O espetáculo e a falência democrática no cenário pandêmico: a recusa ao multilateralismo e a banalização da tragédia pelo Estado brasileiro

The spectacle and democratic bankruptcy in the pandemic scenario: the refusal of multilateralism and the trivialization of tragedy by the Brazilian State

 

 

Júlia Souza Luiz[1]

Faculdade de Direito de Vitória (FDV) – Vitória/ES

[email protected]

 

Nelson Camatta Moreira[2]

Faculdade de Direito de Vitória (FDV) – Vitória/ES

[email protected]

 

 

OBJETIVO: Perceber como o cenário da espetacularização política pode acarretar uma falência democrática e se, como e por que o Brasil passa por uma falência democrática.

MÉTODO: Para realização dessa pesquisa, utiliza-se o método hermenêutico-filosófico.

RELEVÂNCIA/ORIGINALIDADE: O momento excepcional de pandemia pela disseminação do vírus SARS-COV-2 refletiu diretamente nas políticas multilaterais e nacionais a serem adotadas no que tange a contenção do vírus. Por isso, é essencial observar como, se, e por que as políticas empregadas no Brasil nesse cenário podem ocasionar uma falência democrática, para assim procurar meios de impedir tal falência.

RESULTADOS: Nota-se uma falência democrática, lenta e gradual, ocorrendo no Brasil que se agrava no espetáculo banalizado da pandemia da doença COVID-19.

CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS/METODOLÓGICAS: Para realização dessa pesquisa, emprega-se os conceitos de espetáculo apresentados por Mário Vargas Llosa em “A Civilização do Espetáculo”, a percepção de falência democrática demonstrado por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em “Como as Democracias Morrem”, e se analisa o fenômeno da pandemia à luz de noções de Teoria do Estado, Direito Internacional Público, Direitos Humanos e geopolítica.

PALAVRAS-CHAVE: Democracia. Espetáculo. Multilateralismo. Pandemia. Soberania.

 

OBJECTIVE: To understand how the scenario of political spectacularization can lead to democratic failure and if, how and why Brazil goes through it.

METHOD: To carry out this research, the hermeneutic philosophical method is used.

RELEVANCE / ORIGINALITY: The exceptional moment of the pandemic due to the dissemination of the SARS-COV-2 virus reflected directly on the multilateral and national policies to be adopted to contain the virus. Therefore, it is essential to observe how, if, and why the policies employed in Brazil in this scenario may cause democratic failure, in order to seek ways to prevent such failure.

RESULTS: One notices a slow and gradual democratic bankruptcy occurring in Brazil that worsens in the trivialized spectacle of the COVID-19 disease pandemic.

THEORETICAL / METHODOLOGICAL CONTRIBUTIONS: This research uses the concepts of spectacle presented by Mário Vargas Llosa in "The Civilization of Spectacle", the perception of democratic failure demonstrated by Steven Levitsky and Daniel Ziblatt in "How Democracies Die", and analyzes the phenomenon of the pandemic in the light of notions of State Theory, Public International Law, Human Rights, and geopolitics.

KEYWORDS: Democracy. Multilateralism. Pandemic. Sovereignty. Spectacle.

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 A ESPETACULARIZAÇÃO DA POLÍTICA E OS PASSOS QUE LEVAM A FALÊNCIA DEMOCRÁTICA; 2 O ESPAÇO MULTILATERAL, A DEMOCRACIA E O ESPETÁCULO NA NEGOCIAÇÃO ESTRATÉGICA INTERNACIONAL; 3 OS DESAFIOS DA COOPERAÇÃO MULTILATERAL QUANTO A QUESTÃO DE DADOS, INFORMAÇÕES E PESQUISA EM TEMPOS DE PANDEMIA PELO COVID-19; 4. O MANEJO DAS PANDEMIAS QUE ESTÃO PORVIR POR MEIO DA CRIAÇÃO DE UM SISTEMA INTERNACIONAL DE IDENTIFICAÇÃO, PREVENÇÃO E COMBATE ÀS PANDEMIAS: O MULTILATERALISMO E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS; 5. A ESPETACULARIZAÇÃO DA PANDEMIA NO BRASIL, A RECUSA AO MULTILATERALISMO E A BANALIZAÇÃO DA TRAGÉDIA CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.

 

SUMMARY: INTRODUCTION1. THE SPECTACULARIZATION OF POLITICS AND THE STEPS THAT LEAD TO DEMOCRATIC BANKRUPTCY; 2. THE MULTILATERAL SPACE, DEMOCRACY AND SPECTACLE IN INTERNATIONAL STRATEGIC NEGOTIATION; 3. THE CHALLENGES OF MULTILATERAL COOPERATION ON THE ISSUE OF DATA, INFORMATION AND RESEARCH IN TIMES OF PANDEMICS BY COVID-19; 4. THE MANAGEMENT OF PANDEMICS TO COME THROUGH THE CREATION OF AN INTERNATIONAL SYSTEM FOR IDENTIFYING, PREVENTING AND COMBATING PANDEMICS: MULTILATERALISM AND THE PROTECTION OF HUMAN RIGHTS; 5. THE SPECTACULARIZATION OF THE PANDEMIC IN BRAZIL, THE REFUSAL TO MULTILATERALISM AND THE TRIVIALIZATION OF THE TRAGEDY; FINAL CONSIDERATIONS; REFERENCES.

 

§ INTRODUÇÃO

 

A espetacularização política ocorre quando situações políticas são especialmente pensadas para ganhar um destaque na mídia e gerar um impacto nos cidadãos por meio do escândalo. Isso acontece porque a cultura se tornou banalizada pelo consumo de um jornalismo de bisbilhotices e diversão (LLOSA, 2013, p. 30). O perigo que esse cenário do espetáculo político pode acarretar é a falência democrática, que se apresenta, no século XXI, de formas diferentes dos golpes de Estado armados antigos – como ocorria antes da Guerra Fria –, pois sobrevém por meio de pequenas rupturas com o Estado Democrático de Direito com governantes eleitos pelo próprio povo (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 5).

A partir disso, em um momento mundialmente excepcional, que foi o surgimento da pandemia pelo vírus SARS-COV-2, torna-se importante observar as posturas e a higidez das instituições democráticas consolidadas no Brasil. Tendo em vista que todo o globo foi assolado pelo novo coronavírus, a espetacularização tanto da política de combate à pandemia, como das posturas adotadas em momento anterior e durante o momento pandêmico, merece atenção no Brasil.

O momento excepcional protagonizado pela doença do COVID-19 que assolou o mundo, gerou atitudes imediatas de diversos governos do globo e uma particular atenção de instituições multilaterais de proteção à saúde como a Organização Mundial da Saúde (OMS). A importância do multilateralismo nesse contexto não se resume a essa instituição, mas sim, a fixação de critérios padronizados para a contabilização do número de casos e óbitos, a adoção de políticas internacionais preventivas efetivas, o compartilhamento de dados entre as nações e a distribuição de vacinas pelos países.

Entretanto, no contexto brasileiro, desde um momento imediatamente anterior à pandemia, quanto durante a pandemia, é possível observar posturas adotadas pelo governo do país que se distanciam do multilateralismo e se aproximam de uma falência democrática. O discurso que se oferece aos cidadãos é de que tais atitudes são em prol do fortalecimento da nação, o que demonstra que se prega um nacionalismo e um soberanismo. Esse tipo de discurso pode ser perigoso, pois se aproveita das fragilidades econômicas e sociais das comunidades nacionais para convocá-las a uma luta a fim de que o povo tome em suas mãos o destino do próprio país, por meio de uma força estranha e poderosa que é o nacionalismo (BONAVIDES, 1964, p. 70).

Por isso, nesse trabalho, serão analisadas algumas condutas adotadas pelo governo brasileiro no que tange a lenta e gradual falência democrática e a adoção ou não de estratégias políticas multilaterais pelo país na vigência da pandemia. Para isso, serão destacados, primeiramente, os conceitos referentes a espetacularização política e falência democrática, em seguida, os conceitos de multilateralismo e soberania em um cenário do espetáculo. A partir do cenário pandêmico, por fim, discutir-se-á a importância do multilateralismo nesse contexto, a possibilidade de criação de um tratado sobre pandemias ou de um sistema internacional sobre pandemias e, as condutas brasileiras referentes à doença COVID-19.

A relevância de tal assunto parte do questionamento de como o cenário espetacularizado pode afetar a falência democrática e por que o Brasil tem passado por essa falência democrática, que se demonstra ainda mais grave no contexto da pandemia pelo vírus SARS-COV-2 e na recusa ao multilateralismo.

Para responder essa pergunta no presente estudo, será empregado o método hermenêutico-filosófico, que perpassa a compreensão das premissas e conceitos à luz da interpretação das ciências humanas a fim de se chegar a uma consideração que abarque a ótica mais adequada àquele texto (GADAMER, 2003, p. 57). Ou seja, percebe-se o fenômeno da pandemia para além da ótica estrita do direito, à luz da relação entre Direito Internacional Público, Teoria do Estado, Direitos Humanos e geopolítica.

 

1          A ESPETACULARIZAÇÃO DA POLÍTICA E OS PASSOS QUE LEVAM A FALÊNCIA DEMOCRÁTICA

 

O cenário do espetáculo ocorre quando as relações sociais se tornam mediatizadas pelas imagens que são fruto do modelo social dominante que se deu pelo consumo. Ou seja, a espetacularização acontece em um contexto de desigualdade, em que o modo de produção capitalista possui monopólio da aparência dos sujeitos passivos, como expõe Debord (2003):

O espetáculo apresenta-se como algo grandioso, positivo, indiscutível e inacessível. Sua única mensagem é “o que aparece é bom, o que é bom aparece”. A atitude que ele exige por princípio é aquela aceitação passiva que, na verdade, ele já obteve na medida em que aparece sem réplica, pelo seu monopólio da aparência. (DEBORD, 2003).

No espectro político, é possível perceber o espetáculo em situações especialmente pensadas para ganhar um destaque midiático e construir uma imagem a partir do entretenimento que um fato pode gerar. Isso porque, o que ganha notoriedade nessa civilização é a informação pautada no escândalo, uma vez que a cultura se tornou banalizada pelo consumo de um jornalismo de bisbilhotices e diversão (LLOSA, 2013, p. 30).

Essa espetacularização da política, entretanto, pode ser extremamente perigosa às democracias, visto que a cultura adormecida por escândalos e sensacionalismos pode se tornar cada vez mais resiliente aos desvios e excessos praticados por aqueles que ocupam cargos de poder. Assim, os governantes podem usurpar ainda mais de seu controle, burlando a confiança pública neles depositada, já que as pessoas não têm o mesmo nível de credulidade nas instituições políticas em função do teatro da imoralidade exposto cotidianamente por veículos midiáticos (LLOSA, 2013, p. 124-125).

Nesse sentido, percebe-se um esvaziamento da política em que o povo se torna cada vez mais apolítico pois se contentam com a felicidade privada sem o verdadeiro interesse de adentrar a liberdade pública (VICENTE; MARQUES, 2016, p. 14). Contudo, não subsiste razão para participar da vida pública se não há confiança no sistema e nas instituições nas quais os cidadãos estão inseridos.

É importante notar que o consumo de entretenimento e espetáculo político pode levar o povo a uma passividade que os torna sujeitos votantes reféns da representatividade no poder sem participação ativa na vida pública. Isso implica, todavia, no distanciamento dos eleitores das instituições políticas. Ou seja, além da espetacularização gerar um certo nível de desconfiança e descrença em função do sensacionalismo, o próprio sistema democrático representativo é capaz de distanciar os cidadãos da elaboração da política pública.

Em um cenário de desigualdades sociais e econômicas, agravado pela necessidade dos cidadãos de subsistir, os políticos que constroem uma imagem de que podem ser a salvação para os maiores problemas que assolam a nação, ganham notoriedade. A concepção de um representante político que observa questões com grandes repercussões midiáticas, como violência e corrupção, propondo-se a erradicá-las, pode levar, muitas vezes, a acepção passiva de discursos extremos e de ódio. Sobre isso, explicam Levitsky e Ziblatt (2018, p. 7):

As instituições se tornam armas políticas, brandidas violentamente por aqueles que as controlam contra aqueles que não as controlam. É assim que os autocratas eleitos subvertem a democracia – aparelhando tribunais e outras agências neutras e usando-os como armas, comprando a mídia e o setor privado (ou intimidando-os para que se calem) e reescrevendo as regras da política para mudar o mando de campo e virar o jogo contra os oponentes. O paradoxo trágico da via eleitoral para o autoritarismo é que os assassinos da democracia usam as próprias instituições da democracia – gradual, sutil e mesmo legalmente – para matá-la. (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 7) [tradução de Renato Aguiar][3]

Nesses termos, a espetacularização da política, distanciando as pessoas da crença na vida pública e das instituições consolidadas, pode conduzir a uma morte lenta e gradual da democracia. Esse processo de subversão da democracia não é mais tão evidente como aqueles que tiveram homens que pegaram em armas para defender um totalitarismo (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 5).

Claramente existem pontos de tangência entre essa nova forma de subversão da democracia e a antiga forma de subversão. Isso porque, o que impulsionava diversos cidadãos a pegarem em armas e defenderem o totalitarismo era a organização totalitária aliada às mentiras propagandísticas com conteúdo ideológico que atingia certo grau de extremismo (ARENDT, 1989, p. 413). Da mesma forma, o espetáculo associado à imagem e ao caos dos eventos políticos conduzem à uma descrença da civilização atual nas instituições políticas consolidadas, o que facilita a intervenção gradual na democracia. Ambas as formas de aniquilar com o modelo democrático perpassam a mediatização de imagens.

Por isso, o cuidado ao observar propostas políticas que perpassam o salvamento da população do caos do espetáculo, é essencial. Para Arendt, a salvação acontecerá por meio do “milagre” na esfera governamental, que está relacionado à natalidade, uma reconciliação com o passado e um compromisso dos novos com o futuro (MOREIRA; DE PAULA, 2020, p. 107-108). Se há na atualidade uma possibilidade de morte lenta e gradual da democracia, os novos devem ser capazes de romper com as práticas usuais de falência democrática, por meio da memória e resgate à história (DE OLIVEIRA, 2012, p. 32).

O comportamento autoritário a que se deve ter atenção que leva a falência democrática pode ser percebido quando o político: “1) rejeita em palavras ou ação, as regras democráticas do jogo, 2) nega a legitimidade dos oponentes, 3) tolera ou encoraja a violência ou 4) indica disposição para restringir liberdades civis de seus oponentes, inclusive a mídia” [tradução nossa][4] (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 21).

Dessa forma, depreende-se como essencial a concepção de espetacularização política como aquela que banaliza a cultura e leva ao fascínio pelo sensacionalismo, sendo capaz de levar a uma morte da democracia de forma gradativa e demorada. A partir disso, é possível averiguar os comportamentos autoritários de um político para, assim, estabelecer uma ruptura com essas práticas e comprometer-se com o resgate da democracia.

Dentro desse contexto, visualiza-se na realidade brasileira da última década, diversos acontecimentos marcantes que surgem em um cenário de espetáculo que corrobora com a gradual morte da democracia, como:

[...] os eventos críticos pontuais que causaram momentos de alta instabilidade nos últimos anos, como: as delações premiadas contra políticos e empresários; as manifestações de rua em 2013, 2015, 2016 e 2018; o impeachment de Dilma Rousseff; o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) da chapa Dilma-Temer; os dois pedidos de impeachment contra Michel Temer; a intervenção federal no Rio de Janeiro com as Forças de Segurança; o assassinato da vereadora Marielle Franco, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL-RJ) e de seu motorista Anderson Gomes; a prisão de Lula; o locaute dos caminhoneiros que paralisou o país; a ameaça autoritária nas eleições de 2018; entre outros. Tudo tem se passado como se estivéssemos em um mesmo processo social que se desdobrou em duas grandes coordenadas: na horizontal, o movimento de perda de legitimidade do sistema político com a judicialização da política e a politização da justiça, e, na vertical, o descompasso entre esse sistema e a sociedade. Duas dimensões ortogonais do mesmo processo, cuja temporalidade é caracterizada pela percepção coletiva de insegurança, incertezas, imprevisibilidade, insubordinações, intensidade e inflexões políticas. (ALMEIDA, 2019, p. 192).

Foi no segundo turno das eleições de 2018, que a polarização política tornou o cenário ainda mais extremo, quando de um lado parte da população defendia o “lulo-petismo” e de outro defendiam o “bolsonarismo” (ALMEIDA, 2019, p. 197), posições opostas de governo em uma conjuntura política fragilizada de diversos acontecimentos com espetacularizações que resultam em uma descrença dos cidadãos nas instituições políticas.

Após o resultado, com a eleição de Jair Bolsonaro como Presidente da República Federativa do Brasil, a instabilidade democrática tornou-se evidente. Isso porque, grande parte da população não aprova seu governo. Em janeiro de 2021, a aprovação de sua administração foi de 31%, com uma reprovação de 40%, tendo como parâmetro a menor taxa de aprovação já alcançada de 29% em agosto de 2019 (AMÂNCIO, 2021), percebe-se que os índices demonstram a insatisfação da maioria popular com o governo de Bolsonaro.

O que ocorre é que a conjuntura criada por Bolsonaro gera um cenário de espetáculo e desinformação. Durante os discursos dele, muitas vezes, é possível verificar a disseminação de informações falsas ou distorcidas. Dados demonstram que em 799 dias de governo, o presidente forneceu 2.560 declarações falsas ou distorcidas (CUNHA et al., 2021). Contudo, com a Internet e as redes sociais, o conteúdo do que é falado por influências políticas gera uma repercussão e uma difusão ainda maior de informações que não necessariamente são verdadeiras, como no caso de Bolsonaro. Elucida-se:

O espetáculo das fakes news é potencializado pelo meio digital: seu público é gigantesco e as possibilidades de interação deste com o espetáculo são diversas. Em um minuto, é possível retuitar, curtir ou comentar. Não há melhor palco que as telas digitais. Proporcionam, ainda, ilimitado uso de recursos imagéticos, onde vídeos e imagens alterados digitalmente elucidam acontecimentos inexistentes no mundo concreto, mas nem por isso menos verdadeiros no real comunicacional. A veracidade do fato, portanto, tende à irrelevância, na medida que este é sentido e apreendido em seu peso de verdade pelo individuo imerso em uma prótese midiática. Mais que isto, este peso de verdade repercutirá no mundo concreto, uma vez que se opera a partir deste real comunicacional, desta prótese midiática. Deste modo, ainda que desmentida, as fake News tendem a repercutir, pois operam de um mundo diverso, embora superposto ao mundo concreto. (THEMUNDO; ALMEIDA, 2020, p. 223).

Além disso, quanto aos passos de um comportamento autoritário que podem levar a uma falência democrática, nota-se na administração de Bolsonaro algumas alegações e posicionamentos que perpassam todos os pontos elucidados por Levitsky e Ziblatt (2018, p. 23-24), como se observa na tabela abaixo:

 

Tabela 1 – Posturas autoritárias assumidas por Jair Bolsonaro

Postura autoritária

Como essa postura se manifesta?

Postura de Jair Bolsonaro

Rejeição (ou pouco comprometimento) com as regras democráticas do jogo[5]

Eles tentam minar a legitimidade das eleições, por exemplo, recusando-se a aceitar resultados eleitorais confiáveis?[6]

Bolsonaro diz a apoiadores que se não tivermos voto impresso em 2022, o Brasil terá resultados fraudados como ocorreu nas eleições de 2020 nos Estados Unidos da América (WETERMAN E COL., 2021)

Negação da legitimidade de seus oponentes políticos[7]

Eles descrevem seus rivais partidários como criminosos sem fundamentos, cuja suposta violação da lei (ou potencial para fazê-lo) os desqualifica de participação plena na arena política?[8]

Bolsonaro posta vídeo da ex-presidenta Dilma Rousseff em sua rede social e afirma que o Partido dos Trabalhadores, ao qual a ex-presidenta é filiada, uma piada de mal gosto. (SIMÃO, 2020)

Tolerância ou encorajamento da violência[9]

Elogiam (ou se recusam a condenar) outros atos significativos de violência política, no passado ou em outras partes do mundo?[10]

Bolsonaro elogia o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador da ditadura militar brasileira, e diz que os presos políticos eram tratados com toda dignidade (PUPO et al, 2020)

Disposição para restringir as liberdades civis dos oponentes, incluindo a mídia[11]

Eles elogiam as medidas repressivas tomadas por outros governos, no passado ou em outras partes do mundo?[12]

Bolsonaro se referiu ao dia de aniversário do Golpe Militar de 1964 no Brasil como o dia da liberdade. Seu vice-presidente corroborou com a fala do presidente em rede social. (COLETTA, 2020)

Fonte: Elaborada pelos autores com base em Levitsky e Ziblatt (2018, p. 23-24) e dados relacionados

 

Em um cenário de espetacularização política, com políticos que demonstram possuir um comportamento autoritário, a atenção da sociedade deve ser permeada pela noção de democracia para se evitar uma morte lenta e gradual desta. Isso se aplica para o Brasil, em que se o próprio presidente tem práticas e discursos que remetem à dúvida do sistema eleitoral vigente, à tortura, ao ataque aos oponentes políticos e ao período ditatorial no país.

 

2          O ESPAÇO MULTILATERAL, A DEMOCRACIA E O ESPETÁCULO NA NEGOCIAÇÃO ESTRATÉGICA INTERNACIONAL 

 

O multilateralismo consiste em estratégias negociais, de ação ou de regulação entre países por meio da interação coletiva entre nações (VIGEVANI; JÚNIOR, 2011, p. 3). Conforme conceito de Devin (2017, p. 147-148), o multilateralismo:

é uma escolha e/ou necessidade, uma política, com os seus defensores e os seus críticos, mas é também um sistema, ou seja, um conjunto interativo de partes que são elas multilaterais. Estendido a número cada vez elevado de setores e valorizado por um número crescente de atores que densificam e complexificam o seu funcionamento, este sistema tornou-se opaco para os leigos e, frequentemente, para aqueles que se interessam. Paradoxalmente, é o seu sucesso que alimenta críticas. (DEVIN, 2017, p. 147-148).

Após as Grandes Guerras, com o surgimento da Liga das Nações (1920) e da Organização das Nações Unidas (1945), a ideia de multilateralismo ficou ainda mais em evidência em função da necessidade de elaborar mecanismos para salvaguardar direitos e propiciar um mundo em paz.

No entanto, a adoção de estratégias negociais multilaterais entre os países pode não ser uma prioridade a depender da administração que conduz a nação naquele momento. Isso é considerado uma forma de se posicionar no cenário internacional, posto que o país antepõe a sua soberania ao multilateralismo.

Como elemento fundamental da personalidade jurídica internacional, tem-se o reconhecimento da soberania daquela nação frente às demais nações do globo (REZEK, 2014). Contudo, optar por uma estratégia política de soberania significa isolar-se do cenário internacional e focar apenas em questões nacionais, aproximando-se de um nacionalismo (BONAVIDES, 1960, p. 76).

O perigo da constante opção pelo nacionalismo frente às estratégias de negociação internacional reside na rejeição de comunicação com outros países, de forma a estabelecer que apenas o que o governante local apoia em nível interno é considerado bom. Mas, o próprio direito internacional foi capaz de influenciar o constitucionalismo de diversos países desde quando foi estabelecido o princípio da dignidade humana na Declaração Universal dos Direitos do Homem (TONETTO; GUERRA, 2020, p. 134).  Assim, negar o multilateralismo, bem como negar as ideias advindas da sociedade internacional, pode representar uma ausência de maleabilidade do governo local que se disfarça de proteção à democracia por meio do nacionalismo soberano.

Em uma civilização do espetáculo, as políticas baseadas em sensacionalismo ganham destaque, de forma que negar ou aceitar parcerias internacionais repercute como escândalo e gera um entretenimento para o povo através do jornalismo midiático (LLOSA, 2013, p. 30). Ocorre que, as informações chegam até as pessoas já manipuladas, com manchetes, fotos chamativas e reportagens repletas de opiniões do próprio redator. Isso implica em uma espetacularização da política externa que, muitas vezes, é fruto da reprodução de um pensamento hegemônico no mundo globalizado. Sobre isso, pontua Santos (2000, p. 19):

Entre os fatores constitutivos da globalização, em seu caráter perverso atual, encontram-se a forma como a informação é oferecida à humanidade e a emergência do dinheiro em estado puro como motor da vida econômica e social. São duas violências centrais, alicerces do sistema ideológico que justifica as ações hegemônicas e leva ao império das fabulações, a percepções fragmentadas e ao discurso único do mundo, base dos novos totalitarismos – isto é, dos globalitarismos – a que estamos assistindo. (SANTOS, 2000, p. 19).

Por essa ótica, observa-se que a forma como o espetáculo na política externa acontece pode levar a replicação de ideias das nações que possuem a hegemonia política e econômica naquele momento. Esse é um perigo a que nações com menor poderio internacional estão sujeitas ao negociar com países mais relevantes no cenário global. Entretanto, a diplomacia e as boas negociações são fundamentais para o crescimento de qualquer país, principalmente em momentos de crise, até mesmo porque, negociações consistem em um processo de encontrar uma terceira coisa, que ambas as partes têm condições de aceitar em prol de melhores resultados no objeto da negociação (MELLO, 2000, p. 213).

Nessa perspectiva, a comunicação entre países e uma diplomacia forte é um ponto positivo para a democracia local. E, em tempos de crise, interna ou externa, global ou local, o multilateralismo pode ser uma solução para o problema sem sobrepor a soberania do Estado. Isso depende da disposição do país em cooperar e nas medidas sancionatórias que são acordadas, podendo envolver uma retaliação apenas suave aos descumprimentos de tratados. Acerca dessa ideia, destaca-se:

Os estados continuam extremamente interessados em manter um firme controle sobre os procedimentos envolvendo informação, monitoração e inspeção. E, apesar de se fazer muito alarde da crescente abertura dos estados à participação das ONGs, os estados continuam extremamente resistentes a qualquer diluição de seu status dominante. Desta maneira, por exemplo, a implementação de critérios de direitos humanos sob os regimes internacionais de direitos humanos já existentes é largamente baseada na investigação e divulgação, envolvendo a formação de agências de supervisão submetidas aos mais importantes tratados regionais e globais; a apresentação dos relatórios aos estados; o estabelecimento de grupos de trabalho, tanto relatores por temas como por país; e as missões empenhadas na apuração dos fatos. Um exemplo adicional desta forma de abordagem "suave" poderia ser o desenvolvimento, dentro do sistema nas Nações Unidas, de uma forma de manutenção da paz calcada no consentimento, depois de ter ficado claro que uma segurança coletiva integral não seria viável. (HURRELL, 1999, p. 62)

A fim de fortalecer a democracia, indo na contramão da espetacularização política, a utilização de estratégias multilaterais entre países por meio de tratados e acordos é uma alternativa viável no que tange a questões mais universalizadas. Portanto, desde que aplicadas apenas sanções brandas do “soft power”, a opção por ratificar ideias internacionais em momentos de crise, pode beneficiar tanto potências hegemônicas – que sofrem com os malefícios do momento dificultoso –, quanto nações em desenvolvimento, que irão conciliar interesses internos na resolução da crise, com os interesses globais.

No que tange à política externa brasileira desde às eleições de 2018, no entanto, percebe-se que o governo Bolsonaro tem priorizado a “soberania espetacularizada” – ou seja, uma soberania que advém da midiatização de pensamentos nacionalistas sobre acontecimentos políticos –, em detrimento do multilateralismo e do diálogo estratégico entre nações. A própria escolha do então Embaixador Ernesto de Araújo para o cargo de Ministro das Relações Exteriores representa uma ascensão de ideais soberanistas para a diplomacia brasileira.

Com o surgimento do vírus Sars-Cov-2 e sua disseminação pelo mundo, tomando proporções pandêmicas em 2020, o governo brasileiro se distanciou ainda mais de organizações multilaterais, negando sua importância e seus estudos. O Chanceler Araújo (2020), afirmou, em sua página na Internet, que o valor atribuído a Organização Mundial da Saúde no momento dessa crise sanitária mundial pode gerar uma desnacionalização, sendo um passo para a construção de uma “solidariedade comunista planetária”[13] (ARAÚJO, 2020).

Essa negação às estratégias multilaterais em um momento de crise reforça o posicionamento do governo brasileiro assumindo um exercício do poder soberano sobre o discurso de que o multilateralismo afetaria uma postura nacionalista do país. Na realidade, apesar de isso representar um discurso de “proteção da pátria”, o que ocorre é justamente a criação de um cenário de espetáculo político em torno de uma crise pandêmica, contribuindo apenas para agravá-la, atingindo negativamente os direitos humanos mais elementares como a vida e a saúde da população.

Em um momento como o vivido nesta pandemia do COVID-19, que envolve diversos países ao redor do mundo, muitos com dados científicos relevantes sobre a doença, optar por um diálogo estratégico internacional não significa seguir o pensamento de nações hegemônicas no cenário global. Significa, outrora, uma cooperação no que tange ao compartilhamento de informações e artifícios que são eficazes no combate à crise provocada pelo Sars-Cov-2.

Até mesmo porque, como princípio do direito internacional, tem-se a autodeterminação dos povos, que surge para reconhecer a soberania dos Estados dentro do cenário internacional, respeitando-a. Esse princípio evoluiu justamente da ideia de autodeterminação nacional, em que se notou muitos excessos em prol do elevado nacionalismo pós-guerras, reformando-se de autodeterminação nacional para autodeterminação dos povos, postulada no artigo 4º da Constituição da República Federativa Brasileira (ACCIOLY, 2012, p. 412-413). Nesses termos, não subsiste razão para o governo brasileiro sustentar um discurso contrário ao multilateralismo com a justificativa de que afetaria a soberania nacional, se, de fato, a soberania é essencial para as negociações internacionais.

 

3          OS DESAFIOS DA COOPERAÇÃO MULTILATERAL QUANTO A QUESTÃO DE DADOS, INFORMAÇÕES E PESQUISA EM TEMPOS DE PANDEMIA PELO COVID-19

 

O vírus SARS-COV-2 começou a ser amplamente notado na província de Wuhan, na China. A princípio, ainda sem informações sobre o que poderia estar provocando a elevação do número de casos de pneumonia na região, a China notificou a Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre os dados de saúde referente àquele problema local. Entretanto, com uma certa demora em decodificar o vírus e identificar seu grau de mutação e disseminação, a doença do COVID-19 já tinha sido alastrada por todo o país, quiçá alguns lugares do mundo (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020). Em 18 de março de 2020, já havia mais de 214 mil casos da doença do COVID-19 ao redor do globo (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020).

O que foi reportado como uma pneumonia em grande escala concentrada na região de Wuhan, já era estudado pelos chineses para tentar conter a epidemia que vinha se alastrando até então. Um médico chinês, que contraiu a doença e posteriormente veio a falecer, chegou a alertar por meio de um vídeo sobre a gravidade desse novo vírus desconhecido duas semanas antes da divulgação do COVID-19, mas foi silenciado pela polícia local (HEGARTY, 2020).

O caso desse médico demonstra que as autoridades chinesas já possuíam algum grau de entendimento da gravidade do que estava acontecendo no país, contudo, optaram por não alarmar de imediato as demais regiões da nação e outros países. Essa conduta adotada pela administração chinesa, a partir de uma análise posterior a estes acontecimentos, é reprovável porque constitui óbices à transparência de dados e informações sobre uma doença altamente contagiosa.

Após o conhecimento das nações sobre o COVID-19, os países foram adotando estratégias imediatas diferentes entre si. A União Europeia (UE) proibiu a entrada de pessoas no espaço Schengen por 30 dias; os Estados Unidos suspenderam as viagens oriundas da Europa – com exceção do Reino Unido – por também 30 dias; a Rússia fechou fronteiras com a China, Noruega e Polônia; a Austrália determinou que os estrangeiros que chegassem ao país ficassem em isolamento; a Alemanha fechou lojas, bares, clubes, teatros, museus, igrejas, e; a Argentina fechou as fronteiras e suspendeu todo o sistema educacional por 30 dias (O GLOBO, 2020). Cada uma dessas estratégias levou em conta as possibilidades individuais de cada nação.

Em seguida, logo se começou uma busca científica incessante sobre as melhores maneiras de conter o alastramento do SARS-COV-2, bem como os melhores tratamentos, uma possibilidade de cura e uma vacina contra o COVID-19. Essa busca, no entanto, precisou do aval interno de cada nação e do apoio internacional em termos de compartilhamento de dados, informações e pesquisas.

Contudo, muito da cooperação que se teve em relação ao desenvolvimento de vacinas e tratamento da doença, ficou sob a responsabilidade de grandes empresas farmacêuticas de destaque no mundo. Um exemplo disso, é o acordo firmado entre a BioNTech – empresa alemã – e a Pfizer – empresa estadunidense (PFIZER, 2020).

É preciso levar em consideração duas questões com relação a isso. Primeiro, empresas visam o lucro e conquistar um espaço no mercado, então as grandes farmacêuticas não têm interesse em compartilhar dados e pesquisas sobre uma vacina, posto que isso pode atrapalhar a obtenção de uma patente. Segundo, a distribuição de vacinas, assim que elaboradas, é feita de acordo com o quanto o governo daquele país pode e quer comprar, não havendo nenhum critério além do econômico.

Isso implica em alguns problemas, posto que a proteção patentária pode acarretar um aumento de preços, principalmente em um cenário de livre mercado, dificultando o acesso à insumos básicos para o tratamento a doença, bem como o acesso às vacinas em países mais pobres (CHAVES et al, 2007, p. 265), destaca-se: 

Nessa perspectiva é possível afirmar que existe um forte movimento em curso para tornar o sistema de proteção da propriedade intelectual cada vez mais favorável ao titular da patente, e, por isso, menos sensível ao direito das populações de ter acesso a novas tecnologias, que podem prolongar ou salvar suas vidas, minorando o sofrimento. (CHAVES et al, 2007, p. 265)

Para tentar solucionar parte desse problema, foi criada a COVAX Facility, um programa lançado em abril de 2020 pela Organização Mundial da Saúde, Comissão Europeia e pelo governo francês, como um dos três pilares para ao programa de Acesso ao Acelerador de Ferramentas para o COVID-19 (ACT)[14]. O principal objetivo da COVAX envolve necessidade de ampliar o acesso às ferramentas de combate ao SARS-COV-2 por todo o mundo, unindo forças entre o setor privado e os governos, para que os efeitos da pandemia diminuam e o acesso mais isonômico à saúde seja assegurado (BERKLEY, 2020).

Essa cooperação multilateral, apesar de ser bem estruturada, depende também do aceite e da colaboração dos países. Um exemplo claro disso é o Brasil, o país poderia, por meio da COVAX Facility, encomendar com recursos próprios doses para vacinar entre 10% e 50% da população. Contudo, o Governo Federal optou, em setembro de 2020, pela participação mínima, adquirindo 42,5 milhões de doses (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020).

Isso evidencia que, ainda que o multilateralismo em tempos de pandemia seja essencial para buscar alternativas para um problema global, o esforço para o combate ao COVID-19 com a utilização de ferramentas efetivas para tanto deve ser conjunto. Ocorre que, a atuação de organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde elabora diretrizes, recomendações e fornece apoio aos países de forma a sempre respeitar o princípio da autodeterminação dos Estados-membros, destaca-se: 

No que concerne à OMS, aqui considerada como um espaço sócio-político de embates, negociações e enfrentamentos, sua atuação também é afetada, pois, mantidos os princípios sobre os quais a ONU foi estabelecida, prevalece o propósito da cooperação internacional em estreita consonância com o estatuto da soberania e da autodeterminação dos seus Estados membros. Como prática do direito das organizações internacionais, vale lembrar o caráter não mandatório das resoluções, recomendações e políticas preconizadas pela organização, mesmo diante de emergências internacionais como pandemias, por mais aprimorados que sejam os procedimentos e protocolos adotados. Portanto, a decisão de ‘delegação de autoridade’ e de assignação de recursos à OMS, a partir de aportes financeiros voluntários dos Estados 23 nacionais, tem como base o compromisso ético assumido no imediato pós-guerra em uma concepção tradicional (‘westfaliana’) de soberania 11,30. (ALMEIDA; CAMPOS, 2020, p. 22)

Nesse aspecto, a soberania de cada país deve ser respeitada, ainda que confronte a busca pela resolução de um problema global. O que é importante questionar, em resposta ao respeito a esse princípio, é quais são os tipos de sanções e restrições que podem ser pensadas no âmbito internacional para países que estiverem em desacordo com as soluções efetivas no combate às pandemias que estão porvir.

Percebe-se, até mesmo com relação à coleta pelos países de dados relativos ao número de mortos e infectados pela COVID-19, que há uma falta de padronização nos critérios de obtenção desses números. Conforme exemplificado na tabela que segue:

 

Tabela 2 – Critérios de cômputo da morte decorrente do COVID-19 por país

Países

Critério de Cômputo da morte decorrente do COVID-19

Reino Unido

Computa-se apenas pessoas que morreram até 28 dias após primeiro teste positivo para detectar COVID-19, se ultrapassarem esses dias, não será contabilizado como morte em decorrência do COVID-19 (GOV. UK, 2021)

Estados Unidos da América

Define-se através de uma reunião de provas laboratoriais de confirmação da COVID-19. Para confirmar caso de morte em decorrência do COVID-19 deve-se: (i) cumprir critérios clínicos e provas epidemiológicas sem testes laboratoriais confirmatórios realizados para a COVID-19 satisfazendo provas laboratoriais presuntivas e critérios clínicos ou provas epidemiológicas; (ii) cumprir critérios de registros vitais sem testes laboratoriais confirmatórios realizados para a COVID-19. Nem todas as jurisdições da federação notificam os casos de possíveis mortes por COVID-19 ao Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, 2021).

Brasil

Notificam-se casos de morte em decorrência de COVID-19 quando há síndrome gripal ou síndrome respiratória aguda grave, independente da hospitalização, que atendam à definição de caso e indivíduos assintomáticos com confirmação laboratorial por biologia molecular ou imunológico de infecção recente por COVID-19, dentro do prazo de 24 horas a partir da suspeita inicial do caso ou óbito por profissionais e instituições de saúde do setor público ou privado. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021)

Bélgica

Tanto para casos possíveis como confirmados, se for identificada uma causa alternativa clara de morte que não possa ser ligada à COVID-19 (por exemplo, trauma), a morte não é incluída na vigilância. (BUSTOS et al, 2020).

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados relacionados

 

Isso dificulta, em âmbito de computação de proporções pandêmicas ao redor do mundo, o mapeamento geográfico do SARS-COV-2 e o combate adequado à disseminação do vírus. A OMS chegou a elaborar diretrizes internacionais para certificação e classificação (codificação) do COVID-19 como causa da morte[15] (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020). Entretanto, tais diretrizes não são vinculantes e, da mesma forma que ocorre com a condução da compra e distribuição de vacinas pelas nações, a acepção das diretrizes de forma íntegra depende unicamente da vontade da administração atual do país, em função do respeito à soberania nacional.

Portanto, os principais desafios ao multilateralismo em tempo de pandemia pelo COVID-19 envolvem, primeiramente, a cooperação internacional em termos de tecnologia e pesquisas para o desenvolvimento e compra de vacinas. Em seguida, o compartilhamento de dados do número de casos e óbitos pela doença para fins de mapeamento geográfico do vírus, que não seguem rigorosamente um critério pré-estabelecido de uniformização da forma de contabilização dos números da doença. Por fim, envolvem a dificuldade das nações em negociar estrategicamente entre si para conter o avanço do COVID-19 sem ultrapassar os limites impostos pela soberania de cada país.

 

4          O MANEJO DAS PANDEMIAS QUE ESTÃO PORVIR POR MEIO DA CRIAÇÃO DE UM SISTEMA INTERNACIONAL DE IDENTIFICAÇÃO, PREVENÇÃO E COMBATE ÀS PANDEMIAS: O MULTILATERALISMO E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

 

O mundo já foi, e é, acometido com diversas pandemias como a Peste Negra, Gripe Espanhola e HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana). Essas doenças geram impactos econômicos, sociais e políticos. Ocorre que, com a melhoria dos transportes, aumento da urbanização e da globalização, as pandemias tendem a surgir e se intensificar no durante o século XXI (MADHAV et al, 2017, p. 315).

A doença COVID-19, provocada pelo vírus SARS-COV-2, foi detectada primeiramente na China, e apesar de diversos países terem tentado conter o avanço da disseminação do novo vírus pelo mundo, conforme mais bem explicado no capítulo anterior, os esforços empreendidos não foram suficientes para interromper o contágio pelo SARS-COV-2 na maior parte das nações.

Tendo isso em vista, torna-se essencial pensar em soluções em plano multilateral capazes de unir esforços ao redor do globo para identificar e prevenir as pandemias que estão porvir, posto que: “A multilateralização das normas e a institucionalização dos procedimentos podem contribuir não somente para a uniformidade das primeiras, mas também para a maior eficiência dos últimos” (ACCIOLY et al, 2012, p. 845). Para tanto, duas soluções viáveis dentro do panorama multilateral são: a elaboração de um tratado internacional e/ou a formação de um sistema internacional de identificação, prevenção e combate às pandemias.

A elaboração de um tratado internacional sobre pandemias, desde o advento da pandemia pelo COVID-19, gera discussão entre os principais líderes mundiais dessa época, entre eles Boris Johnson, do Reino Unido, Emmanuel Macron, da França e Angela Merkel, da Alemanha. Isso porque, existe a compreensão de que haverá outras pandemias futuras que precisam do empreendimento de esforços no que tange a políticas públicas e desenvolvimento de vacinas e medicamentos. Nesse sentido, destacam os líderes mencionados e mais 21 líderes mundiais em matéria ao Telegraph UK (2021):

O principal objetivo deste tratado seria fomentar uma abordagem de todo o governo e de toda a sociedade, reforçando as capacidades nacionais, regionais e globais e a resiliência a futuras pandemias. Isto inclui um grande aumento da cooperação internacional para melhorar, por exemplo, os sistemas de alerta, partilha de dados, investigação e produção e distribuição local, regional e global de contramedidas médicas e de saúde pública, tais como vacinas, medicamentos, diagnósticos e equipamento de proteção pessoal. (JOHNSON; MERKEL; MACRON ET AL, 2021). [tradução nossa][16]

A criação de um tratado internacional sobre pandemias é uma alternativa que deve abranger os principais tópicos que envolvem o tema, como a identificação e prevenção contra futuras pandemias. Mas, isso só será possível se grande parte do mundo ratificar e estiver disposta a compartilhar dados relativos à saúde regionais e pesquisas científicas.

É claro que existe uma expectativa diplomática de cooperação na sociedade internacional. No entanto, sanções internacionais, bem como a criação de obrigações recíprocas advindas de tratados, podem dificultar a acepção de acordos em âmbito multilateral. Durante a história das relações internacionais, um marco e um dos poucos momentos em que diversas nações do globo renunciaram a parte de sua soberania para aceitar, imediatamente após um estado de inércia em termos cooperativos, sanções internacionais, foi com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) no fim da Segunda Grande Guerra. (DOMINGOS et al, 2014, p. 76-77).

Assim, a criação de um tratado internacional sobre pandemias que pressupusesse obrigações com resultados sancionatórios em caso de descumprimento, não teria a aderência de muitos países de forma rápida. Ainda que a pandemia pelo COVID-19 tenha reavido as atenções dos governos locais para a questão da saúde pública em tempos de globalização, é inviável pensar em sanções para o atual momento pandêmico. Até mesmo porque, a soberania para a tomada de decisões sobre como organizar a entrada e saída de pessoas, distribuição de vacinas pela nação, pesquisas e obtenção de dados, foi essencial na emergência do COVID-19.

Há que se observar que esses poderes soberanos investidos em cada nação podem ter gerado políticas públicas mais ou menos eficazes em termos de combate à pandemia em cada país, o que por si, já justifica a criação de um tratado internacional que padronizasse as condutas a serem adotadas no surgimento de novas pandemias. Obviamente, adotando as melhores políticas públicas possíveis. Todavia, a implementação de sanções é capaz de dificultar a aderência de muitas nações do globo a um tratado dessa forma.

Por isso, incipientemente, um tratado internacional sobre pandemias deve ser focado em identificar e prevenir novas pandemias, com um compartilhamento de dados relacionados à saúde e estabelecimento de critérios de padronização de informações. Isso, sem o estabelecimento de sanções advindas das obrigações contraídas pelos países assinantes.

O comprometimento das nações e seus possíveis descumprimentos das obrigações aceitadas geralmente já são capazes de ensejar alguma celeuma diplomática. Nesses termos, é incomum que os países descumpram os tratados ratificados (PICKERING, 2013, p. 3). É mais importante, então, ter-se discussões políticas do que efetivamente jurídicas com imposições de sanções, posto que estas dificultam ainda mais a ratificação de um tratado.

Nada impede, portanto, a criação de um tratado, sem o estabelecimento de sanções. Um tratado sobre pandemia, juntamente com o estabelecimento de um sistema internacional sobre pandemias seria a combinação perfeita de alicerces multilaterais para identificação e prevenção de pandemias que estão porvir. Nesse aspecto, destaca-se outra solução viável para o impasse informacional e preventivo das novas pandemias, que consiste na criação de um sistema internacional sobre pandemias.

Um sistema internacional universal sobre pandemias deve ser abarcado por diversas instituições e organizações, que somando poderes, irão atuar identificando, prevenindo e combatendo pandemias. Isso é possível pelo pactum societatis estabelecido na confiança de poderes em instituições e organizações tendencialmente universais, que não perpassam necessariamente um pactum subjectiones, que se utiliza da coercitividade (BOBBIO, 1994, p. 13). Deste modo, não é necessária para a elaboração de tal sistematização, a aplicação do poder coercitivo, mas sim e talvez, de monitoramentos e recomendações supraestatais.

Para a criação desse sistema internacional sobre pandemias, deve-se compreender os diversos sistemas internacionais que vigem na sociedade, como o sistema internacional de Direitos Humanos. A sistematização dos direitos humanos ajuda a gerar maior imperatividade jurídica, seja adicionando novos direitos ou suspendendo preceitos que sejam menos favoráveis à proteção dos direitos humanos no plano interno e externo. Assim, os direitos internacionais constantes dos tratados de direitos humanos vêm a aprimorar e fortalecer, sem a restringir ou debilitar, o grau de proteção dos direitos consagrados no plano normativo constitucional (PIOVESAN, 2001, p. 4). Para Piovesan (2001, p. 3), este sistema envolve quatro dimensões, que perpassam:

a celebração de um consenso internacional sobre a necessidade de adotar parâmetros mínimos de proteção dos direitos humanos; a relação entre a gramática de direitos e a gramática de deveres [...] ou seja, os direitos internacionais impõem deveres jurídicos aos Estados (prestações positivas ou negativas); a criação de órgãos de proteção [...]; e a criação de mecanismos de monitoramento voltados à implementação dos direitos internacionalmente assegurados [...]. (PIOVESAN, 2001, p. 3)

No mesmo sentido, um sistema internacional sobre pandemia deve promover a celebração de um consenso internacional, buscando agregar às normas internacionais e internas vigentes, sobre a necessidade de parâmetros e critérios para identificação, prevenção e combate às futuras pandemias. Esse consenso pode ser alcançado pelo entendimento conjunto de questões importantíssimas que envolvem o aparecimento de pandemias, quais sejam, os três pilares do desenvolvimento sustentável: o econômico, o social e o ambiental. Destaca-se:

Pela primeira vez neste século, economia e saúde dividem a atenção de todos os países do globo. O risco de uma recessão econômica, a necessidade de novos comportamentos individuais e coletivos e o apelo à solidariedade global clamam por um futuro em que os três pilares do desenvolvimento sustentável (econômico, social e ambiental) deverão ser levados mais a sério. (FONSECA, 2020, p. 167)

A importância de o multilateralismo, pautado em uma solidariedade global, atentar para a questão da pandemia por meio de uma sistematização internacional, perpassa o próprio direito dos indivíduos à saúde. Ao resguardar esse direito, preserva-se a vida, direitos sociais, individuais e até mesmo a liberdade de se relacionar em um meio-ambiente seguro (DALLARI, 1988, p. 58). A questão de saúde pública global, no caso da pandemia pela doença COVID-19, atravessa, portanto, os três pulares do desenvolvimento sustentável.

A imposição de direitos e deveres podem advir tanto de um tratado, quanto do seguimento de normativas de padronização de comportamentos e critérios sobre a informatização, prevenção e combate às pandemias. Já a criação de órgãos e mecanismos de monitoramento devem ser criados especificamente para as emergências de pandemias, vírus e novas doenças.

Apesar de a Organização Mundial da Saúde ter trabalhado arduamente nessas questões durante a pandemia pelo advento do vírus SARS-COV-2, os esforços para tanto não devem recair unicamente sobre esse órgão. Bem como um sistema internacional de Direitos Humanos pode envolver diversas áreas dentro da própria ONU, desde o direito das crianças (UNICEF) até a própria OMS, o sistema internacional de pandemias deve perpassar diversos órgãos e instituições que são afetados por uma pandemia, como exemplos: a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Alto Comissariado para Refugiados (ACNUR) e até mesmo a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU).

Além disso, organizações como o Gavi (Aliança para Vacina),[17] podem ser muito proveitosas no tratamento da sistematização sobre identificação, prevenção e combate contra pandemias. Isso porque, o Gavi conta com diversos parceiros como a Organização Mundial da Saúde, UNICEF, o Banco Mundial e a Fundação Bill & Melinda Gates, desempenhando um papel no fortalecimento da atenção primária à saúde, e da cobertura universal de saúde (UHC), garantindo que ninguém seja abandonado. Durante a pandemia do COVID-19, o Gavi teve papel elementar no consórcio para vacinas chamado COVAX Facility (BERKLEY, 2021).

Claramente, a sistematização para identificação, prevenção e combate às pandemias necessita de uma complexidade muito maior que um simples tratado sobre pandemias. Inclusive, tratados podem fazer parte de um sistema internacional sobre pandemias. A solução mais viável, para o atual contexto, em que não existe nada específico sobre pandemias, é o mais simples e imediato, como a elaboração de um tratado. Contudo, em longo prazo, com a certeza das pandemias que estão provir (MADHAV et al, 2017, p. 315), a sistematização será imprescindível.

 

5          A ESPETACULARIZAÇÃO DA PANDEMIA NO BRASIL, A RECUSA AO MULTILATERALISMO E A BANALIZAÇÃO DA TRAGÉDIA

 

O cenário do espetáculo no Brasil encontra reflexos não somente na política, como também na situação pandêmica pela doença COVID-19. Desde o descobrimento do novo vírus, ainda na província de Wuhan, na China, discutia-se nas mídias e no espectro político as medidas que estavam sendo adotadas pelos países e o que deveria ser feito para evitar que a doença chegasse no Brasil (SANAR, 2021).

Após a chegada do vírus SARS-COV-2 no Brasil, diversas medidas de isolamento social para evitar a disseminação do novo vírus foram decretadas por todo o país (SANAR, 2021). Ocorre que, o fechamento do comércio, dos bares e restaurantes, das instituições religiosas e afins não agradou a todos, ainda que muitos concordassem com tais medidas de prevenção ao COVID-19 (AMÂNCIO, 2021).

Assim, ocorreu uma flexibilização nas medidas de restrição durante o segundo semestre de 2020 e início de 2021 por parte dos governos estaduais e municipais da Federação. Entretanto, isso provocou uma terceira onda de contaminação pelo COVID-19 no Brasil, durante os primeiros meses de 2021, que levou grande parte do país a um colapso no sistema de saúde, em que havia falta de leitos de internação para pacientes diagnosticados com a doença (FIOCRUZ, 2021).

O caos sanitário instaurado no Brasil virou manchete nos principais veículos de comunicação do mundo, como o NY Times (LONDOÑO; CASADO, 2021), que relatou o colapso do sistema de saúde no país; o The Guardian (PHILLIPS, 2021), que publicou sobre o descaso do governo brasileiro com a saúde pública; o EL PAÍS (2021), que apresentou imagens do cenário caótico do Brasil ao atingir a marca de 400 mil mortos pela COVID-19, e;  o Le Monde (MEYERFELD, 2021), que noticiou a onipresença da morte em decorrência do COVID-19 no Brasil que já vive uma crise econômica.

A questão da pandemia no Brasil se tornou um exemplo negativo para o mundo inteiro. A Organização Não-Governamental (ONG) Médicos Sem Fronteiras (MSF) caracterizou o momento de crise no sistema de saúde que o Brasil viveu com o COVID-19 nos primeiros meses de 2021 de “catástrofe humanitária”, fazendo um apelo às autoridades brasileiras para que estabelecessem políticas públicas de saúde. (MÉDICOS SEM FRONTEIRAS, 2021).

Diante do apresentado, a espetacularização do cenário pandêmico no Brasil tomou proporções elevadas em âmbito internacional e em âmbito local. Contudo, as (não) respostas políticas do Governo Federal e seu Ministério da Saúde não estavam sendo suficientes para a contenção da tragédia que ficou instaurada no país. As medidas de contenção começaram a ser debatidas entre os cidadãos como visões políticas e não mais científicas. O próprio presidente internacional do MSF afirmou: “A consequência disso é que ações de política pública com fundamento científico são vinculadas a posicionamentos políticos, em vez de estarem associadas à necessidade de proteger indivíduos e suas comunidades da COVID-19.” (MÉDICOS SEM FRONTEIRAS, 2021).

O negacionismo de fontes científicas pelo presidente do país é capaz de influenciar os cidadãos em um debate político, e não científico, sobre os métodos de contenção da pandemia no Brasil, conforme o presidente do MSF demonstrou em sua fala. De forma semelhante ao que acontece nas redes sociais, o repasse de informações por uma pessoa que tem visibilidade, como o presidente, pode levar outras a reproduzirem suas opiniões e pensamentos nos próprios veículos de relacionamento social (CHA et al, 2010, p. 11). E, em novembro de 2020, Bolsonaro afirmou que as máscaras não são tão eficazes assim, diferindo de pesquisa que aponta que o uso de máscaras, em geral, reduz em 85% o risco de infecção. Em outro momento, ele disse que a cloroquina demonstra eficácia, mesmo após recomendação da OMS sobre a ineficácia do medicamento para o tratamento do COVID-19 (RÔMANY, 2021).

Atitudes e discursos como os feitos pelo presidente da nação podem refletir no comportamento de não cumprimento das medidas de proteção contra o COVID-19 da população e agravar o cenário pandêmico no país. Não obstante, os discursos sustentados pelos ministérios de seu governo, também podem desempenhar esse papel. Nesses termos, é possível se verificar nas palavras do então chanceler Ernesto de Araújo, em formatura do Instituto Rio Branco (2020, p. 11), a opção pelo soberanismo em detrimento do multilateralismo, bem como a ideologização do COVID-19, chamado por ele de “Covidismo”, como exposto:

Tachar os conservadores de ideológicos é a epítome da prática marxista-leninista: chame-os do que você é, acuse-os do que você faz. O grande complexo marxista-isentista cria ideologias todos os dias, ou seja, agarra traços da realidade sempre complexa e cambiante e os transforma em sistemas de elocução fechados, que não admitem questionamentos. Assim, tomam o meio ambiente e as preocupações legítimas com esse tema e o transformam em ambientalismo. Tomam a mudança climática e a transformam em climatismo. Tomam a ciência e a transformam em cientificismo. Tomam a iluminação e a transformam em iluminismo. Tomam as instituições multilaterais que podem ser muito úteis para a coordenação entre as nações e as transformam em multilateralismo, a doutrina de que tudo tem que ser resolvido por instâncias superiores aos países. Tomam uma doença causada por um vírus, a Covid, e a transformam, ou tenta transformá-la, num gigantesco aparato prescritivo destinado a reformatar e controlar todas as relações sociais e econômicas do planeta, o “Covidismo”, chamemos assim. Tudo sempre em nome de causas nobres, tudo sempre tendo como consequência o aumento do poder que manejam esses vários ismos. Do tipo: “quero salvar o planeta... quero salvar vidas... ops... chegou mais poder aqui na minha mão... olha, não era o que eu queria, mas tá bom, fica aqui... que coincidência, não?" Aqueles que nos acusam de ideológicos são aqueles que ideologizam toda a realidade e toda a vida para concentrar poderes. Já têm a solução para tudo e estão sempre à cata de novos problemas para encaixar essa solução. A solução é mais poder para eles, menos poder para as pessoas comuns, menos liberdade para o espírito. (ARAÚJO, 2020, p. 11)

A recusa ao multilateralismo, em tempos de pandemia, assim como a recusa de recomendações da OMS às nações pela administração brasileira, foi elemento distintivo no diálogo para a negociação internacional para a compra de vacinas. Inclusive, foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito do COVID-19 (CASTRO, 2021) para apurar falas negacionistas do governo Bolsonaro, negociações para a compra de vacinas que deixaram de ser feitas e omissões quanto à crise sanitária pandêmica.

Muitas informações, como a compra da oferta mínima de vacinas da COVAX Facility podem ser apuradas por meio da própria OMS (WTO, 2020). Outras, terão de ser apuradas dentro do espectro judicial. Assim já havia ocorrido em 2020, quando o governo brasileiro alterou a divulgação dos números relativos aos casos e mortes em decorrência do COVID-19 e três Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs nº 690, 691, 692) foram ajuizadas para questionar tal atitude. Essas ADPFs tiveram seu pleito atendido cautelarmente, pelo Ministro Alexandre de Moraes, que determinou ao Ministério da Saúde que:

mantenha, em sua integralidade, a divulgação diária dos dados epidemiológicos relativos à pandemia do novo coronavírus, inclusive no site do órgão e com os números acumulados de ocorrências, exatamente conforme vinha realizando até 4/6 (STF, 2020).

A transparência de dados é uma questão a ser discutida até mesmo em termos internacionais. Isso porque, os dados sobre as mortes decorrentes do COVID-19, sobre o número de casos por região, são essenciais para um mapeamento de um vírus que tomou proporções pandêmicas. Informações e dados a serem compartilhados entre as nações constituem elemento a ser inserido no tratado que Johnson, Merkel, Macron et al (2021) se propõem a elaborar. Fica evidente, então, que tanto é importante a divulgação transparente de informações pelo governo por uma questão democrática, como também é em função dos interesses coletivos, nacionais ou internacionais, que são afetados pelo SARS-COV-2 (GRAU, 2019, p. 26).

É importante notar, que a negação à ciência por detrás dos estudos e pesquisas sobre o vírus SARS-COV-2 e a doença COVID-19 e a negação ao multilateralismo em um momento de pandemia, dentro de uma civilização do espetáculo (LLOSA, 2013, p.29), conduz a sociedade a uma banalização da tragédia ainda não experenciada no Brasil.

A banalização da morte e da tragédia que está sendo provocada pela disseminação desenfreada do vírus SARS-COV-2 não tem precedentes na história do país. Essa banalização ocorre tanto por meio do governo, que como já demonstrado, tem adotado posturas negacionistas, como também por parte da população, que atingiu o menor índice de isolamento social em dezembro de 2020 (DATAFOLHA, 2021).

Cerca de 79% dos brasileiros já tiveram ou conhecem alguém que já teve COVID-19 com comprovação por teste (AMÂNCIO, 2020) e, em dezembro de 2020, apenas 41% afirmou ter um real medo de contrair o novo coronavírus. Isso apenas evidencia que, os números de casos e óbitos desde a emergência do SARS-COV-2 no Brasil vem aumentado consideravelmente até os primeiros meses de 2021 (MINISTERIO DA SAUDE, 2021), mas, a preocupação das pessoas com a gravidade dessa doença, tem diminuído. Assim, pontua Bauman (2008, p. 60):

[...] banalização transforma o próprio confronto num evento banal, quase cotidiano, esperando desse modo fazer da “vida com a morte” algo menos intolerável. A banalização leva a experiência única da morte, por sua natureza inacessível aos vivos, para o domínio da rotina diária dos mortais, transformando suas vidas em perpétuas encenações da morte, desse modo esperando familiarizá-los com a experiência do fim e assim mitigar o horror que transpira da “alteridade absoluta” - a total e absoluta incognoscibilidade da morte. (BAUMAN, 2008, p. 60)

Com isso, nota-se que a banalização advém do fato de que a pandemia, como situação excepcional tornou-se quase cotidiana, bem como a morte, decorrente da pandemia. Ocorre que, ao tentar compreender esse fenômeno de banalização da vida, da tragédia pandêmica e da morte, é possível observar que toda a estrutura de poder sustentada pelo próprio governo brasileiro é capaz de influenciar na concepção dicotômica entre a vida, o risco de exposição à uma doença real para desfrutá-la na plenitude e a morte. Conforme entende Foucault (1988, p. 134), o biológico influencia o político, assim como o contrário também é real na biopolítica.

Diante desse contexto, a espetacularização da pandemia, a negação ao multilateralismo e a banalização de toda a tragédia pandêmica no Brasil, evidencia-se a falência democrática do governo que geriu os dois primeiros anos de pandemia no país. Não somente pela omissão em ter atitudes para melhorar a saúde pública e pela recusa às recomendações e ajudas internacionais, como também pela negação a um dos maiores problemas de saúde já enfrentados na nação, por fim, pelo exercício do poder político de influenciar cidadãos de modo a pôr em risco a integridade física deles.

 

§ CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A espetacularização do cenário político brasileiro, por meio de notícias que visam o entretenimento, é capaz de gerar conformidade, passividade, dos cidadãos perante uma falência democrática. Esta, não ocorre mais nitidamente por meio de golpes de Estado armados, como antes da Guerra Fria, pois acontece lenta e gradualmente, sendo possível de ser notada em discursos e no banimento de instituições democráticas consolidadas (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 7).

Ao analisar os discursos e as posturas adotadas por Jair Bolsonaro, eleito em 2018 como presidente do Brasil, observa-se que ele rejeita e tem pouco comprometimento com instituições democráticas do jogo político, nega a legitimidade de seus oponentes políticos, tolera ou encoraja a violência e revela disposição para restringir liberdades civis dos oponentes, incluindo mídia (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 23-24).

O perigo desses posicionamentos, no que tange a política externa de seu governo, consiste em tornar as estratégias negociais multilaterais como negativas, priorizando demasiadamente a soberania em função de um nacionalismo exacerbado. O multilateralismo tem suas desvantagens que consistem na difusão de ideias das nações hegemônicas (SANTOS, 2000, p. 19). Entretanto, a partir de uma análise, isenta de espetáculos e atenta aos interesses da nação, é possível se utilizar das artimanhas multilaterais para crescer interna e internacionalmente.

Com o advento da pandemia pelo SARS-COV-2, algumas ações nacionais tiveram que ser tomadas independentes das multilaterais, posto que não havia até então informações e dados precisos sobre o assunto. Contudo, a OMS, por exemplo, criou critérios para a contabilização do número de casos e óbitos, sugeriu a notificação transparente desses dados e promoveu campanhas de prevenção à doença COVID-19 (WTO, 2021). Como a pandemia pelo novo coronavírus, outras pandemias têm previsão de emergir no século XXI (MADHAV et al, 2017, p. 315), portanto, autoridades internacionais já se pronunciaram a fim de elaborar um tratado sobre pandemias que abrangesse a identificação, a prevenção e o combate às futuras pandemias que estão porvir (JOHNSON; MERKEL; MACRON et al, 2021).

Essas estratégias multilaterais são fundamentais para manejar a atual pandemia e as futuras pandemias. Ocorre que, no governo Bolsonaro, seu então Ministro das Relações Exteriores, já se pronunciou contra o multilateralismo, nomeando a própria doença COVID-19 de “covidismo” (ARAÚJO, 2020, p. 11). Todo o negacionismo quanto ao perigo do novo vírus que subsistiu nos discursos do presidente gera não só intensa banalização da situação pandêmica, como também uma criação de um espetáculo sobre o tema pandêmico.

O elevado número de óbitos pela COVID-19 no Brasil, as falas negacionistas de Bolsonaro diante de uma situação tão grave como a decorrente da pandemia, causa uma banalização não só do cenário vivido, mas também da própria vida. A política influencia no biológico e o biológico influencia a política (FOUCAULT, 1988, p. 134), mas no caso brasileiro, o que restou dessa influência mútua foi a tragédia.

 

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Informações adicionais e declarações dos autores

(integridade científica)

 

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration): os autores confirmam que não há conflitos de interesse na realização das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

 

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declaration of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores; todos os coautores se responsabilizam integralmente por este trabalho em sua totalidade.

 

·      Júlia Souza Luiz: projeto e esboço inicial (conceptualization), desenvolvimento da metodologia (methodology), coleta e análise de dados (data curation), levantamento bibliográfico (investigation), revisão bibliográfica (investigation), redação (writing – original draft), participação ativa nas discussões dos resultados (validation), revisão crítica com contribuições substanciais (writing – review and editing), aprovação da versão final.

 

·      Nelson Camatta Moreira: projeto e esboço inicial (conceptualization), desenvolvimento da metodologia (methodology), coleta e análise de dados (data curation), levantamento bibliográfico (investigation), revisão bibliográfica (investigation), redação (writing – original draft), participação ativa nas discussões dos resultados (validation), revisão crítica com contribuições substanciais (writing – review and editing), aprovação da versão final.

 

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of originality): os autores asseguram que o texto aqui publicado não foi divulgado anteriormente em outro meio e que futura republicação somente se realizará com a indicação expressa da referência desta publicação original; também atesta que não há plágio de terceiros ou autoplágio.

 

Dados do processo editorial

· Recebido em: 01/06/2021

· Controle preliminar e verificação de plágio: 01/06/2021

· Avaliação 1: 30/06/2021

· Avaliação 2: 06/07/2021

· Decisão editorial final: 07/07/2021

· Publicação: 09/07/2021

Equipe editorial envolvida

·  Editor-Chefe: FQP

·  Assistente-Editorial: MR

·  Revisores: 02

COMO CITAR ESTE ARTIGO

LUIZ, Júlia Souza; MOREIRA, Nelson Camatta. O espetáculo e a falência democrática no cenário pandêmico: a recusa ao multilateralismo e a banalização da tragédia pelo Estado brasileiro. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, v. 8, n. 01, e340, jan./jun. 2021. doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v8i01.340. Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/340. Acesso em: dia mês. ano.



* Editor: Prof. Dr. Flávio Quinaud Pedron. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4259444603254002. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4804-2886.

[1] Graduanda em Direito pela FDV, com mobilidade acadêmica para a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Membro do grupo de pesquisa Teoria Crítica do Constitucionalismo. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7897609712572682. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4095-0804.

[2] Pós-Doutor em Direito pela Universidad de Sevilla. Pós-Doutor em Direito pela UNISINOS. Doutor em Direito pela UNISINOS. Mestre em Direito pela UNISINOS. Professor do PPGD da FDV. Líder do grupo de pesquisa Teoria Crítica do Constitucionalismo. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2535094687665916. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8295-4275.

[3] Original: “Institutions become political weapons, wielded forcefully by those who control them against those who do not. This is how elected autocrats subvert democracy – packing and “weaponizing” the courts and other neutral agencies buying off the media and the private sector (or bullying them into silence), and rewriting the rules of politics to tilt the playing field against opponents. The tragic parodox of the electoral route to authoritarianism is that democracy’s assassins use the very institutions of democracy – gradually, sybtly, and even legally – to kill it.” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 07)

[4] Original: “1) rejects, in words or action, the democratic rules of the game, 2) denies the legitimacy of the opponents, 3) tolerates or encourages violence or 4) indicates a willingness to curtail the civil liberties of opponents, including the media” (LEVTSKY; ZIBLATT, 2018, p. 21)

[5] Original: “Rejection of (or weak commitment to) democratic rules of the game” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 23)

[6] Original: “Do they attempt to undermine the legitimacy of elections, for example, by refusing to accept credible electoral results?” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 23)

[7] Original: “Denial of the legitimacy of political opponents” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 23)

[8] Original: “Do they baselessly describe their partisan rivals as criminals, whose supposed violation of the law (or potential to do so) disqualifies them from full participation in the political arena?” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 23)

[9] Original: “Toleration or encouragement of violence” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 24)

[10] Original: “Have they praised (or refused to condemn) other significant acts of political violence, either in the past or elsewhere in the world?” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 24)

[11] Original: “Readiness to curtail civil liberties of opponents, including media” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 24)

[12] Original: “Have they praised repressive measures taken by other governments, either in the past or elsewhere in the world?” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 24)

[13] Nos termos do então Chanceler: “Não escapa a Žižek, naturalmente, o valor que tem a OMS neste momento para a causa da desnacionalização, um dos pressupostos do comunismo. Transferir poderes nacionais à OMS, sob o pretexto (jamais comprovado!) de que um organismo internacional centralizado é mais eficiente para lidar com os problemas do que os países agindo individualmente, é apenas o primeiro passo na construção da solidariedade comunista planetária. [...]” (ARAÚJO, 2020).

 

[14] Original: Access to COVID-19 Tools (ACT) Accelerator.

[15] Original: “International guidelines for certification and classification (coding) of COVID-19 as cause of death” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020) 

[16] Original: “The main goal of this treaty would be to foster an all of government and all of society approach, strengthening national, regional and global capacities and resilience to future pandemics. This includes greatly enhancing international co-operation to improve, for example, alert systems, data-sharing, research and local, regional and global production and distribution of medical and public health counter-measures such as vaccines, medicines, diagnostics and personal protective equipment.” (JOHNSON; MERKEL; MACRON et al, 2021).

[17] Original em inglês: “The Vaccine Alliance”