O espetáculo e a falência democrática no cenário
pandêmico: a recusa ao multilateralismo e a banalização da tragédia pelo Estado
brasileiro
The spectacle and democratic bankruptcy in the
pandemic scenario: the refusal of multilateralism and the trivialization of
tragedy by the Brazilian State
Júlia Souza Luiz[1]
Faculdade
de Direito de Vitória (FDV) – Vitória/ES
Nelson Camatta Moreira[2]
Faculdade
de Direito de Vitória (FDV) – Vitória/ES
OBJETIVO: Perceber como o cenário da
espetacularização política pode acarretar uma falência democrática e se, como e
por que o Brasil passa por uma falência democrática.
MÉTODO: Para realização dessa pesquisa, utiliza-se o método hermenêutico-filosófico.
RELEVÂNCIA/ORIGINALIDADE: O momento excepcional de pandemia pela disseminação do vírus SARS-COV-2 refletiu diretamente nas políticas multilaterais e nacionais a serem adotadas no que tange a contenção do vírus. Por isso, é essencial observar como, se, e por que as políticas empregadas no Brasil nesse cenário podem ocasionar uma falência democrática, para assim procurar meios de impedir tal falência.
RESULTADOS: Nota-se uma falência democrática, lenta e gradual, ocorrendo no Brasil que se agrava no espetáculo banalizado da pandemia da doença COVID-19.
CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS/METODOLÓGICAS: Para realização dessa pesquisa, emprega-se os conceitos de espetáculo apresentados por Mário Vargas Llosa em “A Civilização do Espetáculo”, a percepção de falência democrática demonstrado por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em “Como as Democracias Morrem”, e se analisa o fenômeno da pandemia à luz de noções de Teoria do Estado, Direito Internacional Público, Direitos Humanos e geopolítica.
PALAVRAS-CHAVE:
Democracia. Espetáculo. Multilateralismo. Pandemia.
Soberania.
OBJECTIVE: To understand
how the scenario
of political spectacularization can lead to democratic failure and if, how and
why Brazil goes through it.
METHOD: To carry out this research, the hermeneutic philosophical method is used.
RELEVANCE / ORIGINALITY: The
exceptional moment of the pandemic due to the dissemination of the SARS-COV-2
virus reflected directly on the multilateral and national policies to be
adopted to contain the virus. Therefore, it is essential to observe how, if,
and why the policies employed in Brazil in this scenario may cause
democratic failure, in order to seek ways to prevent such failure.
RESULTS: One notices a slow and gradual democratic bankruptcy occurring in Brazil
that worsens in the trivialized spectacle of the COVID-19 disease pandemic.
THEORETICAL / METHODOLOGICAL CONTRIBUTIONS: This research
uses the concepts of spectacle presented by Mário Vargas Llosa in "The
Civilization of Spectacle", the perception of democratic failure
demonstrated by Steven Levitsky and Daniel Ziblatt in "How Democracies
Die", and analyzes the phenomenon of the pandemic in the light of notions
of State Theory, Public International Law, Human Rights, and geopolitics.
KEYWORDS: Democracy. Multilateralism. Pandemic. Sovereignty. Spectacle.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 A ESPETACULARIZAÇÃO DA POLÍTICA E OS PASSOS QUE LEVAM A FALÊNCIA DEMOCRÁTICA; 2 O ESPAÇO MULTILATERAL, A DEMOCRACIA E O ESPETÁCULO NA NEGOCIAÇÃO ESTRATÉGICA INTERNACIONAL; 3 OS DESAFIOS DA COOPERAÇÃO MULTILATERAL QUANTO A QUESTÃO DE DADOS, INFORMAÇÕES E PESQUISA EM TEMPOS DE PANDEMIA PELO COVID-19; 4. O MANEJO DAS PANDEMIAS QUE ESTÃO PORVIR POR MEIO DA CRIAÇÃO DE UM SISTEMA INTERNACIONAL DE IDENTIFICAÇÃO, PREVENÇÃO E COMBATE ÀS PANDEMIAS: O MULTILATERALISMO E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS; 5. A ESPETACULARIZAÇÃO DA PANDEMIA NO BRASIL, A RECUSA AO MULTILATERALISMO E A BANALIZAÇÃO DA TRAGÉDIA CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
SUMMARY: INTRODUCTION1. THE SPECTACULARIZATION OF
POLITICS AND THE STEPS THAT LEAD TO DEMOCRATIC BANKRUPTCY; 2. THE MULTILATERAL
SPACE, DEMOCRACY AND SPECTACLE IN INTERNATIONAL STRATEGIC NEGOTIATION; 3. THE
CHALLENGES OF MULTILATERAL COOPERATION ON THE ISSUE OF DATA, INFORMATION AND
RESEARCH IN TIMES OF PANDEMICS BY COVID-19; 4. THE MANAGEMENT OF PANDEMICS TO
COME THROUGH THE CREATION OF AN INTERNATIONAL SYSTEM FOR IDENTIFYING,
PREVENTING AND COMBATING PANDEMICS: MULTILATERALISM AND THE PROTECTION OF HUMAN
RIGHTS; 5. THE SPECTACULARIZATION OF THE PANDEMIC IN BRAZIL, THE REFUSAL TO
MULTILATERALISM AND THE TRIVIALIZATION OF THE TRAGEDY; FINAL CONSIDERATIONS; REFERENCES.
§ INTRODUÇÃO
A espetacularização
política ocorre quando situações políticas são especialmente pensadas para
ganhar um destaque na mídia e gerar um impacto nos cidadãos por meio do
escândalo. Isso acontece porque a cultura se tornou banalizada pelo consumo de
um jornalismo de bisbilhotices e diversão (LLOSA, 2013, p. 30). O perigo que
esse cenário do espetáculo político pode acarretar é a falência democrática,
que se apresenta, no século XXI, de formas diferentes dos golpes de Estado
armados antigos – como ocorria antes da Guerra Fria –, pois sobrevém por meio
de pequenas rupturas com o Estado Democrático de Direito com governantes
eleitos pelo próprio povo (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 5).
A partir disso, em
um momento mundialmente excepcional, que foi o surgimento da pandemia pelo
vírus SARS-COV-2, torna-se importante observar as posturas e a higidez das
instituições democráticas consolidadas no Brasil. Tendo em vista que todo o
globo foi assolado pelo novo coronavírus, a espetacularização tanto da política
de combate à pandemia, como das posturas adotadas em momento anterior e durante
o momento pandêmico, merece atenção no Brasil.
O momento
excepcional protagonizado pela doença do COVID-19 que assolou o mundo, gerou
atitudes imediatas de diversos governos do globo e uma particular atenção de
instituições multilaterais de proteção à saúde como a Organização Mundial da
Saúde (OMS). A importância do multilateralismo nesse contexto não se resume a
essa instituição, mas sim, a fixação de critérios padronizados para a
contabilização do número de casos e óbitos, a adoção de políticas
internacionais preventivas efetivas, o compartilhamento de dados entre as
nações e a distribuição de vacinas pelos países.
Entretanto, no
contexto brasileiro, desde um momento imediatamente anterior à pandemia, quanto
durante a pandemia, é possível observar posturas adotadas pelo governo do país
que se distanciam do multilateralismo e se aproximam de uma falência
democrática. O discurso que se oferece aos cidadãos é de que tais atitudes são
em prol do fortalecimento da nação, o que demonstra que se prega um
nacionalismo e um soberanismo. Esse tipo de discurso pode ser perigoso, pois se
aproveita das fragilidades econômicas e sociais das comunidades nacionais para
convocá-las a uma luta a fim de que o povo tome em suas mãos o destino do
próprio país, por meio de uma força estranha e poderosa que é o nacionalismo
(BONAVIDES, 1964, p. 70).
Por isso, nesse
trabalho, serão analisadas algumas condutas adotadas pelo governo brasileiro no
que tange a lenta e gradual falência democrática e a adoção ou não de
estratégias políticas multilaterais pelo país na vigência da pandemia. Para
isso, serão destacados, primeiramente, os conceitos referentes a
espetacularização política e falência democrática, em seguida, os conceitos de
multilateralismo e soberania em um cenário do espetáculo. A partir do cenário
pandêmico, por fim, discutir-se-á a importância do multilateralismo nesse
contexto, a possibilidade de criação de um tratado sobre pandemias ou de um
sistema internacional sobre pandemias e, as condutas brasileiras referentes à
doença COVID-19.
A relevância de tal
assunto parte do questionamento de como o cenário espetacularizado pode afetar a
falência democrática e por que o Brasil tem passado por essa falência
democrática, que se demonstra ainda mais grave no contexto da pandemia pelo
vírus SARS-COV-2 e na recusa ao multilateralismo.
Para responder essa
pergunta no presente estudo, será empregado o método hermenêutico-filosófico,
que perpassa a compreensão das premissas e conceitos à luz da interpretação das
ciências humanas a fim de se chegar a uma consideração que abarque a ótica mais
adequada àquele texto (GADAMER, 2003, p. 57). Ou seja, percebe-se o fenômeno da
pandemia para além da ótica estrita do direito, à luz da relação entre Direito
Internacional Público, Teoria do Estado, Direitos Humanos e geopolítica.
1 A ESPETACULARIZAÇÃO DA POLÍTICA E OS PASSOS QUE LEVAM A FALÊNCIA DEMOCRÁTICA
O cenário do
espetáculo ocorre quando as relações sociais se tornam mediatizadas pelas
imagens que são fruto do modelo social dominante que se deu pelo consumo. Ou
seja, a espetacularização acontece em um contexto de desigualdade, em que o
modo de produção capitalista possui monopólio da aparência dos sujeitos
passivos, como expõe Debord (2003):
O espetáculo
apresenta-se como algo grandioso, positivo, indiscutível e inacessível. Sua
única mensagem é “o que aparece é bom, o que é bom aparece”. A atitude que ele
exige por princípio é aquela aceitação passiva que, na verdade, ele já obteve
na medida em que aparece sem réplica, pelo seu monopólio da aparência. (DEBORD,
2003).
No espectro
político, é possível perceber o espetáculo em situações especialmente pensadas
para ganhar um destaque midiático e construir uma imagem a partir do
entretenimento que um fato pode gerar. Isso porque, o que ganha notoriedade
nessa civilização é a informação pautada no escândalo, uma vez que a cultura se
tornou banalizada pelo consumo de um jornalismo de bisbilhotices e diversão
(LLOSA, 2013, p. 30).
Essa
espetacularização da política, entretanto, pode ser extremamente perigosa às
democracias, visto que a cultura adormecida por escândalos e sensacionalismos
pode se tornar cada vez mais resiliente aos desvios e excessos praticados por
aqueles que ocupam cargos de poder. Assim, os governantes podem usurpar ainda
mais de seu controle, burlando a confiança pública neles depositada, já que as
pessoas não têm o mesmo nível de credulidade nas instituições políticas em
função do teatro da imoralidade exposto cotidianamente por veículos midiáticos
(LLOSA, 2013, p. 124-125).
Nesse sentido,
percebe-se um esvaziamento da política em que o povo se torna cada vez mais
apolítico pois se contentam com a felicidade privada sem o verdadeiro interesse
de adentrar a liberdade pública (VICENTE; MARQUES, 2016, p. 14). Contudo, não
subsiste razão para participar da vida pública se não há confiança no sistema e
nas instituições nas quais os cidadãos estão inseridos.
É importante notar
que o consumo de entretenimento e espetáculo político pode levar o povo a uma
passividade que os torna sujeitos votantes reféns da representatividade no
poder sem participação ativa na vida pública. Isso implica, todavia, no distanciamento
dos eleitores das instituições políticas. Ou seja, além da espetacularização
gerar um certo nível de desconfiança e descrença em função do sensacionalismo,
o próprio sistema democrático representativo é capaz de distanciar os cidadãos
da elaboração da política pública.
Em um cenário de
desigualdades sociais e econômicas, agravado pela necessidade dos cidadãos de
subsistir, os políticos que constroem uma imagem de que podem ser a salvação
para os maiores problemas que assolam a nação, ganham notoriedade. A concepção
de um representante político que observa questões com grandes repercussões
midiáticas, como violência e corrupção, propondo-se a erradicá-las, pode levar,
muitas vezes, a acepção passiva de discursos extremos e de ódio. Sobre isso, explicam
Levitsky e Ziblatt (2018, p. 7):
As
instituições se tornam armas políticas, brandidas violentamente por aqueles que
as controlam contra aqueles que não as controlam. É assim que os autocratas
eleitos subvertem a democracia – aparelhando tribunais e outras agências
neutras e usando-os como armas, comprando a mídia e o setor privado (ou
intimidando-os para que se calem) e reescrevendo as regras da política para
mudar o mando de campo e virar o jogo contra os oponentes. O paradoxo trágico
da via eleitoral para o autoritarismo é que os assassinos da democracia usam as
próprias instituições da democracia – gradual, sutil e mesmo legalmente – para
matá-la. (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 7) [tradução de Renato Aguiar][3]
Nesses termos, a
espetacularização da política, distanciando as pessoas da crença na vida
pública e das instituições consolidadas, pode conduzir a uma morte lenta e
gradual da democracia. Esse processo de subversão da democracia não é mais tão
evidente como aqueles que tiveram homens que pegaram em armas para defender um
totalitarismo (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 5).
Claramente existem
pontos de tangência entre essa nova forma de subversão da democracia e a antiga
forma de subversão. Isso porque, o que impulsionava diversos cidadãos a pegarem
em armas e defenderem o totalitarismo era a organização totalitária aliada às
mentiras propagandísticas com conteúdo ideológico que atingia certo grau de
extremismo (ARENDT, 1989, p. 413). Da mesma forma, o espetáculo associado à
imagem e ao caos dos eventos políticos conduzem à uma descrença da civilização
atual nas instituições políticas consolidadas, o que facilita a intervenção
gradual na democracia. Ambas as formas de aniquilar com o modelo democrático
perpassam a mediatização de imagens.
Por isso, o cuidado
ao observar propostas políticas que perpassam o salvamento da população do caos
do espetáculo, é essencial. Para Arendt, a salvação acontecerá por meio do
“milagre” na esfera governamental, que está relacionado à natalidade, uma
reconciliação com o passado e um compromisso dos novos com o futuro (MOREIRA;
DE PAULA, 2020, p. 107-108). Se há na atualidade uma possibilidade de morte
lenta e gradual da democracia, os novos devem ser capazes de romper com as
práticas usuais de falência democrática, por meio da memória e resgate à
história (DE OLIVEIRA, 2012, p. 32).
O comportamento
autoritário a que se deve ter atenção que leva a falência democrática pode ser
percebido quando o político: “1) rejeita em palavras ou ação, as regras
democráticas do jogo, 2) nega a legitimidade dos oponentes, 3) tolera ou
encoraja a violência ou 4) indica disposição para restringir liberdades civis
de seus oponentes, inclusive a mídia” [tradução nossa][4] (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 21).
Dessa forma,
depreende-se como essencial a concepção de espetacularização política como
aquela que banaliza a cultura e leva ao fascínio pelo sensacionalismo, sendo
capaz de levar a uma morte da democracia de forma gradativa e demorada. A
partir disso, é possível averiguar os comportamentos autoritários de um
político para, assim, estabelecer uma ruptura com essas práticas e
comprometer-se com o resgate da democracia.
Dentro desse
contexto, visualiza-se na realidade brasileira da última década, diversos
acontecimentos marcantes que surgem em um cenário de espetáculo que corrobora
com a gradual morte da democracia, como:
[...] os eventos críticos pontuais que causaram momentos de alta instabilidade nos últimos anos, como: as delações premiadas contra políticos e empresários; as manifestações de rua em 2013, 2015, 2016 e 2018; o impeachment de Dilma Rousseff; o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) da chapa Dilma-Temer; os dois pedidos de impeachment contra Michel Temer; a intervenção federal no Rio de Janeiro com as Forças de Segurança; o assassinato da vereadora Marielle Franco, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL-RJ) e de seu motorista Anderson Gomes; a prisão de Lula; o locaute dos caminhoneiros que paralisou o país; a ameaça autoritária nas eleições de 2018; entre outros. Tudo tem se passado como se estivéssemos em um mesmo processo social que se desdobrou em duas grandes coordenadas: na horizontal, o movimento de perda de legitimidade do sistema político com a judicialização da política e a politização da justiça, e, na vertical, o descompasso entre esse sistema e a sociedade. Duas dimensões ortogonais do mesmo processo, cuja temporalidade é caracterizada pela percepção coletiva de insegurança, incertezas, imprevisibilidade, insubordinações, intensidade e inflexões políticas. (ALMEIDA, 2019, p. 192).
Foi no segundo turno
das eleições de 2018, que a polarização política tornou o cenário ainda mais
extremo, quando de um lado parte da população defendia o “lulo-petismo” e de
outro defendiam o “bolsonarismo” (ALMEIDA, 2019, p. 197), posições opostas de
governo em uma conjuntura política fragilizada de diversos acontecimentos com
espetacularizações que resultam em uma descrença dos cidadãos nas instituições
políticas.
Após o resultado,
com a eleição de Jair Bolsonaro como Presidente da República Federativa do
Brasil, a instabilidade democrática tornou-se evidente. Isso porque, grande
parte da população não aprova seu governo. Em janeiro de 2021, a aprovação de
sua administração foi de 31%, com uma reprovação de 40%, tendo como parâmetro a
menor taxa de aprovação já alcançada de 29% em agosto de 2019 (AMÂNCIO, 2021),
percebe-se que os índices demonstram a insatisfação da maioria popular com o
governo de Bolsonaro.
O que ocorre é que a
conjuntura criada por Bolsonaro gera um cenário de espetáculo e desinformação.
Durante os discursos dele, muitas vezes, é possível verificar a disseminação de
informações falsas ou distorcidas. Dados demonstram que em 799 dias de governo,
o presidente forneceu 2.560 declarações falsas ou distorcidas (CUNHA et al.,
2021). Contudo, com a Internet e as redes sociais, o conteúdo do que é falado
por influências políticas gera uma repercussão e uma difusão ainda maior de
informações que não necessariamente são verdadeiras, como no caso de Bolsonaro.
Elucida-se:
O espetáculo
das fakes news é potencializado pelo meio digital: seu público é gigantesco e
as possibilidades de interação deste com o espetáculo são diversas. Em um
minuto, é possível retuitar, curtir ou comentar. Não há melhor palco que as
telas digitais. Proporcionam, ainda, ilimitado uso de recursos imagéticos, onde
vídeos e imagens alterados digitalmente elucidam acontecimentos inexistentes no
mundo concreto, mas nem por isso menos verdadeiros no real comunicacional. A
veracidade do fato, portanto, tende à irrelevância, na medida que este é
sentido e apreendido em seu peso de verdade pelo individuo imerso em uma
prótese midiática. Mais que isto, este peso de verdade repercutirá no mundo
concreto, uma vez que se opera a partir deste real comunicacional, desta
prótese midiática. Deste modo, ainda que desmentida, as fake News tendem a
repercutir, pois operam de um mundo diverso, embora superposto ao mundo
concreto. (THEMUNDO; ALMEIDA, 2020, p. 223).
Além disso, quanto
aos passos de um comportamento autoritário que podem levar a uma falência
democrática, nota-se na administração de Bolsonaro algumas alegações e
posicionamentos que perpassam todos os pontos elucidados por Levitsky e Ziblatt
(2018, p. 23-24), como se observa na tabela abaixo:
Tabela
1 – Posturas autoritárias assumidas por Jair Bolsonaro
Postura autoritária |
Como essa postura se
manifesta? |
Postura de Jair
Bolsonaro |
Rejeição (ou pouco
comprometimento) com as regras democráticas do jogo[5] |
Eles tentam
minar a legitimidade das eleições, por exemplo, recusando-se a aceitar
resultados eleitorais confiáveis?[6] |
Bolsonaro diz a
apoiadores que se não tivermos voto impresso em 2022, o Brasil terá
resultados fraudados como ocorreu nas eleições de 2020 nos Estados Unidos da
América (WETERMAN E COL., 2021) |
Negação da
legitimidade de seus oponentes políticos[7] |
Eles descrevem
seus rivais partidários como criminosos sem fundamentos, cuja suposta
violação da lei (ou potencial para fazê-lo) os desqualifica de participação
plena na arena política?[8] |
Bolsonaro posta
vídeo da ex-presidenta Dilma Rousseff em sua rede social e afirma que o
Partido dos Trabalhadores, ao qual a ex-presidenta é filiada, uma piada de
mal gosto. (SIMÃO, 2020) |
Tolerância ou
encorajamento da violência[9] |
Elogiam (ou se
recusam a condenar) outros atos significativos de violência política, no
passado ou em outras partes do mundo?[10] |
Bolsonaro elogia
o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador da ditadura militar
brasileira, e diz que os presos políticos eram tratados com toda dignidade
(PUPO et al, 2020) |
Disposição para
restringir as liberdades civis dos oponentes, incluindo a mídia[11] |
Eles elogiam as
medidas repressivas tomadas por outros governos, no passado ou em outras
partes do mundo?[12] |
Bolsonaro se
referiu ao dia de aniversário do Golpe Militar de 1964 no Brasil como o dia
da liberdade. Seu vice-presidente corroborou com a fala do presidente em rede
social. (COLETTA, 2020) |
Fonte:
Elaborada pelos autores com base em Levitsky e Ziblatt (2018, p. 23-24) e dados
relacionados
Em um cenário de
espetacularização política, com políticos que demonstram possuir um
comportamento autoritário, a atenção da sociedade deve ser permeada pela noção
de democracia para se evitar uma morte lenta e gradual desta. Isso se aplica
para o Brasil, em que se o próprio presidente tem práticas e discursos que
remetem à dúvida do sistema eleitoral vigente, à tortura, ao ataque aos
oponentes políticos e ao período ditatorial no país.
2 O ESPAÇO MULTILATERAL, A DEMOCRACIA E O ESPETÁCULO NA NEGOCIAÇÃO ESTRATÉGICA INTERNACIONAL
O multilateralismo
consiste em estratégias negociais, de ação ou de regulação entre países por
meio da interação coletiva entre nações (VIGEVANI; JÚNIOR, 2011, p. 3). Conforme
conceito de Devin (2017, p. 147-148), o multilateralismo:
é uma escolha
e/ou necessidade, uma política, com os seus defensores e os seus críticos, mas
é também um sistema, ou seja, um conjunto interativo de partes que são elas
multilaterais. Estendido a número cada vez elevado de setores e valorizado por
um número crescente de atores que densificam e complexificam o seu
funcionamento, este sistema tornou-se opaco para os leigos e, frequentemente,
para aqueles que se interessam. Paradoxalmente, é o seu sucesso que alimenta
críticas. (DEVIN, 2017, p. 147-148).
Após as Grandes
Guerras, com o surgimento da Liga das Nações (1920) e da Organização das Nações
Unidas (1945), a ideia de multilateralismo ficou ainda mais em evidência em
função da necessidade de elaborar mecanismos para salvaguardar direitos e
propiciar um mundo em paz.
No entanto, a adoção
de estratégias negociais multilaterais entre os países pode não ser uma
prioridade a depender da administração que conduz a nação naquele momento. Isso
é considerado uma forma de se posicionar no cenário internacional, posto que o
país antepõe a sua soberania ao multilateralismo.
Como elemento
fundamental da personalidade jurídica internacional, tem-se o reconhecimento da
soberania daquela nação frente às demais nações do globo (REZEK, 2014).
Contudo, optar por uma estratégia política de soberania significa isolar-se do
cenário internacional e focar apenas em questões nacionais, aproximando-se de
um nacionalismo (BONAVIDES, 1960, p. 76).
O perigo da
constante opção pelo nacionalismo frente às estratégias de negociação
internacional reside na rejeição de comunicação com outros países, de forma a
estabelecer que apenas o que o governante local apoia em nível interno é
considerado bom. Mas, o próprio direito internacional foi capaz de influenciar
o constitucionalismo de diversos países desde quando foi estabelecido o
princípio da dignidade humana na Declaração Universal dos Direitos do Homem
(TONETTO; GUERRA, 2020, p. 134). Assim,
negar o multilateralismo, bem como negar as ideias advindas da sociedade
internacional, pode representar uma ausência de maleabilidade do governo local
que se disfarça de proteção à democracia por meio do nacionalismo soberano.
Em uma civilização
do espetáculo, as políticas baseadas em sensacionalismo ganham destaque, de
forma que negar ou aceitar parcerias internacionais repercute como escândalo e
gera um entretenimento para o povo através do jornalismo midiático (LLOSA,
2013, p. 30). Ocorre que, as informações chegam até as pessoas já manipuladas,
com manchetes, fotos chamativas e reportagens repletas de opiniões do próprio
redator. Isso implica em uma espetacularização da política externa que, muitas
vezes, é fruto da reprodução de um pensamento hegemônico no mundo globalizado.
Sobre isso, pontua Santos (2000, p. 19):
Entre os
fatores constitutivos da globalização, em seu caráter perverso atual,
encontram-se a forma como a informação é oferecida à humanidade e a emergência
do dinheiro em estado puro como motor da vida econômica e social. São duas
violências centrais, alicerces do sistema ideológico que justifica as ações
hegemônicas e leva ao império das fabulações, a percepções fragmentadas e ao
discurso único do mundo, base dos novos totalitarismos – isto é, dos
globalitarismos – a que estamos assistindo. (SANTOS,
2000, p. 19).
Por essa ótica,
observa-se que a forma como o espetáculo na política externa acontece pode
levar a replicação de ideias das nações que possuem a hegemonia política e
econômica naquele momento. Esse é um perigo a que nações com menor poderio
internacional estão sujeitas ao negociar com países mais relevantes no cenário
global. Entretanto, a diplomacia e as boas negociações são fundamentais para o
crescimento de qualquer país, principalmente em momentos de crise, até mesmo
porque, negociações consistem em um processo de encontrar uma terceira coisa,
que ambas as partes têm condições de aceitar em prol de melhores resultados no
objeto da negociação (MELLO, 2000, p. 213).
Nessa perspectiva, a
comunicação entre países e uma diplomacia forte é um ponto positivo para a
democracia local. E, em tempos de crise, interna ou externa, global ou local, o
multilateralismo pode ser uma solução para o problema sem sobrepor a soberania
do Estado. Isso depende da disposição do país em cooperar e nas medidas
sancionatórias que são acordadas, podendo envolver uma retaliação apenas suave
aos descumprimentos de tratados. Acerca dessa ideia, destaca-se:
Os estados
continuam extremamente interessados em manter um firme controle sobre os
procedimentos envolvendo informação, monitoração e inspeção. E, apesar de se
fazer muito alarde da crescente abertura dos estados à participação das ONGs,
os estados continuam extremamente resistentes a qualquer diluição de seu status
dominante. Desta maneira, por exemplo, a implementação de critérios de direitos
humanos sob os regimes internacionais de direitos humanos já existentes é
largamente baseada na investigação e divulgação, envolvendo a formação de
agências de supervisão submetidas aos mais importantes tratados regionais e
globais; a apresentação dos relatórios aos estados; o estabelecimento de grupos
de trabalho, tanto relatores por temas como por país; e as missões empenhadas
na apuração dos fatos. Um exemplo adicional desta forma de abordagem
"suave" poderia ser o desenvolvimento, dentro do sistema nas Nações
Unidas, de uma forma de manutenção da paz calcada no consentimento, depois de
ter ficado claro que uma segurança coletiva integral não seria viável. (HURRELL,
1999, p. 62)
A fim de fortalecer
a democracia, indo na contramão da espetacularização política, a utilização de
estratégias multilaterais entre países por meio de tratados e acordos é uma
alternativa viável no que tange a questões mais universalizadas. Portanto,
desde que aplicadas apenas sanções brandas do “soft power”, a opção por ratificar ideias internacionais em
momentos de crise, pode beneficiar tanto potências hegemônicas – que sofrem com
os malefícios do momento dificultoso –, quanto nações em desenvolvimento, que
irão conciliar interesses internos na resolução da crise, com os interesses
globais.
No que tange à
política externa brasileira desde às eleições de 2018, no entanto, percebe-se
que o governo Bolsonaro tem priorizado a “soberania espetacularizada” – ou
seja, uma soberania que advém da midiatização de pensamentos nacionalistas sobre
acontecimentos políticos –, em detrimento do multilateralismo e do diálogo
estratégico entre nações. A própria escolha do então Embaixador Ernesto de
Araújo para o cargo de Ministro das Relações Exteriores representa uma ascensão
de ideais soberanistas para a diplomacia brasileira.
Com o surgimento do
vírus Sars-Cov-2 e sua disseminação pelo mundo, tomando proporções pandêmicas
em 2020, o governo brasileiro se distanciou ainda mais de organizações
multilaterais, negando sua importância e seus estudos. O Chanceler Araújo
(2020), afirmou, em sua página na Internet, que o valor atribuído a Organização
Mundial da Saúde no momento dessa crise sanitária mundial pode gerar uma
desnacionalização, sendo um passo para a construção de uma “solidariedade
comunista planetária”[13] (ARAÚJO, 2020).
Essa negação às
estratégias multilaterais em um momento de crise reforça o posicionamento do
governo brasileiro assumindo um exercício do poder soberano sobre o discurso de
que o multilateralismo afetaria uma postura nacionalista do país. Na realidade,
apesar de isso representar um discurso de “proteção da pátria”, o que ocorre é
justamente a criação de um cenário de espetáculo político em torno de uma crise
pandêmica, contribuindo apenas para agravá-la, atingindo negativamente os
direitos humanos mais elementares como a vida e a saúde da população.
Em um momento como o
vivido nesta pandemia do COVID-19, que envolve diversos países ao redor do
mundo, muitos com dados científicos relevantes sobre a doença, optar por um
diálogo estratégico internacional não significa seguir o pensamento de nações
hegemônicas no cenário global. Significa, outrora, uma cooperação no que tange
ao compartilhamento de informações e artifícios que são eficazes no combate à
crise provocada pelo Sars-Cov-2.
Até mesmo porque,
como princípio do direito internacional, tem-se a autodeterminação dos povos,
que surge para reconhecer a soberania dos Estados dentro do cenário
internacional, respeitando-a. Esse princípio evoluiu justamente da ideia de
autodeterminação nacional, em que se notou muitos excessos em prol do elevado
nacionalismo pós-guerras, reformando-se de autodeterminação nacional para
autodeterminação dos povos, postulada no artigo 4º da Constituição da República
Federativa Brasileira (ACCIOLY, 2012, p. 412-413). Nesses termos, não subsiste
razão para o governo brasileiro sustentar um discurso contrário ao
multilateralismo com a justificativa de que afetaria a soberania nacional, se,
de fato, a soberania é essencial para as negociações internacionais.
O vírus SARS-COV-2
começou a ser amplamente notado na província de Wuhan, na China. A princípio,
ainda sem informações sobre o que poderia estar provocando a elevação do número
de casos de pneumonia na região, a China notificou a Organização Mundial da
Saúde (OMS) sobre os dados de saúde referente àquele problema local.
Entretanto, com uma certa demora em decodificar o vírus e identificar seu grau
de mutação e disseminação, a doença do COVID-19 já tinha sido alastrada por
todo o país, quiçá alguns lugares do mundo (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020).
Em 18 de março de 2020, já havia mais de 214 mil casos da doença do COVID-19 ao
redor do globo (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020).
O que foi reportado
como uma pneumonia em grande escala concentrada na região de Wuhan, já era
estudado pelos chineses para tentar conter a epidemia que vinha se alastrando
até então. Um médico chinês, que contraiu a doença e posteriormente veio a
falecer, chegou a alertar por meio de um vídeo sobre a gravidade desse novo
vírus desconhecido duas semanas antes da divulgação do COVID-19, mas foi
silenciado pela polícia local (HEGARTY, 2020).
O caso desse médico
demonstra que as autoridades chinesas já possuíam algum grau de entendimento da
gravidade do que estava acontecendo no país, contudo, optaram por não alarmar
de imediato as demais regiões da nação e outros países. Essa conduta adotada
pela administração chinesa, a partir de uma análise posterior a estes
acontecimentos, é reprovável porque constitui óbices à transparência de dados e
informações sobre uma doença altamente contagiosa.
Após o conhecimento
das nações sobre o COVID-19, os países foram adotando estratégias imediatas
diferentes entre si. A União Europeia (UE) proibiu a entrada de pessoas no
espaço Schengen por 30 dias; os Estados Unidos suspenderam as viagens oriundas
da Europa – com exceção do Reino Unido – por também 30 dias; a Rússia fechou
fronteiras com a China, Noruega e Polônia; a Austrália determinou que os
estrangeiros que chegassem ao país ficassem em isolamento; a Alemanha fechou
lojas, bares, clubes, teatros, museus, igrejas, e; a Argentina fechou as
fronteiras e suspendeu todo o sistema educacional por 30 dias (O GLOBO, 2020).
Cada uma dessas estratégias levou em conta as possibilidades individuais de
cada nação.
Em seguida, logo se
começou uma busca científica incessante sobre as melhores maneiras de conter o
alastramento do SARS-COV-2, bem como os melhores tratamentos, uma possibilidade
de cura e uma vacina contra o COVID-19. Essa busca, no entanto, precisou do
aval interno de cada nação e do apoio internacional em termos de
compartilhamento de dados, informações e pesquisas.
Contudo, muito da
cooperação que se teve em relação ao desenvolvimento de vacinas e tratamento da
doença, ficou sob a responsabilidade de grandes empresas farmacêuticas de
destaque no mundo. Um exemplo disso, é o acordo firmado entre a BioNTech –
empresa alemã – e a Pfizer – empresa estadunidense (PFIZER, 2020).
É preciso levar em
consideração duas questões com relação a isso. Primeiro, empresas visam o lucro
e conquistar um espaço no mercado, então as grandes farmacêuticas não têm
interesse em compartilhar dados e pesquisas sobre uma vacina, posto que isso
pode atrapalhar a obtenção de uma patente. Segundo, a distribuição de vacinas,
assim que elaboradas, é feita de acordo com o quanto o governo daquele país
pode e quer comprar, não havendo nenhum critério além do econômico.
Isso implica em
alguns problemas, posto que a proteção patentária pode acarretar um aumento de
preços, principalmente em um cenário de livre mercado, dificultando o acesso à
insumos básicos para o tratamento a doença, bem como o acesso às vacinas em
países mais pobres (CHAVES et al, 2007, p. 265),
destaca-se:
Nessa
perspectiva é possível afirmar que existe um forte movimento em curso para
tornar o sistema de proteção da propriedade intelectual cada vez mais favorável
ao titular da patente, e, por isso, menos sensível ao direito das populações de
ter acesso a novas tecnologias, que podem prolongar ou salvar suas vidas,
minorando o sofrimento. (CHAVES et al, 2007, p. 265)
Para tentar
solucionar parte desse problema, foi criada a COVAX Facility, um programa
lançado em abril de 2020 pela Organização Mundial da Saúde, Comissão Europeia e
pelo governo francês, como um dos três pilares para ao programa de Acesso ao
Acelerador de Ferramentas para o COVID-19 (ACT)[14]. O principal objetivo da COVAX envolve
necessidade de ampliar o acesso às ferramentas de combate ao SARS-COV-2 por
todo o mundo, unindo forças entre o setor privado e os governos, para que os
efeitos da pandemia diminuam e o acesso mais isonômico à saúde seja assegurado
(BERKLEY, 2020).
Essa cooperação
multilateral, apesar de ser bem estruturada, depende também do aceite e da
colaboração dos países. Um exemplo claro disso é o Brasil, o país poderia, por
meio da COVAX Facility, encomendar com recursos próprios doses para
vacinar entre 10% e 50% da população. Contudo, o Governo Federal optou, em
setembro de 2020, pela participação mínima, adquirindo 42,5 milhões de doses (WORLD
HEALTH ORGANIZATION, 2020).
Isso evidencia que,
ainda que o multilateralismo em tempos de pandemia seja essencial para buscar
alternativas para um problema global, o esforço para o combate ao COVID-19 com
a utilização de ferramentas efetivas para tanto deve ser conjunto. Ocorre que,
a atuação de organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde
elabora diretrizes, recomendações e fornece apoio aos países de forma a sempre
respeitar o princípio da autodeterminação dos Estados-membros, destaca-se:
No que
concerne à OMS, aqui considerada como um espaço sócio-político de embates,
negociações e enfrentamentos, sua atuação também é afetada, pois, mantidos os
princípios sobre os quais a ONU foi estabelecida, prevalece o propósito da
cooperação internacional em estreita consonância com o estatuto da soberania e
da autodeterminação dos seus Estados membros. Como prática do direito das
organizações internacionais, vale lembrar o caráter não mandatório das
resoluções, recomendações e políticas preconizadas pela organização, mesmo
diante de emergências internacionais como pandemias, por mais aprimorados que
sejam os procedimentos e protocolos adotados. Portanto, a decisão de ‘delegação
de autoridade’ e de assignação de recursos à OMS, a partir de aportes
financeiros voluntários dos Estados 23 nacionais, tem como base o compromisso
ético assumido no imediato pós-guerra em uma concepção tradicional
(‘westfaliana’) de soberania 11,30. (ALMEIDA; CAMPOS, 2020, p. 22)
Nesse aspecto, a
soberania de cada país deve ser respeitada, ainda que confronte a busca pela
resolução de um problema global. O que é importante questionar, em resposta ao
respeito a esse princípio, é quais são os tipos de sanções e restrições que
podem ser pensadas no âmbito internacional para países que estiverem em
desacordo com as soluções efetivas no combate às pandemias que estão porvir.
Percebe-se, até
mesmo com relação à coleta pelos países de dados relativos ao número de mortos
e infectados pela COVID-19, que há uma falta de padronização nos critérios de
obtenção desses números. Conforme exemplificado na tabela que segue:
Tabela
2 – Critérios de cômputo da morte decorrente do COVID-19 por país
Países |
Critério de
Cômputo da morte decorrente do COVID-19 |
Reino Unido |
Computa-se apenas pessoas que morreram até 28 dias após primeiro teste
positivo para detectar COVID-19, se ultrapassarem esses dias, não será contabilizado
como morte em decorrência do COVID-19 (GOV. UK, 2021) |
Estados Unidos da
América |
Define-se através de uma reunião de provas laboratoriais de
confirmação da COVID-19. Para confirmar caso de morte em decorrência do
COVID-19 deve-se: (i) cumprir critérios clínicos e provas epidemiológicas sem
testes laboratoriais confirmatórios realizados para a COVID-19 satisfazendo
provas laboratoriais presuntivas e critérios clínicos ou provas
epidemiológicas; (ii) cumprir critérios de registros vitais sem testes laboratoriais
confirmatórios realizados para a COVID-19. Nem todas as jurisdições da
federação notificam os casos de possíveis mortes por COVID-19 ao Centro de
Controle e Prevenção de Doenças (CDC, 2021). |
Brasil |
Notificam-se casos de morte em decorrência de COVID-19 quando há
síndrome gripal ou síndrome respiratória aguda grave, independente da
hospitalização, que atendam à definição de caso e indivíduos assintomáticos
com confirmação laboratorial por biologia molecular ou imunológico de
infecção recente por COVID-19, dentro do prazo de 24 horas a partir da
suspeita inicial do caso ou óbito por profissionais e instituições de saúde
do setor público ou privado. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021) |
Bélgica |
Tanto para casos possíveis como
confirmados, se for identificada uma causa alternativa clara de morte que não
possa ser ligada à COVID-19 (por exemplo, trauma), a morte não é incluída na
vigilância. (BUSTOS et al, 2020). |
Fonte:
Elaborada pelos autores com base nos dados relacionados
Isso dificulta, em âmbito de computação de proporções pandêmicas ao
redor do mundo, o mapeamento geográfico do SARS-COV-2 e o combate adequado à
disseminação do vírus. A OMS chegou a elaborar diretrizes internacionais para
certificação e classificação (codificação) do COVID-19 como causa da morte[15] (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
2020). Entretanto, tais diretrizes não são vinculantes e, da mesma forma que
ocorre com a condução da compra e distribuição de vacinas pelas nações, a
acepção das diretrizes de forma íntegra depende unicamente da vontade da
administração atual do país, em função do respeito à soberania nacional.
Portanto, os principais desafios ao multilateralismo em tempo de
pandemia pelo COVID-19 envolvem, primeiramente, a cooperação internacional em
termos de tecnologia e pesquisas para o desenvolvimento e compra de vacinas. Em
seguida, o compartilhamento de dados do número de casos e óbitos pela doença
para fins de mapeamento geográfico do vírus, que não seguem rigorosamente um
critério pré-estabelecido de uniformização da forma de contabilização dos
números da doença. Por fim, envolvem a dificuldade das nações em negociar
estrategicamente entre si para conter o avanço do COVID-19 sem ultrapassar os
limites impostos pela soberania de cada país.
4 O MANEJO DAS PANDEMIAS QUE ESTÃO PORVIR POR MEIO DA CRIAÇÃO DE UM SISTEMA INTERNACIONAL DE IDENTIFICAÇÃO, PREVENÇÃO E COMBATE ÀS PANDEMIAS: O MULTILATERALISMO E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
O mundo já foi, e é,
acometido com diversas pandemias como a Peste Negra, Gripe Espanhola e HIV (Vírus
da Imunodeficiência Humana). Essas doenças geram impactos econômicos, sociais e
políticos. Ocorre que, com a melhoria dos transportes, aumento da urbanização e
da globalização, as pandemias tendem a surgir e se intensificar no durante o
século XXI (MADHAV et al, 2017, p. 315).
A doença COVID-19,
provocada pelo vírus SARS-COV-2, foi detectada primeiramente na China, e apesar
de diversos países terem tentado conter o avanço da disseminação do novo vírus
pelo mundo, conforme mais bem explicado no capítulo anterior, os esforços
empreendidos não foram suficientes para interromper o contágio pelo SARS-COV-2
na maior parte das nações.
Tendo isso em vista,
torna-se essencial pensar em soluções em plano multilateral capazes de unir
esforços ao redor do globo para identificar e prevenir as pandemias que estão
porvir, posto que: “A multilateralização das normas e a institucionalização dos
procedimentos podem contribuir não somente para a uniformidade das primeiras,
mas também para a maior eficiência dos últimos” (ACCIOLY et al, 2012, p. 845).
Para tanto, duas soluções viáveis dentro do panorama multilateral são: a
elaboração de um tratado internacional e/ou a formação de um sistema
internacional de identificação, prevenção e combate às pandemias.
A elaboração de um
tratado internacional sobre pandemias, desde o advento da pandemia pelo
COVID-19, gera discussão entre os principais líderes mundiais dessa época,
entre eles Boris Johnson, do Reino Unido, Emmanuel Macron, da França e Angela
Merkel, da Alemanha. Isso porque, existe a compreensão de que haverá outras
pandemias futuras que precisam do empreendimento de esforços no que tange a
políticas públicas e desenvolvimento de vacinas e medicamentos. Nesse sentido, destacam
os líderes mencionados e mais 21 líderes mundiais em matéria ao Telegraph UK
(2021):
O principal
objetivo deste tratado seria fomentar uma abordagem de todo o governo e de toda
a sociedade, reforçando as capacidades nacionais, regionais e globais e a
resiliência a futuras pandemias. Isto inclui um grande aumento da cooperação
internacional para melhorar, por exemplo, os sistemas de alerta, partilha de
dados, investigação e produção e distribuição local, regional e global de
contramedidas médicas e de saúde pública, tais como vacinas, medicamentos,
diagnósticos e equipamento de proteção pessoal. (JOHNSON;
MERKEL; MACRON ET AL, 2021). [tradução nossa][16]
A criação de um
tratado internacional sobre pandemias é uma alternativa que deve abranger os
principais tópicos que envolvem o tema, como a identificação e prevenção contra
futuras pandemias. Mas, isso só será possível se grande parte do mundo
ratificar e estiver disposta a compartilhar dados relativos à saúde regionais e
pesquisas científicas.
É claro que existe
uma expectativa diplomática de cooperação na sociedade internacional. No
entanto, sanções internacionais, bem como a criação de obrigações recíprocas
advindas de tratados, podem dificultar a acepção de acordos em âmbito
multilateral. Durante a história das relações internacionais, um marco e um dos
poucos momentos em que diversas nações do globo renunciaram a parte de sua
soberania para aceitar, imediatamente após um estado de inércia em termos
cooperativos, sanções internacionais, foi com a criação da Organização das
Nações Unidas (ONU) no fim da Segunda Grande Guerra. (DOMINGOS et al, 2014, p.
76-77).
Assim, a criação de
um tratado internacional sobre pandemias que pressupusesse obrigações com
resultados sancionatórios em caso de descumprimento, não teria a aderência de
muitos países de forma rápida. Ainda que a pandemia pelo COVID-19 tenha reavido
as atenções dos governos locais para a questão da saúde pública em tempos de
globalização, é inviável pensar em sanções para o atual momento pandêmico. Até
mesmo porque, a soberania para a tomada de decisões sobre como organizar a
entrada e saída de pessoas, distribuição de vacinas pela nação, pesquisas e
obtenção de dados, foi essencial na emergência do COVID-19.
Há que se observar
que esses poderes soberanos investidos em cada nação podem ter gerado políticas
públicas mais ou menos eficazes em termos de combate à pandemia em cada país, o
que por si, já justifica a criação de um tratado internacional que padronizasse
as condutas a serem adotadas no surgimento de novas pandemias. Obviamente,
adotando as melhores políticas públicas possíveis. Todavia, a implementação de
sanções é capaz de dificultar a aderência de muitas nações do globo a um
tratado dessa forma.
Por isso,
incipientemente, um tratado internacional sobre pandemias deve ser focado em
identificar e prevenir novas pandemias, com um compartilhamento de dados
relacionados à saúde e estabelecimento de critérios de padronização de
informações. Isso, sem o estabelecimento de sanções advindas das obrigações
contraídas pelos países assinantes.
O comprometimento
das nações e seus possíveis descumprimentos das obrigações aceitadas geralmente
já são capazes de ensejar alguma celeuma diplomática. Nesses termos, é incomum
que os países descumpram os tratados ratificados (PICKERING, 2013, p. 3). É
mais importante, então, ter-se discussões políticas do que efetivamente
jurídicas com imposições de sanções, posto que estas dificultam ainda mais a
ratificação de um tratado.
Nada impede,
portanto, a criação de um tratado, sem o estabelecimento de sanções. Um tratado
sobre pandemia, juntamente com o estabelecimento de um sistema internacional
sobre pandemias seria a combinação perfeita de alicerces multilaterais para
identificação e prevenção de pandemias que estão porvir. Nesse aspecto,
destaca-se outra solução viável para o impasse informacional e preventivo das
novas pandemias, que consiste na criação de um sistema internacional sobre
pandemias.
Um sistema
internacional universal sobre pandemias deve ser abarcado por diversas
instituições e organizações, que somando poderes, irão atuar identificando, prevenindo
e combatendo pandemias. Isso é possível pelo pactum societatis
estabelecido na confiança de poderes em instituições e organizações
tendencialmente universais, que não perpassam necessariamente um pactum
subjectiones, que se utiliza da coercitividade (BOBBIO, 1994, p. 13). Deste
modo, não é necessária para a elaboração de tal sistematização, a aplicação do
poder coercitivo, mas sim e talvez, de monitoramentos e recomendações
supraestatais.
Para a criação desse
sistema internacional sobre pandemias, deve-se compreender os diversos sistemas
internacionais que vigem na sociedade, como o sistema internacional de Direitos
Humanos. A sistematização dos direitos humanos ajuda a gerar maior
imperatividade jurídica, seja adicionando novos direitos ou suspendendo
preceitos que sejam menos favoráveis à proteção dos direitos humanos no plano
interno e externo. Assim, os direitos internacionais constantes dos tratados de
direitos humanos vêm a aprimorar e fortalecer, sem a restringir ou debilitar, o
grau de proteção dos direitos consagrados no plano normativo constitucional
(PIOVESAN, 2001, p. 4). Para Piovesan (2001, p. 3), este sistema envolve quatro
dimensões, que perpassam:
a celebração
de um consenso internacional sobre a necessidade de adotar parâmetros mínimos
de proteção dos direitos humanos; a relação entre a gramática de direitos e a
gramática de deveres [...] ou seja, os direitos internacionais impõem deveres
jurídicos aos Estados (prestações positivas ou negativas); a criação de órgãos
de proteção [...]; e a criação de mecanismos de monitoramento voltados à
implementação dos direitos internacionalmente assegurados [...]. (PIOVESAN,
2001, p. 3)
No mesmo sentido, um
sistema internacional sobre pandemia deve promover a celebração de um consenso
internacional, buscando agregar às normas internacionais e internas vigentes,
sobre a necessidade de parâmetros e critérios para identificação, prevenção e
combate às futuras pandemias. Esse consenso pode ser alcançado pelo
entendimento conjunto de questões importantíssimas que envolvem o aparecimento
de pandemias, quais sejam, os três pilares do desenvolvimento sustentável: o
econômico, o social e o ambiental. Destaca-se:
Pela primeira
vez neste século, economia e saúde dividem a atenção de todos os países do
globo. O risco de uma recessão econômica, a necessidade de novos comportamentos
individuais e coletivos e o apelo à solidariedade global clamam por um futuro
em que os três pilares do desenvolvimento sustentável (econômico, social e
ambiental) deverão ser levados mais a sério. (FONSECA, 2020, p. 167)
A importância de o
multilateralismo, pautado em uma solidariedade global, atentar para a questão
da pandemia por meio de uma sistematização internacional, perpassa o próprio
direito dos indivíduos à saúde. Ao resguardar esse direito, preserva-se a vida,
direitos sociais, individuais e até mesmo a liberdade de se relacionar em um
meio-ambiente seguro (DALLARI, 1988, p. 58). A questão de saúde pública global,
no caso da pandemia pela doença COVID-19, atravessa, portanto, os três pulares
do desenvolvimento sustentável.
A imposição de
direitos e deveres podem advir tanto de um tratado, quanto do seguimento de
normativas de padronização de comportamentos e critérios sobre a
informatização, prevenção e combate às pandemias. Já a criação de órgãos e
mecanismos de monitoramento devem ser criados especificamente para as
emergências de pandemias, vírus e novas doenças.
Apesar de a
Organização Mundial da Saúde ter trabalhado arduamente nessas questões durante
a pandemia pelo advento do vírus SARS-COV-2, os esforços para tanto não devem
recair unicamente sobre esse órgão. Bem como um sistema internacional de
Direitos Humanos pode envolver diversas áreas dentro da própria ONU, desde o
direito das crianças (UNICEF) até a própria OMS, o sistema internacional de
pandemias deve perpassar diversos órgãos e instituições que são afetados por
uma pandemia, como exemplos: a Organização Mundial do Comércio (OMC), a
Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Alto Comissariado para
Refugiados (ACNUR) e até mesmo a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU).
Além disso,
organizações como o Gavi (Aliança para Vacina),[17] podem ser muito proveitosas no
tratamento da sistematização sobre identificação, prevenção e combate contra
pandemias. Isso porque, o Gavi conta com diversos parceiros como a Organização
Mundial da Saúde, UNICEF, o Banco Mundial e a Fundação Bill & Melinda
Gates, desempenhando um papel no fortalecimento da atenção primária à saúde, e
da cobertura universal de saúde (UHC), garantindo que ninguém seja abandonado.
Durante a pandemia do COVID-19, o Gavi teve papel elementar no consórcio para
vacinas chamado COVAX Facility (BERKLEY,
2021).
Claramente, a
sistematização para identificação, prevenção e combate às pandemias necessita
de uma complexidade muito maior que um simples tratado sobre pandemias.
Inclusive, tratados podem fazer parte de um sistema internacional sobre
pandemias. A solução mais viável, para o atual contexto, em que não existe nada
específico sobre pandemias, é o mais simples e imediato, como a elaboração de um
tratado. Contudo, em longo prazo, com a certeza das pandemias que estão provir
(MADHAV et al, 2017, p. 315), a sistematização será imprescindível.
O cenário do
espetáculo no Brasil encontra reflexos não somente na política, como também na
situação pandêmica pela doença COVID-19. Desde o descobrimento do novo vírus,
ainda na província de Wuhan, na China, discutia-se nas mídias e no espectro
político as medidas que estavam sendo adotadas pelos países e o que deveria ser
feito para evitar que a doença chegasse no Brasil (SANAR, 2021).
Após a chegada do
vírus SARS-COV-2 no Brasil, diversas medidas de isolamento social para evitar a
disseminação do novo vírus foram decretadas por todo o país (SANAR, 2021).
Ocorre que, o fechamento do comércio, dos bares e restaurantes, das
instituições religiosas e afins não agradou a todos, ainda que muitos
concordassem com tais medidas de prevenção ao COVID-19 (AMÂNCIO, 2021).
Assim, ocorreu uma
flexibilização nas medidas de restrição durante o segundo semestre de 2020 e
início de 2021 por parte dos governos estaduais e municipais da Federação.
Entretanto, isso provocou uma terceira onda de contaminação pelo COVID-19 no
Brasil, durante os primeiros meses de 2021, que levou grande parte do país a um
colapso no sistema de saúde, em que havia falta de leitos de internação para
pacientes diagnosticados com a doença (FIOCRUZ, 2021).
O caos sanitário
instaurado no Brasil virou manchete nos principais veículos de comunicação do
mundo, como o NY Times (LONDOÑO; CASADO, 2021), que relatou o colapso do
sistema de saúde no país; o The Guardian (PHILLIPS, 2021), que publicou sobre o
descaso do governo brasileiro com a saúde pública; o EL PAÍS (2021), que
apresentou imagens do cenário caótico do Brasil ao atingir a marca de 400 mil
mortos pela COVID-19, e; o Le Monde
(MEYERFELD, 2021), que noticiou a onipresença da morte em decorrência do
COVID-19 no Brasil que já vive uma crise econômica.
A questão da
pandemia no Brasil se tornou um exemplo negativo para o mundo inteiro. A
Organização Não-Governamental (ONG) Médicos Sem Fronteiras (MSF) caracterizou o
momento de crise no sistema de saúde que o Brasil viveu com o COVID-19 nos
primeiros meses de 2021 de “catástrofe humanitária”, fazendo um apelo às
autoridades brasileiras para que estabelecessem políticas públicas de saúde. (MÉDICOS
SEM FRONTEIRAS, 2021).
Diante do
apresentado, a espetacularização do cenário pandêmico no Brasil tomou proporções
elevadas em âmbito internacional e em âmbito local. Contudo, as (não) respostas
políticas do Governo Federal e seu Ministério da Saúde não estavam sendo
suficientes para a contenção da tragédia que ficou instaurada no país. As
medidas de contenção começaram a ser debatidas entre os cidadãos como visões
políticas e não mais científicas. O próprio presidente internacional do MSF
afirmou: “A consequência disso é que ações de política pública com fundamento
científico são vinculadas a posicionamentos políticos, em vez de estarem
associadas à necessidade de proteger indivíduos e suas comunidades da COVID-19.”
(MÉDICOS SEM FRONTEIRAS, 2021).
O negacionismo de
fontes científicas pelo presidente do país é capaz de influenciar os cidadãos
em um debate político, e não científico, sobre os métodos de contenção da
pandemia no Brasil, conforme o presidente do MSF demonstrou em sua fala. De
forma semelhante ao que acontece nas redes sociais, o repasse de informações
por uma pessoa que tem visibilidade, como o presidente, pode levar outras a
reproduzirem suas opiniões e pensamentos nos próprios veículos de
relacionamento social (CHA et al, 2010, p. 11). E, em novembro de 2020,
Bolsonaro afirmou que as máscaras não são tão eficazes assim, diferindo de
pesquisa que aponta que o uso de máscaras, em geral, reduz em 85% o risco de
infecção. Em outro momento, ele disse que a cloroquina demonstra eficácia,
mesmo após recomendação da OMS sobre a ineficácia do medicamento para o
tratamento do COVID-19 (RÔMANY, 2021).
Atitudes e discursos
como os feitos pelo presidente da nação podem refletir no comportamento de não
cumprimento das medidas de proteção contra o COVID-19 da população e agravar o
cenário pandêmico no país. Não obstante, os discursos sustentados pelos ministérios
de seu governo, também podem desempenhar esse papel. Nesses termos, é possível
se verificar nas palavras do então chanceler Ernesto de Araújo, em formatura do
Instituto Rio Branco (2020, p. 11), a opção pelo soberanismo em detrimento do
multilateralismo, bem como a ideologização do COVID-19, chamado por ele de
“Covidismo”, como exposto:
Tachar os
conservadores de ideológicos é a epítome da prática marxista-leninista:
chame-os do que você é, acuse-os do que você faz. O grande complexo
marxista-isentista cria ideologias todos os dias, ou seja, agarra traços da
realidade sempre complexa e cambiante e os transforma em sistemas de elocução
fechados, que não admitem questionamentos. Assim, tomam o meio ambiente e as
preocupações legítimas com esse tema e o transformam em ambientalismo. Tomam a
mudança climática e a transformam em climatismo. Tomam a ciência e a
transformam em cientificismo. Tomam a iluminação e a transformam em iluminismo.
Tomam as instituições multilaterais que podem ser muito úteis para a coordenação
entre as nações e as transformam em multilateralismo, a doutrina de que tudo
tem que ser resolvido por instâncias superiores aos países. Tomam uma doença
causada por um vírus, a Covid, e a transformam, ou tenta transformá-la, num
gigantesco aparato prescritivo destinado a reformatar e controlar todas as
relações sociais e econômicas do planeta, o “Covidismo”, chamemos assim. Tudo
sempre em nome de causas nobres, tudo sempre tendo como consequência o aumento
do poder que manejam esses vários ismos. Do tipo: “quero salvar o planeta...
quero salvar vidas... ops... chegou mais poder aqui na minha mão... olha, não
era o que eu queria, mas tá bom, fica aqui... que coincidência, não?"
Aqueles que nos acusam de ideológicos são aqueles que ideologizam toda a realidade
e toda a vida para concentrar poderes. Já têm a solução para tudo e estão
sempre à cata de novos problemas para encaixar essa solução. A solução é mais
poder para eles, menos poder para as pessoas comuns, menos liberdade para o
espírito. (ARAÚJO, 2020, p. 11)
A recusa ao
multilateralismo, em tempos de pandemia, assim como a recusa de recomendações
da OMS às nações pela administração brasileira, foi elemento distintivo no
diálogo para a negociação internacional para a compra de vacinas. Inclusive,
foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito do COVID-19 (CASTRO, 2021)
para apurar falas negacionistas do governo Bolsonaro, negociações para a compra
de vacinas que deixaram de ser feitas e omissões quanto à crise sanitária
pandêmica.
Muitas informações,
como a compra da oferta mínima de vacinas da COVAX Facility podem ser
apuradas por meio da própria OMS (WTO, 2020). Outras, terão de ser apuradas
dentro do espectro judicial. Assim já havia ocorrido em 2020, quando o governo
brasileiro alterou a divulgação dos números relativos aos casos e mortes em
decorrência do COVID-19 e três Arguições de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPFs nº 690, 691, 692) foram ajuizadas para questionar tal
atitude. Essas ADPFs tiveram seu pleito atendido cautelarmente, pelo Ministro
Alexandre de Moraes, que determinou ao Ministério da Saúde que:
mantenha, em
sua integralidade, a divulgação diária dos dados epidemiológicos relativos à
pandemia do novo coronavírus, inclusive no site do órgão e com os números
acumulados de ocorrências, exatamente conforme vinha realizando até 4/6 (STF,
2020).
A transparência de dados é uma questão a ser discutida até mesmo em
termos internacionais. Isso porque, os dados sobre as mortes decorrentes do
COVID-19, sobre o número de casos por região, são essenciais para um mapeamento
de um vírus que tomou proporções pandêmicas. Informações e dados a serem
compartilhados entre as nações constituem elemento a ser inserido no tratado
que Johnson, Merkel, Macron et al (2021) se propõem a elaborar. Fica evidente,
então, que tanto é importante a divulgação transparente de informações pelo
governo por uma questão democrática, como também é em função dos interesses
coletivos, nacionais ou internacionais, que são afetados pelo SARS-COV-2 (GRAU,
2019, p. 26).
É importante notar, que a negação à ciência por detrás dos estudos e
pesquisas sobre o vírus SARS-COV-2 e a doença COVID-19 e a negação ao
multilateralismo em um momento de pandemia, dentro de uma civilização do
espetáculo (LLOSA, 2013, p.29), conduz a sociedade a uma banalização da
tragédia ainda não experenciada no Brasil.
A banalização da morte e da tragédia que está sendo provocada pela
disseminação desenfreada do vírus SARS-COV-2 não tem precedentes na história do
país. Essa banalização ocorre tanto por meio do governo, que como já
demonstrado, tem adotado posturas negacionistas, como também por parte da população,
que atingiu o menor índice de isolamento social em dezembro de 2020 (DATAFOLHA,
2021).
Cerca de 79% dos brasileiros já tiveram ou conhecem alguém que já teve
COVID-19 com comprovação por teste (AMÂNCIO, 2020) e, em dezembro de 2020,
apenas 41% afirmou ter um real medo de contrair o novo coronavírus. Isso apenas
evidencia que, os números de casos e óbitos desde a emergência do SARS-COV-2 no
Brasil vem aumentado consideravelmente até os primeiros meses de 2021
(MINISTERIO DA SAUDE, 2021), mas, a preocupação das pessoas com a gravidade
dessa doença, tem diminuído. Assim, pontua Bauman (2008, p. 60):
[...]
banalização transforma o próprio confronto num evento banal, quase cotidiano,
esperando desse modo fazer da “vida com a morte” algo menos intolerável. A
banalização leva a experiência única da morte, por sua natureza inacessível aos
vivos, para o domínio da rotina diária dos mortais, transformando suas vidas em
perpétuas encenações da morte, desse modo esperando familiarizá-los com a
experiência do fim e assim mitigar o horror que transpira da “alteridade
absoluta” - a total e absoluta incognoscibilidade da morte. (BAUMAN, 2008, p.
60)
Com isso, nota-se
que a banalização advém do fato de que a pandemia, como situação excepcional
tornou-se quase cotidiana, bem como a morte, decorrente da pandemia. Ocorre
que, ao tentar compreender esse fenômeno de banalização da vida, da tragédia
pandêmica e da morte, é possível observar que toda a estrutura de poder
sustentada pelo próprio governo brasileiro é capaz de influenciar na concepção
dicotômica entre a vida, o risco de exposição à uma doença real para
desfrutá-la na plenitude e a morte. Conforme entende Foucault (1988, p. 134), o
biológico influencia o político, assim como o contrário também é real na
biopolítica.
Diante desse
contexto, a espetacularização da pandemia, a negação ao multilateralismo e a
banalização de toda a tragédia pandêmica no Brasil, evidencia-se a falência
democrática do governo que geriu os dois primeiros anos de pandemia no país.
Não somente pela omissão em ter atitudes para melhorar a saúde pública e pela
recusa às recomendações e ajudas internacionais, como também pela negação a um
dos maiores problemas de saúde já enfrentados na nação, por fim, pelo exercício
do poder político de influenciar cidadãos de modo a pôr em risco a integridade
física deles.
A espetacularização
do cenário político brasileiro, por meio de notícias que visam o
entretenimento, é capaz de gerar conformidade, passividade, dos cidadãos
perante uma falência democrática. Esta, não ocorre mais nitidamente por meio de
golpes de Estado armados, como antes da Guerra Fria, pois acontece lenta e
gradualmente, sendo possível de ser notada em discursos e no banimento de
instituições democráticas consolidadas (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 7).
Ao analisar os
discursos e as posturas adotadas por Jair Bolsonaro, eleito em 2018 como
presidente do Brasil, observa-se que ele rejeita e tem pouco comprometimento
com instituições democráticas do jogo político, nega a legitimidade de seus
oponentes políticos, tolera ou encoraja a violência e revela disposição para
restringir liberdades civis dos oponentes, incluindo mídia (LEVITSKY; ZIBLATT,
2018, p. 23-24).
O perigo desses
posicionamentos, no que tange a política externa de seu governo, consiste em
tornar as estratégias negociais multilaterais como negativas, priorizando
demasiadamente a soberania em função de um nacionalismo exacerbado. O
multilateralismo tem suas desvantagens que consistem na difusão de ideias das
nações hegemônicas (SANTOS, 2000, p. 19). Entretanto, a partir de uma análise,
isenta de espetáculos e atenta aos interesses da nação, é possível se utilizar
das artimanhas multilaterais para crescer interna e internacionalmente.
Com o advento da
pandemia pelo SARS-COV-2, algumas ações nacionais tiveram que ser tomadas
independentes das multilaterais, posto que não havia até então informações e
dados precisos sobre o assunto. Contudo, a OMS, por exemplo, criou critérios
para a contabilização do número de casos e óbitos, sugeriu a notificação
transparente desses dados e promoveu campanhas de prevenção à doença COVID-19
(WTO, 2021). Como a pandemia pelo novo coronavírus, outras pandemias têm
previsão de emergir no século XXI (MADHAV et al, 2017, p. 315), portanto,
autoridades internacionais já se pronunciaram a fim de elaborar um tratado
sobre pandemias que abrangesse a identificação, a prevenção e o combate às
futuras pandemias que estão porvir (JOHNSON; MERKEL; MACRON et al, 2021).
Essas estratégias
multilaterais são fundamentais para manejar a atual pandemia e as futuras
pandemias. Ocorre que, no governo Bolsonaro, seu então Ministro das Relações
Exteriores, já se pronunciou contra o multilateralismo, nomeando a própria
doença COVID-19 de “covidismo” (ARAÚJO, 2020, p. 11). Todo o negacionismo
quanto ao perigo do novo vírus que subsistiu nos discursos do presidente gera
não só intensa banalização da situação pandêmica, como também uma criação de um
espetáculo sobre o tema pandêmico.
O elevado número de
óbitos pela COVID-19 no Brasil, as falas negacionistas de Bolsonaro diante de
uma situação tão grave como a decorrente da pandemia, causa uma banalização não
só do cenário vivido, mas também da própria vida. A política influencia no
biológico e o biológico influencia a política (FOUCAULT, 1988, p. 134), mas no
caso brasileiro, o que restou dessa influência mútua foi a tragédia.
ACCIOLY,
Hilderbrando; CASELLA, Paulo Borba et al; Manual
de Direito Internacional Público. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
ALMEIDA,
Celia; CAMPOS, Rodrigo Pires de. Multilateralismo, ordem mundial e Covid-19:
questões atuais e desafios futuros para a OMS. SciELO Preprints, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.1115. Disponível em: https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/1115. Acesso em: 12 abr. 2021.
ALMEIDA, Ronaldo de. Bolsonaro presidente:
conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira. Novos estudos CEBRAP [online].
2019, v. 38, n. 1, pp. 185-213. DOI: https://doi.org/10.25091/S01013300201900010010. Epub 06 Maio 2019. ISSN 1980-5403. Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/rTCrZ3gHfM5FjHmzd48MLYN/?lang=pt#. Acesso em: 09
jul. 2021.
AMÂNCIO,
Thiago. 71% apoiam restrição
de comércio e serviços contra Covid-19, diz Datafolha. Folha de São Paulo, 18 mar. 2021. Disponível em: https://folha.com/9pga4kf2. Acesso em: 1 maio 2021.
AMÂNCIO,
Thiago. 8 em cada 10 brasileiros dizem ter pego ou conhecer alguém que pegou
Covid, diz Datafolha. Folha de São Paulo,
19 dez. 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/12/8-em-cada-10-brasileiros-dizem-ter-pego-ou-conhecer-alguem-que-pegou-covid-diz-datafolha.shtml. Acesso em: 1 maio 2021.
ARAÚJO, Ernesto de. Chegou o Comunavírus. Metapolítica
17, 22 abril 2020. Disponível em: https://www.metapoliticabrasil.com/post/chegou-o-comunav%C3%ADrus. Acesso em: 13 mar. 2020.
ARAÚJO, Ernesto. Discurso do Ministro Das Relações
Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, na Formatura da Turma João Cabral De
Melo Neto (2019- 2020) do Instituto Rio Branco. 22 out. 2021. Fundação
Alexandre Gusmão. Disponível em: https://funag.gov.br/images/2020/NovaPoliticaExterna/62_ME_FormaturaIRBr2020.pdf.
Acesso em: 09 jun. 2021
ARENDT, Hannah. Origens
do totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989.
BAUMAN, Zygmunt. Vida
para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
BERKLEY, Sath. COVAX Explained. GAVI: The Vaccine Alliance, 3 set. 2020. Disponível em: gavi.org/vaccineswork/covax-explained. Acesso em: 12 abr. 2021.
BOBBIO, Noberto. Democracia
y sistema internacional. Tradução: Antonella Attli. RIFP, 1994.
BUSTOS, N. S., BOSSUYT, N., BRAEYE, T. et al. All-cause
mortality supports the COVID-19 mortality in Belgium and comparison with major
fatal events of the last century. Arch Public Health, v. 78, n. 117, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s13690-020-00496-x. Acesso em: 1 maio 2021.
BONAVIDES, Paulo. Nacionalismo, soberania e
subdesenvolvimento na crise política e social do Brasil. Revista de Direito Público e Ciência Política, v. 7, n. 3, p.
64-99, 1964.
BONAVIDES, Paulo. Soberania e Nacionalismo. Revista da Faculdade de Direito,
Fortaleza, v. 14, p. 72-80, 1960.
CASTRO, Augusto. CPI da Covid é criada pelo Senado. Agência Senado, 13 abr. 2021.
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/04/13/senado-cria-cpi-da-covid. Acesso
em: 1 maio 2021.
CHAVES, Gabriela Costa et al. A evolução do sistema
internacional de propriedade intelectual: proteção patentária para o setor
farmacêutico e acesso a medicamentos. Cadernos
de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 257-267, 2007. Disponível
em: https://www.scielosp.org/pdf/csp/2007.v23n2/257-267/pt. Acesso
em: 12 abr. 2021.
CHA, M.; HADDADI, H.;
BENEVENUTO, F.; GUMMADI, K. P. Measuring
user influence on twitter: The million follower fallacy. In: Proceedings
of the Fourth International AAAI Conference on Weblogs and Social Media.
Washington: AAAI, p. 10-17, 2010.
CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. About CDC
COVID-19 Data. 23 mar. 2021. CDC. Disponível em: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/cases-updates/about-us-cases-deaths.html#counts. Acesso em: 29 abr. 2021
COLETTA, Ricardo Della. Bolsonaro se refere a aniversário
do golpe de 64 como 'dia da liberdade'. Folha
de São Paulo, 31 mar. 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/bolsonaro-se-refere-a-aniversario-do-golpe-de-64-como-dia-da-liberdade.shtml. Acesso
em: 12 mar. 2021
CUNHA, Ana
Rita et al. Em 799 dias como presidente, Bolsonaro deu 2560 declarações falsas
ou distorcidas. Aos Fatos. 7 set.
2020. Disponível em: https://www.aosfatos.org/todas-as-declara%C3%A7%C3%B5es-de-bolsonaro. Acesso em: 11 mar. 2021.
DALLARI, Sueli Gandolfi. O direito à saúde. Revista de saúde pública, v. 22, p.
57-63, 1988. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/rsp/1988.v22n1/57-63/pt. Acesso
em: 12 maio 2021.
DATAFOLHA. Isolamento social continua em patamar mais
baixo da pandemia. 26 jan. 2021. Opinião Pública, Datafolha. Disponível em: https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2021/01/1989213-para-62-pandemia-esta-fora-de-controle-no-pais.shtml. Acesso
em 9 jul. 2021.
DEBORD, Guy. A
sociedade do espetáculo. Belo Horizonte: Projeto Periferia, 2003. E-book.
DE OLIVEIRA, Antônio Leal. Passado como presente -
arquivo e memória na construção do espaço político presente. Revista Justiça do Direito, v. 26, n.
1, p. 25-38, 10 out. 2012.
DEVIN, Guillaume. Le multilatéralisme est-il fonctionnaire? In: Badin B. e Devin G. (Org.) Le multilatéralisme: Nouvelles formes de l’action internationale. Paris: La Découverte, 2007, p. 147-165.
DOMINGOS, Amanda et al. Sanções internacionais e sobrevivência
de governos. Fronteira: Revista de
Iniciação Científica em Relações Internacionais, Belo Horizonte, v. 13, n. 25 e 26, p. 74-86, 2014. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/fronteira/article/view/12347. Acesso em: 1 maio 2021.
EL PAÍS. Brasil registra
más de 400.000 muertes por la covid-19, en imágenes. El País, 29 abr. 2021. Disponível em: https://elpais.com/elpais/2021/04/30/album/1619738141_211649.html#foto_gal_1. Acesso
em: 1 mai. 2021
FIOCRUZ. Boletim Observatório COVID-19: boletim
extraordinário. Fiocruz, 14 abr.
2021. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_covid_semana_14_2021.pdf. Acesso
em: 1 mai. 2021.
FOUCAULT, Michel. História
da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
FONSECA, Luiz Eduardo. O G20 e a Pandemia: entre a
economia e a saúde. In: BUSS, Paulo Marchiori; FONSECA, Luiz Eduardo. (Org.). Diplomacia da saúde e Covid-19:
reflexões a meio caminho. São Paulo: Fiocruz, 2020, p. 161-172. Disponível em: http://books.scielo.org/id/hdyfg/pdf/buss-9786557080290-09.pdf. Acesso
em: 30 abr. 2021.
GADAMER,
Hans-Georg. O problema da consciência
histórica. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV. 2003.
GRAU,
Nuria Cunill. La Transparencia en la Gestión Pública: ¿Cómo construirle
viabilidad?. Estado, gobierno, gestión
pública: Revista Chilena de Administración Pública, n. 8, p. 22-44, 2016.
HEGARTY, Stephanie. Coronavírus: O médico chinês que
tentou alertar colegas sobre surto, mas acabou enquadrado pela polícia e
infectado pela doença. BBC Brasil, 4
fev. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51369300#:~:text=O%20relato%20de%20Li%20Wenliang,as%20primeiras%20semanas%20do%20surto. Acesso em: 12 abr. 2021.
HURRELL, Andrew. Sociedade internacional e governança
global. Lua Nova, São Paulo, n. 46,
p. 55-75, 1999. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451999000100003&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 8 mar. 2021.
JOHNSON; MERKEL; MACRON et al. No Government can
address the threat of pandemics alone: we must come together. The Telegraph UK, 30 mar. 2021. Disponível em: https://www.telegraph.co.uk/politics/2021/03/29/no-government-can-address-threat-pandemics-alone-must-come/. Acesso em: 9 jul.
2021
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. How Democracies Die: What History Reveals About Our Future. New York: Penguin Random House LLC, 2018.
LLOSA, Mário
Vargas. A Civilização do Espetáculo.
Tradução: Ivone Benedetti. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.
LONDOÑO, Ernesto; CASADO, Letícia. A Collapse
Foretold: How Brazil’s Covid-19 Outbreak Overwhelmed Hospitals. New
York Times, 27 mar.
2021. Disponível em: https://www.nytimes.com/2021/03/27/world/americas/virus-brazil-bolsonaro.html. Acesso em: 1 maio 2021.
MADHAV, Nita; OPPENHEIM, Ben; GALLIVAN, Mark. Pandemics:
Risks, Impacts and Mitigation. In: JAMISON, Dean et al. (Org.). Disease Control Priorities: Improving
Health and reducing Poverty. 3. ed. Washigton: The World Bank, 2017, p.
315-339. Disponível em: https://doi.org/10.1596/978-1-4648-0527-1_ch17. Acesso em: 29 abr. 2021.
MÉDICOS SEM
FRONTEIRAS. Falhas na resposta à COVID-19 levam Brasil a catástrofe humanitária.
Médicos Sem Fronteiras, 15 abr.
2021. Disponível em: https://www.msf.org.br/noticias/falhas-na-resposta-covid-19-levam-brasil-catastrofe-humanitaria. Acesso em: 1 maio 2021.
MELLO, Celso
D. Alburquerque. Curso de Direito
Internacional Público. 12 ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
MEYERFELD,
Bruno. L’omniprésence de la mort, clé du fatalisme brésilien face au Covid-19. Le Monde, 30 abr. 2021. Disponível em: https://www.lemonde.fr/idees/article/2021/04/30/l-omnipresence-de-la-mort-cle-du-fatalisme-bresilien-face-au-covid-19_6078597_3232.html. Acesso em: 1 maio 2021.
MINISTÉRIO DA
SÁUDE. Definição de Caso e Notificação. Ministério
da Saúde. Brasília. Disponível em: https://coronavirus.saude.gov.br/definicao-de-caso-e-notificacao#:~:text=Indiv%C3%ADduo%20com%20quadro%20respirat%C3%B3rio%20agudo,dist%C3%BArbios%20olfativos%20ou%20dist%C3%BArbios%20gustativos. Acesso em: 29 abr. 2021.
MOREIRA,
Nelson Camatta; DE PAULA, Rodrigo Francisco. História crítica do constitucionalismo. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020. v. 1.
O GLOBO.
Coronavírus: União Europeia propõe proibir entrada de turistas no espaço
Schengen por 30 dias. 16 mar. 2020. O Globo. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus-uniao-europeia-propoe-proibir-entrada-de-turistas-no-espaco-schengen-por-30-dias-24307691. Acesso em: 09 jul.
2021
PFIZER. Press release: Pfizer and BioNtech announce
further details on collaboration to accelerate global COVID-19 vaccine
development. PFIZER, 9 abr. 2020. Disponível em: https://www.pfizer.com/news/press-release/press-release-detail/pfizer-and-biontech-announce-further-details-collaboration. Acesso em: 12
abr. 2021.
PHILLIPS, Tom. Brazil’s Covid-19 response is worst in
the world, says Médecins Sans Frontières. The Guardian, 15 abr. 2021. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2021/apr/15/brazil-coronavirus-medecins-sans-frontieres-bolsonaro. Acesso em: 1 maio
2021.
PICKERING, Heath. Why Do States Mostly Obey
International Law?. E-International Relations, 2013. Disponível em: https://www.e-ir.info/pdf/45833. Acesso em: 10 maio 2021.
PIOVESAN,
Flávia. Sistema internacional de proteção dos direitos humanos. I Colóquio Internacional de Direitos
Humanos. São Paulo, 2001.
PUBLIC HEALTH
ENGLAND. Coronavirus (COVID-19) in the UK. Government United Kingdom. Disponível em: https://coronavirus.data.gov.uk/details/deaths?areaType=nation&areaName=England. Acesso em: 29 abr. 2021.
PUPO, Amanda e col. Bolsonaro exalta Ustra e diz que
presos políticos eram tratados com toda dignidade. Estadão Política, 29 dez. 2020. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-exalta-ustra-e-diz-que-presos-politicos-eram-tratados-com-toda-dignidade,70003558162. Acesso
em: 12 mar. 2021
REZEK, José
Francisco. Direito Internacional
Público: curso elementar. 15 ed. rev. Atual. São Paulo: Saraiva, 2014. E-book.
RÔMANY, Ítalo.
‘Gripezinha’, cloroquina, fim de pandemia: 10 informações falsas ditas por
Bolsonaro sobre a Covid-19 em 2020. Revista
Piauí: Agência Lupa, 30 dez. 2020. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/12/30/informacoes-falsas-bolsonaro-covid-19/. Acesso em: 1 maio 2021.
SANAR SAÚDE. Linha
do tempo do Coronavírus no Brasil. 2020. Sanar Med. Disponível em: https://www.sanarmed.com/linha-do-tempo-do-coronavirus-no-brasil. Acesso em 9 jul. 2021
SANTOS,
Milton. Por uma outra globalização:
do pensamento único à consciência universal. 30 ed. São Paulo: Record, 2000.
STF. Covid-19:
Plenário referenda decisão que impediu alterações na divulgação de dados da
pandemia. Supremo Tribunal Federal, 23
nov. 2020. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=455859. Acesso em: 1 maio 2021.
SIMÃO, Edna.
Bolsonaro posta vídeo de Dilma e diz que “PT é uma piada de mal gosto”. Valor Econômico, 7 mar. 2020.
Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/03/07/bolsonaro-posta-vdeo-de-dilma-e-diz-que-pt-uma-piada-de-mal-gosto.ghtml. Acesso em: 12 mar. 2021
THEMUDO, Tiago
Seixas; ALMEIDA, Fernanda Carvalho de. Direito, cultura e sociedade em tempos
de fake news. Revista de Direitos e
Garantias Fundamentais, v. 21, n. 3, p. 209-236, 7 dez. 2020.
TONETTO,
Fernanda Figueira; GUERRA, Sidney. La proteción de la dignité humaine comme
point de convergence entre pa constitutionnalisation et l’internationalisation
du droit. Revista de Direitos e
Garantias Fundamentais, v. 21, n. 3, p. 119-140, 8 dez. 2020.
VICENTE, Tiago; MARQUES, Verônica. Reflexões sobre a
democracia em Hannah Arendt. Revista
de Teorias da Democracia e Direitos Políticos, v. 2, n. 2, 2016. Disponível em: https://www.indexlaw.org/index.php/revistateoriasdemocracia/article/view/1660. Acesso em: 7 mar. 2021.
VIGEVANI,
Tullo; JÚNIOR, Haroldo Ramanzini. A ideia de multilateralismo. In: FÓRUM DE
ECONOMIA DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 8, 2011, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: FGV, 2011. Disponível em: https://cnd.fgv.br/sites/cnd.fgv.br/files/Tullo%20Vigevani%20e%20Haroldo%20Ramanzini%20J%C3%BAnior%20-%20A%20ideia%20de%20multilateralismo_0.pdf. Acesso em: 7 mar.
2021.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Coronavirus disease (COVID-19) outbreak. Geneva: World Health
Organization, 2020a. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019. Acesso
em: 31 mar. 2021.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. International Guidelines for Certification and Classification (Coding)
of COVID-19 as Cause of Death. Geneva: World Health Organization, 2020b. Disponível
em: https://www.who.int/classifications/icd/Guidelines_Cause_of_Death_COVID-19.pdf?ua=1. Acesso
em: 12 abr. 2021.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Listings of WHO’s response to COVID-19. Geneva: World Health
Organization, 2020c. Disponível em: https://www.who.int/news/item/29-06-2020-covidtimeline. Acesso em: 12 abr. 2021.
Informações adicionais e declarações dos autores
(integridade científica)
Declaração
de conflito de interesses (conflict of interest declaration): os
autores confirmam que não há conflitos de interesse na realização das pesquisas
expostas e na redação deste artigo.
Declaração
de autoria e especificação das contribuições (declaration of authorship): todas
e somente as pessoas que atendem os requisitos de autoria deste artigo estão
listadas como autores; todos os coautores se responsabilizam integralmente por
este trabalho em sua totalidade.
·
Júlia Souza Luiz: projeto e esboço inicial (conceptualization), desenvolvimento da
metodologia (methodology), coleta e análise de dados (data curation),
levantamento bibliográfico (investigation), revisão bibliográfica
(investigation), redação (writing – original draft), participação ativa nas
discussões dos resultados (validation), revisão crítica com contribuições
substanciais (writing – review and editing), aprovação da versão final.
· Nelson
Camatta Moreira: projeto e esboço inicial (conceptualization), desenvolvimento
da metodologia (methodology), coleta e análise de dados (data curation),
levantamento bibliográfico (investigation), revisão bibliográfica
(investigation), redação (writing – original draft), participação ativa nas
discussões dos resultados (validation), revisão crítica com contribuições
substanciais (writing – review and editing), aprovação da versão final.
Declaração
de ineditismo e originalidade (declaration of originality): os
autores asseguram que o texto aqui publicado não foi divulgado anteriormente em
outro meio e que futura republicação somente se realizará com a indicação
expressa da referência desta publicação original; também atesta que não há
plágio de terceiros ou autoplágio.
Dados do processo editorial |
|
· Recebido em: 01/06/2021 · Controle preliminar e
verificação de plágio: 01/06/2021 · Avaliação 1: 30/06/2021 · Avaliação 2: 06/07/2021 · Decisão editorial final: 07/07/2021 · Publicação: 09/07/2021 |
Equipe
editorial envolvida · Editor-Chefe: FQP · Assistente-Editorial: MR · Revisores: 02 |
COMO CITAR ESTE ARTIGO
LUIZ, Júlia Souza; MOREIRA, Nelson Camatta. O espetáculo e
a falência democrática no cenário pandêmico: a recusa ao multilateralismo e a
banalização da tragédia pelo Estado brasileiro. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, v. 8, n. 01, e340,
jan./jun. 2021. doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v8i01.340.
Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/340. Acesso em: dia mês. ano.
* Editor: Prof.
Dr. Flávio Quinaud Pedron. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4259444603254002. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4804-2886.
[1] Graduanda em Direito pela FDV, com mobilidade acadêmica para a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Membro do grupo de pesquisa Teoria Crítica do Constitucionalismo. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7897609712572682. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4095-0804.
[2]
Pós-Doutor em Direito pela Universidad de Sevilla. Pós-Doutor em Direito pela
UNISINOS. Doutor em Direito pela UNISINOS. Mestre em Direito pela UNISINOS. Professor
do PPGD da FDV. Líder do grupo de pesquisa Teoria Crítica do
Constitucionalismo. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2535094687665916. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8295-4275.
[3] Original: “Institutions become
political weapons, wielded forcefully by those who control them against those
who do not. This is how elected autocrats subvert democracy – packing and
“weaponizing” the courts and other neutral agencies buying off the media and
the private sector (or bullying them into silence), and rewriting the rules of
politics to tilt the playing field against opponents. The tragic parodox of the
electoral route to authoritarianism is that democracy’s assassins use the very
institutions of democracy – gradually, sybtly, and even legally – to kill it.”
(LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 07)
[4] Original: “1) rejects, in words or action, the democratic rules of the
game, 2) denies the legitimacy of the opponents, 3) tolerates or encourages
violence or 4) indicates a willingness to curtail the civil liberties of
opponents, including the media” (LEVTSKY; ZIBLATT, 2018, p. 21)
[5]
Original: “Rejection of (or weak commitment to) democratic rules of the game” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 23)
[6]
Original: “Do they attempt to undermine the legitimacy of elections, for
example, by refusing to accept credible electoral results?” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 23)
[7]
Original: “Denial of the legitimacy of political opponents” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 23)
[8]
Original: “Do they baselessly describe their partisan rivals as criminals,
whose supposed violation of the law (or potential to do so) disqualifies them
from full participation in the political arena?” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 23)
[9]
Original: “Toleration or encouragement of violence” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 24)
[10]
Original: “Have they praised (or refused to condemn) other significant acts of
political violence, either in the past or elsewhere in the world?” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 24)
[11]
Original: “Readiness to curtail civil liberties of opponents, including media” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 24)
[12]
Original: “Have they praised repressive measures taken by other governments,
either in the past or elsewhere in the world?” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 24)
[13] Nos termos do então Chanceler: “Não escapa
a Žižek, naturalmente, o valor que tem a OMS neste momento para a causa da
desnacionalização, um dos pressupostos do comunismo. Transferir poderes
nacionais à OMS, sob o pretexto (jamais comprovado!) de que um organismo
internacional centralizado é mais eficiente para lidar com os problemas do que
os países agindo individualmente, é apenas o primeiro passo na construção da
solidariedade comunista planetária. [...]” (ARAÚJO, 2020).
[14]
Original: Access to COVID-19 Tools (ACT)
Accelerator.
[15]
Original: “International guidelines for certification and classification
(coding) of COVID-19 as cause of death” (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2020)
[16]
Original: “The main goal of this treaty would be to foster an all of government
and all of society approach, strengthening national, regional and global
capacities and resilience to future pandemics. This includes greatly enhancing
international co-operation to improve, for example, alert systems,
data-sharing, research and local, regional and global production and
distribution of medical and public health counter-measures such as vaccines,
medicines, diagnostics and personal protective equipment.” (JOHNSON; MERKEL; MACRON et al, 2021).
[17] Original
em inglês: “The Vaccine Alliance”