rubrica de uma Teoria da Constituição como Teoria da Sociedade” – projeto de pesquisa cujos resultados ainda se encontram em formato parcial, provisório e fragmentário. Como quer que seja, é possível oferecer algum esboço sintético.

Um dos pilares desse projeto é, como não poderia deixar de ser, uma proposta de definição do conceito moderno de Constituição, amparado em uma leitura própria de teoria da sociedade. Em primeiro lugar, recepciono a distinção metodológica habermasiana[19] entre sistema e mundo da vida, não estendendo a abrangência da categoria sistema e da lógica que lhe corresponde para o todo das relações e das ações sociais. Em segundo lugar, rejeito a abordagem dual habermasiana do conceito de sistema como abrigando em si mercado capitalista e Estado burocrático: defino como sistema somente o modo de produção capitalista, com as injunções próprias da lei do valor que nos impelem a agir “por detrás de nossas costas”[20] e, como já fica claro pela própria terminologia utilizada, afasto-me de J. Habermas nesse ponto a partir de um retorno a K. Marx[21]. Em terceiro lugar, esse retorno é mais diretamente à obra e aos textos do próprio K. Marx – com sua grandeza, suas arestas, suas incompletudes e suas contradições – do que à tradição marxista, em regra demasiado perdida em suas engessadas brigas de família; com isso, esse retorno é também ele crítico e abre a porta para voltar a J. Habermas, à sua ênfase em nossa vida humana como uma forma de vida cultural linguisticamente mediada (HABERMAS, 2010b, p. 116) e a seu correspondente conceito de mundo da vida (HABERMAS, 2010a, p. 589-690; 2017, p. 3-42). Por conseguinte, em quarto lugar, recupero a definição geral de sociedade humana como, a um só tempo, trabalho e interação linguística (HABERMAS, 2016, p. 205-280), enquanto chego a uma definição de sociedade moderna por meio de uma especificação histórica dessas duas categorias mais abstratas e transhistóricas: sociedade moderna seria, pois, um complexo de estruturas sociais, relações sociais e sentidos socialmente compartilhados que derivam de uma tensão constante entre imperativos sistêmicos do modo de produção capitalista e expectativas normativas oriundas de um mundo da vida linguisticamente constituído e liberado, na passagem à modernidade[22], de represamentos[23] que impediam historicamente a busca mais efetiva pela concretização social das promessas emancipatórias contidas naquelas expectativas e antecipáveis sempre aqui e agora.

Permanecendo no horizonte de um dos problemas fundamentais da sociologia – a saber, o problema da integração da sociedade, o problema de uma sociedade que não se esfacele, que não devenha estilhaçada e lançada a algo como, metaforicamente, um “estado de natureza” –, em quinto lugar, acompanho em parte J. Habermas na constatação de que as sociedades modernas mantêm-se integradas por dois tipos fundamentais de integração: a integração sistêmica e a integração não-sistêmica[24]. A integração sistêmica é, como a vejo, aquela anonimamente propiciada pelos imperativos do modo de produção capitalista; por sua vez, a integração não-sistêmica diz respeito aos processos de integração que não acontecem anonimamente, “por detrás de nossas costas”, mas que dependem, ainda que em graus variados, de sentidos e entendimentos compartilhados por nós.

Por suposto, esses tipos de integração trazem consigo riscos singulares correspondentes, problemas correspondentes de integração da sociedade. E aqui se situa meu passo decisivo para o delineamento de um conceito moderno de Constituição: uma Constituição moderna pode ser compreendida como uma resposta moderna a problemas de integração da sociedade tipicamente modernos. Ou seja, nela se reflete intensivamente aquela tensão axial da modernidade entre imperativos sistêmicos e expectativas normativas. Em termos mais específicos, ela é expressão de necessidades decorrentes da consolidação histórica do modo de produção capitalista e dos problemas de integração daí decorrentes; a um só tempo, ela é também expressão normativa de expectativas que remontam, em última instância, a um mundo da vida linguisticamente mediado, a um cotidiano no qual a peculiaridade da vida humana adquire seu sentido próprio, com a percepção do caráter constitutivo que o sofrimento tem para nós, e com a correlata injunção de se voltar contra ele. Logo, na esteira da longa cadeia de mediações que vai do cotidiano vivido até as lutas sociais e políticas que condensam em si e amplificam para o mundo as variadas facetas daquele sofrimento particularmente humano, ela, a Constituição, é também expressão de lutas históricas que podem ser tomadas como signo, não de uma evolução sistêmica, mas fundamentalmente de uma aprendizagem social.

 Daí, chego a um conceito mais recortado de Constituição moderna:

uma Constituição moderna é um documento escrito; datado e assinado por um ente soberano no exercício de um poder constituinte originário; dotado do caráter de supralegalidade; que estabelece um rol de direitos fundamentais e a organização da separação dos poderes estatais; e cujo referencial temporal de legitimidade reside em sua abertura ao futuro; com essa sua estrutura, esse conceito assegura a vivência prática e complementar das autonomias privada e pública, bem como garante a diferenciação do direito, em princípio segmentado territorialmente, perante outras esferas normativas, institucionalizando com isso, em seu mais elevado grau, tanto as condições de reprodução da economia de troca capitalista quanto as condições de uma aprendizagem social que encontra seu lugar no interior de práticas comunicativas contrafaticamente livres de coerção. (GOMES, 2018, p. 144)

Esse conceito, por um lado, continua carente de algumas especificações e correções ulteriores. Por outro lado, como fica claro, vem carregado de pressupostos que, novamente, não cabe aqui desenvolver[25] para além da apertada síntese dos parágrafos anteriores.

De toda sorte, é deste conceito – sujeito a revisões – que parto neste momento para pensar o constitucionalismo moderno como fenômeno global; para, em seguida, pensá-lo em sua primeira refração geopolítica determinante, aquela entre centro e periferia do mundo, ou entre norte global e sul global; e, finalmente, para pensá-lo em sua segunda refração geopolítica determinante, aquela em que vêm ao primeiro plano as histórias sociais específicas de sociedades nacionais específicas e que, no caso do Brasil, levam-me por ora a apontar um “nós fraturado” como desafio maior à concretização por aqui das promessas emancipatórias também contidas no constitucionalismo moderno (GOMES, 2020).

 

Referências

 

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Informações adicionais e declarações dos autores

(integridade científica)

 

Agradecimentos (acknowledgement): Agradeço a João Pedro Lopes Fernandes e a Mariana Lamberti pela revisão da versão preliminar do texto e pelas valiosas sugestões apresentadas.

 

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration): o autor confirma que não há conflitos de interesse na realização das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

 

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declaration of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores; todos os coautores se responsabilizam integralmente por este trabalho em sua totalidade.

 

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of originality): o autor assegura que o texto aqui publicado não foi divulgado anteriormente em outro meio e que futura republicação somente se realizará com a indicação expressa da referência desta publicação original; também atesta que não há plágio de terceiros ou autoplágio.

 

Dados do processo editorial

· Recebido em: 20/05/2021

· Controle preliminar e verificação de plágio: 20/05/2021

· Avaliação 1: 03/06/2021

· Avaliação 2: 04/06/2021

· Avaliação 3: 14/08/2021

· Decisão editorial preliminar: 14/08/2021

· Retorno rodada de correções: 24/08/2021

· Decisão editorial final: 05/09/2021

· Publicação: 06/09/2021

Equipe editorial envolvida

·  Editor-Chefe: FQP

·  Assistente-Editorial: MR

·  Revisores: 03

COMO CITAR ESTE ARTIGO

GOMES, David F. L. Ainda sobre a tese da constitucionalização simbólica. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, v. 8, n. 02, e338, jun./dez. 2021. doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v8i02.338. Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/338. Acesso em: dia mês. ano.



* Editor: Prof. Dr. Flávio Quinaud Pedron. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4259444603254002. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4804-2886.

[1] Doutor em Direito pela UFMG. Mestre em Direito pela UFMG. Bacharel em Direito pela UFMG. Professor da graduação e do PPGD da UFMG. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1828373618919886. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0948-5860.

[2]   Livro correspondente à tese de doutorado de Marcelo Neves, defendida em 1991 junto à Universidade de Bremen e publicada em 1992 pela Editora Duncker und Humblot, em Berlim. Só em 2018 foi publicada uma tradução para o português no Brasil. O texto a que me refiro é o posfácio a essa tradução brasileira. Nas palavras de M. Neves: “Por preferir manter fidelidade ao original, decidi acrescentar um posfácio que pode servir, em certa medida, para uma discussão atualizada do tema” (NEVES, 2018, p. XV)

[3]   Embora publicado posteriormente como artigo em periódico científico e como capítulo de livro, o ensaio corresponde originalmente ao capítulo 5 de minha tese de doutoramento, defendida no mesmo ano de 2016.

[4]    Há uma edição mais recente, a terceira, de 2016, mas que não traz alterações substantivas em relação à segunda edição, de 2007. Cf. NEVES, 2016a. É interessante notar que a segunda edição traz um capítulo adicional – seu último capítulo, intitulado “Perspectiva: Constitucionalização simbólica da sociedade mundial? Periferização do centro?” – em relação à primeira edição. Cf. NEVES, 1994. Segundo M. Neves, essa segunda edição, que veio a consolidar-se como o texto definitivo do conceito-tese de constitucionalização simbólica, corresponderia à tradução para o português, com poucos acréscimos, da versão publicada em alemão em 1998, também pela  Editora Duncker und Humblot.

[5]    Em relação a isso, são dignos de nota os quatro volumes organizados por João Paulo Allain Teixeira e por Leonam Liziero. Nos textos ali reunidos, de autorias diversas, fica clara a potencialidade da obra de Marcelo Neves para refletir-se sobre a modernidade periférica (volume 1 – TEIXEIRA; LIZIERO, 2020a), o pensamento jurídico contemporâneo (volume 2 – TEIXEIRA; LIZIERO, 2020b), o constitucionalismo brasileiro (volume 3 – TEIXEIRA; LIZIERO, 2020c) e a sociedade global (volume 4 – TEIXEIRA; LIZIERO, 2020d).

[6]   Ter recebido o Prêmio Humboldt de Pesquisa em 2019 é a prova cabal desse reconhecimento.

[7]   Trecho citado na íntegra em NEVES, 2018, p. 377.

[8]   Cf., quanto a isso, minha discussão sobre as obras de Marcelo Cattoni e de Menelick de Carvalho Netto: GOMES, 2019b; 2019c.

[9]   Quanto a isso, é interessante, por exemplo, a articulação entre política de gênero e política de distribuição de renda no Programa Bolsa Família. Cf. REGO; PINZANI, 2013.

[10] Para uma abordagem mais detalhada, cf. GOMES, 2019d.

[11] Tudo isso soa ainda mais contraditório quando se tem em conta o relevante papel que o próprio Marcelo Neves desempenhou na luta contra o golpe de 2016.

[12] Cf., a título de síntese, NEVES, 2018, p. 390-401.

[13] NEVES, 2007, p. 146-152. Essa me parece a interpretação mais correta da proposta teórico-sistêmica, assim como a interpretação mais generosa do conceito-tese de constitucionalização simbólica, quanto às complexas relações entre direito, economia e política. Mas a abordagem dessas relações não vem sem ambiguidade no belo livro-tese “A constitucionalização simbólica”: às vezes, a constitucionalização simbólica parece deitar raízes, em última instância, exclusivamente nas “injunções do código ter/não-ter” da economia (NEVES, 2007, p. 152); outras vezes, parece encontrar seus fundamentos na sobreposição tanto da economia quanto da política ao direito (NEVES, 2007, p. 146); e, finalmente, na maior parte das vezes, vem definida apenas como sobreposição do sistema político ao direito – o que é reforçado pelo reiterado uso da expressão faoriana “donos do poder” (NEVES, 2007, p. 98; 105-106, por exemplo).

[14] Cf., por todos, LUHMANN, 2012; 2103.

[15] Cf., por exemplo, HABERMAS, 1987, p. 368-385; 2008, p. 106-120.

[16] Isto é, não necessariamente cognitivamente.

[17] Cf., por todos, HABERMAS, 1990, p. 188-239.            

[18] Essa é a intuição mais interessante que A. Honneth desenvolve a partir da categoria do reconhecimento em seu livro, a esta altura já clássico, “Luta por reconhecimento” (HONNETH, 2003). De um lado, porém, tal intuição esvai-se em sua última grande monografia, publicada com o título de “O direito da liberdade” (HONNETH, 2014). De outro lado, a centralidade da categoria do reconhecimento para a teoria crítica não é de modo algum privilégio da abordagem honnethiana, nem emerge nela como novidade. Minha referência fundamental quanto ao tema permanecem sendo os escritos de Jürgen Habermas, principalmente aqueles publicados ao longo das décadas de 1980 e 1990: HABERMAS, 1990; 2000; 2014. Mais recentemente, também a ideia de uma “teoria crítica da justiça” de R. Forst parece-me não se sustentar sem assumir expressamente seu fundamento na categoria do reconhecimento: R. Fort ele mesmo chega a fazê-lo, mas de maneira mais hesitante do que seria necessário. Cf. FORST, 2012.

[19] HABERMAS, 2010a, p. 589-690.

[20] Expressão recorrente ao longo de “O Capital” (MARX, 2013; 2014; 2015).    

[21] Fundamentalmente, aos principais escritos em que K. Marx desenvolve sua crítica da economia política: MARX, 2011; 2013; 2014; 2015.

[22] Tanto pelo ganho interno de racionalidade e complexidade quanto pela ação retroativa do próprio modo de produção capitalista. Essa última parte parece-me faltar à análise habermasiana.

[23] Para este ponto é fundamental o conceito de “forma de entendimento” que J. Habermas apresenta e desenvolve, a partir da noção de “forma de objetividade” de G. Lukács, ao final do capítulo 6 de sua “Teoria da ação comunicativa” (HABERMAS, 2010a, p. 678-690). Esse conceito, imprescindível para uma compreensão adequada da teoria da sociedade habermasiana, tem recebido, infelizmente, pouca atenção da literatura especializada.

[24] J. Habermas distingue entre integração da sociedade, de um lado, como gênero, e, de outro lado, como espécies, integração sistêmica e integração social (HABERMAS, 2010a, p. 634-635). Essa terminologia não me convence: cf. meu GOMES, 2020.

[25] Para um desenvolvimento detalhado desses pressupostos, cf. GOMES, 2019a.