A evolução do saneamento básico na história e o
debate de sua privatização no Brasil
The evolution of basic sanitation in history and the
debate of its privatization in Brazil
Rafhael
Rodrigo Licheski Díaz[1]
Centro Universitário Adventista de São Paulo
(UNASP) – Engenheiro Coelho/SP
Larissa
dos Reis Nunes[2]
Centro Universitário Adventista de São Paulo
(UNASP) – Engenheiro Coelho/SP
RESUMO: O propósito deste artigo é
analisar a importância do saneamento básico para o ser humano, bem como seu
desenvolvimento ao longo dos séculos. Foi investigada a história da luta do
homem por água potável e sua preocupação com o saneamento básico, desde as
civilizações antigas, passando pela Idade Média e Contemporânea, dando ênfase
no saneamento básico na história do Brasil. O estudo do saneamento básico no
Brasil se inicia desde seu período de colônia, estudando alguns dos principais
fatos que contribuíram para o desenvolvimento de leis e órgãos responsáveis
pela saúde e saneamento básico em nosso país. O método utilizado é o dedutivo,
por meio de investigação doutrinária e legal. No decorrer do artigo, após a
análise histórica, busca-se conceituar o que é saneamento básico nos dias de
hoje, bem como expor a atual legislação. A importância deste estudo se dá no
fato de que ao estudar a história e ter ciências dos problemas que a falta de
saneamento básico já gerou na humanidade, nos alerta para investigar como estão
as políticas de saneamento básico nos nossos dias.
Palavras-chave: Saneamento básico. Saúde. Políticas.
ABSTRACT:
The purpose of this article is to analyse the
importance of the basic sanitation for humans, as well as its development over
the centuries. The history of the struggle of man for potable water and his
concern for basic sanitations was investigated, from ancient civilizations,
passing through the Middle and Contemporary Ages, with emphasis on basic
sanitation on the History of Brazil. The study of basic sanitation in Brasil
starts from its colony period, studying all the facts that contributed for the
development of laws and agencies responsible for the health and basic
sanitation in our country. Throughout the article, after the historical
analysis, we seek to conceptualize what is basic sanitation these days, as well
as expose the current legislation. This article is relevant to study the
history of basic sanitation and it alerts us to the problems that the lack of
sanitation basics has already created in mankind.
Keywords: Basic
sanitation. Health. Privatization.
SUMÁRIO:
INTRODUÇÃO; 1
SANEAMENTO BÁSICO - CONTEXTO HISTÓRICO GLOBAL; 2 HISTÓRIA DO SANEAMENTO BÁSICO
NO BRASIL; 3 SANEAMENTO BÁSICO E A LEI FEDERAL Nº 11.445, DE 05 DE JANEIRO DE
2007; 4 O SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL E A QUESTÃO DA PRIVATIZAÇÃO;
CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
SUMMARY: INTRODUCTION;
1 BASIC SANITATION - GLOBAL HISTORICAL CONTEXT; 2 HISTORY OF BASIC SANITATION
IN BRAZIL; 3 BASIC SANITATION AND THE FEDERAL LAW No. 11.445, OF JANUARY 5,
2007; 4 BASIC SANITATION IN BRAZIL AND THE ISSUE OF PRIVATIZATION; FINAL CONSIDERATIONS; REFERENCES.
§ INTRODUÇÃO
Na
atualidade, saneamento básico se tornou algo tão comum que muitos não têm o
mínimo conhecimento de sua importância para a qualidade de vida de uma
comunidade. Ao escutar a expressão "saneamento básico" a primeira
definição que vem à mente de muitos, é "água potável e esgoto", e
isso não está errado. Porém, saneamento básico vai além do serviço de água e
esgoto. Limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas
pluviais urbanas são exemplos da abrangência desse termo (OMS, 2015)
O
desenvolvimento do saneamento básico ocorreu de maneira lenta e gradual no
decorrer da história da humanidade. O desenvolvimento da bacteriologia
contribuiu para o homem dar valor à saúde sanitária, bem como desenvolver meios
de obter água potável, protegê-la de possíveis contaminações e ampliar as ações
preventivas (HELLER et al, 2018).
Lamentavelmente
a história não foi suficiente para ensinar o ser humano a priorizar e lutar
pelo saneamento básico. Infelizmente, ainda hoje cerca de 1 bilhão de pessoas
não tem acesso a água potável e diariamente doenças ligadas à qualidade da água
e deficiência de saneamento provocam a morte de cerca de 6 mil crianças no
mundo (SOUZA, 2009). No Brasil, até 2015, aproximadamente metade da população
não possuía rede de esgoto (BRASIL, 2016).
O
saneamento básico é essencial na estrutura de um país, e no Brasil, esse tema
vem ocupando o cenário de uma discussão cada vez mais intensa, tendo em vista a
possível privatização do serviço de saneamento no Brasil. Esse tema ainda irá
gerar muita discussão diante de algumas nuances que o envolvem e que poderão
ser verificadas no presente trabalho.
Assim, ante
a importância deste assunto, o seguinte artigo busca, através do estudo da
história, alertar para os problemas causados no curso da humanidade pela
precariedade nos serviços que envolvem o saneamento, e abordar algumas
vertentes da problemática relativa à privatização no cenário brasileiro.
1 SANEAMENTO BÁSICO - CONTEXTO HISTÓRICO
GLOBAL
A história
da humanidade está baseada na luta por sua sobrevivência, durante centenas e
porque não dizer milhares de anos, o único e difícil objetivo do homem era
sanear suas necessidades básicas, entre elas, a procura por água potável. Nesse
anseio chegaram a cavar poços de centenas de metros na China (SILVA, 2016).
O cuidado
com a saúde não é algo apenas contemporâneo aos nossos dias, provas
arqueológicas nos indicam que os babilônicos no ano de 3750 a.c. já utilizavam
coletores de esgoto na cidade de Nipur, os egípcios por sua vez no ano 2750
a.c. possuíam tubulações de cobre no palácio do faraó Chéops, e por volta do
ano 2000 a.c. passaram a utilizar o sulfato de alumínio para clarear a água
(REZENDE; HELLER, 2002).
Conforme
Barros (2014a)
Na
Índia, haviam escritos em Sânscrito sobre os cuidados que deveriam ser tomados
com a água a ser consumida, armazenamento em vasos de cobre, filtração através
de carvão, purificação por fervura no fogo, por aquecimento ao sol ou pela
introdução de uma barra de ferro aquecida na massa líquida, seguida por
filtração em areia e cascalho grosso.
No sítio
arqueológico de Cnossos na ilha de
Creta, foram encontradas salas de banho e sistemas para água residuária que
datam do ano 1700 a.c. Na história os romanos revolucionaram a engenharia em
seu tempo, há construções de aquedutos com quilômetros de extensão, além dos
aquedutos os romanos também foram responsáveis pela construção dos banheiros
comunitários chamados parlatórios datados do ano 400 a.c. (SILVA, 2016).
Ao
dissertarem sobre o assunto, Cristina Rezende e Léo Heller (2002, p. 38),
concluem que:
Se os
gregos foram os precursores da medicina racional e preventiva, os romanos foram
os grandes engenheiros, que uniram seu talento para as construções ao legado
científico dos gregos. Executaram grandes sistemas de esgotamento sanitário e
banhos, além de outras instalações sanitárias, revelando nas suas obras a
grande preocupação do Estado com as demandas coletivas, o que determinou uma
elevada abrangência dos serviços de saneamento.
Os cuidados
que os romanos tinham com a higiene vão além das grandes represas e aquedutos,
mas também o banho fazia parte da rotina do dia a dia do cidadão romano. Os
maiores banheiros construídos pelos romanos foram os de Caracala, nos banheiros
havia salas de banhos frios, mornos e quentes, além de salas para massagens. O
cuidado que os romanos tinham para com a água e o destino do esgoto foi
primordial para prevenir surtos de tifo exantemático, febre tifoide e
disenteria, cuidado esse que se perdeu com a queda do império (ROSEN, 1994, p.
45-47).
A queda do
império Romano no Ocidente contribuiu para o fortalecimento do feudalismo e o
início da Idade Média. Moinhos foram desenvolvidos para facilitar a trituração
dos grãos, a propriedade do senhor feudal cada vez era mais desenvolvida (SOUSA,
2019). Porém
nesse período a água era retirada de rios e trazida de longas distâncias, o que
tornava oneroso o seu consumo, limitando a população a beber em média apenas 1
litro de água por dia. A queda do império romano juntamente com as crises
políticas, econômicas e religiosas contribuíram para construção de muralhas e
fossos aos arredores das cidades. A dificuldade em conseguir água, levou boa
parte da população a cavar poços no interior de suas casas, mas por estarem
próximos a dejetos de animais e fossas, os poços eram contaminados (BARROS,
2014a).
Rosen
(1994, p. 59) explica que “introduziu-se a pavimentação para manter as ruas
limpas, em Paris em 1185, Praga viu as primeiras ruas calçadas em 1331”.
Entretanto, é preciso lembrar que os habitantes tinham hábitos culturais que
tornavam tais cuidados insuficientes para proliferação de certas doenças, a
falta de hábitos de saneamento básico na Europa medieval contribuiu para o
surto de várias doenças e epidemias.
A lepra foi
uma das doenças mais aterrorizantes desse período. Sobre a doença, Rosen (1994,
p. 59) explica que “durante os séculos VI e VII, a enfermidade começou a se
espalhar sobre a Europa, passando a ser um sério problema social e sanitário.
Endêmica, especial entre os pobres, alcançou um pico aterrador nos séculos XIII
e XIV.”
O Acto Inglês
promulgado no ano 1388, considerada uma das leis mais antigas sobre o assunto,
proibia a poluição das águas e do ar. No ano 1396 foi criado em Paris um
sistema de limpeza, carroças levavam os lixos até locais específicos. Em 1680
teve início a utilização de água corrente para a limpeza das privadas (AZEVEDO
NETTO, 1959, p. 16). Ocorre que todos estes avanços foram insuficientes para
controlar as doenças e epidemias.
O
crescimento econômico proporcionado pelo avanço da revolução industrial no
final do século XVIII, fez com que as cidades na Europa recebessem em massa os
camponeses, porém a infraestrutura precária aliada à falta de higiene provocou
novos surtos de doenças e epidemias (RIBEIRO; ROOK, 2010).
Sobre a
falta de infraestrutura e higiene, Vilma Maria Cavinatto (1996) se manifestou:
Na
Inglaterra, França, Bélgica e Alemanha as condições de vida nas cidades eram
assustadoras. As moradias ficavam superlotadas e sem as mínimas condições de
higiene. Os detritos, como lixo e fezes, eram acumulados em recipientes, de
onde eram transferidos para reservatórios públicos mensalmente e, às vezes,
atirados nas ruas. Como as áreas industriais cresciam rapidamente, os serviços
de saneamento básico, como suprimento de água e limpeza de ruas, não
acompanhavam esta expansão, e como consequência o período foi marcado por
graves epidemias, como a Cólera e a Febre Tifóide, transmitidos por água
contaminada e que fizeram milhares de vítimas assim como a Peste Negra,
transmitida pela pulga do rato, animal atraído pela sujeira.
A despeito
do crescimento econômico gerado pela revolução industrial, as doenças e
epidemias se proliferavam. Edwin Chadwick (1843) elaborou um relatório “The Sanitary Conditions of the Labouring
Population of Great Britain”, o qual fala das condições sanitárias dos
trabalhadores da Grã-Bretanha, o mesmo foi incisivo na luta pela criação de um
órgão administrativo de saúde pública. Edwin Chadwick foi responsável não
apenas pela criação do primeiro conselho de saúde da Inglaterra, mas também
influenciou outros países da Europa a se dedicarem ao estudo da saúde social
(SILVA, 1998).
As diversas
epidemias que dizimaram populações na Idade Média, contribuíram para o
desenvolvimento de estudos na área de saneamento básico e saúde social,
contribuindo para criação de conselhos de saúde e órgãos que iriam estudar e
trazer soluções para os problemas de saúde causados pela falta de higiene e
saneamento básico (SILVA, 1998).
2 HISTÓRIA DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL
Por
milhares de anos, o Brasil foi habitado apenas por tribos indígenas, as quais
sua única preocupação era a busca de sanear suas necessidades básicas, devido
ao vasto território que possuíam, não tinham preocupações com saneamento. A
utilização da água pura e os hábitos salutares que os índios possuíam, como:
Banho diário, locais específicos para fazer suas necessidades fisiológicas e
jogar o lixo, proporcionaram aos índios saúde estável (REZENDE; HELLER, 2002).
Sobre a
chegada dos portugueses ao Brasil, Cavinatto (1996) enfatiza que “com a chegada
dos colonizadores europeus e a mão de obra escrava, houve a disseminação de
várias enfermidades contra as quais os nativos não possuíam defesas naturais no
organismo”.
O início do
saneamento no Brasil ocorreu em 1561, quando Estácio de Sá mandou escavar no
Rio de Janeiro o primeiro poço para abastecer a cidade do Rio de Janeiro
(BARROS, 2014b).
O
abastecimento de água primeiramente era feito através de chafarizes e fontes
próprias, sendo as vilas as responsáveis pela captação e distribuição das
águas, neste período o processo de coleta de lixo era feito pelas famílias
(SOUZA, 2009).
Em 1750,
durante o governo de Gomes Freire de Andrade, foram construídos os Arcos de
pedra e cal do aqueduto que hoje chamamos de Arcos da Lapa (HERMANN, 2012). Em
1864, na cidade do Rio de Janeiro foi concluída a instalação da primeira rede
de esgoto (AZEVEDO NETTO, 1959).
Embora
tenham sido construídas obras de abastecimento e esgotamento sanitário, as
mesmas eram insuficientes pois abrangiam apenas os grandes centros urbanos,
devido à falta de serviços para as pequenas populações, os serviços de
infraestrutura passaram a ser feitos através de concessão à iniciativa privada,
assim como os serviços de água e esgotos (SILVA, 1998).
Sobre o
Saneamento básico no período da República, (MIRANZI et al, 2010) salientam:
Com a
proclamação da República, a federalização e a autonomia, as questões de saúde
pública, passaram a fazer parte das atribuições dos Estados. O Serviço
Sanitário, criado pela Lei número 43 de 18 de junho de 1892, ficou subordinado
à Secretaria do Estado do Interior, e era composto de um conselho de Saúde
Pública, responsável pela emissão de pareceres acerca da higiene e salubridade
e de uma diretoria de higiene, responsável pelo cumprimento das normas
sanitárias. Era de competência da diretoria o estudo das questões de saúde
pública, o saneamento das localidades e das habitações e a adoção de meios para
prevenir, combater e atenuar as moléstias transmissíveis, endêmicas e
epidêmicas.
Silva
(1998) ainda enfatiza que:
Os
serviços de abastecimento de água e esgotos estavam sob o encargo do Estado,
mas a infra-estrutura era de incumbência das empresas estrangeiras, enquanto
que a maior parte de materiais, insumos e técnicas eram importados, cabendo ao
Estado somente a regulamentação das concessões.
O avanço
das epidemias trazidas da Europa, tornou-se necessário uma maior vigilância
sanitária. Foi então que no ano de 1894, o primeiro Código Sanitário do Estado
de São Paulo foi promulgado, com 520 artigos, reunindo as normas de higiene e
saúde pública (MIRANZI et al, 2010; SÃO PAULO, 1894).
Com o
objetivo de combater a peste bubônica detectada no Porto de Santos, em 1900 foi
criado o Instituto Soroterápico no Rio de Janeiro. Devida à situação de saúde
caótica que a então capital federal vivia, sob o governo de Rodrigues Alves, no
dia 23 de março de 1903 o médico Oswaldo Cruz assume a Diretoria Geral de Saúde
Pública (DGSP), cargo este que, equivale ao de ministro da Saúde (FUNDAÇÃO
OSWALDO CRUZ, 1992).
Sobre o
governo de Rodrigues Alves, a Fundação Oswaldo Cruz (1992) acrescenta que o
mesmo “assumiu presidência da República prometendo submeter a capital a uma
profunda cirurgia urbana”. O objetivo era terminar com a febre amarela e outras
doenças epidêmicas que tornavam a cidade um "porto sujo”. Para extirpar as
doenças, o médico Oswaldo Cruz, com o apoio do governo, realizou inspeção
sanitária em 23 portos além de campanhas de vacinação.
Uma destas
campanhas de vacinação teve grande resistência de parte da população, gerando
uma grande revolta que ficou conhecida como a “Revolta da Vacina”. Sobre esta
revolta Mayla Yara Porto (2003) acrescenta:
Em
1904, a cidade foi assolada por uma epidemia de varíola. Oswaldo Cruz mandou ao
Congresso uma lei que reiterava a obrigatoriedade da vacinação, já instituída
em 1837, mas que nunca tinha sido cumprida. Ciente da resistência da opinião
pública, montou uma campanha em moldes militares. Dividiu a cidade em
distritos, criou uma polícia sanitária com poder para desinfetar casas, caçar
ratos e matar mosquitos. Com a imposição da vacinação obrigatória, as brigadas
sanitárias entravam nas casas e vacinavam as pessoas à força. Isso causou uma
repulsa pela maneira como foi feita. A maioria da população ainda desconhecia e
temia os efeitos que a injeção de líquidos desconhecidos poderia causar no
corpo das pessoas. Setores de oposição ao governo gritaram contra as medidas
autoritárias. Quase toda a imprensa ficou contra Oswaldo Cruz, ridicularizando
seus atos com charges e artigos.
Além do
médico Oswaldo Cruz, o engenheiro Saturnino de Brito também merece grande
destaque na história. Considerado o pai da Engenharia Sanitária e Ambiental no país,
foi responsável por várias obras, como sistemas de distribuição de águas e
coleta de esgotos em várias capitais do país. Uma de suas principais obras
foram os canais de drenagem de Santos, criados em 1907 com o objetivo de evitar
a proliferação de insetos nas áreas alagadas e que funcionam ainda hoje
(RIBEIRO; ROOK, 2010).
Um marco
importante para o combate das doenças e a implementação das políticas de
saneamento básico no Brasil foi à primeira guerra mundial. Nísia Trindade Lima
e Gilberto Hochman (1996) salientam que o período da primeira guerra mundial e
os primeiros anos seguintes, foram marcados por diversos movimentos
nacionalistas tanto no Brasil como no exterior.
Nísia
Trindade Lima e Gilberto Hochman (1996, p. 24) acrescentam que no caso do
Brasil os movimentos tinham a intenção de promover a “recuperação e/ou fundação
da nacionalidade: recrutamento militar e profissionalização do Exército;
alfabetização; saúde; culto ao civismo; ampliação do colégio eleitoral, entre
outros”.
Dando
ênfase nos movimentos na área da saúde sanitária no país, temos outras figuras
importantes além de Oswaldo Cruz. Os médicos Belisário Penna e Arthur Neiva
foram de suma importância nas campanhas de saneamento no Brasil. Belisário
buscou repercutir na mídia os problemas que o campesino enfrentava com saúde e
saneamento básico, enfatizando a necessidade de unir o país, tanto o homem da
capital e do interior. Aos poucos conseguiu reunir importantes setores das
elites intelectuais e políticas que fizeram parte da criação da Liga
Pró-Saneamento do Brasil, fundada em fevereiro de 1918 (LIMA; HOCHMAN, 1996).
A Liga
Pró-Saneamento tinha como um de seus objetivos alertar as autoridades públicas
e as elites intelectuais sobre os problemas que a falta de saneamento no
interior do Brasil poderiam causar. (GRECO; PITERMAN 2005).
Tendo o
apoio do então Presidente da República, Wenceslau Brás, a Liga Pró-Saneamento
dirigida por Belisário, realizou intensa propaganda da campanha sanitária
nacional (LIMA; HOCHMAN, 1996). Neste intento Belisário Penna contou com a
ajuda do escritor Monteiro Lobato, o qual através do personagem Jeca Tatu
chamava a atenção principalmente da elite para as condições de vida do homem do
campo (MORAES, 1997).
Nísia
Trindade Lima e Gilberto Hochman (1996) discorrem sobre a campanha sanitária
nacional:
Através
de conferências; palestras em escolas, entidades associativas de proprietários
rurais e nas Forças Armadas; distribuição de folhetos de educação sanitária,
entre outras ações. A repercussão da campanha pelo saneamento foi expressiva na
imprensa e nos debates do Congresso Nacional. Outro dado relevante consiste na
organização de delegações regionais da entidade em nove estados, considerados,
à época, representativos de todas as regiões geográficas do País. A campanha da
Liga tinha como objetivo mais imediato à criação de uma agência pública de
âmbito federal que coordenasse efetivamente as ações de saúde em todo o
território nacional e superasse os limites que constrangiam a ação da Diretoria
Geral de Saúde Pública. A realização desse objetivo supunha a geração de uma
consciência nacional que identificasse no abandono e na presença das endemias
as características distintivas da população rural brasileira.
Os movimentos
em prol da organização da saúde no Brasil geraram bons resultados. É o caso da
criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, liderado pelo médico Carlos
Chagas que além de participar ativamente a criação do Departamento Nacional de
Saúde Pública, reorganizou os Serviços de saúde Pública (RODRIGUES; ALVES,
1977).
As
consequências da crise de 1929 nos Estados Unidos, o fim da República Velha e a
revolução de 1930 contribuíram para que ocorressem mudanças e transformações na
estrutura social e econômica do Brasil. Neste período acontece o êxodo rural,
devido à grande industrialização proporcionada pelo governo do então Presidente
Getúlio Vargas (SAKER, 2007).
Saker
(2007) aborda ainda mais a influência dos Estados Unidos:
Em
1934, a formulação do conceito de federalismo de cooperação nos Estados Unidos
influenciou nosso sistema jurídico nesse sentido, mas não atingiu sua
plenitude, por ser uma inovação. Isso ocorreu principalmente com a adoção de
competências comuns entre os entes da federação. A política de saneamento
básico, parte integrante da política de saúde pública, faz parte deste novo
federalismo de cooperação da Constituição de 1934.
Um marco
importante para o saneamento básico no Brasil foi à criação do Ministério da
Educação e Saúde Pública, pelo Decreto nº 19.402, de 14 de novembro de 1930.
Até então os serviços relacionados com a saúde pública estavam sendo
administrado pelo Ministério da Justiça e Negócios Interiores (RODRIGUES; ALVES
1977).
Apesar da
Constituição de 1824 ser inspirada na Carta Magna da Inglaterra, e, a segunda
constituição de 1891 ser pautada na Constituição dos Estados Unidos, ambas não
tratam explicitamente da saúde pública. Foi a partir da constituição de 1934
que a saúde pública tomou parte do texto legislativo (RODRIGUES; ALVES 1977).
Em seu
artigo 10, a Constituição de 1934 atribui à União e os Estados o cuidado da
saúde, determinando que “compete concorrentemente à União e aos Estados: I-
velar na guarda da Constituição e das Leis; II- cuidar da saúde e assistência públicas”.
Além de
atribuir a União e os Estados o cuidado da Saúde, a Constituição de 1934, em
seu artigo 121, parágrafo 1º, alínea “h”, garantia:
[...]
assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante assegurando a este
descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário a do emprego e
instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador
e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de
acidente de trabalho ou de morte (BRASIL, 1934).
Em seu
artigo 138, a Constituição de 1934 outorgou responsabilidades não apenas para a
União e os Estados, mas também incluía a participação dos municípios nos
problemas sanitários:
Incumbe
à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas:
[...]
f) adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a
moralidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impeçam a
propagação das doenças transmissíveis (BRASIL, 1934).
Vigente até
hoje, em 1934 foi aprovado o Decreto que instituiu o Código de Águas (BRASIL,
1934). Entre os vários assuntos que envolvem o uso dos recursos hídricos,
recomendava evitar que a contaminação das águas, para Elmo Rodrigues da Silva
(1998) o Código pode ser considerado a “base para a gestão pública do setor de
saneamento, sobretudo no que se refere à água para abastecimento”.
Entre os
anos de 1938 e 1945, João de Barros Barreto teve um papel importantíssimo nas
políticas de saúde e saneamento básico do Brasil. Seu trabalho destacou o
Brasil perante a OPAS (Organização Pan-americana de Saúde). Sobre João de
Barros Barreto, Lima (2002) salienta:
Diretor
do Departamento Nacional de Saúde, entre 1938 e 1945, foi responsável pela
extensão dos postos de saúde no território nacional e pela consolidação da
estrutura verticalizada dos serviços de combate às doenças. Atribuiu também
prioridade ao registro estatístico das campanhas de saúde pública, contribuindo
para a implantação de um sistema de informações sobre as doenças transmissíveis
e a captura de vetores.
O
envolvimento e a participação do Brasil nos congressos e reuniões junto aos
representantes de outros pais da Opas, resultaram em acordos internacionais.
Entre eles os acordos de Washington que daria origem ao Serviço Especial de
Saúde Pública (SESP) resultado da III Conferência de Ministros das Relações
Exteriores das Repúblicas Americanas, realizado em 1942 no Rio de Janeiro
(LIMA, 2002).
A principal
função do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) era o saneamento de regiões
produtoras do minério de ferro e mica do Vale do Rio Doce e de matérias-primas,
como a borracha da região amazônica. O SESP cresceu nas regiões rurais, dando
ênfase na medicina preventiva além da curativa, construiu redes de unidades de
saúde locais (RENOVATO; BAGNATO, 2010).
Neste
período, mais especificamente em 1953, com a Lei nº 1.920, foi criado o
Ministério da Saúde, regulamentado pelo Decreto nº 34.596, de 16 de novembro de
1953 (RODRIGUES; ALVES, 1977; BRASIL, 1953a; BRASIL, 1953b).
A
participação do Brasil na OPAS e posteriormente na OMS (Organização Mundial de
Saúde) a qual foi fundada em fundada em 7 de abril de 1948, quando 26 membros
das Nações Unidas ratificaram os seus estatutos (OMS, 2015). Contribuiu
grandemente para o desenvolvimento das políticas de saúde e saneamento básico
no país nos anos seguintes (LIMA, 2002).
3 SANEAMENTO BÁSICO E A LEI FEDERAL Nº
11.445, DE 05 DE JANEIRO DE 2007
Sob o
governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva foi aprovada a Lei Federal
nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007, a qual estabelece normas para o saneamento
básico, de forma que altera as leis: 6.766, de 19 de dezembro de 1979; 8.036 de
11 de maio de 1990; 8.666 de 21 de junho de 1993; 8.897 de 13 de fevereiro de
1995; também revogas a lei 6.528 de 11 de maio de 1978.
A Lei
Federal nº 11.445/07 tem como princípios imprescindíveis a saúde pública,
segurança de vida, proteção ao meio ambiente, adequação a particularidades
locais, planejamentos de desenvolvimento urbano e regional, e o combate à
pobreza (BRASIL, 2007).
Em seu
artigo 3° a lei Federal nº 11.445/07 define saneamento básico da seguinte
forma:
Art.
3º Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I -
saneamento básico: conjunto de serviços, infra- estruturas e instalações
operacionais de:
a) abastecimento de água potável: constituído
pelas atividades, infra-estruturas e instalações necessárias ao abastecimento
público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e
respectivos instrumentos de medição;
b) esgotamento sanitário: constituído pelas
atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte,
tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as
ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente;
c) limpeza urbana e manejo de resíduos
sólidos: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de
coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e
do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas;
d) drenagem e manejo das águas pluviais,
limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas: conjunto de
atividades, infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de
águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de
vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas
áreas urbanas (Redação dada pela Lei nº 13.308, de 2016).
As
informações seguintes, foram obtidas no site do SINIS (Sistema de Informação
Sobre Saneamento), o qual nos mostra que no ano de 2010 apenas 42,6% da
população nacional possuía atendimento com rede de esgoto, e 81,1% com
atendimento de água potável. Em 2018 a população atendida com rede de esgoto
passou de 42,6% para 53,2%, esses números evidenciam que mais de 100 milhões de
brasileiros no ano de 2018 não possuíam rede de esgoto, no que diz respeito a
água potável, 30 milhões de brasileiros, não eram beneficiados por esse
atendimento (BRASIL, 2018a).
Excelente
na teoria, porém aparentemente ineficaz na prática ao ter conhecimento dos
dados, percebe-se que após onze anos da promulgação da Lei Federal nº 11.445,
de 05 de janeiro de 2007 praticamente metade da população brasileira ainda não
tem acesso a cobertura de esgoto.
4 O SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL E A QUESTÃO
DA PRIVATIZAÇÃO
No Brasil,
o Direito ambiental, consequentemente as políticas de saneamento básico estão
em crescente desenvolvimento (GOMES; OLIVEIRA, 2017).
Conforme
Barrocas e Sousa (2017) a tentativa do governo de fomentar a privatização do
saneamento no Brasil não é inédita, pois já esteve presente em outros
episódios, ocasiões em que se tentou realizar a negociação das empresas de
saneamento pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso FHC. Barrocas e
Sousa (2017, p. 1) ainda mencionam que “o Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB) encaminhou diversos projetos de lei para viabilizar a
abertura do setor à iniciativa privada”.
Em alguns
desses cenários o objetivo era trazer para a esfera estadual um serviço cuja
titularidade pertencia ao município “antes que os leilões das empresas
estaduais de saneamento ocorressem, pois só assim seria possível precificá-las
corretamente, garantindo aos futuros compradores a sua carteira de clientes”
(BARROCAS; SOUSA, 2017).
Durante
muito tempo essa temática se manteve vaga quando se tratava de questões
regulatórias, ocorre que isso ainda perdura e evidencia, especialmente, a
questão da ausência de titularidade do serviço de saneamento (SAIANI, 2012).
A questão
da titularidade se torna muito controversa uma vez que em determinada situação,
e conforme o comando constitucional, competiria ao município, mas quando a
atividade é realizada em mais de um município então a titularidade passaria a
ser do Estado. Essa situação só deixa mais claro que a titularidade é uma
característica muito sensível na temática do saneamento (TUROLLA, 2002).
O art. 21
da Constituição Federal de 1988 traz a competência exclusiva da União no que
tange ao tema de saneamento básico, mas logo adiante, no art. 23, estabelece a
competência executiva comum entre todos os entes da federação com relação ao
mesmo tema, e no art. 30 traz a titularidade do município nesse sentido
(TUROLLA, 2002). Ocorre que essas disposições constitucionais acabaram criando
uma grande brecha para a realização de diversos tipos de interpretação e
deixando certa indefinição em determinados pontos.
Segundo
Saiani (2012) a Constituição Federal de 1988 não aborda de forma específica as
responsabilidades atinentes a uma e outra esfera do governo no que tange ao tema
do saneamento básico, mas o que restou determinado é que os atos voltados para
o saneamento são atuações que incumbem a todos os entes da federação.
Na Copa
Mundial do ano de 2018, o Governo brasileiro enviou para votação a Medida
Provisória nº 844/18, conhecida como a “MP da Privatização do Saneamento”.
Várias classes se juntaram e discordaram veementemente da Medida Provisória,
uma vez que entenderam se tratar de ato inconstitucional (SOUSA, 2018).
Inclusive,
é importante frisar que o Partido dos Trabalhadores ajuizou a Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 6006/DF no Supremo tribunal Federal buscando tornar
inconstitucional a Medida Provisória (MP) 844/18, uma vez que o Partido
entendeu se tratar de medida que atentava formal e materialmente contra a
Constituição Federal (BRASIL, 2018b). De igual modo agiu o Partido Socialista
Brasileiro apresentando a ADI nº 5993/18 contra a referida medida.
Sousa
(2018, p. 1) abordou algumas modificações trazidas pela MP 844/18, mencionando:
As
principais mudanças propostas pela MP dizem respeito à regulação do setor e aos
contratos de concessão dos serviços. Em síntese, ela define a Agência Nacional
de Águas (ANA) como o órgão responsável pela normatização da regulação dos
serviços de saneamento básico de todo o país, elimina a obrigatoriedade do
plano municipal de saneamento como condição para a contratação de empresas de
prestação de serviços, e a mais polêmica delas: ela passa a aplicar aos
contratos de programa (instrumento de colaboração federativa assinado entre
dois entes ou entre entes e consórcio público para a execução de serviço
público comum) as cláusulas essenciais dos contratos de concessão previstos na
Lei no 8.987/1995 (SOUSA, 2018, p. 1).
Mencione-se
também que o mesmo Partido dos Trabalhadores apresentou um pedido de
inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal contra a MP 868/18 que tinha
como objetivo buscar a alteração do marco legal referente ao saneamento, bem
como a modificação de leis sobre o assunto. A ação direta de inconstitucionalidade
foi extinta sem resolução do mérito tendo em vista que a medida provisória
deixou de ter validade, conforme o prazo constitucional que é a esta atribuído
no art. 63, §3 (BRASIL, 2019)[3].
A temática
do saneamento envolve interesses municipais, estaduais e especialmente
políticos, cujas essências são muitas vezes conflitantes, o que acaba por
culminar na criação de impasses que obstam o desenvolvimento desse serviço no
Brasil (COSTA; SOUSA, 2013).
A
privatização do saneamento básico é consequência de uma série de questões, e,
não de modo diferente, para Saiani (2012), as questões de ordem política são
consideradas um forte fator capaz de repercutir grandes influências para a
saúde.
Apesar de
não abordar localidades específicas, Turolla (2002) menciona que em alguns
países o alcance do saneamento a todos é visto como uma realidade longínqua e
que exige alta aplicação de capital, a efetivação de uma administração que tem
como suporte apenas sistemas públicos se apresenta complexa e envolta por
obstáculos. Em sua maior parte, esses países ainda precisam lidar com controles
fiscais que geram sérios impedimentos à consecução de investimentos e essa é
justamente a situação do Brasil.
Segundo
Thomas Fujiwara a realização de uma análise metódica na seara do saneamento,
torna viável a verificação dos possíveis efeitos provenientes da privatização
desse serviço sobre a vida das pessoas de renda mais escassa (FUJIWARA, 2005).
Há vários
especialistas que são contra a privatização, uma vez que a água, por exemplo, é
um direito extensível a todos apenas em razão da condição de ser humano, e que
dessa forma deve ser obrigatoriamente fornecido (BARROCAS; SOUSA, 2017). Já
para Fujiwara (2005) a privatização do serviço de saneamento traz grandes
benesses às pessoas de baixa renda, por exemplo, o que vai de encontro com
pontos de vista populares, autores e mesmo especialistas.
Para Mello,
os municípios que adotaram a privatização puderam lidar melhor com os
contratempos que alcançavam a localidade, além de ter ocorrido certo aumento na
concorrência e uma maior atuação dos pequenos empresários nessas privatizações.
Mas em contrapartida privatizar um estado todo vai contra a soberania do
município e contra a gestão “dos recursos hídricos por bacias hidrográficas”
(MELLO, 2005, p. 515).
No caso do
Rio de Janeiro, por exemplo, Barrocas e Sousa (2017) mencionam que o Governo
Federal realizou negociação direta apenas com governadores quanto à
privatização, porém não deu oportunidade de manifestação à esfera municipal,
ignorando opiniões e decisões que viessem do chefe do executivo e do poder
legislativo municipais.
Caso o
setor de saneamento passe pela privatização pode ocorrer um aumento na
acessibilidade à água potável e a uma rede de esgoto, bem como culminar num
serviço prestado com qualidade, mas em contrapartida, há também o risco de que
essa privatização traga consigo consequências desfavoráveis na qualidade e
também na universalização desse serviço, principalmente se servirem com
destaque à população rica (FUJIWARA, 2005).
A temática
da privatização enfrenta inúmeras adversidades especialmente por se tratar de
um assunto cuja implantação se mostra controversa. Nesse sentido, Barrocas e
Sousa (2017, p. 3) fazem importante consideração no que diz respeito ao tema:
[...]
é preciso, de uma vez por todas, transcender a discussão unicamente centrada
nos prestadores de serviços e encarar os obstáculos estruturais e internos ao
funcionamento desse setor no Brasil. Outras dificuldades, que não de ordem
financeira, poderiam explicar o reiterado fracasso dessa política pública no
país. Porém, essa questão não é sequer cogitada por governo, imprensa ou
gestores do ramo. A insistência em reduzir toda discussão sobre a
universalização do saneamento aos prestadores de serviços, além de não contribuir
para trazer à tona o conhecimento sobre os reais obstáculos que atingem o
setor, também serve para ocultar do debate público as vantagens e os
beneficiários que a reedição dessa antiga agenda pretende implementar
(BARROCAS; SOUSA, 2017, p. 3).
Segundo o
estudo realizado por Saiani em sua tese de doutorado, foi possível concluir que
a adoção da privatização local, conforme o estudo realizado e exposto, foi tida
como positiva, uma vez que os locais que aderiram à privatização tiveram os
índices de mortalidade reduzidos (SAIANI, 2012). De igual modo concluiu
Fujiwara (2005) que a privatização tem efeito sobre os índices de mortalidade
das crianças, havendo qualidade no fornecimento, água potável e tratamento de
esgoto.
Na visão do
Governo Federal, a resolução do problema referente ao acesso da população ao
saneamento é justamente a privatização das empresas que fazem trabalho de
saneamento. Segundo ele, apenas uma atuação privada está apta para trazer
acessibilidade aos que não possuem (BARROCAS; SOUSA, 2017).
Ocorre que
o acesso de todos ao saneamento ainda se mostra surreal, uma vez que “35
milhões de brasileiros ainda não dispõem de acesso à água e mais de 100 milhões
não têm seus esgotos coletados”, consequentemente, essas pessoas precisam
adotar medidas inseguras e sem proteção para resolver o problema do esgoto
(BARROCAS; SOUSA, 2017, p. 2).
Turolla
(2002, p. 7), por sua vez, mencionou que em outros países que implementaram um
modelo de saneamento específico conseguiram universalizar o acesso a quase todos,
nesse sentido:
A
indústria do saneamento tem como característica marcante a presença de custos
fixos elevados em capital altamente específico. A principal consequência (sic) dessa configuração, associada à
idéia de monopólio natural, é um dilema entre a eficiência produtiva e a
eficiência alocativa, além de um baixo incentivo ao investimento. Em
consequência (sic), o setor de
saneamento organiza-se em boa parte do mundo sob o formato de gestão pública e
local. Vários países desenvolvidos foram capazes de atingir a universalização
quase absoluta sob esse modelo, embora possa ser verificada uma tendência por
uma maior participação da iniciativa privada (TUROLLA, 2002, p. 7).
Em razão do
saneamento figurar como um setor que deve ser naturalmente liderado por apenas
uma empresa “por conta da economia de escala”, o governo deve atuar de modo a
evitar que a ausência de concorrência não leve a empresa a cobrar valores
elevados, limitar a qualidade do serviço ou a quantidade que é fornecida
(COSTA; SOUSA, 2013, p. 590).
A
implementação de um saneamento de boa qualidade, que esteja ao alcance de
todos, é um desafio que já vem sendo enfrentado pelo país e que gera a
necessidade de reanálise das “relações entre Estado, capital e sociedade”, mas
especialmente sobre quais são as atuações estatais urgentes na esfera de
políticas voltadas para a população e para questões sociais (BORJA, 2014, p.
445).
No ano de
2002, Frederico A. Turolla escreveu sobre saneamento básico e abordou os
avanços e as políticas que teriam que ser aplicadas futuramente nesse sentido.
Em seu trabalho, o autor mencionou que já naquela época havia muito debate sobre
a tentativa de universalização do saneamento em um curto período de tempo, mas
logo adiante mencionou que esse era um ponto que envolvia muitas outras
questões, como a evolução urbana, ambientais e voltadas para a saúde pública
(TUROLLA, 2002).
As adversidades
enfrentadas na conquista da acessibilidade de todos ao saneamento são de
diversas ordens e envolvem também problemas de administração e investimentos,
mas o ponto principal é compreender quais são as necessidades iminentes como
saúde e questões sociais, pois estas devem estar acima de questões econômicas
(BORJA, 2014).
Desse modo,
ainda que o saneamento seja de grande relevância para a saúde da população e
para as condições ambientais, a acessibilidade desse serviço se apresenta
dentre os objetivos brasileiros de implementação necessária, e frise-se que
ainda é necessário muito desenvolvimento nesse sentido, especialmente porque o
país possui índices dissonantes com a posição econômica que ocupa no cenário
mundial (BORJA, 2014).
§ CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise de como o
saneamento básico evoluiu ao longo das civilizações, bem como, estudar a
história e ver os danos que a ausência do mesmo pode causar à saúde. A falta de
saúde sanitária foi responsável pela proliferação de diversas doenças que
dizimaram populações ao longo dos anos em diferentes lugares. Este estudo
possibilitou ampliar o conhecimento histórico e legislativo, e perceber que a
falta de cuidado com o meio ambiente pode acarretar sérias consequências. Não
diferente do passado, a falta de saneamento básico continua afetando a vida de
pessoas no mundo inteiro. Dada à importância do assunto, ao analisar e ter
conhecimento das consequências que a falta de saneamento básico já provocou, torna-se
necessário o desenvolvimento de estudos e políticas que possam contribuir para
garantir esses direitos a todos.
A temática
da privatização ainda vai ser palco de grandes discussões e tende a se
intensificar principalmente diante do cenário político em que se encontra o
Brasil neste ano de 2020. Sobretudo, para que haja avanço na discussão do tema,
é necessário que sejam analisadas as dificuldades enfrentadas pelo cenário de
modo geral e dos obstáculos que ainda se encontram tão atuantes a fim de que seja
possível chegar a uma conclusão consistente que beneficie à população de forma
geral, inclusive às populações mais pobres que muitos sofrem com os problemas
gerados pela falta de saneamento.
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Frederico A. Política de saneamento
básico: avanços recentes e opções futuras de políticas públicas. Brasília:
IPEA, 2002. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/2818. Acesso em: 21 jan. 2020.
Informações adicionais e declarações dos autores
(integridade científica)
Declaração
de conflito de interesses (conflict of interest declaration): o
autor confirma que não há conflitos de interesse na realização das pesquisas
expostas e na redação deste artigo.
Declaração
de autoria e especificação das contribuições (declaration of authorship): todas
e somente as pessoas que atendem os requisitos de autoria deste artigo estão
listadas como autores; todos os coautores se responsabilizam integralmente por
este trabalho em sua totalidade.
·
Larissa dos Reis Nunes: projeto e esboço inicial
(conceptualization), desenvolvimento da metodologia (methodology), levantamento
bibliográfico (investigation), revisão bibliográfica (investigation),
participação ativa nas discussões dos resultados (validation), revisão crítica
com contribuições substanciais (writing – review and editing), aprovação da
versão final.
·
Raphael
Rodrigo Licheski Diaz: redação (writing – original draft), levantamento
bibliográfico (investigation), revisão bibliográfica (investigation), participação
ativa nas discussões dos resultados (validation), aprovação da versão final.
Declaração
de ineditismo e originalidade (declaration of originality): o
autor assegura que o texto aqui publicado não foi divulgado anteriormente em
outro meio e que futura republicação somente se realizará com a indicação
expressa da referência desta publicação original; também atesta que não há
plágio de terceiros ou autoplágio.
Dados do processo editorial |
|
· Recebido em: 27/05/2020 · Controle preliminar e
verificação de plágio: 27/05/2020 · Avaliação 1: 10/06/2020 · Avaliação 2: 23/06/2020 · Decisão editorial
preliminar: 23/06/2020 · Retorno rodada de correções:
07/09/2020 · Decisão editorial final: 07/09/2020 · Publicação: 17/12/2020 |
Equipe
editorial envolvida · Editor-Chefe: FQP · Assistente-Editorial: MR · Revisores: 02 |
COMO CITAR ESTE ARTIGO
DIAZ, Raphael Rodrigo Licheski; NUNES, Larissa dos Reis. A
evolução do saneamento básico na história e o debate de sua privatização no
Brasil. Revista de Direito da Faculdade
Guanambi, Guanambi, v. 7, n. 02, e292, jul./dez. 2020. doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v7i02.292.
Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/292. Acesso em: dia mês. ano.
* Editor: Prof. Dr. Flávio Quinaud Pedron. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4259444603254002. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4804-2886.
[1]
Graduando em Direito pela UNASP. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9798486801910549. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5944-1009.
[2] Mestra em Direito pela UNIMEP. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela METROCAMP. Bacharel em Direito pela IBMEC. Professora do curso de Direito da UNASP. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7085510655516264. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4618-1033.
[3] É possível verificar nos autos da ADI 6128/18 a decisão nesse
sentido.