O retrato do racismo no Brasil: 132 anos após a abolição da escravidão

The portrait of racism in Brazil: 132 years after the abolition of slavery

 

 

Ary Fernando Rodrigues Nascimento[1]

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG) – Belo Horizonte/MG

[email protected]

 

Deysiane Cristina Gomes[2]

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG) – Belo Horizonte/MG

[email protected]

 

 

RESUMO: O objetivo do presente trabalho é introduzir a discussão sobre o racismo e desigualdade racial na sociedade brasileira. Sendo assim, pretende-se analisar a conjuntura em que a população negra está inserida no Brasil, as consequências da escravidão, do racismo e das desigualdades raciais ainda nos dias atuais. Procura-se, também, apontar evoluções legislativas e políticas que vêm sendo implementadas em prol da população negra. Todavia, a pesquisa revela que os avanços ainda não foram suficientes para promover substancialmente a igualdade entre negros e brancos, razão pela qual aposta-se na mudança de pensamento e no reconhecimento dos privilégios decorrentes da cor de pele, bem como na expansão de legislações, ações, sistemas e políticas que visem extirpar o racismo e a desigualdade racial no Brasil. O raciocínio dedutivo é ferramenta essencial à execução deste trabalho, uma vez que a partir de dados advindos das publicações oficiais de fontes de pesquisa, que serão obtidos por meio de matéria de jornais, artigos, doutrinas, jurisprudência, será possível constatar a existência do racismo estrutural, fenômeno que apresenta grandes reflexos na forma em que as relações e o Estado brasileiro são organizados.

PALAVRAS-CHAVE: Abolicionismo. Ações Afirmativas. Estado Democrático de Direito. Igualdade material. Racismo.

ABSTRACT: The aim of this paper is to introduce the discussion on racism and racial inequality in Brazilian society. Thus, it is intended to analyze the conjuncture in which a black population is inserted in Brazil, as consequences of slavery, racism and racial inequalities even today. It also seeks to point out legislative and political developments that are being implemented in favor of the black population. However, the research reveals that advances have not yet been sufficient to promote equality between blacks and whites, which is why the bet is on changing thinking and recognizing the privileges arising from skin color, as well as expanding legislation , actions, systems and policies that aim to root out racism and racial inequality in Brazil. Deductive reasoning is an essential tool for the execution of this work, since based on data from official publications from research sources, which will be used through newspaper articles, articles, doctrines, jurisprudence, it will be possible to verify the existence of racism structural, a phenomenon that has great repercussions on the way in which relations and the Brazilian State are organized.

KEYWORDS: Abolitionism. Affirmative Actions. Democratic state. Equality Material. Racism.

 

SUMARIO: INTRODUÇÃO; 1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA ABOLIÇÃO NO BRASIL; 2 O ESTADO E O SURGIMENTO DAS TEORIAS RACIAIS NO CONTEXTO PÓS-ABOLIÇÃO; 2.1 A tese do branqueamento; 2.2 O mito da democracia racial; 3 O RACISMO E SUAS FORMAS DE MANIFESTAÇÃO; 3.1 Do racismo institucional; 3.2 Do racismo estrutural e da responsabilidade do Estado Brasileiro na reparação das desigualdades raciais; 4 A importância da criação do Estatuto da Igualdade Racial e da formulação de ações afirmativas em prol da população negra; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.

 

SUMMARY: INTRODUCTION; 1 CONTEXTUALIZATION OF ABOLITION IN BRAZIL; 2 THE STATE AND THE RISE OF RACIAL THEORIES IN THE POST-ABOLITION CONTEXT; 2.1 The whitening thesis; 2.2 The myth of racial democracy; 3 RACISM AND ITS FORMS OF MANIFESTATION; 3.1 Institutional racism; 3.2 Structural racism and the responsibility of the Brazilian State to repair racial inequalities; 4 The importance of creating the Racial Equality Statute and formulating affirmative actions in favor of the black population; FINAL CONSIDERATIONS; REFERENCES.

 

§ INTRODUÇÃO

 

A história brasileira foi estruturada por mais de três séculos sob um regime escravista, período este em que a desigualdade e a discriminação começaram a se consolidar na sociedade brasileira. Não bastasse sustentar o sistema por tanto tempo, o Estado promoveu uma abolição extremamente ineficaz para os negros, com manutenção da hierarquia racial até então experimentada. Além do mais, até meados de 1900 sustentou-se teorias racistas, baseada na inferioridade do negro, procurando criar uma sociedade cada fez mais branca. Assim, inicialmente, realizaremos uma abordagem histórica, demonstrando as implicações do passado ainda nos dias atuais.

Pretendemos certificar, ainda que, no Brasil, o componente racial é determinante para o acesso desigual a bens, serviços, moradia, saúde, renda, dentre outros, de forma que ainda não existe a igualdade material entre seus cidadãos.

Ao longo do trabalho, apontaremos os avanços políticos e legislativos sobre o tema, evoluções que embora sejam de suma relevância, ainda não foram aptas a solucionar o problema, evidenciando a complexa conjuntura histórica, jurídica, institucional e estrutural brasileira, razão pela qual aposta-se na expansão de legislações, ações, sistemas e políticas que se atentem para a eliminação do problema.

Não é nossa intenção o esgotamento do tema, pretendemos, primordialmente, questionar a formação de um país desigual, hierarquicamente baseado em critérios raciais, que mantém e reproduz o racismo, inclusive, por mecanismos individuais, institucionais e estruturais, de forma que os negros continuam sendo vítimas de uma sociedade violenta, discriminatória e excludente.

 

1          CONTEXTUALIZAÇÃO DA ABOLIÇÃO NO BRASIL

 

O debate sobre a escravidão e seu papel determinante na construção da sociedade brasileira, comumentemente, se desenvolve de forma dissociada dos aspectos políticos, sociais, culturais, religiosos, filosóficos, jurídicos e econômicos que amoldaram e determinaram o sistema escravista, bem como das práticas de resistência à escravidão, especialmente no âmbito jurídico, como nas chamadas ações de liberdade, promovidas junto aos tribunais por abolicionistas e pela população escravizada. Todavia, tal perspectiva impõe limites ao debate nacional e impede, assim, a compreensão mais precisa do que representou, o sistema escravista, para a história afro-brasileira e para a formação da subjetividade nacional e sócio-histórica, o que limita a ação estatal na superação definitiva e essencial da chaga que esse país precisa tratar que é o racismo.

No âmbito jurídico, legislações e mecanismos jurídicos-administrativos foram incorporados à realidade nacional desde à colonização e refletiam, de certa forma, a experiência hispânica e europeia com práticas escravistas, ao redor do mundo, decorrentes de disputas por territórios e por conflitos religiosos, a qual os vencidos eram relegados à escravidão e, como justificação dessas práticas, apoiavam-se, inclusive, em ideias religiosas. Destaca-se, nesse período, no Brasil, as Ordenações Manuelinas (1521) e Filipinas (1603), esta definia e caracterizava a escravidão como prática comercial e fundamental para o desenvolvimento regular do comércio e permaneceram em vigência até a promulgação dos códigos civis português (1867) e brasileiro (1916). Fuente et al (2018) destacam a abordagem que as Ordenações Filipinas faziam acerca do sistema escravista:

Nas Ordenações Filipinas, as leis relativas à escravidão foram incorporadas principalmente em seções que regem os bens e o comércio, uma indicação da importância que o tráfico atlântico de escravos alcançou na economia portuguesa. As Ordenações Filipinas legislavam sobre as relações entre senhores e escravos no período da independência brasileira em 1822. Mesmo depois disso, apesar da imposição gradual de novas leis nacionais, muitos dos seus princípios permaneceram em vigor. (FUENTE et all, 2018, p. 166)

A independência do país, em 1822, não representou a ruptura definitiva do sistema econômico escravista, mas pode-se dizer que a promulgação da Constituição de 1824 teve impacto sobre a questão, uma vez que esta, apesar de não reconhecer qualquer direito aos africanos sequestrados da África, assegurou cidadania aos libertos nascidos no Brasil e acesso aos cargos políticos, civis e militares baseado no mérito, estabelecendo, assim, uma ideia, nem que seja teórica, de igualdade. Apesar disso, Beatriz Gallotti Mamigonian aponta que:

Quando a Constituição de 1824 igualou nacionais a cidadãos e reconheceu cidadania brasileira aos libertos nascidos aqui, deixou os libertos africanos sem estatuto definido. Pela lógica, ter-lhes-ia cabido o estatuto de estrangeiros. No entanto, uma leitura da legislação imperial referente a estrangeiros demonstra que os africanos estiveram, na verdade, num limbo. Manuela Carneiro da Cunha já havia chamado a atenção para tal ponto, classificando-os como apátridas. (MANIGONIAN, 2015).

Ainda sobre a Constituição de 1824 e também sobre o Código Criminal de 1830, a lição de Perdigão Malheiro elucida que (1976):

A Constituição de 1824 que não falla em escravos e até implicitamente o repelle (art. 179); o Codigo Criminal de 1830, que pune o delicto de reduzir á escravidão pessoa livre (art. 179). De modo que, já antes da L. de 7 de Novembro de 1831, a Port. de 21 de Maio de 1831 (140) expedida pelo Ministro Manoel José de Souza França declarava illicito o trafico, mandava restituir á liberdade os escravos importados contra as proibições e fazia processar pelo crime previsto no art. 179 do Cod. Crim. (MALHEIRO, 1976, p. 40).

A mudança legislativa, somada às pressões internacionais, principalmente da Inglaterra, para que o país colocasse termo ao tráfico negreiro, e conflitos internos, decorrentes da resistência dos escravizados em face da escravidão, criaram uma expectativa na população afro-brasileira de uma integração e maior mobilidade social, o que, de certo, não ocorreu, uma vez que a economia cafeeira demandava mão de obra servil para seu desenvolvimento e, em razão disso, o país, pelas duas décadas seguintes à independência, permaneceu com o tráfico pujante de escravos africanos. Essa dicotomia, intensificada ainda mais com o advento da Constituição de 1824, aumentou os conflitos internos e viabilizou novas formas de resistência à escravidão. Em relação a isso, Fuente et all (2018) destacam que:

Essas mudanças, bem como a intensificação da exploração do trabalho no eito, representaram uma ruptura fundamental nas expectativas dos escravizados em todo o Brasil. Como, no dia a dia, os escravos muitas vezes superavam em número seus senhores, uma grande variedade de privilégios haviam sido negociados e concedidos, criando costumes baseados, por um lado, nas ambiguidades da legislação e, por outro, na necessidade de equilibrar a frágil ordem que sustentava o sistema escravista. Em muitas situações, pessoas escravizadas tinham garantidas a integridade familiar, uma limitada autonomia econômica (incluindo o direito de manter suas próprias economias), oportunidade de comprar a própria liberdade e algum grau de mobilidade social no âmbito da escravidão. Quando estes e outros direitos foram negados, violando expectativas baseadas nestes costumes, as lutas dos escravos tornaram-se mais públicas e hostis aos senhores. (FUENTE et all, 2018, p. 176)

As formas de resistência dos escravizados eram variadas, com destaque para as greves de fome, pequenos furtos, evasões, estabelecimento de comunidades quilombolas etc. e, geralmente, resultava em litígios judiciais, em que os tribunais eram forçados a tratar sobre ilegalidade da escravidão. Nessa senda, André Emmanuel Batista Barreto Campello (2019) destaca:

Se a escravidão se alicerçava em uma construção jurídica, a alforria também poderia ser alcançada, no Império do Brasil, por meio das Ações de Liberdade, em que os órgãos do Judiciário intervinham diretamente na relação de propriedade sobre o escravo, já que estava em discussão a própria legalidade desse odioso vínculo. (CAMPELLO, 2019).

Luiz Gama, um ex-escravizado, referência para os abolicionistas, foi patrono de centenas dessas ações de liberdade para requerer a alforria de escravizados, entrando para a história com um dos maiores juristas negros da história do país.

A tensão social, tanto interna quanto internacional, permaneceu numa escalada preocupante e forçou o império a tomar medidas mais benéficas em prol da população escravizada e, em 1850, entrou em vigor a Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu a entrada de africanos escravizados no território brasileiro. Em 1871, a Lei do Ventre Livre estabeleceu que crianças nascidas de escravizadas a partir de sua vigência eram livres, assegurou o direito de comprar a própria alforria e de acumular economias.

Nessa toada, a Lei dos Sexagenários (1885) concedeu a liberdade de escravizados com mais de 60 anos de idade, mas não criou qualquer obrigação para os senhores destes no sentido de assegurá-los condições dignas de sobrevivência, já que tratavam-se de idosos que tinham, como única vivência, a escravidão.

Assim, dado o já construído e adverso cenário, depois de mais de 300 anos de vigência (1530 a 1888) de um sistema que se estruturava na exploração da mão de obra africana, a abolição da escravidão tem como marco formal o ano de 1888, com a assinatura da Lei Áurea. A sucinta Lei nº 3.353, intitulada Lei Áurea, composta por dois artigos, sancionada em 1888 se limitou as seguintes disposições: “Art. 1°: É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil. Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário”. (BRASIL, 1888).

É importante ressaltar, ainda, que, em função da resistência dos escravizados manifestadas, principalmente, pelas fugas, o contingente de escravizados já estava bastante reduzido quando da promulgação da referida lei. André Barreto Campello (2018) dá a dimensão da tensão social que tomava conta do país:

Surgiu um clima de verdadeira desobediência civil, no qual as Sociedades Abolicionistas agiam não apenas arrecadando valores para obter cartas de liberdade – alforrias -, mas também incentivando e auxiliando o roubo e a fuga de escravos para províncias em que a abolição já houvesse ocorrido. Muitos escravos, principalmente nos redutos escravistas, estavam simplesmente abandonando os engenhos e formando quilombos: “As fazendas e os engenhos se despovoavam. As fugas cada dia mais desfalcavam os contingentes de trabalho escravo”. As fugas ocorriam em massa, das fazendas. Com o sistema ruindo, não havia mais meios de coerção aptos a promover o aprisionamento dos escravos nas propriedades (...). (CAMPELLO, 2018, p. 299).

Observe que todas as medidas jurídicas e legislativas não reconheceram direitos e nem responsabilizaram os senhores de escravos pela prática da escravidão, o que resultou na marginalização da população escravizada e no processo de construção da desigualdade social no país com base no racismo.

Essas medidas, que não emancipavam e nem garantiam, efetivamente, liberdade aos escravizados desagradou os abolicionistas, bem como, os senhores que pugnavam por indenizações pelo aviltamento ao seu direito a propriedade e, acerca disso, Fuente et all (2018) comentam que:

A lei irritou os antigos senhores de escravos por sua recusa a indenizá-los ou a obrigar os libertos ao trabalho forçado; e decepcionou abolicionistas como Joaquim Nabuco e André Rebouças por não prever que à abolição se seguissem perspectivas de “democracia rural”, educação, ou formação profissional (FUENTE et all, 2018, p. 176).

No âmbito do movimento abolicionista havia compreensões variadas acerca de como se realizaria à abolição, se com ou sem indenização. Dentre esses grupos, destacam-se os emancipadores moderados, que pugnavam por medidas graduais de emancipação nos moldes da lei de 1871, respeitando-se o direito de propriedade; e os grupos que defendiam a abolição sem indenização, classificados como emancipadores adiantados, que queriam medidas mais avançadas que as estabelecidas na referida lei, que abreviassem o fim do cativeiro, mas, no entanto, que respeitasse, no todo ou em parte, o direito de propriedade escrava; e os abolicionistas que exigiam a completa e incondicional abolição.

Em função dessa escolha política-jurídica, em que a abolição se desenvolveu de forma gradual, e com o fim estabelecido numa lei de poucas linhas, que não tinha disposições acerca das medidas para a integração dos escravizados, estes foram relegados ao abandono e à marginalização, sem acesso aos serviços e direitos básicos de cidadania, como à moradia e ao trabalho, o que acarretou na estruturação da desigualdade social. Aí está a origem da desigualdade social e do racismo. Desse modo, a construção histórica da escravidão no país desenvolveu-se sob a perspectiva daqueles que saíram como vencedores do sistema econômico escravista, os “senhores de escravos”, conferindo total apagamento a resistência africana a esse sistema e suas metodologias, inclusive jurídicas, para emancipar-se, de verdade, da escravidão, outorgando o êxito e ampliando o alcance às legislações deflagradas nesse período. 

 

2          O ESTADO E O SURGIMENTO DAS TEORIAS RACIAIS NO CONTEXTO PÓS-ABOLIÇÃO

 

2.1 A tese do branqueamento

     

A declaração de igualdade formal entre brancos e negros não foi marco capaz de harmonizar as relações raciais no novo modelo que se fundava após o fim da escravidão (1888), numa sociedade agora formada exclusivamente por pessoas livres.

Pouco tempo antes da abolição da escravatura, por volta de 1870, tem gênese, principalmente através da elite brasileira (SCHWARCZ, 1993), ideias que passam a reforçar a ideia de superioridade branca, fundamentando-as em teorias científicas e racistas firmadas na Europa durante o século XIX. Essas teses cravavam a existência de diferenças ínsitas as raças, de modo a subjugar e a inferiorizar os negros, já que os conceitos de civilização e progresso estavam intrinsicamente relacionados ao grupo dominante (brancos). Assim, Edward Telles (2003) elucida:

No século XIX, enquanto a escravidão estava em vias de ser abolida no continente americano, a ciência veio para validar a dominação racial, ao propor que caucasoides eram superiores às pessoas não brancas, em especial aos africanos. Antes disso, a raça servia para descrever a origem do indivíduo, não uma hierarquia de tipos biológicos. A subjugação dos índios e africanos deu-se mais por justificativas religiosas e morais do que por argumentos científicos. O estudo sobre raça no Brasil iniciou-se no final do século XIX, enquanto se dava o processo de abolição da escravatura, e havia por isso uma preocupação crescente com o efeito da raça no desenvolvimento futuro do Brasil. (TELLES, 2003, p. 43). 

As teorias racistas europeias e norte-americanas em alguns pontos, não se harmonizavam com o modelo racial brasileiro, aqui havia uma questão peculiar a ser considerada, qual seja a miscigenação entre brancos e negros. Sobre o tema, Lilia Schwarcz (1993) aponta que:

O desafio de entender a vigência e absorção das teorias raciais no Brasil, não está, portanto, em procurar o uso ingênuo do modelo de fora e enquanto tal, desconsiderá-lo. Mais interessante é refletir sobre a originalidade do pensamento racial brasileiro que, em seu esforço de adaptação, atualizou o que combinava e descartou o que de certa forma era problemático para a construção de um argumento racial no país. (SCHWARCZ, 1993, n.p.).

Acontece que, com a importação das teorias racistas, embasadas em argumentos até então tidos como científicos, a miscigenação passou a ser vista com olhar negativo, uma vez que a civilização que a nação tanto almejava era incompatível com a mestiçagem, já que acreditava que os africanos e seus descendentes estavam ligados ao atraso que lhes era natural o que impediria a evolução do país. Sobre esse cenário, o autor Carlos Medeiros (2004) explica que:

Até a segunda metade do século XIX, quando as ideais racistas do teórico evolucionista Herbert Spencer ou do notório conde de Gobineau, referendadas pelo establishment científico da época, tiveram como efeito gerar, entre a elite intelectual e política brasileira, um verdadeiro pessimismo racial. (MEDEIROS, 2004, p. 43).

Assim, em virtude dos novos contornos dados ao sistema brasileiro multirracial - negros, brancos e “mestiços” - e a tentativa de superá-lo faz emergir a tese do branqueamento. Em continuidade, Carlos Medeiros (2004) elucida que:

Os cientistas brasileiros encontraram meios para contornar a visão negativa mantida pelo racismo para a mistura das raças, ora classificadas como inferiores, ora como atrasadas: inventaram a tese do branqueamento e os mestiços “superiores”! (...) o branqueamento da raça era visualizado como um processo seletivo de miscigenação que, dentro de um certo tempo (três gerações), produziria uma população de fenótipo branco. Portanto, em termos gerais, o Brasil teria uma raça ou um tipo ou, ainda, um povo (o conceito empregado não importa) nacional. (MEDEIROS apud SEYFERTH, 2004, p.47).

Mediante a tese do branqueamento, portanto, presumia-se que a degeneração racial e o atraso seriam afastados da nação brasileira e isso só seria possível com a extinção dos negros do país. Para tanto, o Estado financiou até mesmo a vinda de imigrantes europeus para o Brasil, que desempenharia papel importante nesse processo. Edward Telles (2003) elucida:

O branqueamento prescrito pelos eugenistas tornar-se-ia a sustentação principal da política de imigração do Brasil. [...] Esta nova leva de mão de obra substituiu a população de ex-escravos africanos em lugares como São Paulo, ao mesmo tempo que agia como um “agente civilizador”, embranquecendo o pool genético brasileiro. Esperava que os imigrantes brancos acabassem se mesclando à população nativa, de modo a diluir a grande população negra. (TELLES, 2003, p.46).

Acontece que, por volta de 1920 e 1930, a tese de branqueamento não consegue mais se sustentar, a imigração que outrora fora fortemente incentivada e aplaudida, já não era mais venerada, no mesmo sentido, o racismo científico começava a conhecer o seu declínio e conforme George Andrews (1997, p.98), “o esforço de transformar o Brasil numa sociedade branca europeia nos trópicos fracassou. Ao fazê-lo, reabriu a questão do caminho do desenvolvimento futuro do Brasil e do caráter racial de sua identidade nacional”.

Destacamos que o Estado brasileiro institucionalizou políticas de eugenia  ou embranquecimento da população nos períodos que se sucederam ao regime escravista, inclusive em sua lei maior, como a Constituição de 1934, art. 138, b.

Dessa forma, o Brasil assumiu ser racista e empreendeu esforços para que negros pudessem desaparecer ou ao menos pretendeu a diminuição destes no território brasileiro através do processo de miscigenação.

 

2.2 O mito da democracia racial

 

A próxima fase do estudo das relações raciais no Brasil recebe o nome de democracia racial, vigente a partir da década de 1930 e dominante até a década de 1990.

Aqui, novamente, a miscigenação é ponto central do debate, entretanto, vista sob um ângulo diverso do que havia sido anteriormente reverenciado com a tese do branqueamento. Se com o branqueamento, havia um pessimismo quanto à miscigenação e buscava formar uma sociedade cada vez mais branca eliminando os negros nesse processo, verificada a sua impossibilidade de efetivação, o próximo ponto, a democracia racial, reconhecia que o Brasil era uma sociedade multirracial e formada por múltiplas culturas e que todos os povos conviviam harmoniosamente e de maneira pacífica, resgatando elementos positivos na mestiçagem, não havendo objeção a ela ou a figura do mestiço.

Gilberto Freyre é a principal figura nacional a propagar as ideias contidas na “democracia racial”, sendo que a partir dos seus estudos, concluiu que no Brasil não existia qualquer animosidade entre brancos e não brancos.

Sobre a transição do branqueamento para a democracia racial, e o papel de Gilberto Freire, George Andrews (1997) aduz que:

Freyre, em contraste, aceitou que o Brasil não era nem branco nem europeu, e que nunca o seria. Em vez de a Europa dos trópicos, o Brasil estaria destinado a ser um novo mundo nos trópicos: um experimento exclusivamente americano no qual europeus, índios e africanos tinham se juntado para criar uma sociedade genuinamente multirracial e multicultural. (ANDREWS, 1997, p. 98).

Nota-se que até mesmo o desenvolvimento das ideias de Gilberto Freyre demonstrava discriminação em relação aos negros, conservando traços do branqueamento da fase anterior, embora fosse otimista quanto à miscigenação, sendo comum e natural a veneração apenas do “mestiço”. Edward Telles (2003) elucida que:

A visão antirracista de Freyre sobre a miscigenação ficou atrelada a ideia de branqueamento desenvolvida na geração anterior. (...) Seu preconceito a favor do branqueamento é revelado na frase: “os negros estão desaparecendo rapidamente no Brasil, fundindo-se com o estoque branco”. Ao mesmo tempo, Freyre minimizava a importância do branqueamento, concentrando-se nos efeitos da miscigenação sobre a difusão das diferenças raciais. (TELLES, 2003, p.51).

A ideologia da democracia racial começa a ser questionada de maneira mais forte por volta de 1950, momento em que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) realiza uma pesquisa sobre as relações raciais no Brasil. O país se orgulhava e propagava internacionalmente ser uma sociedade desprendida de preconceito racial e, num contexto de pós-guerra, era interessante que fosse estudada, já que se mostrava uma sociedade tolerante. Verificou-se, todavia, para surpresa internacional, resultados inesperados.

Sobre o projeto e suas conclusões, Marcos Maio (1999) aponta que:

Nos anos de 1951 e 1952, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) patrocinou uma série de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil. [...] Freqüentemente se afirma que a pesquisa da UNESCO frustrou as expectativas iniciais da instituição [...] Na esperança de encontrar a chave para a superação das mazelas raciais vividas em diversos contextos internacionais, a agência intergovernamental teria acabado por se ver diante de um conjunto de dados sistematizados sobre a existência do preconceito e da discriminação racial no Brasil. (MAIO, 1999, p. 141). Grifamos.

Assim, o retorno das pesquisas sobre raça ocorre na década de 1980, quando a democracia racial novamente é contestada no meio acadêmico. Aqui, com o aprofundamento das análises, percebe-se que o novo sistema econômico não foi capaz de igualar a ordem social, já que as oportunidades não foram distribuídas proporcionalmente entre brancos e não brancos, nem mesmo na sociedade capitalista.

Marcelo Paixão (2014) disserta acerca da manutenção da desigualdade mesmo em uma sociedade capitalista. São as desigualdades raciais que marcam todo o sistema e as relações entre brancos e negros, de tal maneira que:

Desigualdades raciais não poderiam ser superadas porque seriam partes intrínsecas e necessárias do próprio modelo. No interior desse ponto de vista, são as disparidades nas condições socioeconômicas que garantem a qualidade dos modelos de interação entre brancos e negros no Brasil. (PAIXÃO, 2014, p. 304).

Assim, a cor da pele foi determinante para as relações raciais desenvolvidas no Brasil.

Da mesma forma, as consequências do mito da democracia racial foram nefastas para a busca de igualdade racial.

Antes de tudo, foi um mecanismo de manutenção do status quo da classe dominante e, para Carlos Medeiros (2004, p. 54) “constituiu a ferramenta ideológica essencial na construção de uma identidade nacional capaz de incorporar os descendentes de africanos, e também de indígenas, sem, no entanto, ameaçar a hegemonia da elite branca”.

Portanto, a manutenção da estrutura hierarquicamente desigual, donde o lugar de domínio e dominado saíram bem as claras após a abolição da escravidão, se manteve, inclusive, durante todo o período da “democracia racial” e era justamente essa a intenção.

Um significativo efeito negativo do reconhecimento e vigência da democracia racial consistiu na sua contribuição para a invisibilidade e naturalização do racismo e desigualdade raciais no Brasil. Ora, por certo, quando o Estado e a sociedade negam a existência de erros a serem corrigidos, inibem também, a efetivação de soluções que possam reparar as mazelas há muito enfrentadas pela população negra. Ora, se não havia um problema, também não há que se buscar resposta. Conforme Edward Telles (2003), isso é expressamente admitido, durante o regime militar em 1970, conforme pronunciamento do Ministro das Relações Exteriores do Brasil:

Tenho a honra de informar-lhes que, como não há discriminação racial no Brasil, não há necessidade de tomar quaisquer medidas esporádicas de natureza legislativa, judicial ou administrativa para assegurar a igualdade de raças. (TELLES, 2003, p. 58).

 A democracia racial contribuiu negativamente, também, para a descaracterização da identidade do povo negro. Isso porque, a ideologia difundida demonstrava que a luta seria desnecessária, posto que a igualdade racial já estava devidamente assegurada no nosso meio, além de reproduzir estereótipos que dificultavam o reconhecimento da identidade, subjetividade e consciência negra. Carlos Medeiros (2004) demonstra com precisão esse processo:

Os principais componentes da não politização da raça e do desestímulo à identificação grupal entre os negros são os seguintes: a) a suposição- sobretudo por parte das elites brancas- de que, em virtude da democracia racial, a discriminação não existe no Brasil ou, pelo menos, não no mesmo nível que se observa em países como a África do Sul e os Estados Unidos; b) a reprodução e disseminação contínuas de estereótipos que subestimam os negros e valorizam os brancos, o que resulta, entre os primeiros, em autoimagens rebaixadas e distorcidas e numa aversão à ação coletiva; c) as sanções coercitivas e a prevenção da dissidência, impostas pelos brancos aos negros que questionam ou ameaçam os padrões fundamentalmente assimétricos da interação racial. Com o correr do tempo, a interação desses elementos, como sistemas de crença e práticas sociais, passou a situar a diferença racial num campo de não contestação, no qual os papéis sociais dominantes e subordinados de negros e brancos são tomados como a ordem natural das relações sociais (MEDEIROS apud HANCHARD, 2004, p. 54).

Após muitas décadas de estudos e lutas, o reconhecimento do racismo pelo Estado como um problema tão somente se deu em meados de 1990, como atesta Edward Telles (2004) passando a ser incluído na agenda política, de forma que, o país iniciou tardiamente o processo de implementação de políticas raciais.

Certamente, todos esses fatores são importantes para elucidar os elevados níveis de distinção entre negros e brancos neste país. Os efeitos da escravidão não acabaram com a abolição da escravatura, é uma ilusão acreditar nisso. A interação entre brancos e negros só foi possível porque a hegemonia branca difundiu, criou e recriou mecanismos de dominação e permanência da estrutura desigual após o fim do regime escravocrata. Não era interessante para os dominadores a ruptura desse modelo. Quando o racismo científico foi se desmantelando e a tese do branqueamento não tinha como se sustentar, a estrutura foi mantida por outros meios, pela dissimulada “democracia racial”.

Esse é o conhecido racismo à brasileira, bem explicitado por Abdias Nascimento (1978):

Devemos compreender “democracia racial” como significando a metáfora perfeita para designar o racismo estilo brasileiro: não tão óbvio como o racismo dos Estados Unidos e nem legalizado qual o aparthaid da África do Sul, mas eficazmente institucionalizado nos níveis oficiais de governo assim como difuso no tecido social, psicológico, econômico, político e cultural da sociedade do país. (...) Monstruosa máquina ironicamente designada “democracia racial” que só concede aos negros um único “privilégio”: aquele de se tornarem brancos, por dentro e por fora. (NASCIMENTO, 1978, p. 93).

Fala-se em racismo à brasileira em virtude da forma como este fenômeno se manifesta na sociedade, da maneira mais sutil e velada possível, mas cruel o suficiente para retirar ou limitar o acesso dos negros as esferas da vida em igualdade de condições com os brancos.

Aqui o racismo nem sempre chegou escancarado com práticas abertamente segregacionistas como nos Estados Unidos e África do Sul, mas tende a ocorrer principalmente em formas de violência (física, psicológica, moral, econômica e etc.), de brincadeiras, estereótipos, exclusão institucional, intolerância religiosa. E a democracia racial contribuiu muito para isso, posto que criou no imaginário popular a ideia de que esse fenômeno não existe, de modo que todas essas formas de discriminação são tidas como naturais e socialmente aceitáveis. Além do mais, procurou estabelecer onde é o lugar do negro e onde é o lugar do branco na sociedade.

 

3          O RACISMO E SUAS FORMAS DE MANIFESTAÇÃO

 

3.1 Do racismo institucional

 

Conforme Edward Telles (2003), aqui no Brasil a perpetuação da discriminação racial envolve uma complexidade de meios informais e institucionais. Nesse ponto, interessante se mostra destacar o que o citado autor leciona sobre esse assunto. Vejamos:

O restante deste capítulo procura ir além, demonstrando como funcionam mecanismos particulares de discriminação racial na sociedade brasileira. Isto inclui uma série de mecanismos institucionais informais, que criam barreiras para negros e privilégios para brancos, como também uma rede de mecanismos individuais, inclusive a indiferença, agressões e várias outras práticas informais, originadas de uma cultura que naturaliza a hierarquia racial. (TELLES, 2003, p. 235-237).

Diz-se que o racismo brasileiro é institucional e, por essa razão, não se manifesta apenas em sua dimensão individual, ou seja, em práticas isoladas de determinados indivíduos e/ou grupos de pessoas, mas é componente intrínseco às atividades das próprias instituições.

Sílvio de Almeida (2019), apresenta a definição de racismo individual e explicita que essa modalidade é insuficiente para desmantelar todas as faces do racismo brasileiro, pois a concepção individualista acaba limitando o fenômeno a ações individuais, como se o fenômeno fosse uma exceção dentro da sociedade brasileira:

O racismo, segundo essa concepção, é concebido como uma espécie de “patologia” ou anormalidade. Seria um fenômeno ético ou psicológico de caráter individual ou coletivo, atribuído a grupos isolados; ou, ainda, seria o racismo uma “irracionalidade” a ser combatida no campo jurídico por meio da aplicação de sanções civis – indenizações, por exemplo – ou penais. Por isso, a concepção individualista pode não admitir a existência de “racismo”, mas somente de “preconceito”, a fim de ressaltar a natureza psicológica do fenômeno em detrimento de sua natureza política. Sob este ângulo, não haveria sociedades ou instituições racistas, mas indivíduos racistas, que agem isoladamente ou em grupo. (ALMEIDA, 2019, n.p.).

Acontece que o racismo brasileiro é institucional porque está engendrado nas instituições e corporações, tais como empresas, escolas, polícias, sistema de justiça, estabelecimentos prisionais, hospitais e etc.

Conforme o entendimento de Sílvio de Almeida (2019), pelo viés institucional, o poder é a característica primordial das relações raciais. Sobre a questão, o autor continua:

Assim, detêm o poder os grupos que exercem o domínio sobre a organização política e econômica da sociedade. Entretanto, a manutenção desse poder adquirido depende da capacidade do grupo dominante de institucionalizar seus interesses, impondo a toda sociedade regras, padrões de condutas e modos de racionalidade que tornem “normal” e “natural” o seu domínio. No caso do racismo institucional, o domínio se dá com o estabelecimento de parâmetros discriminatórios baseados na raça, que servem para manter a hegemonia do grupo racial no poder. Isso faz com que a cultura, os padrões estéticos e as práticas de poder de um determinado grupo tornem-se o horizonte civilizatório do conjunto da sociedade. Assim, o domínio de homens brancos em instituições públicas – o legislativo, o ministério público, reitorias de universidades etc. – e instituições privadas – por exemplo, diretoria de empresas – depende, em primeiro lugar, da existência de regras e padrões que direta ou indiretamente dificultem a ascensão de negros e/ou mulheres, e, em segundo lugar, da inexistência de espaços em que se discuta a desigualdade racial e de gênero, naturalizando, assim, o domínio do grupo formado por homens brancos. O uso do termo hegemonia não é acidental, uma vez que o grupo racial no poder enfrentará resistências. Para lidar com os conflitos, o grupo dominante terá de assegurar o controle da instituição, e não somente com o uso da violência, mas pela produção de consensos sobre a sua dominação. Desse modo, concessões terão de ser feitas para os grupos subalternizados a fim de que questões essenciais como controle da economia e das decisões fundamentais da política permaneçam no grupo hegemônico. (ALMEIDA, 2019, n.p.). Grifamos.

Portanto, o racismo funciona de modo a viabilizar a manutenção de uma classe racial privilegiada no poder que se vale da utilização de diversos mecanismos discriminatórios para a estabilidade desse sistema, inclusive, com a reprodução do racismo através do controle das instituições, o que dificulta ainda mais o combate e a detecção do fenômeno. Para Tânia Müller e Lourenço Cardoso (2017):

Nas sociedades marcadas pela herança colonialista, o negro é, necessariamente, essa “vítima em potencial”, ou seja, aquele que é interpretado pelo branco como sua antítese (CARDOSO, 2014). Esse mecanismo perverso foi concebido para justificar uma hierarquia social pautada na ideia de superioridade racial. Característica das relações colonialistas, essa estrutura tem se mostrado capaz de resistir a diferentes contextos sociais sem perder a sua essência, isto é, mantendo os privilégios e lugar de poder a um grupo étnico-racial específico autodeclarado “branco”. (MULLER; SANTOS, 2017, n.p.).

Reni Eddo-Lodge (2019) assim define o privilégio branco:

Privilégio branco é a ausência das consequências negativas do racismo. Uma ausência de discriminação estrutural, uma ausência da sua raça sendo vista como um problema em primeiro lugar, uma ausência de “menos chances de sucesso por causa da minha raça”. É uma ausência de olhares engraçados direcionados a você porque acredita-se que você esteja no lugar errado; uma ausência de expectativas culturais; ausência da violência promulgada em seus antepassados por causa da cor de suas peles; uma ausência de uma vida inteira de marginalização sutil e divisória – exclusão da narrativa de ser humano. (EDDO-LODGE, 2019, n.p.)

O racismo, portanto, é uma estrutura de poder. A manutenção do poder permite que um grupo étnico-racial usufrua das mais diversas vantagens e detenha também o domínio das instituições.

A existência de um grupo (negro) sujeito a diversas mazelas – sociais, econômicas, psicológicas e etc.-, implica, em contrapartida, a existência de outro grupo (branco) que usufrui de diversos privilégios advindos dessa dicotomia. Denominada como “branquitude”, assim é definida pelos autores Tânia Müller e Lourenço Cardoso:

A branquitude significa pertença étnico-racial atribuída ao branco. Podemos entendê-la como o lugar mais elevado da hierarquia racial, um poder de classificar os outros como não brancos, desta forma, significa ser menos que ele. Ser branco se expressa na corporeidade, isto é, a brancura, e vai além do fenótipo. Ser branco consiste em ser proprietário de privilégios raciais. (MULLER; CARDOSO, 2017, n.p.).

Assim, o racismo não somente é responsável pela subjugação, exclusão e discriminação de pessoas negras, mas também age para manter brancos no poder. E, como é um fenômeno que atua na distribuição de desvantagens/privilégios para os diferentes grupos raciais, sendo o grupo que detém o poder o mesmo que recebe vantagens, dificilmente se insurgirá contra as desigualdades produzidas, eis que se beneficia desse binômio.    

Dessa forma, para Maria Aparecida Bento (2014), os brancos sustentam um “pacto narcísico” em que os privilégios não são discutidos com vistas a manutenção de sua hegemonia. Nessa linha:

“O silêncio, a omissão, a distorção do lugar do branco na situação das desigualdades raciais no Brasil têm um forte componente narcísico, de autopreservação, porque vêm acompanhada de um pesado investimento na colocação desse grupo como grupo de referência da condição humana.” (BENTO; CARONE, 2014).

Dito isso, o racismo brasileiro não se manifesta apenas em práticas individuais, mas é um fenômeno que perpassa as instituições e, da mesma forma, age na manutenção de privilégios para um determinado grupo racial que possui em seu favor os aparatos institucionais, econômicos, ideológicos, sociais, políticos e culturais necessários para que o racismo seja naturalizado e mantido dentro da sociedade brasileira.

Para Silvio de Almeida (2019):

“Não se trata, portanto, de apenas um ato discriminatório ou mesmo de um conjunto de atos, mas de um processo em que condições de subalternidade e de privilégio que se distribuem entre grupos raciais se reproduzem nos âmbitos da política, da economia e das relações cotidianas”. (ALMEIDA, 2019, n.p.).

Ainda, Silvio de Almeida (2019) esclarece que a dominação racial somente se mantém porque possui a capacidade de ser absorvida como componente da sociedade: “é exercida pelo poder, mas também pelo complexo cultural em que as desigualdades, a violência e a discriminação racial são absorvidos como componentes da vida social”.

Assim, enquanto o racismo for naturalizado, dificilmente será extirpado da sociedade e as pessoas negras continuarão sendo discriminadas. O fim do racismo exige a participação de toda a sociedade, a reavaliação dos privilégios brancos e das desvantagens geradas para os negros, além de exigir a aplicação de maneira séria do arcabouço jurídico.

 

3.2. Do racismo estrutural e da responsabilidade do Estado Brasileiro na reparação das desigualdades raciais

 

A compreensão histórica do que foi a escravidão e seus contornos pós-abolição, o esforço da elite para explicar cientificamente a inferioridade inata dos povos e da cultura negra, culminando na criação do racismo científico, a resposta brasileira dada no final do século XIX e primórdios do século XIX ao sistema multirracial, determinada a produzir uma população cada vez mais branca -tese do branqueamento-, com o financiamento do Estado tendente a impulsionar a imigração europeia com a finalidade de “produzir” “mestiços” mais claros, o surgimento do mito da democracia racial, sob a falsa perspectiva de que as relações raciais no Brasil eram harmônicas e o tardio reconhecimento e consequente entrada do tema racismo na agenda política, bem como a reestruturação das formas de exclusão, discriminação e violência, são elementos que explicam, em parte, a desigualdade racial e a discriminação suportadas pelos negros na sociedade brasileira contemporânea.

Analisando os indicadores acerca da desigualdade racial, fica evidente que a cor da pele, textura dos cabelos, formato do nariz e lábios e demais traços fenotípicos continuam a ser elementos estruturantes das relações no Brasil.

De acordo com dados do IBGE (2016) a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) apontou que 54% da população brasileira era formada por negros e pardos em 2015. Todavia, a participação no grupo dos 10% mais pobres era de 75%, já no grupo do 1% mais rico, apenas 17, 8%.

No que tange à educação, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), divulgada pelo IBGE (2018a), a taxa de analfabetismo das pessoas com idade igual ou superior a 15 anos em 2017, era de 4% entre brancos e de 9,3% entre negros e pardos. Para aqueles com idade igual ou superior a 60 anos de idade, a taxa era de 10,8% entre brancos e de 28,9% entre pretos e pardos.

Em 2017, quanto aos níveis de instrução das pessoas com idade igual ou superior a 25 anos, o desempenho dos negros ou pardos é inferior em todos eles em relação aos brancos. A taxa correspondente às pessoas sem instrução ou com ensino fundamental incompleto para brancos era de 33,6%, ao passo que para negros de 47,4%; para o fundamental completo ou médio incompleto era de 12% e para os negros 13,8%; para o ensino médio completo ou superior incompleto era de 31,5% para brancos e 29,6% para negros. Por fim, as diferenças mais alarmantes se referem ao percentual de pessoas que possuem ensino superior completo. Para os negros a taxa era de 22,9%, já para os não negros era de 9,3%.

Ainda em relação à educação, levando em conta pessoas com idade igual ou superior a 25 anos, os homens brancos estudam, em média, 10 anos e as mulheres brancas apresentam uma média de 10,2 anos estudados. Por sua vez, os homens negros estudam, em média, 8 anos e as mulheres negras 8,5 anos.

No que se refere à taxa de desemprego, a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio- 4º Trimestre de 2017, IBGE (2018b) revela que para os negros a taxa de desocupação é de 14,5% e para brancos de 9,5%.

Conforme noticiado no jornal eletrônico G1, publicada por Helton Gomes (2018), negros ocupam a maioria das vagas sem qualificação, ao passo que brancos ocupam majoritariamente os empregos elitizados.

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pelo Instituto Ethos, divulgada por Roberta Scriviano (2018) no site de notícias O Globo, nas 500 maiores empresas brasileiras somente 4,7% dos cargos executivos são ocupados por negros, sendo que dessas 500 empresas analisadas 3,9% contam com formas de ação afirmativas para ampliar a presença de negros.

Ademais, conforme dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), divulgados em 2017 pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública através do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), a população carcerária brasileira em 2016 era de 726.712 presos, destes 64% são negros, ou seja, 465.096.

Em 2019, conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020), a população carcerária atingiu o expressivo número de 755.274 presos, destes 66,7% são negros, o que revela que no período de 2016 a 2019 houve um aumento de 2,7% na taxa de encarceramento da população negra, o que evidencia a maior representação desse grupo no sistema prisional, já que em 2015, a população negra com idade superior a 18 anos formava 53%, como conclui o referido Levantamento.

Ainda, conforme a pesquisa, no ano de 2005 a população carcerária era formada por 58,4% de negros e 39,8% de brancos, ao passo que em 2019 passa a ser formada por 66,7% de negros e 32,3% brancos, demonstrando que ao longo dos anos a taxa de pessoas negras encarceradas aumentou, enquanto a de pessoas brancas diminuiu.

 Desta feita, 2 a cada 3 presos são negros, demonstrando que o Estado brasileiro e o sistema de justiça criminal encarceram majoritariamente pessoas negras, conforme explicitado pela autora Juliana Borges (2019). Transcrevo trechos de sua obra:

O sistema de justiça criminal tem profunda conexão com o racismo, sendo funcionamento de suas engrenagens mais do que perpassados por essa estrutura de opressão, mas o aparato reordenado para garantir a manutenção do racismo e, portanto, das desigualdades baseadas na hierarquização racial. Além da privação da liberdade, ser encarcerado significa a negação de uma série de direitos e uma situação de aprofundamento de vulnerabilidades. Tanto o cárcere quanto o pós-encarceramento significam a morte social desses indivíduos negros e negras que, dificilmente, por conta do estigma social, terão restituído o seus status, já maculado pela opressão racial em todos os campos da vida, de cidadania ou possibilidade de alcança-la. (BORGES, 2019, n.p.).

Destaca-se que não significa que negros cometem mais crimes que brancos, mas sim que a justiça criminal escolhe e prioriza a punição de pessoas negras, sendo essa uma face do racismo, o que vai desencadear numa série de medidas seletivas tomadas pelos aparatos policial e judicial, desde a suspeição, abordagens, prisão, julgamento até a execução das penas, recorte dos tipos penais a serem combatidos (com ênfase a guerra às drogas), operações ostensivas nas favelas e etc. Aliás, o estereótipo de criminoso é associado no imaginário social a figura do negro, o que, em certa parte, legitima e naturaliza a ação preferencial do Estado nos corpos negros.

A título exemplificativo acerca do estereótipo retromencionado, cita-se a sentença criminal da juíza Inês Marchalek Zarpelon, do Estado do Paraná/PR que, ao valorar como desfavorável à conduta social de um homem negro, utilizou a raça do agente na sua fundamentação, conforme divulgado pelo site G1, nos seguintes dizeres:

Sobre sua conduta nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente”. (G1, 2020, n.p.)

No âmbito da violência, os negros também estão mais vulneráveis e expostos ao problema.

Consoantes os dados obtidos por Daniel Cerqueira (2020) registrados no Atlas da Violência de 2020, entre 2008 e 2018, a morte de brancos, indígenas e amarelos diminuiu em 12,9%, enquanto a morte de negros aumentou 11,5%.   

Da mesma forma, em 2018, os negros representaram 75,7% das vítimas de homicídios. Por outro lado, em relação aos não negros, a taxa foi de 13,9%, “o que significa que, para cada indivíduo não negro morto em 2018, 2,7 negros foram mortos”. Levando em consideração o assassinato de mulheres, a pesquisa revela que as mulheres negras representam 68% do total das mortes, quase o dobro se comparada às mulheres não negras neste mesmo intervalo de tempo.

Outro aspecto importante trazido pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2019) se relaciona a problemática da violência policial. A pesquisa identificou que no ano de 2019, em relação as mortes oriundas de intervenções policiais, 75,4% das vítimas de atuação policial são negras. O estudo, ainda, apontou um crescimento de 19,6% das mortes em relação ao ano de 2017 por intervenção policial.

Outros dados alarmantes foram trazidos pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020) e se referem as mortes de crianças e adolescentes, relevando que o Brasil teve aproximadamente 5.000 mortes violentas de crianças e adolescentes em 2019, sendo que 75% eram negros, o que demonstra, sem sombra de dúvidas, a maior exposição do negro a violência.

Merece destaque à conclusão que trazem os Atlas de Violência, referentes aos anos de 2018 e 2020, que, certamente, elucidam as diferenças vivenciadas por brancos e negros em relação à violência:

Uma das principais facetas da desigualdade racial no Brasil é a forte concentração de homicídios na população negra. Quando calculadas dentro de grupos populacionais de negros (pretos e pardos) e não negros (brancos, amarelos e indígenas), as taxas de homicídio revelam a magnitude da desigualdade. É como se, em relação à violência letal, negros e não negros vivessem em países completamente distintos. (CERQUEIRA, 2018, p. 40).

Assim, quando o assunto é vulnerabilidade à violência, negros e não negros vivem realidades completamente distintas e opostas dentro de um mesmo território. Alagoas, para citar o exemplo mais emblemático, é o estado que apresenta maiores diferenças de vitimização entre negros e não negros, com taxas de homicídio de negros sendo 17,2 vezes maiores do que a de não negros. (CERQUEIRA, 2020, p. 48).

Portanto, os dados revelam que a população negra também é o alvo principal das mortes violentas, até mesmo daquelas provocadas pela ação do próprio Estado e daquelas que atinge crianças e adolescentes. Não há como se desconsiderar que negros e não negros vivem realidades totalmente diferentes dentro de um mesmo território. Como explicar a situação sem que se evidencie a perpetuação do racismo?

Fala-se sobre genocídio da população negra porque os dados evidenciam que as pessoas negras no Brasil são sistemicamente assassinadas em razão da cor da pele, devendo ser salientado que o racismo age para naturalizar não somente essas mortes, mas a violência policial, a superpopulação de pessoas negras em presídios, em favelas, em trabalhos mal remunerados, no desemprego, normalizando, ainda, a ausência de pessoas negras em espaços de poder, no exercício da dignidade humana e na fruição de direitos, afinal, o racismo fornece as bases ideológicas necessárias para a construção de crenças e valores, dentre elas, a de que determinados corpos e determinadas vidas não têm valor ou, ao menos, de que têm menos valor.

Reforça esse raciocínio, o pensamento de Sílvio de Almeida (2019):

“o racismo, enquanto processo político e histórico, é também um processo de constituição de subjetividades, de indivíduos cuja consciência e afetos estão de algum modo conectados com as práticas sociais. Em outras palavras, o racismo só consegue se perpetuar se for capaz de produzir um sistema de ideias que forneça uma explicação ‘racional’ para a desigualdade racial”. (ALMEIDA, 2019, n.p.).

Assim, nos vemos diante de um cenário onde o Estado escolhe deliberadamente que pessoas negras devem morrer e corpos negros podem ser aniquilados, das mais diversas formas, o que é autorizado pelo racismo engendrado nas mais profundas estruturas da sociedade brasileira.

Sobre o assunto, Achille Mbembe (2016) usa o termo “Necropolítica” que  significa: “a expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer.”      

Em continuidade, o autor Achille Mbembe (2016) complementa que:

A política da raça, em última análise, está relacionada com a política da morte. Com efeito, em termos foucaultianos, racismo é acima de tudo uma tecnologia destinada a permitir o exercício do biopoder, “aquele velho direito soberano de morte”. Na economia do biopoder, a função do racismo é regular a distribuição de morte e tornar possível as funções assassinas do Estado. Segundo Foucault, essa é “a condição para a aceitabilidade do fazer morrer. (MBEMBE, 2016, p. 128).

A par de tais considerações, pretende-se demonstrar que o racismo brasileiro é estrutural e, dessa forma, a cor da pele das pessoas é fator determinante e estruturante das relações sociais, econômicas, políticas, jurídicas, culturais e ideológicas na sociedade brasileira. Isso quer dizer que as discriminações raciais isoladas e aquelas praticadas no âmbito das diversas instituições e organismos que reproduzem o poder, têm fundamento numa estrutura que legitima às suas ações racistas e as naturaliza, e portanto, tem-se que o racismo é uma base que sustenta a sociedade brasileira desde os primórdios da escravização de africanos e, por conseguinte, autoriza, naturaliza e reproduz ações individuais e  mecanismos institucionais, além de permitir a manutenção da hegemonia branca e o seu sistema de privilégios. 

Complementa este entendimento, as lições de Sílvio de Almeida (2019):

“Em resumo: o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, no modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural. Comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção. O racismo é parte de um processo social que ocorre “pelas costas dos indivíduos e lhes parece legado pela tradição”. Nesse caso, além de medidas que coíbam o racismo individual e institucionalmente, torna-se imperativo refletir sobre mudanças profundas nas relações sociais, políticas e econômicas. A viabilidade da reprodução sistêmica de práticas racistas está na organização política, econômica e jurídica da sociedade. O racismo se expressa concretamente como desigualdade política, econômica e jurídica. (Almeida, 2019, n.p.)

Feitas tais considerações, entendemos que o racismo na sociedade brasileira é um fenômeno complexo, que envolve diversas variáveis, dentre elas, a formação histórica-social, as suas formas de manifestações (individual, institucional e estrutural), a permanência do imaginário social do mito da democracia racial, a omissão do Estado brasileiro no combate ao racismo e as desigualdades raciais, a ação estatal na criação de estratégias prejudiciais aos negros, a distribuição de privilégios e o “pacto narcísico” entre brancos para a manutenção do poder, a naturalização da discriminação racial e das consequências dela advindas, a falta de cumprimento do arcabouço jurídico, além de ser, muitas vezes, concebido como um projeto pelo governo que, dada sua magnitude, exige uma série de medidas a serem adotadas para que encontremos soluções para o problema.

Percebemos que o Estado Brasileiro, formalmente, no seu ordenamento jurídico,  mesmo após o fim da escravização de africanos e seus descendentes, adotou mecanismos, políticas e condutas que dificultou/limitou o acesso de negros as esferas da vida social, política e econômica, ainda que através de sua omissão que, estrategicamente, retardou a adoção de medidas de combate ao racismo e, de algum modo, responsabilizou-se pela formação da ideia acerca do modelo de sociedade que se estabelecia, como já debatido nesse trabalho. Por outro lado, continua a criar e a reestruturar mecanismos e estratégias dentro de sua estrutura que, direta (com intenção) ou indiretamente (sem o propósito de discriminar), autoriza a destruição e o controle social de corpos negros e mantém a população negra vítima de uma sociedade violenta, discriminatória e excludente e, portanto, é responsável pela execução de medidas reparatórias.

Portanto, acreditamos que no momento em que as desigualdades já estão tão assentadas e as diferenças entre brancos e não brancos no Brasil se mostram estabelecidas de forma bastante evidente através de dados e números irrefutáveis, não há como imaginar o alcance da igualdade racial sem que o Estado exerça o seu dever de promover e implementar ações públicas, inclusive com a expansão das políticas já criadas nesse sentido. A igualdade material só será de fato alcançada com a interferência positiva do Estado, que interferiu em outros momentos firmando ou colaborando para a manutenção das desigualdades raciais hoje existentes. Não há que se falar em Estado Democrático de Direito se os fundamentos da Constituição da República que o instituiu não se realizarem concretamente, como a igualdade, a liberdade, a solidariedade e justiça social.

 

4          A importância da criação do Estatuto da Igualdade Racial e da formulação de ações afirmativas em prol da população negra

 

A Lei nº 12.288/10, popularmente conhecida como Estatuto da Igualdade Racial (EIR), é um marco no fortalecimento da legislação de promoção da igualdade racial, demonstrando uma evolução sobre o tema do ponto de vista legal, notadamente por enumerar diversos direitos dos negros e reconhecer a vulnerabilidade social a que esse grupo está exposto. Sobre a aludida Lei, a Câmara dos Deputados (2014):

A Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010 (Estatuto da Igualdade Racial), constitui, assim, um verdadeiro salto de qualidade no tratamento dado pelo Estado brasileiro ao tema da promoção da igualdade racial. Com ela, passamos a dispor de um amplo enquadramento normativo da matéria, que inclui a fixação dos princípios gerais que guiam a atuação do Estado e da sociedade nessa área, a criação da base legal para a estruturação do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) e o encaminhamento das ações de promoção da igualdade em diversas áreas (saúde, educação, liberdade de crença e de culto, acesso à terra e à habitação e tantas outras). (BRASIL, 2014, p. 12).

Embora se constitua em notório instrumento na busca por igualdade racial no país, a aprovação do Estatuto é fruto de esforço empreendido por parte das camadas sociais favoráveis à sua constituição, tendo encontrado bastante resistência nas camadas contrárias e sido alvo de ampla discussão até ser promulgada em 2010.

Observa-se que o primeiro projeto de Lei (nº 3.198) que dispõe sobre a criação do Estatuto é datada de 2000. Seguido a esse projeto de Lei, houve o Projeto de Lei nº 213/2003. Portanto, a tramitação no Congresso Nacional teve duração de 10 anos ao todo. Os autores tecem veementes críticas quanto à supressão de propostas constantes do Projeto de Lei não incorporadas na versão final convertida em Lei.  A título exemplificativo, citamos algumas disposições não incorporadas no texto da Lei.  O art. 3º do Projeto de Lei nº 213 previa como diretriz política-jurídica ação reparatória e compensatória para as vítimas da desigualdade, notadamente pelas camadas que visam a manutenção de seus privilégios. (OLIVEIRA, 2013, n.p.).  Por isso, embora o EIR seja específico e voltado para a comunidade negra, este não foi recebido sem críticas, posto que as propostas iniciais eram muito mais abrangentes do que as aprovadas. Sobre o momento conturbado de aprovação do Estatuto e suas modificações ao longo do processo de tramitação: “Conclui-se que a lei dispõe de configuração bastante distante das proposições iniciais e das aspirações por medidas concretas e efetivas de promoção da igualdade racial. (IPEA, 2012, n.p.)”.

Ultrapassadas as críticas, incontroversas as mudanças positivas oriundas da aprovação da Lei em comento. Dentre elas, abre espaço para que ações afirmativas sejam efetivamente debatidas e implementadas em favor dos negros, apontando diversas diretrizes para que seus objetivos sejam cumpridos. Ou seja, a partir dos dispositivos do Estatuto da Igualdade Racial os negros tem uma importante arma para exigir do governo a efetivação dos direitos. Ademais, contempla, em âmbito formal, o seu acesso aos mais diversos campos da vida como saúde, cultura, esporte, lazer, educação, liberdade de crença e de prática dos cultos religiosos, acesso à terra, moradia e ao mercado de trabalho.

Repisa-se que, embora o Estatuto da Igualdade Racial não tenha correspondido imediatamente e integralmente aos anseios de várias camadas da sociedade, avanços no reconhecimento e implementação dos direitos dos negros se mostraram e ainda se mostram graduais ao longo da história brasileira. Sendo assim o Estatuto da Igualdade é relevante pois demonstra mais um passo na luta incessante por igualdade racial no nosso país e sua aprovação é mais uma conquista do povo negro, posto que se trata de uma legislação específica para essa parcela da sociedade, que durante muito tempo sequer era considerada sujeito de direitos. E por certo, se suas diretrizes forem seguidas, estamos confiantes de que o Brasil será uma sociedade mais igualitária.

Atenta-se, ainda, para o fato de que no âmbito infraconstitucional não existe apenas a Lei 12.288/10 capaz de regular os direitos de pessoas negras, sendo ampla a legislação, como por exemplo: Lei 9.029/95 que normatiza e proíbe a discriminação no trabalho; Lei 10.639/03 que estabelece a obrigatoriedade do ensino sobre a história da cultura afro-brasileiro nas escolas, nos níveis fundamental e médio; Lei 12.711/12 que normatiza o ingresso no ensino superior público e Lei 12.990/14 que destina aos negros 20% das vagas ofertadas em concursos para o preenchimento de cargos na esfera federal

Da análise dos instrumentos internacionais e domésticos de proteção dos direitos dos negros é inegável a evolução sobre o tema. As ordens internacional e interna repudiam leis de caráter segregacionista ou discriminatória. Os documentos internacionais condenam severamente a prática do racismo e fazem duras críticas ao colonialismo, apartheid, escravidão, tráfico de escravos, que explicam, em parte, o racismo, a desigualdade racial e os seus desdobramentos. Apontam, também a necessidade de implementação de políticas públicas e valorização da cultura negra. Da mesma forma, no âmbito nacional, as leis demonstram os nossos avanços, mormente a partir da Constituição, passando pela - criação do EIR, mais um aliado na luta por igualdade racial.

Portanto, no plano formal, a à luz da nossa Constituição e demais normas infraconstitucionais, assim como no plano internacional, a igualdade entre brancos e não brancos encontra-se assentada em um estágio avançado, já garantindo diversos direitos essenciais à população negra. Acontece que no plano substancial ou material várias das disposições ainda não foram efetivadas na prática na sociedade brasileira, o que pode ser visto pelos vários indicadores sociais, econômicos, políticos, culturais, enfim, nas diversas áreas indispensáveis ao desenvolvimento humano, conforme se pretendeu demonstrar. A igualdade formal precisa celeremente corresponder à realidade de fato, pois caso contrário, pouco acrescentaria a proteção do arcabouço jurídico.

 

§ CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Ao discutir sobre desigualdade racial e racismo contemporâneos, inevitável não pensar na formação histórica da sociedade brasileira. Dos 518 anos, aproximados 388 deles foram sob a égide de um sistema escravocrata, regime este que se fundamentava na inferioridade do negro e se sustentava na exploração irrestrita de seres humanos que eram tidos como coisas, submetidos a todo tipo de violência, seja ela psicológica, física, sexual, moral, econômica e etc.

E esse processo de exclusão não acabou com a abolição de 1888. A mudança de sistema não trouxe as condições mínimas para que o negro fosse integrado à sociedade, não houve qualquer política que pudesse amparar esse período de transição, os negros foram abandonados à própria sorte, tendo o Estado se mantido inerte na maior parte do tempo e, quando resolveu agir, assim o fez para aumentar ainda mais o distanciamento entre negros e brancos e reforçar a discriminação racial, já que incentivou a entrada de imigrantes europeus no território nacional para substituir a mão de obra escravizada, com a intenção de formar uma sociedade mais branca e “civilizada”, o que dificultou ainda mais o acesso do negro ao mercado de trabalho. Também estimulou no ordenamento jurídico- Constituição de 1934- a educação eugênica. Ademais, sustentou-se no Brasil até aproximadamente o ano de 1925 a teoria do branqueamento, tese inspirada nas teorias racistas europeias que procurava promover a construção de uma sociedade branca.

Posteriormente, dado o insucesso da tese do branqueamento, já que esta não obteve êxito em seu propósito de eliminação dos negros, surgiu a ideia de que no Brasil todas as raças conviviam harmoniosamente e que aqui não havia preconceito racial, nem tampouco nenhuma barreira era imposta a ascensão de negros. Oficialmente, o Brasil aceitou essa teoria até a década de 1990, quando finalmente admitiu que a sociedade brasileira era racista e desigual. As consequências dessa ideia são extremamente prejudiciais, pois ainda hoje permeia o imaginário popular de que não somos racistas. Contribuiu também para a manutenção da hierarquia racial outrora estabelecida e para a concessão de diversos privilégios aos brancos, já que até pelo menos 1990 nada foi feito para reparar a interação desigual que se estabeleceu entre brancos e negros.

Portanto, a primeira conclusão a que chegamos é que a responsabilidade do Estado é histórica e advém de longos anos de omissão e, às vezes, de imposição de mecanismos formais que reforçaram a exclusão do negro.

Ademais, a partir da análise dos diversos marcadores, evidencia-se que o racismo e a desigualdade são persistentes e que o fator racial é determinante para a estruturação das relações e do Estado.

Conclui-se, também, que a sociedade brasileira naturaliza a hierarquia racial e ao mesmo tempo reproduz mecanismos capazes de manter uma classe racial privilegiada. Conserva também o racismo velado e que se manifesta majoritariamente por meio de práticas informais e institucionais e, por isso, de tão difícil combate e percepção da sua real dimensão. Dificilmente se manifesta em práticas essencialmente segregacionistas, mas continuamente em forma de brincadeiras, estereótipos, violência, exclusão institucionais, intolerância religiosa, desvalorização estética, intelectual e etc.

Vislumbramos, também, que a responsabilidade do Estado em relação a promoção da igualdade racial e da eliminação do racismo não é somente histórica, mas atual, notadamente porque sustenta uma estrutura racista e utiliza suas instituições a serviço da manutenção do racismo. Ademais, o Estado brasileiro tem o dever de garantir os direitos fundamentais de todos os cidadãos, por ser um Estado Democrático de Direito.

E mais do que isso, especificamente no que tange aos direitos dos negros, recentemente, logrou-se aprovar mais um importante instrumento jurídico na promoção da igualdade racial, o EIR. Dessa forma, a efetivação dos direitos dos negros e a adoção de medidas aptas para tanto é obrigação contemporânea de um Estado que pactuou e celebrou por meio de diversos documentos o compromisso de promover o acesso igual dos negros a todas as esferas da vida, em consonância ao que estabelece o vasto arcabouço jurídico que não admite qualquer distinção, exclusão, limitação, preferências ou obstáculos pautados em critérios raciais, mormente em obediência aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da não discriminação.

Assim, embora a igualdade formal esteja em estágio avançado, posto que as legislações têm dado atenção especial ao assunto, a verdade é que na prática estamos longe de alcançar a igualdade material, o que pode ser comprovado pelos diversos indicadores analisados ao longo da pesquisa e, isso em parte, se explica pelo próprio racismo que naturaliza e impede que este fenômeno seja compreendido e, consequentemente, combatido.

Ainda que tenhamos tido avanços nos últimos anos, especialmente a partir da da implementação de políticas públicas, inclusive na modalidade de cotas, ainda há o que avançar e acreditamos que a adoção de ações afirmativas é mesmo um dos caminhos a serem observados e, por isso, defendemos a sua expansão para outras áreas, tais como para cargos eletivos, meios de comunicação e para empresas privadas, apenas a título exemplificativo. Lembrando que as ações afirmativas são medidas temporárias e somente são utilizadas enquanto perdurar as desigualdades raciais, uma vez que a igualdade entre brancos e negros exige que as duas vertentes sejam seriamente executadas, quais sejam, a repressiva e a promocional.

Destarte, não é possível falar de igualdade enquanto essa estiver apenas no âmbito jurídico, desvinculada da realidade social, razão pela qual o combate ao racismo e a desigualdade racial são urgentes e salutares.

 

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Informações adicionais e declarações dos autores

(integridade científica)

 

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration): os autores confirmam que não há conflitos de interesse na realização das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

 

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declaration of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores; todos os coautores se responsabilizam integralmente por este trabalho em sua totalidade.

 

·           Ary Fernando Rodrigues Nascimento: projeto e esboço inicial (conceptualization), desenvolvimento da metodologia (methodology), coleta e análise de dados (data curation), levantamento bibliográfico (investigation), participação ativa nas discussões dos resultados (validation), revisão crítica com contribuições substanciais (writing – review and editing), aprovação da versão final.

 

·           Deysiane Cristina Gomes: projeto e esboço inicial (conceptualization), desenvolvimento da metodologia (methodology), coleta e análise de dados (data curation), levantamento bibliográfico (investigation), revisão bibliográfica (investigation), redação (writing – original draft), participação ativa nas discussões dos resultados (validation), revisão crítica com contribuições substanciais (writing – review and editing), aprovação da versão final.

 

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of originality): os autores asseguram que o texto aqui publicado não foi divulgado anteriormente em outro meio e que futura republicação somente se realizará com a indicação expressa da referência desta publicação original; também atestam que não há plágio de terceiros ou autoplágio.

 

Dados do processo editorial

· Recebido em: 14/12/2020

· Controle preliminar e verificação de plágio: 14/12/2020

· Avaliação 1: 18/01/2021

· Avaliação 2: 10/02/2021

· Decisão editorial preliminar: 12/02/2021

· Retorno rodada de correções: 04/03/2021

· Decisão editorial final: 09/04/2021

· Publicação: 19/09/2021

Equipe editorial envolvida

·  Editor-Chefe: FQP

·  Assistente-Editorial: MR

·  Revisores: 02

COMO CITAR ESTE ARTIGO

NASCIMENTO, Ary Fernando Rodrigues; GOMES, Deysiane Cristina. O retrato do racismo no Brasil: 132 anos após a abolição da escravidão. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, v. 8, n. 01, e311, jan./jun. 2020. doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v8i01.311. Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/311. Acesso em: dia mês. ano.



* Editor: Prof. Dr. Flávio Quinaud Pedron. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4259444603254002. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4804-2886.

[1] Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor Assistente do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Advogado. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8248071677868242. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6526-0573.

[2] Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2796290006451423. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5151-5440.