Direito à intimidade, colisão entre direitos fundamentais e balanceamento: reflexões acerca das decisões do STJ à luz da teoria de Robert Alexy

Right to privacy, collision between fundamental rights and balance: reflections on STJ decisions based on Robert Alexy’s theory

 

 

Alexandre de Castro Coura[1]

Faculdade de Direito de Vitória (FDV) – Vitória/ES

[email protected]

 

Júlia Teixeira Ramos[2]

Faculdade de Direito de Vitória (FDV) – Vitória/ES

[email protected]

 

 

RESUMO: O presente trabalho de pesquisa analisa os pressupostos metodológicos da interpretação e concretização do direito à intimidade à luz de decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça de 2012 a 2019. Busca-se aferir como tais tribunais efetivam o balanceamento de princípios constitucionais em colisão. Ademais, investiga-se se as fundamentações das decisões são adequadas aos postulados da ponderação e do exame de proporcionalidade conforme a teoria da argumentação jurídica proposta por Robert Alexy.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Princípios jurídicos. Balanceamento. Superior Tribunal de Justiça. Robert Alexy.

ABSTRACT: This research work analyzes the methodological assumptions of the interpretation and concretization of the right to privacy based on the decisions made by the Superior Court of Justice from 2012 to 2019. The objective is to check how such courts effect the balance of constitutional principles in collision. In addition, it is investigated whether the reasons for the decisions are adequate to the postulates of weighting and proportionality examination according to the theory of legal argument proposed by Robert Alexy.

Keywords: Fundamental rights. Legal principles. Balancing. Superior Justice Tribunal. Robert Alexy.

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 ASPECTOS CENTRAIS DA TEORIA A SER APLICADA: UMA ABORDAGEM INICIAL DA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE ROBERT ALEXY; 2 DIREITO À INTIMIDADE: ANÁLISE DAS NUANCES E DA VERSATILIDADE CONCEITUAL DESSE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL; 3 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA E DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS UTILIZADOS NA RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS PRINCIPIOLÓGICOS À LUZ DA TEORIA DE ALEXY; 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.

 

SUMMARY: SUMMARY: INTRODUCTION; 1 CENTRAL ASPECTS OF THE THEORY TO BE APPLIED: AN INITIAL APPROACH OF ROBERT ALEXY'S THEORY OF FUNDAMENTAL RIGHTS; 2 RIGHT TO INTIMACY: ANALYSIS OF NUANCES AND CONCEPTUAL VERSATILITY OF THIS CONSTITUTIONAL PRINCIPLE; 3 ANALYSIS OF SELECTED JURISPRUDENCE AND THEORETICAL-METHODOLOGICAL ASSUMPTIONS USED IN THE RESOLUTION OF PRINCIPIOLOGICAL CONFLICTS IN THE LIGHT OF ALEXY'S THEORY; 4 FINAL CONSIDERATIONS; REFERENCES.

 

§ INTRODUÇÃO

 

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 93, inciso IX, estabelece o dever de fundamentação das decisões judiciais. Trata-se de garantia fundamental no âmbito da relevante atuação do Poder Judiciário, capaz de interferir em aspectos centrais da vida de cada cidadão.

No paradigma do Estado Democrático de Direito, os direitos constitucionais se referem, essencialmente, a direitos do homem, transfigurados em direito positivo por intermédio de uma institucionalização (ALEXY, 2008, p. 63), a qual, posteriormente, acarreta uma judicialização de demandas voltadas às garantias desses direitos.

Tal como leciona Streck, a propagação do ideal de normatividade do texto constitucional – base da teoria de Konrad Hesse -, e o reforço à necessidade de consideração dos princípios tais como normas jurídicas, caminham junto à consagração do novo constitucionalismo como campo fértil no que diz respeito ao surgimento de teorias visando responder às complexidades desse período que pode ser denominado pós-positivismo (STRECK, 2011, p. 375).

A judicialização se dá pelo fato de tal cenário, de institucionalização por intermédio da positivação dos direitos do homem, culminar em um impulsionamento da força vinculante desses direitos, e, por conseguinte, de um maior anseio da sociedade por suas tutelas.

A exigência de fundamentação, todavia, deve ser interpretada e concretizada à luz dos pressupostos do Estado Democrático de Direito. Ou seja, para que a garantia fundamental de fundamentação seja concretizada de forma constitucionalmente adequada, não basta “qualquer” fundamentação.

Nesse contexto, o objeto central do estudo em questão será a análise da atuação do Superior Tribunal de Justiça no que tange à construção racional-argumentativa de suas decisões no contexto jurídico brasileiro, haja vista que tais atos decisórios devem se pautar, imprescindivelmente, em critérios voltados não apenas aos parâmetros normativos, mas também aos métodos racionais de construção do raciocínio de suas estruturações.

Considerando que o julgador deve se subordinar ao Estado Democrático de Direito ao qual se insere, ou seja, deve julgar conforme o modelo jurisdicional constitucional, respeitando suas limitações e exigências

Nesse sentido, o que se busca apurar aqui são decisões STJ proferidas entre os anos de 2012 e 2019 que se voltem à análise de casos nos quais o direito fundamental à intimidade tenha estado em contexto de conflito com outros direitos constitucionais. E, na construção decisória destes casos, quais critérios e teorias de base foram empregados pelos órgãos julgadores em questão.

Para tanto, buscar-se-á confrontar a teoria dos direitos fundamentais de Alexy com as decisões já referidas e suas estruturações argumentativas, objetivando-se, assim, averiguar se ela se efetiva nas situações fáticas decididas pelos órgãos mencionados no período selecionado.

Ante tal objetivo, utilizar-se-á o método dialético (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2009, p. 72-73), tendo como tese inicialmente instituída a de que os Ministros do STJ têm responsabilidade e técnica em suas decisões, bem como na aplicação de teorias jurídicas. Sendo a antítese, o questionamento sobre a real existência de métodos de argumentação em suas construções decisórias - restringindo tal analise ao questionamento sobre aplicação da teoria da argumentação de Alexy. E, por fim, chegando à síntese, a qual se dará por intermédio da análise dos já referidos julgados.

Ademais, vale-se ressaltar, que tal pesquisa foi desenvolvida com amparo em levantamentos bibliográficos, bem como em análises documentais, prezando pela pesquisa jurisprudencial. Tendo como foco o estudo qualitativo do tema, buscando dados que objetivam aprofundar o entendimento do agir de determinado grupo (GERHARDT, 2009, p. 31), qual seja, analisar o comportamento dos ministros frente ao conflito de princípios constitucionais, como forma de compreender o que os motiva e como são traçadas suas decisões.

Já quanto à base teórica, a teoria de Alexy foi escolhida pelo fato de ser expressamente referida pelo STJ na exposição da metodologia decisória empregada no exercício da jurisdição. Ademais, também se pode considerar que ela possibilita um percurso intermediário entre a flexibilidade e a vinculação dos direitos constitucionais.

Dessa forma, pode-se depreender que, por intermédio de sua utilização, consiga-se chegar ao que o indivíduo pode requerer de forma razoável dentro da reserva do possível na vida em sociedade. Solucionando não apenas a problemática da colisão, como também, o da vinculação constitucional (ALEXY, 2008, p. 68).

Já o tema central da pesquisa jurisprudencial realizada, do direito à intimidade, foi escolhido como critério uniforme de busca e seleção das decisões a serem analisadas em razão da sua relevância e potencialidade de tensão com outros direitos fundamentais, principiologicamente concebidos, tais como a segurança pública e o direito à informação.

Desse modo, pretende-se contribuir para uma análise crítica da atividade jurisdicional não apenas a partir do dispositivo das decisões, mas, sobretudo, tendo em vista os pressupostos da tarefa de julgar e fundamentar as decisões à luz do paradigma do Estado Democrático de Direito.

 

1          aspectos centrais da teoria a ser aplicada: uma abordagem inicial da teoria dos direitos fundamentais de robert alexy

 

Como já foi elencado, a base teórica escolhida para estruturar o estudo em questão trata da teoria dos direitos fundamentais de Alexy.

Com o advento da intitulada “constitucionalização do direito”, emerge como necessário questionamento a questão da influência dos direitos fundamentais sobre todo arsenal normativo. Neste diapasão, Alexy, partindo da premissa de distinção entre princípios e regras, pretende obter uma parametrização do ordenamento jurídico como um todo aos postulados advindos dos direitos fundamentais (MORAIS; TRINDADE, 2012, p. 147).

Entretanto, há de se convir que tais disposições em relação às quais se visa assegurar aplicação não decorrem apenas do conteúdo presente na constituição de forma explícita, mas também daqueles implícitos ao texto magno. Seguindo por este viés, o autor considera que as atribuições de sentido dessas disposições deverão ser feitas por intermédio de decisões guiadas pela ponderação de princípios jurídicos (MORAIS; TRINDADE, 2012, p. 147-148). Tais decisões buscarão sua legitimidade na teoria da argumentação jurídica, a qual se consubstanciará universal no que tange à ponderação dos princípios jurídicos (MORAIS; TRINDADE, 2012, p. 148).

Nesse sentido, primeiramente, faz-se necessário abordar um ponto de extrema relevância na obra de Alexy, que se trata das distinções entre as espécies normativas regra e princípio, as quais constituem-se como ponto de partida no que tange à construção da resposta ao questionamento da possibilidade e das limitações do uso da racionalidade no que diz respeito aos direitos fundamentais (LAEXY, 2008, p. 85).

Existem diversos critérios para traçar essa diferenciação, dentre eles, pode-se destacar o da generalidade, a partir do qual se depreende que princípios possuem um alto grau de generalização, enquanto tal característica nas regras são relativamente baixas.

Ao se partir desta premissa, surge outra constatação, a de que os princípios, diferentemente das regras – que são adequadas, ou não são adequadas, sem possibilidade de flexibilização -, tratam-se de “mandados de otimização” (ALEXY, 2008, p. 90-91). Fator que se traduz na aptidão destes a serem satisfeitos em diferentes graus, tendo em vista que não dependem unicamente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades no contexto jurídico, as quais são dadas a partir dos princípios e das regras colidentes (ALEXY, 2008, p.90).

Constata-se então, que os princípios apenas podem ter seu significado prático a partir da apreciação do caso concreto e de suas nuances, juntamente com as condições jurídicas, para que a partir de então, possam exercer sua normatividade modulada - ou seja, sendo mais ou menos forte - a depender dos outros princípios e regras a eles colidentes.

Nesta linha de raciocínio, entende-se que as colisões entre essas espécies normativas devem ter lógicas de solução completamente diversas. Enquanto nas regras apenas existem duas soluções, sendo uma a de invalidação de uma das normas – quando existir incompatibilidade total -, e outra a cláusula de exceção de uma delas, que elimine o conflito – quando for parcial (ALEXY, 2008, p. 92) -; nos princípios se transcorre uma lógica muito mais flexível e conformadora: opta-se pela não aplicação plena de apenas um deles, mas a vinculação de sua força normativa a partir da submissão a constrições, que serão determinadas na medida inversa de seu “peso” no caso concreto (COURA, 2009, p. 120).

Para disciplinar a problemática da colisão de princípios a partir da premissa do balanceamento do grau de restrição contraposto à importância do princípio satisfeito, Alexy estrutura a Lei da Colisão, a qual se pauta em três fases, sendo estas a identificação dos princípios colidentes; o estabelecimento, em abstrato, da relação de precedência; e, por fim, a decisão, baseada na relação de precedência, à luz da situação fática concreta (COURA, 2014, p. 3).

Nesse contexto, para que se estruture a ponderação no que tange à definição da precedência, fazem-se necessários alguns passos: a) uma mensuração em relação ao grau de não satisfação ou realização do princípio constringido; b) sopesamento em relação à importância da realização do princípio que se sobrepôs, ou seja, avaliação do peso deste no caso concreto; c) evidenciação de que a relevância da realização do princípio predominante explica a não realização do que foi restringido (STEINMETZ, 2010, p. 42).

Entretanto, deve-se ressaltar que em casos nos quais a colisão principiológica já fora redimida por regra estruturada por autoridade competente, não há que se falar em ponderação do julgador, haja vista a legislação já prevista. Ressalvando-se, apenas, casos que permitam o exame da proporcionalidade, a qual será explicada a seguir.

A proporcionalidade possui três máximas parciais: a adequação; a necessidade; e a proporcionalidade em sentido estrito (ALEXY, 2008, p. 116-117).

O subprincípio da adequação se volta à análise da eficácia da medida em relação ao seu fim, ou seja, da averiguação da possibilidade de se chegar ao fim almejado pela sobreposição de um princípio em detrimento do outro. Já a necessidade se ancora no ideal de optar pelo meio menos gravoso para chegar a essa finalidade, e, desta forma, prejudicar menos o direito a ser sobrepujado, referente ao princípio não prevalecente (COURA, 2009, p. 132-134).

Por fim, deve-se tratar da proporcionalidade em sentido estrito, a qual sugere uma análise do custo-benefício da norma que se sobrepôs, ou seja, seus ônus devem ser menos relevantes do que seus benefícios, sob pena de inconstitucionalidade da ação. Para que se chegue à resposta sobre essa questão, deve-se fazer uso da ponderação (SARMENTO, 2003, p. 89-90).

A partir do aparato teórico estruturado, pode-se compreender a base da teoria a qual se busca abordar, de modo com que se pode depreender minimamente o quão importante sua aplicação se faz na construção das decisões proferidas pelos órgãos jurisdicionais. Isto pois, com sua efetivação, delega-se aos julgadores uma maior exigência no que tange ao esforço teórico, bem como o ônus argumentativo a ele atrelado, ambos imprescindíveis no que se refere ao ato de julgar de forma legítima e ancorada em preceitos constitucionais.

 

2          direito à intimidade: análise das nuances e da versatilidade conceitual desse princípio constitucional

 

Tendo em vista a questão recorrente do embate principiológico frente às demandas suscitadas perante ao Judiciário, e a necessidade da utilização de aparatos não só meramente intuitivos, mas técnicos e eficazes em relação a essas problemáticas, tais como a referida teoria dos direitos fundamentais de Alexy. Optou-se por desencadear uma análise referente ao direito à intimidade.

Tal escolha se deu tendo em vista a abrangência de casos distintos nos quais elas podem ser suscitadas, e as várias modulações que podem sofrer de acordo com a situação fática na qual se encontram. Demonstrando, assim, sua relevância no que diz respeito ao material argumentativo a ser estudado nos julgados que relatem decisões frente a esse tipo de embate normativo, para a construção de uma análise da lógica decisória dos Ministros do STJ, a qual será feita mais à frente.

Nesse sentido, primeiramente, faz-se necessário elencar o quão difícil se mostra estabelecer um conceito a este objeto de estudo, tendo em vista os aspectos culturais e sociais que acabam por influenciar o método daquele que se pretenda construir uma conceituação universal, isto é, além das diversas faces que a intimidade pode significar dentro desses paradigmas específicos (SAMPAIO, 1998, p. 262).

Entretanto, segundo Sampaio (1998, p. 262), há de se estabelecer premissas metodológicas para servirem de marco hermenêutico inicial para à clarificação de seu conteúdo normativo, bem como, de sua dimensão conceitual, podendo estas serem: a) a noção de que o direito à intimidade e à vida privada dispõe de constitucionalidade, ao menos formal, visto que a o texto constitucional os define como invioláveis – art. 5º, inciso X; b) tais direitos contêm uma estrutura que se subsume à teoria estrutural-formal de um direito fundamental; c) eles envolvem temas repletos de dimensões pessoais e culturais, fortemente atrelados à evolução tecnológica, o que faz com que devam ser apreciados de forma mais maleável, dinâmica e abrangente, de modo a se adaptar a constantes evoluções (SAMPAIO, 1998, p. 262-263).

A partir daí, pode-se auferir com facilidade que ele, como qualquer outro direito fundamental, não é ilimitado nem absoluto, podendo acarretar em aparentes situações conflituosas entre princípios instituídos constitucionalmente (SAMPAIO, 1998, p. 379).

Neste diapasão, vale-se retomar a análise inicial referente aos princípios – como forma de enquadrar o direito à intimidade nesta categoria -, sendo estes apresentados como normas de otimização, as quais podem ser caracterizadas sempre como razões prima facie, caracterizando-se, assim, como mandatos a serem cumpridos com valorações diferenciadas a depender de cada caso concreto, sem a obrigação de uma única decisão a ser estruturada.

Seguindo por esta linha, tem-se o direito à intimidade e à vida privada, decorrente de sua forma principiológica, expressando-se como “prima facie, está proibida toda intervenção na esfera da intimidade e da vida privada” (SAMPAIO, 1998, p. 209). Por conseguinte, entende-se o direito à intimidade e à vida privada se manifestando como standard de conduta, o qual acaba por se enquadrar em características próprias da natureza dos princípios, tais quais:

a) Fundamentos de regras, normas de argumentação, metanormas ou normas de segundo grau, significando, metodologicamente, a base lógica [...] da interpretação e da aplicação de regras jurídicas [...].

b) Como valores qualificados de normatividade, servindo como iusfundamentação, iusorietação ou critério de valoração no âmbito do Direito, com a tradução de um valor do mundo axiológico [...].

c) Como fonte normativa, em seu sentido ontológico, de principia essendi (SAMPAIO, 1998, 210-211).

Depreende-se, a partir de então que do direito à intimidade e à vida privada, em sua função de valor-princípio, retira-se um direito à intimidade e à vida privada instável – prima facie -, passível à negação parcial ou total por outros direitos ou bens jurídicos, cuja importância, no caso concreto, tenha se mostrado superior (SAMPAIO, 1998, p. 211).

Exemplificando, Sampaio (1998, p. 213) dispõe, de forma elucidativa, que:

De forma sintética, sendo P2, P3, ... e Pn, os princípios opostos, adequados e necessários, e que, sob as circunstâncias C tenham precedência sobre o princípio P1 da intimidade e vida privada, qualquer intervenção (I), que não cumpra e nem se realize sob C (E), estará proibida: I e não E => R

Ou seja, reconhece-se que serão proibidas as intervenções na esfera da intimidade e na vida privada dos sujeitos de direito, desde que tais intervenções não sejam previstas em lei, e não sejam necessárias ao cumprimento de princípios, que em decorrência do caso concreto, mostrem-se preponderantes (SAMPAIO, 1998, p. 213).

Tal análise, de embate principiológica, tendo como envolvido o princípio da intimidade, será desenvolvida no tópico seguinte, a partir do qual se poderá concluir quais as técnicas utilizadas pelos Ministros do STJ para solucionarem essas lides.

 

3          análise da jurisprudência selecionada e dos pressupostos teórico-metodológicos utilizados na resolução dos conflitos principiológicos à luz da teoria de Alexy

 

Correlacionando o direito à intimidade em contraponto com os demais princípios de nosso ordenamento jurídico, foram analisados: RHC nº 51531 (BRASIL, 2016), RESP nº 1395623 (BRASIL, 2015), RESP nº 1115428 (BRASIL, 2013), RESP nº 1334097 (BRASIL, 2013) e RESP nº 801109 (BRASIL, 2013), AgInt no ARESP 1053145 (BRASIL, 2018), RESP 1624388 (BRASIL, 2015), RESP 1582069 (BRASIL, 2017) e RESP 1771866 (BRASIL, 2019) os quais foram proferidos pelo STJ.

Os julgados acima discriminados foram selecionados a partir das modalidades de conflito identificadas entre o período de 2012 e 2019 nas jurisprudências do STJ. Sendo a pesquisa realizada no site oficial do Conselho da Justiça Federal[3] na seção “Pesquisa de Jurisprudência # Jurisprudência Unificada”, tendo como critério de busca os termos “intimidade” e “conflito”, restringindo a busca aos campos referentes ao “STJ”.[4]

Primeiramente, falar-se-á do RHC nº 51531, que trata de apreciação da validade de prova colhida diretamente pela polícia em celular apreendido em flagrante, a questão se pauta na alegação da nulidade do material colhido no celular, dentre os quais se tem dados – inclusive de conversas no aplicativo WhatsApp - que restaram por configurar o envolvimento do réu o delito de tráfico de entorpecentes e ainda associação para o tráfico. Nesse contexto, depreende-se que o conflito em questão é o interesse público e a intimidade do réu.

Um dos argumentos principais da Corte Estadual, que denegou o pedido de nulidade da prova se trata da imprescindibilidade de decisão judicial para realização de perícia em celular apreendido, haja vista que a legislação permite até mesmo a violação de domicílio para efetuar a prisão em flagrante.

Ademais, alega-se que o Direito penal e o processual penal teriam natureza pública, sendo assim, o Estado deve prezar pela representação das vontades e pelos interesses da sociedade; bem como, que a os dados, pela situação de flagrância, não gozam da proteção constitucional do art. 5º, XII; e que a atividade pericial foi realizada por agentes oficiais do Estado, respeitando os princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade.

Em contraponto, tem-se como argumentos favoráveis à nulidade, proferidos pelo STJ, tais como a garantia Constitucional da inviolabilidade da intimidade (art. 5º, X, CF), do sigilo de correspondência (art. 5º, XII, CF), dados e comunicações telefônicas (art. 1º e 5º da Lei nº 9.294/96 c/c art. 3º, V da Lei nº 9.472/97), salvo ordem judicial, fator inexistente no caso em voga.

Além disso, tem-se também como garantia legal a lei nº 12.965/14, em seu artigo 7º, que estabelece que aos usuários da internet são assegurados a inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas e armazenadas, salvo por autorização judicial. Nesse sentido, também se elencou precedentes que destacam a necessidade da autorização judicial, sem a qual se teria a nulidade das provas, tais como o REsp 1133877/PR, REsp 1361174/RS, HC 315.220/RS.

Quanto à estratégia argumentativa adotada, há de se falar que o Relator Min. Nefi Cordeiro, juntamente com o Min. Rogério Schietti Cruz, nem mesmo citaram os postulados da proporcionalidade e da ponderação em suas argumentações. Em contrapartida, a Min. Maria Thereza de Assis, refere-se bastante a tais premissas teóricas em sua argumentação, tal como se observa:

[...] Nesse processo de ponderação, não se deve atribuir primazia absoluta a um ou a outro princípio ou direito, mas deve haver um esforço para assegurar a aplicação das normas conflitantes, conquanto uma delas tenha de sofrer atenuação.

Em    tais casos,     a restrição     deve obediência       do princípio da proporcionalidade (MENDES; BRANCO, 2014. p. 293-294). É preciso, pois, que a restrição ao direito fundamental se apresente como adequada, necessária e proporcional em sentido estrito (ALEXY, 2002, p. 111-115) (BRASIL, 2016, p. 24).

Entretanto, sua abordagem se restringe à mera referência à teoria da argumentação, de modo com que a aplicação dos subprincípios não foi efetivada, alegando, ainda, que o juízo de ponderação já foi feito, “entre nós, essencialmente pelo legislador, que previu, em mais de um dispositivo, o direito à inviolabilidade dos dados armazenados em aparelhos celulares” (BRASIL, 2016, p. 27). Dessa forma, depreende-se que a teoria de Alexy não foi realizada corretamente, apenas abordada de forma rasa no transcorrer do julgado.

Em seguida, tem-se o Recurso Especial nº 1395623, interposto em face de acórdão do TJDF, que concedeu segurança - concedida frente a mandado de segurança impetrado pela Associação dos Oficiais da PMDF contra ato coator no Portal da Transparência -, para que informações pessoais dos militares da Polícia Militar do Distrito Federal não fossem divulgadas até que se regulamentasse por lei distrital a matéria.

Em relação à defesa da intimidade, alegou-se a inconstitucionalidade do ato, ancorando-se no argumento de que em situação de colisão entre o princípio da intimidade com o da publicidade, o primeiro sempre prevalece (BRASIL, 2015, p. 4). Entretanto, como já foi exaustivamente dito, novamente é frisado que esses direitos não são absolutos, devendo-se dar espaço à apreciação no caso concreto.

Nessa linha, amparando-se em entendimento do STF, o relator sustenta que a remuneração dos servidores, seus cargos e funções e órgãos de lotação são de informação de interesse geral, e devem, portanto, submeter-se à publicidade.

Também se alinha a tal compreensão o Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 48665, interposto ante acórdão proferido pelo TJMSP, o qual merece uma análise em conjunto com o supracitado recurso, haja vista suas similaridades.  Trata-se de denegação segurança com base em inexistência de ilegalidade de prova, em relação à qual se alega desrespeito ao direito à intimidade em sua colheita. A violação alegada se funda no fato do conteúdo probatório ter sido auferido mediante acesso a e-mail corporativo utilizado pelo servidor público, sem sua prévia autorização.

Em ambos os casos, conclui-se que, em nome de uma Administração Pública eficiente, honesta e transparente, dever-se-ia permitir o acesso às informações dos agentes estatais (BRASIL, 2015, p. 6); bem como as informações contidas no e-mail corporativo do servidor (BRASIL, 2015 p. 2), pois essa “invasão” seria um ócio de seus ofícios, que deveriam ser suportados em nome de um bem maior.

Em relação à utilização da teoria dos direitos fundamentais, não houve qualquer menção a esta, restringindo a argumentação ao conflito meramente aparente de princípios e a preponderância da ordem pública em detrimento dos interesses particulares nesse tipo de ocorrência.

Já o Recurso Especial nº 1115428 é referente a ação que visava a nulidade do registro de nascimento da ré, alegando inexistência de filiação e requerendo a nulidade de cláusula testamentária. Nesse diapasão, o conflito surge no momento em que a recorrida se nega a fazer o exame de DNA, configurando, assim, o embate entre seu direito à intimidade e o interesse patrimonial do recorrente.

Em relação aos argumentos contrários à proteção da intimidade da ré, tem-se que aquele que se nega à submissão de exame médico necessário não pode se aproveitar deste fato (art. 231 e 232, CC) e que as relações de parentesco seriam aquelas atribuídas por lei (tão somente por laços sanguíneos e por adoção).

Em contrapartida, em relação à sua defesa se tem que em ações ligadas ao vínculo paterno-filial, não se ajusta o entendimento evocado – de presunção de falta de vínculo pela não submissão a exame de DNA -, haja vista que nos autos foi demonstrado a ligação afetiva entre pai e filha, ficando claro o receio da ré em desconstituir esse vínculo. Sobre isso, tem-se também que ainda que não fosse filha biológica, houve interesse do pai em nomeá-la como legítima herdeira, inexistindo, portanto, vício.

Nesse contexto, concluiu-se que se deveria prezar pelo direito que mais projetasse a dignidade humana (BRASIL, 2013, p. 12), tornando-se compatível reconhecer o direito à recusa da ré em nome da prevalência do vínculo da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade de sangue (BRASIL, 2013, p. 16), em nome do ambiente familiar já constituído; juntamente, com o zelo pela memória e existência do falecido. Fatores estes que se sobrepuseram de forma clara ao interesse patrimonial almejado pelo autor.

Quanto à aplicação da teoria estudada, não se vislumbrou a aplicação correta dos pressupostos de Alexy, tendo em vista que, por mais que o Min. Rel. Luiz Felipe Salomão tenha feito referência expressa à ponderação e à proporcionalidade em seu voto, não aplica os subprincípios, e nem mesmo faz menção a eles.

[...] além das nuances de cada caso em concreto (dilemas, histórias, provas e sua ausência), deverá haver uma ponderação dos interesses em disputa, harmonizando-os por meio da proporcionalidade ou razoabilidade, sempre se dando prevalência para aquele que conferir maior projeção à dignidade humana, haja vista ser "o principal critério substantivo na direção da ponderação de interesses constitucionais" (SARMENTO, 2003, p. 74) (BRASIL, 2013, p. 12).

De modo com que até é feito um juízo de prevalência entre os princípios conflitantes, deixando claro a razão da preponderância de um sobre o outro no transcorrer do julgado, adaptando a argumentação de forma rasa aos ditames da ponderação. Entretanto, tem-se claro que o efetivo juízo de ponderação e de proporcionalidade de acordo com os pressupostos de Alexy, não se efetivou.

Em relação ao RESP nº 1334097, inicialmente vale ressaltar que o autor do recurso em questão foi indiciado como coator/partícipe no evento da Chacina da Candelária[5], mas, após submissão ao Júri, foi absolvido de forma unânime pela negativa de autoria.

Ocorre que a ré a procurou para entrevistá-lo no programa “Linha Direta – Justiça”, tendo recebido a recusa, e, ainda assim, veiculado o programa, relatando seu envolvimento no crime, e, reacendendo em seu ambiente social o repúdio social à sua imagem. Configurando, desse modo o embate entre o direito à intimidade – e, por conseguinte, à paz, anonimato e privacidade pessoal -, e o direito à liberdade de imprensa.

Recorreu-se ao juízo de ponderação de valores, de modo que se observou que a desfiguração eletrônica da imagem do autor e o uso de pseudônimo configuraria um sacrifício mínimo à liberdade de expressão, em prol do outro direito em voga, que, no caso concreto, merecia maior atenção e preponderância, que seria a intimidade, amparada pela dignidade da pessoa humana, que deve sempre ter maior atenção, segundo os julgadores.

Nesse sentido, vale-se também indicar que no que tange ao confronto entre direito ao esquecimento e a historicidade do fato, que também foi debatido no transcorrer do julgado, entendeu-se que permissão desmedida de que um crime e as pessoas envolvidas nele sejam relatados por prazo indefinido no tempo, em nome da historicidade, pode significar a permissão violação da dignidade humana em sua segunda ocorrência, visto que a primeira já ocorreu no passado, já que o autor foi absolvido unanimemente.

Por fim, em relação à aplicação das teorias já referidas, pode-se observar a aplicação parcialmente coerente do postulado da ponderação, tendo em vista que se foi feita a relação de precedência em abstrato, como pode ser observado a seguir:

O ser humano tem um valor em si que supera o das "coisas humanas", além de ser a base da construção da doutrina da dignidade da pessoa humana, é ensinamento que já vai para mais de dois séculos

[...] Na legislação infraconstitucional, adota-se com suficiente clareza essa pauta, em regra, preferencial pela dignidade da pessoa humana quando em conflito com outros valores (BRASIL, 2013, p. 32-33).

Bem como a relação de precedência em concreto, seguida pela solução dada à problemática suscitada a luz do caso concreto:

Com efeito, no conflito entre a liberdade de informação e direitos da personalidade - aos quais subjaz a proteção legal e constitucional da pessoa humana -, eventual prevalência pelos segundos, após realizada a necessária ponderação para o caso concreto, encontra amparo no ordenamento jurídico, não consubstanciando, em si, a apontada censura vedada pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2013, p. 34).

A despeito de a Chacina da Candelária ter se tornado – com muita razão – um fato histórico, que expôs as chagas do País ao mundo, tornando-se símbolo da precária proteção estatal conferida aos direitos humanos da criança e do adolescente em situação de risco, o certo é que a fatídica história seria bem contada e de forma fidedigna sem que para isso a imagem e o nome do autor precisassem ser expostos em rede nacional.

Nem a liberdade de imprensa seria tolhida nem a honra do autor seria maculada, caso se ocultassem o nome e a fisionomia do recorrido, ponderação de valores que, no caso, seria a melhor solução ao conflito (BRASIL, 2013, p. 47).

Nesse sentido, entende-se que por mais que tais pressupostos não estivessem organizados de forma clara e dispositiva no transcorrer da decisão, fizeram-se presentes.

Entretanto, não se pode deixar de citar que a definição da precedência – mensuração do grau de satisfação, avaliação do peso da realização do princípio colidente, e demonstração do custo-benefício -, não foi concretizada, e a aplicação dos subprincípios da proporcionalidade também não se efetivou, apenas tendo sido citada como a solução mais adequada a ser acometida em conjunto com o juízo de proporcionalidade (BRASIL, 2013, p. 32).

Além dos julgados já analisados, tem-se também o RESP nº 801109, que trata de recurso interposto pela Editora Abril S/A contra decisão proferida pelo TJDF em sede de apelação e rejeição de embargos, que a responsabilizou por danos morais a magistrado, devido a publicação de matéria jornalística que tratava sobre atos praticados no âmbito de CPI. Nesse sentido, o mérito da questão se trata do confronto entre a liberdade de imprensa e os direitos à intimidade, à honra, à privacidade e à imagem, que foram resolvidos, segundo o Relator, por intermédio da ponderação.

Primeiramente, ressalta-se a baixa violação no direito de imagem do recorrido, que só teve seu retrato publicado na matéria, servindo tão somente como ilustração. Ademais, tem-se também como fator de diminuição da proteção do direito à sua intimidade, o fato dele ser funcionário público, que tem notória relevância social, ainda mais no contexto em questão, no qual a notícia se relacionou a fatos de interesse da coletividade, que dizem respeito à atuação do magistrado em sua atuação pública, restringindo ainda mais o âmbito do reconhecimento do dano (BRASIL, 2013, p. 13), e ampliando a liberdade de informação jornalística (BRASIL, 2013, p. 17).

Concluiu-se, por fim, pela prevalência à liberdade de informação e crítica, em detrimento da intimidade do magistrado, em nome dos argumentos já listados, os quais conferiram menor peso ao último, em detrimento da majoração do primeiro neste caso concreto, dando-se provimento ao recurso especial.

Em relação à aplicação das teorias abordadas, tem-se novamente ocorrendo a citação do instituto da ponderação sem a utilização devida de seus pressupostos já elencados:

[...] Impende, então, ser feita ponderação entre o direito à informação e à crítica jornalística e os direitos à imagem, à honra e à vida privada, levando-se em consideração as premissas do caso concreto firmadas pelas instâncias ordinárias (BRASIL, 2013, p. 11-12).

Tal inocorrência se deu pelo fato de que por mais que se tenha feita a definição da precedência, a partir dos pressupostos estudados, não se tenha atido às fases da Lei da Colisão, não atendendo, portanto, aos requisitos da ponderação de forma efetiva. Nessa linha, no que tange à figura na proporcionalidade, nem ao menos foi referenciada na resolução do embate principiológico em questão.

Por fim, tem-se o Recurso Especial nº 16243888, contra acórdão do TJDF que dá provimento a apelo, julgando procedente pedido de reparação por danos morais em decorrência de publicação de matéria jornalística, na qual há imputação de condutas criminosas à demandante referente ao período no qual exercia Presidência da OAB-DF. O Recurso Especial nº 1582069, ante decisão que concede indenização por danos morais como forma de responsabilização da empresa Infoglobo Comunicações e Participações S/A, solidariamente com o jornalista Leonardo Dias, por publicação de fatos inverídicos sobre a vida do autor da ação, Mirosmar José de Camargo – conhecido como Zézé de Camargo - em programa que veicula notícias sobre a vida dos famosos. E o Recurso Especial 1771866, que cuida também sobre ação de indenização por danos morais, decorrente de publicação de obra literária ofensiva à honra do recorrido Sr. Gilmar Ferreira Mendes.

Os supramencionados julgados foram selecionados para uma análise conjunta pelo fato de guardarem grandes semelhanças fáticas, haja vista a presença de figuras públicas e notórias como demandantes, e decisões que seguem linha demasiadamente próximas de fundamentações. Concluindo-se de maneira preponderante pela liberdade de expressão, tendo em vista que na medida que a pessoa que assume tal posição na sociedade, assume também, por conseguinte, uma mitigação em suas intimidades, haja vista sua constante exposição.

Contudo, este raciocínio se sustenta apenas em relação às primeiras decisões referenciadas, de modo com que a partir do momento no qual se utiliza abusivamente da liberdade de expressão, deve-se privilegiar o direito à intimidade na relação colidente. Tal como se transcorreu no RESP nº 1771866, no qual os julgadores compreenderam que o autor da obra literária não se ateve a relato de fatos sobre a figura pública, mas se utilizou de meios para violar a honra e a imagem, tecendo críticas com o objetivo de difamar, injuriar e difamar (BRASIL, 2019, p. 10).

Outro ponto interessante em comum às três decisões elencadas, é de que o Superior Tribunal em Justiça estabeleceu elementos de ponderação em abstrato para reprodução nos casos de conflito entre liberdade de expressão e direitos da personalidade, e vem os reproduzindo em suas decisões mais recentes para o estabelecimento da relação de precedência.

O Superior Tribunal de Justiça, à procura de solução que melhor se ajuste às reflexões precedentes, estabeleceu, para situações de conflito entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade, entre outros, os seguintes elementos de
ponderação: a) o compromisso ético com a informação verossímil; b) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e c) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandiveldiffamandi) (cf. REsp n. 801.109/DF, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 12/6/2012, DJe 12/3/2013).

Quanto à aplicação dos postulados de Alexy, todas se basearam na Lei da Colisão, efetivamente identificando os princípios colidentes, estabelecendo a precedência entre eles em abstrato e decidindo com base na precedência sustentada sobre a situação fática concreta. Todavia, não desenvolveram os passos estudados sobre a relação de precedência, nem se ativeram a explorar as máximas da proporcionalidade de acordo com os preceitos do autor.

 

4          considerações finais

 

Nos julgados analisados, pode-se aferir diversas formas de abordagens aos pressupostos estudados, nesse sentido, primeiramente, pôde se observar que em alguns julgados não se faz ao menos referência a nenhum dos métodos estudados, tal como no RESP nº 1115428, RESP nº 1395623 e RMS 48665.

Em seguida, tem-se os que apenas citam a proporcionalidade e a ponderação, mas não se preocupam em fazer quaisquer análises referentes aos seus postulados, sendo este o RESP nº 51531.

Mas também se constatou que alguns dos Ministros fazem algum esforço para efetivar os pressupostos do autor elencado, tal como no RESP nº 1115428, no qual a Min. Maria Thereza de Assis cita os ditames de Alexy; nos RESP nº 1334097, 16243888, 1582069 e 1771866 nos quais estiveram presente os pontos centrais da Lei da Colisão; e no RESP nº 801106 que efetivou os passos da relação de precedência.

Entretanto, em todos os casos elencados, não houve a aplicação correta da teoria estudada, visto que faltou a aplicação dos subprincípios, a aplicação em conjunto da relação de precedência e da Lei da Colisão, respectivamente.

A inobservância dos pressupostos teóricos epistemológicos defendidos por Alexy não é exclusividade das decisões analisadas na presente pesquisa. Conforme já observado por Silva (2002, p. 32) ao tratar sobre a jurisprudência do STF quanto à invocação da regra da proporcionalidade:

A invocação da proporcionalidade é, não raramente, um mero recurso a um topos, com caráter meramente retórico, e não sistemático. Em inúmeras decisões, sempre que se queira afastar alguma conduta considerada abusiva, recorre-se à formula “à luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, o ato deve ser considerado inconstitucional.

[...] Apesar de salientar a importância da proporcionalidade “para o deslinde constitucional da colisão de direitos fundamentais”, o Tribunal não parece disposto a aplicá-la de forma estruturada, limitando-se a citá-la.

O autor observa ainda, a partir da análise de diversas decisões, tal como se constata no presente estudo, a inexistência de referência a processos racionais e estruturados de controle da proporcionalidade pelo Tribunal Superior, sequer um cotejo entre os meios utilizados e os fins almejados, sendo o raciocínio muito mais mecânico e simplista (SILVA, 2002, p. 32).

Conclui-se, portanto, que os Ministros do STJ não se prendem de forma concreta aos postulados de Alexy, utilizando estes – quando ainda utilizam -, de forma rasa e superficial, apenas como aparato retórico legitimador de seus argumentos, mas sem se preocupar com sua aplicação efetiva.

 

REFERÊNCIAS

 

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Informações adicionais e declarações dos autores

(integridade científica)

 

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration): o autor confirma que não há conflitos de interesse na realização das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

 

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declaration of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores; todos os coautores se responsabilizam integralmente por este trabalho em sua totalidade.

 

·      Alexandre de Castro Coura: projeto e esboço inicial (conceptualization), desenvolvimento da metodologia (methodology), levantamento bibliográfico (investigation), revisão bibliográfica (investigation), participação ativa nas discussões dos resultados (validation), revisão crítica com contribuições substanciais (writing – review and editing), aprovação da versão final (indicar somente o que se aplica ao caso).

 

·      Júlia Teixeira Ramos: redação (writing – original draft), coleta e análise de dados (data curation), participação ativa nas discussões dos resultados (validation).

 

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of originality): o autor assegura que o texto aqui publicado não foi divulgado anteriormente em outro meio e que futura republicação somente se realizará com a indicação expressa da referência desta publicação original; também atesta que não há plágio de terceiros ou autoplágio.

 

 

Dados do processo editorial

· Recebido em: 16/08/2020

· Controle preliminar e verificação de plágio: 16/08/2020

· Avaliação 1: 18/08/2020

· Avaliação 2: 01/12/2020

· Decisão editorial preliminar: 03/12/2020

· Retorno rodada de correções: 15/12/2020

· Decisão editorial final: 15/12/2020

· Publicação: 15/12/2020

Equipe editorial envolvida

·  Editor-Chefe: FQP

·  Assistente-Editorial: MR

·  Revisores: 02

COMO CITAR ESTE ARTIGO

COURA, Alexandre de Castro; RAMOS, Júlia Teixeira. Direito à intimidade, colisão entre direitos fundamentais e balanceamento: reflexões acerca das decisões do STJ à luz da teoria de Robert Alexy. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, v. 7, n. 02, e301, jul./dez. 2020. doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v7i02.301. Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/301. Acesso em: dia mês. ano.



* Editor: Prof. Dr. Flávio Quinaud Pedron. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4259444603254002. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4804-2886.

[1] Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela UFMG. Professor efetivo do PPGD da FDV. Coordenador do grupo de pesquisa Hermenêutica Jurídica e Jurisdição Constitucional. Promotor de Justiça no Estado do Espírito Santo. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5164681013190401. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7712-3306.

[2] Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Direito Porcessual do Trabalho. Graduada em Direito pela FDV. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6397628271075470. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3257-5688.

[3] Disponível em: http://www.cjf.jus.br/cjf/. Acesso em: 15 out. 2016.

[4] Disponível em: http://www.cjf.jus.br/juris/unificada/Resposta. Acesso em: 17 out. 2016.

[5] Sequência de homicídios ocorridos em 23 de julho de 1993 na cidade do Rio de Janeiro.