Uma leitura decolonial sobre o ativismo judicial

A decolonial insight about the judicial activism

 

 

Vladimir Pinto Coelho Feijó [1]

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG) – Belo Horizonte/MG

[email protected]

 

Thiago Filipe Martins Bicalho [2]

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG) – Belo Horizonte/MG

[email protected]

 

 

RESUMO: O presente artigo foi construído a partir de uma pesquisa bibliográfica, considerando a vertente jurídico-sociológica, para ponderar sobre o ativismo judicial como mentalidade jurídica colonizada. A pergunta de partida foi: existe uma alternativa decolonial de ativismo judiciário? Coletou-se argumentos sobre como o ativismo, apesar de ter produzido ganhos de efetividade para os direitos sociais, acaba sendo uma reafirmação da colonialidade do saber jurídico. Para chegar a esta conclusão, primeiro descreve-se o nascimento do Estado e do Direito modernos, o ajuste neoconstitucionalista e como, nas duas fases, a adoção na américa latina foi meramente simbólica. O uso do ativismo foi identificado como nova forma dos esquemas juspositivistas de estrutura hierárquica com processos que buscam identificar o melhor argumento. Como alternativa, apresenta-se o paradigma do Novo Constitucionalismo que prega a solução de conflitos pela mediação consensual e diálogo entre culturas e pessoas sem consensos prévios, especialmente consensos linguísticos. Enquanto as organizações da sociedade civil em países ocidentais optaram pela formação de coalizões para mobilizar o judiciário e através disso estimular a produção do direito, em outras sociedades latino-americanas os mesmos grupos sociais marginalizados reivindicaram deixar de serem marginalizados até que conseguiram implementar novo paradigma constitucional.

Palavras-chaves: Direito Moderno. Neoconstitucionalismo. Novo Constitucionalismo. Ativismo Judicial. Direitos Humanos.

ABSTRACT: This article was writen from a bibliographic research, considering the legal-sociological aspect, to ponder on judicial activism as a colonized legal mentality. The starting question was: is there a decolonial alternative to judicial activism? Arguments were collected about how this conduct, despite having produced gains in effectiveness for social rights, ends up being a reaffirmation of the coloniality of legal knowledge. To reach this conclusion, the first arguments were on the birth of the modern State and it´s law; after that arguments on the neoconstitucional adjustments and how, in both phases, their adoption in Latin America was merely symbolic. The use of activism has been identified as a new form of juspositivist schemes with a hierarchical structure with processes that seek to identify the best argument. As an alternative, the New Constitutionalism paradigm is presented, which advocates conflict resolution through consensual mediation and dialogue between cultures and people without prior consensus, especially linguistic consensus. While civil society organizations in Western countries opted for the formation of coalitions to mobilize the judiciary and thereby stimulate the production of law, in other Latin American societies the same marginalized social groups claimed to stop being marginalized until they managed to implement a new constitutional paradigm.

Keywords: Modern Law. Neoconstitucionalism. New Latin-American Constitutionalism. Judicial Activism. Human Rights

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 BREVE DESCRIÇÃO DA MODERNIDADE E SEU DIREITO; 2 O NEOCONSTITUCIONALISMO DO PÓS-GUERRA; 3 O CONSTITUCIONALISMO SIMBÓLICO NA AMÉRICA LATINA; 4 ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL; 5 MANUTENÇÃO DO COLONIALISMO; 6 ATIVISMO JUDICIAL EM BENEFÍCIO DOS DIREITOS UNIVERSAIS; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.

 

SUMMARY: INTRODUCTION; 1 BRIEF DESCRIPTION OF MODERNITY AND ITS LAW; 2 POSTWAR NEOCONSTITUTIONALISM; 3 SYMBOLIC CONSTITUTIONALISM IN LATIN AMERICA; 4 JUDICIAL ACTIVISM IN BRAZIL; 5 MAINTENANCE OF COLONIALISM; 6 JUDICIAL ACTIVISM FOR THE BENEFIT OF UNIVERSAL RIGHTS; FINAL CONSIDERATIONS; REFERENCES.

 

§ Introdução

 

O ativismo Judicial pode ter papel importante nas transformações sociais, mas deve ter cautela no seu uso. Os apoiadores falam em evolução do sistema e relatam sua importância na fiscalização dos demais poderes pelo Judiciário, cabendo a cada um dos poderes sua função determinada pela Constituição do respectivo país. No caso do Brasil, o texto constitucional de 1988 é descrito como Constituição Cidadã, com espaço para que o Judiciário exerça sua função para trazer à sociedade uma melhor conclusão democrática.

Essa postura só se tornou possível a partir de uma nova mentalidade sobre a Constituição. Trata-se do chamado neoconstitucionalismo, com seu ecletismo metodológico, trouxe a sociedade uma responsabilidade pública de reforçar a aplicação das normas constitucionais. Isso é feito através de ações de concretização direta de dispositivos expressos na Constituição. Como fiscal do adequado exercício da representatividade da soberania popular, deve o Judiciário, quando provocado, analisar a adequação da produção legislativa com as diretrizes constitucionais. O poder judiciário tem que utilizar a sua autonomia e independência para fazer com que os direitos fundamentais descritos na constituição sejam respeitados e colocados em práticas, sempre respeitando a autonomia dos demais poderes.

A separação dos poderes tem a função de dar voz a todos os segmentos sociais, porque através do voto, os representantes são eleitos de forma segmentada, o que favorece a democracia do país. Assim, as leis criadas e complementadas devem respeitar o bem-estar do coletivo e quando isto não acontece a função do poder judiciário é intervir com fiscal da sociedade e exigir que seja respeitado a função social de cada poder.

Tendo o Judiciário como guardião contra lesões ou ameaças de lesões, verifica-se que ele é instigado a atuar de forma rápida para conseguir conter os conflitos existentes. Parte da atuação jurisdicional promove mutação da cultura jurídica, quando as decisões sobre a solução dos conflitos deixam de ser tomadas apenas partir da letra no seu sentido stricto, ou seja, da mesma maneira que estivesse escrito. Mas os magistrados se reinventaram e começaram a interpretar as leis de demais fontes para encaixá-las de forma similar a cada caso concreto, utilizando-se de princípios jurídicos para fundamentar decisões que a lei sozinha não consegue suportar.

O ativismo judicial vem para solucionar questões práticas dos conflitos sociais através de argumentação, embasado em princípios, doutrinas e a legislação, para gerar fundamentações que justifiquem as decisões tomadas.

É nesse contexto que os Tribunais brasileiros – notadamente o Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pelo controle de constitucionalidade concentrado – começou a vislumbrar possibilidades interpretativas hodiernas, especialmente quando o exercício analítico possuía por objeto normas polissêmicas. Desse modo, o caminho até a decisão acerca da compatibilidade da norma com a Constituição passou a ser permeado por mecanismos de interpretação diversos, a exemplo da interpretação conforme a Constituição e da declaração de nulidade sem redução do texto (COPETTI NETO; CIRNE, 2020, p. 261).

Mas o Judiciário não é um corpo homogêneo. Com solução dos conflitos em Tribunais autônomos e magistrados empoderados com o livre convencimento, surgem divergências de entendimentos, pois cada magistrado traz consigo no momento da decisão a sua bagagem pessoal de vida, o que interfere no seu modo de analisar cada situação. Uma forma de trabalhar os conflitos é o recurso às cortes superiores, com função de Tribunais de Convergência, no sentido de produzir decisões com vistas a homogeneizar a afirmação do Direito no país.

Todo esse cenário serviu para reforçar a força do Poder Judiciário e, em especial, da Suprema Corte, que detém, na atualidade, a última palavra sobre a manutenção de qualquer norma no ordenamento jurídico nacional. Esse poder, entretanto, não pode ser exercido de maneira desarrazoada, discricionária e ilimitada, sob pena de caracterização do nocivo ativismo judicial (COPETTI NETO; CIRNE, 2020, p. 261).

Acontece que instigado por integrantes da sociedade que anseiam por soluções, o Poder Judiciário muitas das vezes acaba fazendo o papel de legislador e julgador. Para garantir que sejam respeitadas as garantias fundamentais acaba interferindo em decisões constitucionalmente definidas como típicas de outros poderes. Com consequências na lógica da separação de poderes, a autonomia e a independência dos demais poderes.

Os Tribunais, especialmente aqueles que desempenham uma função estratégica na sedimentação da interpretação da Constituição, mostram-se, cada vez como mais nitidez, como atores políticos, produzindo fortes intervenções no campo das relações interinstitucionais (tanto com injunções no âmbito do Legislativo, como com decisões que chegam ao limite da ingerência com relação ao Executivo) ou mesmo com interferências decisivas em debates públicos sobre temas comportamentais de grande apelo midiático (TRINDADE; DE OLIVEIRA, 2016).

A vantagem do ativismo judicial é a possibilidade de o Poder Judiciário decidir as demandas e assegurar a dignidade da pessoa humana, garantir o mínimo para a sobrevivência através de decisões que valorizem a igualdade. Numa sociedade desigual com a riqueza nas mãos de poucos, pode corrigir as omissões e retardamentos dos outros poderes na apresentação dos devidos projetos executivos que atinjam os objetivos fundamentais fixados na Constituição. No caso da tentativa de resolver um conflito de uma situação social que a atuação legislativa não dispõe, o Judiciário se viu no papel de resolver, primeiro porque foi provocado, mas por reconhecer que existem princípios jurídicos a emponderá-lo com o reconhecimento de que não há uma única solução única para os conflitos morais.

A desvantagem do ativismo judicial está relacionada com a função do poder judiciário de decidir sobre os casos concretos, pois os juízes são pessoas como as demais, com percepções e experiências de vidas e devem atuar de forma imparcial sem deixar seus interesses interferir nas demandas, por isso que devem seguir suas fundamentações de decisões em leis, onde o argumento consiga ser baseado na legislação vigente e não em analogias e percepções do que é certo ou errado. Quando agem na criação de um direito sem ter a base da lei, estão ultrapassando o limite da autonomia dos poderes, que pode representar um perigo para sistema jurídico do país, pois estariam indo de encontro com a ditadura, onde somente um poder decide.

Na sequência passaremos pela formação do Direito na Modernidade até chegar na construção do modelo do neoconstitucionalismo e no Constitucionalismo Simbólico. Logo após serão apresentados argumentos sobre o impacto do ativismo judicial na separação dos poderes. Depois apontaremos para as consequências de o Supremo Tribunal Federal agir de forma colonizada para, ao final, apontar ganhos na efetivação dos Direitos Humanos através da prática do ativismo judicial.

 

1          Breve descrição da Modernidade e seu Direito

 

O chamado Estado-nação e subsequente transmutação em Estado de Direito é processo europeu que se espalhou ao redor do mundo. As estruturas de centralização e uniformização foram desenhadas para contribuir para a nova matriz econômica. Temos “[u]m direito que nasceu para proteger e regular os indivíduos e a sociedade, e o próprio Estado, terminou por selecionar os marginalizados, (in)visibilizando-os; acentuar as desigualdades sociais; e sustentar as oligarquias de poder no topo das colinas administrativas” (RIBEIRO; FIGUEREDO; SPAREMBERGER, 2019, p. 995). Podemos destacar ainda que há “[...] uma equação moderna: neste processo de construção de um padrão hegemônico uniformizado haverá [...] o terceiro excluído, no caso dos estados nacionais europeus são estes os muçulmanos e judeus expulsos, que não podem participar ou sequer permanecer no território [...]” (DE MAGALHÃES; CHALFUN, 2015, p. 383-384)

Com o constitucionalismo moderno temos a promessa de ruptura com o Antigo Regime através do Direito.

Em termos práticos: a lei é enaltecida no juspositivismo, pois consegue retirar os privilégios dos nobres e igualá-los, em tese, aos burgueses, afinal, todos são franceses e, assim sendo, deveriam se guiar pelas mesmas normas, as quais são escritas tendo em vista a pretensa razão antropocêntrica do iluminismo. [...] Em um âmbito maior, seja pela forma, seja pelo conteúdo, a lei serviria para combater o arbítrio estatal e, por conseguinte, proteger determinadas liberdades dos cidadãos – na prática, dos burgueses. Como desdobramento da função da lei, ou função legislativa, surge o princípio da separação dos poderes. Seguindo a direção dessa época, séculos XVIII e XIX, o esquema clássico de divisão de poderes reservava um lugar de destaque para a lei e, por lógica, para o legislador. Somente a lei, votada e aprovada pelos representantes do povo, obrigaria (ANDRADE, 2018, p. 41).

A antropóloga argentina Rita Segato esclarece que “[...] de acordo com o padrão colonial moderno e binário, qualquer elemento, para alcançar plenitude ontológica, plenitude de ser, deverá ser equalizado, ou seja, equiparado a partir de uma grade de referência comum ou equivalente universal” (SEGATO, 2012, p. 122).  Mas o juspositivismo moderno não é um todo monolítico. Destacamos o seguinte argumento que contrapõe as visões francesa e austríaca.

A conclusão da escola clássica francesa colocando a Constituição como um certificado da vontade política do povo nacional sendo que para que isto ocorra deve ser produto de uma Assembléia Constituinte representativa da vontade deste povo, se opõe Hans Kelsen, que afirma que a Constituição provém de uma norma fundamental (DE MAGALHÃES, 2008).

Mas estes não são as únicas referências. Se formos buscar raízes históricas do constitucionalismo o modelo britânico é anterior. Tem seu gérmen no século XIII. A maior influência do constitucionalismo brasileiro em Estado de Direito é dos Estados Unidos da América. E destes modelos vale comentário específico.

O que nos interessa no constitucionalismo inglês é a sua contribuição para o constitucionalismo norte-americano, que influenciou fortemente o constitucionalismo brasileiro a partir de 1891. A sua contribuição principal neste caso não está na força do parlamento, mas na força do Juiz. O Judiciário constrói a norma justa aplicável ao caso concreto. Se esta norma construída pelo Judiciário cuida de matéria constitucional, ela é Constituição. O que acabamos de dizer vem a ser teorizado com maior consistência no século XX, entretanto é praticado a séculos (DE MAGALHÃES, 2005, p. 203).

Para o tema do ativismo judicial que será explorado nos itens mais adiante merece ainda que se explique o poder dos juízes. O modelo do common law explora mais essa ferramenta. No modelo do civil law, de inspiração da Revolução Francesa inclui mascarado em sua lógica um ceticismo perante a atuação dos juízes porque estes eram vistos como braço da materialização do autoritarismo do Executivo, fazendo mobilizar o poder de política sob a máscara da legitimidade jurídica.

Outro aspecto importante da tradição jurídica inglesa, que decorre de maneira lógica de tudo o que foi dito, é o recurso ao precedente, como fonte do direito constitucional. Os precedentes judiciais são Constituição, na forma de decisões que incorporam tradições e costumes, e nas interpretações e reinterpretações da lei produzida pelo parlamento. Importante lembrar que a jurisdição suprema do Reino Unido é exercida pela Câmara dos Lordes que é também integrante do legislativo (DE MAGALHÃES, 2005, p. 204).

Veja bem que a estabilidade constitucional do modelo britânico vem do próprio judiciário. Seja pela estrutura jurídica dos precedentes ou porque o topo da hierarquia está nas mãos de um órgão igualmente estável. Lembremos que foi apenas com as reformas do governo Trabalhista de Tony Blair que os lordes hereditários começaram a deixar de existir. Essa composição por membros hereditários transmite ideia de segurança e estabilidade jurídica. Dois pontos merecem destaque. Primeiro pelo fato de que existiriam tradições familiares ancoradas em uma suposta aristocracia iluminada que forma doméstica e em instituições seculares de ensino seus descendentes. Segundo porque a inexistência de mandatos dos integrantes confere temperança ao colegiado. Ele foi posto como responsável ao check político, com a possibilidade de resistir a abusos oriundos da Câmara dos Comuns, em nome da nação. Igualmente, parte de seus integrantes foi posto como topo do Judiciário a fazer a análise dos conflitos de constitucionalidade. Essa estabilização ou aparência de estabilização do sistema nas mãos da Câmara dos Lordes começou a ser substituída apenas no século XXI. A Suprema Corte do Reino Unido foi instituída pelo Ato de Reforma Constitucional em 2005, mas só iniciou suas atividades em 1 de outubro de 2009 (REINO UNIDO, 2005).

Mas da tradição britânica, passando para a América do Norte e chegando ao Brasil, temos a convicção de que o constitucionalismo representa o direito positivo. Mas não um fetiche no direito escrito, e sim o direito certo. A perspectiva moderna aposta na essência da segurança dos sentidos que o constitucionalismo fornece, pois “[...]a Constituição na sua essência deve ser tão forte e perene que nenhum poder constituinte pode romper com seus fundamentos e estrutura, mas somente um poder social tão forte, que nem mesmo a Constituição poderá segurá-lo pois é o poder de transformação social [...]” (DE MAGALHÃES, 2008). O que José Luiz Quadro de Magalhães destaca é que esse poder de fato, transformador e histórico, é a fonte de segurança e estabilidade que garante liberdade individual contra maiorias temporárias parlamentares ou surtos absolutistas do Executivo. “A proteção contra o autoritarismo da maioria reside na exigência de poder social irresistível, única justificativa para a ruptura constitucional” (DE MAGALHÃES, 2008).

Do texto da Constituição às práticas do ensino formal, de matrícula obrigatória desde o século XIX, as pessoas são aculturadas na lógica moderna. Os mesmos valores aplicados à estrutura jurídica são implementados para todos os aspectos da vida.

Quando o sujeito acredita na Justiça – e, logo, no que é direito e no que é certo ou errado – passa a incorporar as ideias dessa crença, e, mediante o dispositivo “conceitual” absolutamente ideológico, passa a ter certo comportamento como consequência natural. Assim, começa a julgar e a tomar determinadas atitudes, enquadrando-as acriticamente ora de um lado da balança da justiça, ora de outro, como se não houvessem possibilidades ou leituras diversas. (ASSAD; DE MAGALHÃES, 2015, p. 19, grifos nossos).

Para mantermos a coerência, como afirmado acima, o modelo não é monolítico. Entre as referências de constitucionalismo a influir na sociedade temos outra diferenciação. Falamos da divisão dos modelos nacionais usando o critério de adoção do texto constitucional.

[...] há algo em comum entre o modelo estadunidense e o europeu continental, não compartilhado pela Inglaterra: a existência de um poder constituinte originário, inicial, soberano e de primeiro grau capaz de romper com a ordem anterior e iniciar uma nova vida jurídica constitucional com a nova Constituição (DE MAGALHÃES, 2008).

Nestas sociedades, cada nova constituição é instrumento basicamente concentrado. O texto constitucional serve de marco de apaziguamento social, acabando com a revolução e sedimentando as vontades do povo. Quando muito passou-se a reconhecer a possibilidade dessas vontades serem apresentadas na forma de princípios e não apenas regras. Foi sobre essa nova perspectiva que um novo modelo de constitucionalismo se edificou.

 

2          O Neoconstitucionalismo do pós-guerra

 

Diante descrédito e desconfiança redobrada do Executivo, e igual descrédito do Legislativo de servir como freios aos abusos do primeiro Poder, um novo modelo constitucional apareceu. O positivismo jurídico do pós-guerra implementou princípios norteadores de conduta.

Aos poderes políticos a opinião pública pressionou pela superação do nacionalismo e isolacionismo para, em seu lugar, apostar na integração. Esta, constantemente criticada cedeu espaço à instrumentos de soberania direta e democratização. Do lado do judiciário, novas instrumentalidades foram reconhecidas para assegurar o exercício da reparação pelos ilícitos, passados e presentes. Talvez uma das mais fortes argumentações seja na inoperância ou inadequação dos órgãos políticos como instrumentos de solução dos conflitos envolvendo situações minoritárias.

Afirmar que o Ativismo é uma construção da inércia dos demais poderes é uma afirmação muito simplista, embora também correta. Como bem observa Streck desde a Escola do Direito Livre, passando pela Jurisprudência dos Interesses,  pelo normativismo Kelseniano, pelo positivismo moderado de Hart, até chegar aos autores argumentativistas como Alexy, há um elemento comum: o fato de que, no momento da decisão, sempre acaba sobrando um espaço “não tomado” pela “razão”; um espaço que, necessariamente, será preenchido pela vontade discricionária do intérprete juiz. (RALHO, 2016, p. 94).

O neoconstitucionalismo surge para alterar a percepção geral de que o Direito deveria ser apenas regida pelo parlamento e as constituições criadas serviam apenas para o legislativo. Os direitos fundamentais eram respeitados apenas quando estavam alcançados pelas leis, nos casos de abusos de poder exercido pelos governantes a lei não dispunha então não era ilícito. Entretanto, não devemos esquecer que exemplos históricos mostraram que a legalidade por si só não é garantia forte o suficiente contra surtos autoritários e violações aos direitos inerentes a cada pessoa. A crítica e derrocada do positivismo começa durante o julgamento do Tribunal de Nuremberg. Ali a sociedade foi exposta a argumentos de defesa, diante as acusações de crimes contra a humanidade pelas barbáries cometidas a mando da cúpula da Alemanha Nazi, insistindo que houve amplo amparo legal dos atos praticados pelos agentes do Estado Nazista (PIOVESAN, 2015, p. 188).

Como alternativa, na segunda metade do século XX, um novo tipo de constitucionalismo começa a emergir. Esse neoconstitucionalismo tem sua trajetória na Europa ocidental e mais tarde foram para os países de terceiro mundo como a Colômbia, Argentina, México, África do Sul, Índia e Brasil. Sendo que nos pós 2ª Guerra Mundial atingiu a Alemanha e a Itália e em algumas décadas mais tarde a Espanha e Portugal. Com estas mudanças de concepção a Constituição da Europa começou a apresentar semelhanças com a do Estados Unidos da América (EUA), o país que legítima a Constituição como norma jurídica, que limita o poder legislativo e invalida leis, mas tendo diferenças bem significativas porque a Constituição americana é bem sintética, abordando questões básicas da organização do Estado e de alguns direitos individuais. O tamanho é aparente, se considerarmos apenas a parte escrita. Porque ao longo da consolidação do constitucionalismo estadunidense consolidou-se que a Constituição compreende os valores socialmente extraídos dela e afirmado pelo esquema de precedentes judiciais.

Enquanto isso, o padrão de uma constituição europeia busca ser bem mais abrangente e acolher mais questões, onde são repletas de normas que buscam amparar vários assuntos para tentar abrangência de temas que outras constituições não se preocuparam como: questões ligadas à família, às relações ligadas ao trabalho e também à economia, proporcionando um novo olhar sobre o ordenamento e a procura de uma releitura das normas que proporcionou o surgimento de vários ramos jurídicos.

Na mesma linha de entendimentos, tem o Walber de Moura Agra (2018) que dispõe o neoconstitucionalismo como:

Sua marca a concretização das prestações materiais prometidas pela sociedade, servido como ferramenta para implementação de um Estado Democrático de Direito. Ele pode ser considerado como um movimento caudatário do pós-modernismo. Dentre suas principais características podem ser mencionados:

a)   Positivação e concretização de um catálogo de direitos fundamentais;

b)   A presença de princípios e regras;

c)   Inovações hermenêuticas;

d)   Densificação da força normativa do Estado;

e)   Desenvolvimento da justiça distributiva.

Dessa forma, o neoconstitucionalismo tem as constituições como a base de todo ordenamento jurídico, tendo os poderes políticos e as leis que seguirem o que elas dispõem, de forma que toda interpretação das normas e casos concretos devem levar em conta os direitos fundamentais dispostos nas constituições e garantidos por ela. No ciclo da segunda metade do século XX buscou-que equalizar onde as democracias da primeira metade falharam, a segurança. Isso se desdobra em muitos temas: jurídica, pública, alimentar e internacional. Acontece que é sabido que o texto Constitucional trabalha pela estabilidade/segurança enquanto democracia na possibilidade de mudança.

Cabe então, para compreensão de sua formação progressiva, comentários sobre o seu berço de fundação. Conforme estudos sobre o Ativismo judicial, ele surgiu em 1803, nos EUA, “através do célebre caso Marbury v. Madison (5 U.S. 137), em que a Suprema Corte, presidida pelo juiz John Marshall (1801-1835), afirmou seu poder de revisar os atos dos poderes Executivo e Legislativo [...]” (TRINDADE; DE MORAIS, 2011, p. 138-139). Mas o termo efetivamente só foi utilizado nos EUA em 1947 pelo historiador e político Artur Schlesinger Jr, através de um artigo com comentários sobre a atuação da Suprema Corte do New Deal. Neste artigo, Artur utilizou duas posições, onde na primeira defendia que a Suprema Corte utilizava sua autoridade para efetivar as políticas para a promover o equilíbrio social com base nas experiências políticas dos juízes e a segunda posição usou uma postura de autocontenção judicial, onde as políticas públicas deveriam ser implementadas pelo representante eleito pelo povo.

Destacamos a seguinte consideração de Ronald Dworkin sobre o ativismo judicial:

Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, a história de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradouras tradições de nossa cultura política. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige. O direito como integridade condena o ativismo e qualquer prática de jurisdição constitucional que lhe esteja próxima. (DWORKIN, 2001, p. 451).

Foi através da intervenção do Judiciário que casos emblemáticos de conflito foram decididos à margem do texto literal da Constituição ou do que a política era capaz de produzir. Como exemplo, têm algumas decisões ativistas proferidas pelas Supremas Cortes no mundo citamos: Suprema Corte do Canadá decidiu se os Estados Unidos poderiam ou não fazer testes com mísseis em território canadense; Suprema Corte de Israel decidiu sobre a construção de um muro separando a parte Palestina; e a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu sobre o resultado das eleições do ano 2000.

 

3          O Constitucionalismo Simbólico na América Latina

 

Uma forma de descrever o ciclo do direito dentro da sociedade brasileira é a frase “para inglês ver”. É uma percepção nua e crua da realidade. O ordenamento é um simulacro. Não foi construído pela sociedade como um todo, nem tampouco é ferramenta de efetiva pacificação social, pelo contrário, ela mantém as estruturas. Quando da adoção de texto constitucional não houve construção da mesma a partir de um debate debaixo para cima.

As formas de constitucionalismo adotadas em nossa região desde o século XIX importaram e sobrepuseram a essa complexidade variada e ao pluralismo sociocultural alguns esquemas simples baseados na ideia de constituição racional - entendendo isso no sentido de constitucionalismo demoliberal de origem norte-americana ou europeia -, normativismo positivo - entendimento legal exclusivamente de criação e aplicação estatal. Deste modo, a ideia da Constituição e de sua importada supremacia na organização dos Estados da nossa América responde mais a uma visão monocultural e juridicamente monista (MEDICI, 2010, p. 330, tradução livre)[3].

Na verdade, o que temos é um processo de ampliação do espaço de emprego do Estado Moderno. Este foi um modelo construído na Europa para lidar com a falência de seu modelo anterior de ordenação social, o feudalismo. O projeto moderno tratou de centralizar o poder, uniformizar a cultura na sociedade e usar o direito como ferramenta dessa uniformização. Lá na Europa isso vem ocorrendo ao menos pelos últimos 500 anos, mesmo período de existência da américa invadida e transformada em grande caldeirão multicultural.

O afastamento do modelo absolutista e substituição pelo Estado de Direito deveria ser passo distante ao totalitarismo. A força da Constituição como instrumento de limitação do poder foi prometida como instrumento de garantia às liberdades individuais e coletivas. A instrumentalização de processos adequados em cada braço do Estado igualmente deveria servir de amparo à efervescência da vida cultural e econômica. Mas é tudo um sonho.

Veja que alcançamos a afirmação formal de democracia. O exercício do direito de voto foi amplamente e progressivamente expandido. A censura por órgão do Executivo foi extinta. Instituições defesa da cidadania, com o Ministério Público e a Defensoria Pública, foram estabelecidas com autonomia funcional, orçamentária e financeira. O texto constitucional fixou objetivos fundamentais a servirem de guia às condutas do Estado e da sociedade. Mas apesar de tudo isso, seguimos no patamar inferior, distante do desenvolvimento almejado

Esta ambivalência significa que o simbólico não se reduz ao “ideológico” no sentido de ilusão negadora de outras alternativas ou ao “retórico” no sentido de uma mera persuasão descomprometida com o acesso aos direitos, pois também, paradoxalmente, incorpora o espaço da crítica ao modelo normativo de fachada. (NEVES, 2005, p. 5).

A ferramenta do ativismo judicial mostra-se como aparente porta de saída as estruturas tradicionais. Enquanto o aparato político parece manter-se travado e de lenta modificação, o aparato judicial, não podendo negar receber petições que o provoquem, tornou-se o espaço pelo qual indivíduos testam as demais estruturas do Estado e da sociedade. Como foi estabelecido o esquema de freios e contrapesos ele está à disposição daqueles que conseguem mobilizá-lo.

Passaremos a discussões do uso do ativismo judicial.

Como dissemos, com o Constitucionalismo clássico do Estado de Direito, presume-se que houve vitória das forças sociais que viram a necessidade de criação de normas estabilizadoras, que permitissem a harmonia entre os indivíduos. Esta harmonia passa a estar atrelada a ordem pública, de respeito às liberdades individuais e a incolumidade patrimonial. Isso passa a estar relacionado ao que se diz bom funcionamento da sociedade cabendo às autoridades públicas assegurar o cumprimento das normas estipuladas com o objetivo de organizar a vida social.

Dessa época, edificaram-se mecanismos que assegurem o respeito e a estrita obediência ao ordenamento jurídico. As instituições públicas destinadas a garantir a ordem estabelecida passam a ser vistas como elemento fundamental do ordenamento jurídico. É assim que aparecem as primeiras noções de poderes de Estado, como a base da doutrina da tripartição/separação de poderes.

Como parte da separação de poderes no grande esquema de descentralizar o poder e evitar abusos, as interferências recíprocas que ocorrem antes, durante ou depois do exercício da competência buscam equilibrar a solução dos conflitos entre os poderes. Na concepção continental europeia, da qual o Brasil inspirou para construir o seu modelo, há uma divisão entre poderes políticos e poder técnico. A exclusão política do Judiciário tem razão em mantê-lo responsável pela ação contra majoritária, ou seja, servir de freio a rampantes irresponsáveis a emergir de populismo eleitoral. Enquanto isso o Judiciário não seria representativo da soberania de momento, e sim um poder instituído pela Constituição para servir de garantidor do próprio texto constitucional bem como disponível para pacificar a sociedade em todas as situações de ameaças ou violação das liberdades fundamentais.

Todavia, não se pode levar o princípio da separação dos poderes ao extremo, ou seja, não se deve concluir que ao judiciário é negada qualquer função interpretativa. A história já mostrou não ser possível tipificar todo o comportamento e regramento humano, dispensando assim o intérprete. No final do século XVIII, Frederico o Grande tentou fazer o direito da Prússia “à-prova-de-juiz” adotando um código contendo mais de 17.000 artigos. O objetivo a ser alcançado era o de que tal código fosse um catálogo completo de soluções, disponível aos juízes para que estes enfrentassem qualquer caso que aparecesse diante deles sem a necessidade de interpretação. Por certo foi um fracasso. (RALHO, 2016, p. 90).

Sobre o manto da Constituição Cidadã deveria o Judiciário assumir um papel muito mais importante que mero fiscal do cumprimento da lei. Criou-se expectativas sobre ele ser motor de rápida transformação social. Fato é que não tivermos uma revolução. Houve sim um grande esquema de exercício de consultas populares durante o processo da constituinte, mas isso não garante que o texto constitucional de fato refletiu o novo consenso social.

Paralelo a isso temos a amarra de todos os poderes ao texto Constitucional. O próprio texto constitucional só faz sentido se for rígido, se estiver igualmente amarrado a ele mesmo. Isso que confere estabilidade ao ordenamento jurídico. Quando muito admite-se a revisão e a reforma constitucionais. Mas “[a] constituição não pode mudar tanto que acabe com a segurança, nem mudar nada o que acaba com sua pretensão de permanência (DE MAGALHÃES, 2015, p. 92). Nesse aspecto há que se conceder algum crédito à lógica aos críticos do ativismo judicial. Se o pressuposto do sistema é a estabilidade, estando as mudanças formais da Constituição limitadas por ela mesma, muito menos poderia o Processo Legislativo ordinário introduzir alterações com força constitucional e, por consequência muito menos ainda poderia um juiz, ou Tribunal, produzir inclusão via mutação constitucional. Acreditamos, porém, que esta lógica deve ser descartada. Pelo giro decolonial existe outra visão. Em certa medida a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 faz parte do Novo Constitucionalismo Latino-americano.

Desta forma, introduzimos leitura que a separação de poderes clássica, em sua concepção moderna, não contribui em nada para o efetivo empoderamento dos membros da sociedade. Pelo contrário, faz parte do grande simulacro moderno.

É possível observar um paralelo entre a separação de teoria e prática da separação entre sujeito e objeto de estudo. Em ambos os casos, a separação funciona como um mecanismo de alienação do oprimido, do colonizado. A falsa pretensão de que o sujeito estaria distante do objeto pesquisado, e que esse distanciamento político e social criaria uma teoria neutra e universal, foi a base para uma ciência a serviço dos interesses das potências econômicas do Norte. Não obstante, a ideia de que prática e teoria estariam separadas, promove a construção de poucos sujeitos que sabem, que conhecem “a verdade cientifica” e que, somente eles, poderiam transmitir o conhecimento tido como válido (BICALHO; FEIJÓ, 2020, p. 40).

Como parte do movimento do Novo Constitucionalismo tivemos no Brasil a incorporação de ferramentas legislativas que aproximam o Judiciário do giro decolonial. Ainda assim, processos muito tímidos, como a obrigatoriedade de os magistrados inquerirem as partes da possibilidade de solução dos litígios por conciliação, a instauração dos juizados especiais a usar a mediação como uma das etapas do processo. Falamos de reformas tímidas porque a Mediação Consensual proposta nesse paradigma constitucional não espera confiar num juiz para, com suposta técnica, dizer qual o lado é o vencedor. Como vimos, espera-se que todo o aparato do Estado seja estimulador do franco e aberto diálogo entre os diferentes integrantes da sociedade e não ferramentas de imposição de ordem.

A forma como o ativismo judicial vem ocorrendo, em grande parte no Brasil, acaba por manter os sujeitos afastados do Direito. As pessoas seguem alienadas.  Desta forma, mesmo havendo a possibilidade de engajamento mediado das partes, como ao final o acordo ainda precisa ser homologado pelo juízo, anula-se qualquer construção social do Direito. A norma segue sendo fruto de estrutura hierarquizada e distante da soberania popular.

 

4          Ativismo Judicial no Brasil: o Supremo Tribunal Federal colonizado

 

Na doutrina moderna da separação de poderes, as funções do Estado estão distribuídas de forma que cada Poder tem sua função específica e o dever de controlar os demais Poderes. Pela mesma doutrina cada Poder trabalha para o bem-estar coletivo. Este modelo admitiria o ativismo judicial, a partir do neoconstitucionalismo, para resolver os conflitos excepcionais. Por provocação os magistrados utilizam de interpretações ou analogias para fundamentar as soluções dos fatos concretos em análise.

No caso da corte superior, sua função institucional mais importante seria a defesa da supremacia da Constituição. Empoderados, exercem atos para progressivamente ampliar seu controle sobre a sociedade através do controle dos sentidos do ordenamento. Como visto, o controle epistemológico é parte da estrutura colonial.

[...] o Supremo Tribunal Federal passa a utilizar com maior frequência as sentenças interpretativas na prática do controle de constitucionalidade concentrado. Essas decisões são proferidas em sede de jurisdição constitucional e “versam sobre a possibilidade hermenêutica da lei e não sobre o texto da lei em si” (ABBOUD, 2019, p. 655). Dessa maneira, é conferido ou excluído um sentido da norma sem, entretanto, alterar o seu texto, valorizando, por conseguinte, a presunção da sua constitucionalidade. (COPETTI NETO; CIRNE, 2020, p. 264).

Os membros da Corte não escondem considerar imperioso o recurso à prática do ativismo. Vejamos, a título de exemplo, trecho do discurso do então Ministro Celso de Mello, na ocasião da posse do Ministro Gilmar Mendes como Presidente do Supremo. Segundo ele, as:

Práticas  de  ativismo judicial [...] embora  moderadamente desempenhadas por esta Corte em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigões a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário,  tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade. A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-judica, eis que, mediante à ircia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. (MELLO, 2002, grifos nossos)

Compete destacar, entre doutrinadores, a posição que “[...] as decisões dos juízes são democráticas na medida em que seguem aquilo que foi aprovado pelo legislador” (RALHO, 2016, p. 99). Mas apenas quando cumpre estritamente sua função de criador aplicador do Direito a partir das leis aprovadas pelo Legislativo. Por sua vez o Ativismo Judicial, para o professor Elival da Silva Ramos (2013, p. 18) é a ultrapassagem do limite da função jurisdicional em relação à função do legislativo e do executivo, de forma que a Constituição Federal de 1988 delimita qual a função de cada poder, onde um não pode fazer o trabalho do outro, mas deve fiscalizar se estes poderes estão cumprindo o que descreve a lei. Ainda mais no que diz respeito a importação seca da lógica de precedentes como existe no commonlismo, inclusive com o instituto do stare decisis: “[...] não há no ordenamento pátrio disposição legal que seja capaz de validar a existência de um sistema normativo como o stare decisis, ou mesmo de atribuir a vinculatividade aos pronunciamentos judiciais além daqueles elencados na Carta Magna [...]” (SIQUEIRA; SILVEIRA, 2020). O Judiciário só tem condão de expedir decisão com efeito geral nos casos do controle concentrado e de edição de súmula vinculante, como bem destacam Oniye Siqueira e Ricardo Silveira (2020).

Neste sentido, o texto original da Constituição de 1988, computou a progressiva implementação da ordem social através da elaboração de programas de governo que visem a consecução simultânea de todos os objetivos fundamentais da República. A expectativa era de que o arranjo federalista, em especial as diferentes formas de representação nas casas do legislativo serviriam de melhor instrumento de exercício fiscalizador da soberania popular. Desta forma, a autonomia de cada poder, como definida na constituição, garantiria que os direitos sociais sejam cumpridos, de forma equilibrada e justa.

O ativismo judicial não surge para substituir ou mesmo atuar em caso de inoperância do Poder Legislativo. Mas o instrumento proporciona ao judiciário a função de fornecer à sociedade, através da publicização de julgados, parâmetros de comportamento ou expectativas de prestação de serviços públicos. A introdução do ativismo judicial no Brasil deu-se por utilização frequente da literatura estrangeira e estudo da atuação de cortes constitucionais de outros países.

[...] na origem dessa expansão, está o controle de constitucionalidade, introduzido de modo efetivo, primeiramente, nos Estados Unidos, no início do século XIX e, posteriormente, nos Estados europeus e latino-americanos, na metade do século passado. Nesse cotejo, por ter convivido mais tempo com o controle de constitucionalidade, pressupõe-se uma maior experiência da Suprema Corte norte-americana.  [...] (ANDRADE, 2018, p. 38).

Citamos ainda outra referência do norte ocidental: Mesmo considerando a possibilidade de integração regional e formação de um modelo latino-americano, o exemplo da União Europeia acaba servindo de parâmetro. A mente coloniza é adestrada a sempre se colocar em posição de atraso diante o núcleo e motor da modernidade. “A Europa exerce um enorme fascínio sobre a literatura jurídica da América do Sul. Não são poucos os trabalhos sobre a integração jurídica na União Europeia publicados por autores brasileiros. (DA SILVA, 2010, p. 517). Um dos autores deste trabalho, por exemplo, desenvolveu sua dissertação sobre o processo de integração europeia com objetivo de retirar das discussões sobre déficit democrático naquele processo para posterior análise de eventual déficit no processo de integração do Mercosul.

Mas fortuita é a circunstância porque encontramos igualmente rica literatura sobre existir alternativa. Temos na américa-latina uma história apatacada que, pelas circunstâncias do grande esquema das relações internacionais expos as suas sociedades a coexistência em características. Foi dessa realidade comum que permitiu a construção de uma visão própria sobre o papel do Estado e da Constituição. Poderiam os Ministros das cortes brasileiras terem aproveitado da onda do Novo Constitucionalismo e do espírito da Constituição Cidadã para desenvolver nosso próprio modelo de solução de conflitos e afirmação do direito. Optaram, porém, por seguir a lógica moderna e manter nossas estruturas colonizadas.

Diante desse modo de agir do colonizado, descrita por [Frantz] Fanon, convém questionar a postura dos Ministros do Supremo. Ao invocar a jurisprudência de outro Estado, o Ministro acaba por situá-lo como modelo ao caso em debate no Tribunal. Frise-se: aquele o qual adota um determinado modelo deseja sê-lo. Nessa lógica, a preferência pelas Cortes dos Estados do Norte e o esquecimento em relação aos Tribunais dos Estados do Sul pode significar uma perpetuação do modo de agir referido. A pesquisa jurisprudencial, realizada nos últimos capítulos, tem por objetivo investigar se realmente existe essa preferência e, em existindo, saber em quais proporções ela ocorre (ANDRADE, 2018, p. 36).

Os Ministros do Supremo Tribunal Federal não podem ser responsabilizados pelo modelo constitucional existente no Brasil. A Constituição de 1988 foi apenas uma, talvez bem tímida, exemplificação no Novo Constitucionalismo Latino-americano. Ela afirmou-se cidadã porque diferente das anteriores foi fruto de amplo debate social, de milhares de sugestões normativas encaminhas pela população e porque seu texto institucionalizou ferramentas visando evitar erros do passado. Mas poderíamos ter ido além. O texto em vigor segue majoritariamente o de democracia representativa. Em seu título VIII abriu-se espaço para a coexistência com múltiplas nações indígenas e formas de família. Entretanto, o direito dos povos originários não foi reconhecido. A abertura para a construção consensual de direito ajustado a cada uma das múltiplas formas de família não foi reconhecida. A estrutura segue sendo centralizadora. Por sua vez, em países vizinhos ao Brasil temos outros exemplos de experiência decolonial que merecem ao menos atenção pelo que se propõe a fazer.

A proposta de uma democracia consensual deve ser compreendida com cuidado no paradigma do estado plurinacional. Primeiramente é necessário compreender que esta democracia deve ser compreendida a partir de uma mudança de postura para o diálogo. Não há consensos prévios, especialmente consensos lingüísticos, construídos na modernidade de forma hegemônica e autoritária. O estado moderno homogeneizou a linguagem, os valores, o direito, por meio de imposição do vitorioso militarmente. A linguagem é, neste estado moderno, um instrumento de dominação. [...] Logo, o diálogo a ser construído entre culturas e pessoas deve ser despido de consensos prévios, construídos por esses meios hegemônicos. Tudo deve ser discutido levando-se em consideração a necessidade de descolonização dos espaços, linguagens, símbolos e relações sociais, pessoais e econômicas. O dialogo precisa ser construído a partir de posições não hegemônicas, e isto não é só um discurso, mas uma postura. (DE MAGALHÃES, 2015, p. 96, grifos nossos)

Como núcleo produtor de segurança, o aparato do Estado Moderno utiliza-se da Constituição aparentemente atualizada, como um zeitgeist que segue como guia social. Uma das características da modernidade é a produção do encobrimento de todos aqueles considerados diferentes. Trata-se de um esforço de homogeneização cultural que usa do aparato estatal para se materializar. Estamos falando o que José Luiz Quadro de Magalhães (2015, p. 94) chama de mecanismo majoritário, uma circunstância social de sempre ser necessário se escolher um argumento, um projeto ou uma ideia. Ele descreve que a sociedade ou suas instituições são instigadas a fazer opção por um “melhor” argumento, aquele que restará vitorioso e imposto a todos. Veja que mesmo sociedades que se afirmam democráticas sofrem com esse mecanismo, sob o risco constante de o mecanismo majoritário, por meio do voto, tornar-se mecanismo totalitário. A ampliação do argumento conclui que ao escolher um argumento (projeto, ideia, política) os demais não somem, permanecem vivos dentro da cultura, porém esquecimento ou encoberto. Se a atuação do Judiciário através do contraditório de argumentos é escolher o melhor, temos por obviedade que segue a mesma lógica de vitoriosos e derrotados.

Reconhecemos que a legislação não pode ser alterada a cada novo conflito que surge na sociedade. Resta disso, que muitas situações exigem solução via interpretação do texto da lei vigente à luz dos princípios e objetivos fundamentais da República. Nossa crítica recai apenas a forma como a adesão ao ativismo judicial ocorreu. Não houve sequer adaptação, seguiu como verdadeira cópia da prática realizada em países do norte físico. Aos argumentos de linearidade histórica e ancorado na classificação dos países e sociedades (entre pouco desenvolvidas, em desenvolvimento e desenvolvidas) nos restaria reconhecer status inferior à nossa própria experiência e seguir o paradigma daquele ambicionado.

Em uma mentalidade colonizada, os Estados do Sul acreditam que nos Estados do Norte estão as respostas para as problemáticas em torno dos direitos humanos, uma vez que estes Estados teriam supostamente conseguido concretizá-los. O progresso humanista estaria pautado, pois, por uma sistemática eurocêntrica. Como visto, essa sistemática vincula-se a processos colonialistas, os quais subjugam o conhecimento produzido pelos Estados do Sul. (ANDRADE, 2018, p. 36)

Como consequência da mentalidade colonizada, desde a importação do constitucionalismo e mais recente da prática do ativismo judicial, o que houve foi uma reprodução de desenhos institucionais que lidam com problemas de outras sociedades. Da primeira importação, cujo foco era atacar estruturas do Antigo Regime, mantivemos uma Monarquia Absolutista nada mascarada, as estruturas internas e também as práticas sociais coloniais foram mantidas; a própria Proclamação da República foi um processo que tentou perpetuar a oligarquia. O que fizemos foi manter e, com isso, permitir que se reforçassem os processos de colonialismo interno. Da prática política, passando pelo ensino jurídico, e também a prática jurisdicional segue reverberando processos elitistas que produzem várias formas de violência de Estado contra os encobertos e esquecidos.

As Faculdades de Direito se formaram como ambientes altamente hierarquizados e dominados pela elite econômica, racial e sexual pátria, moldando processos políticos que se realizavam à revelia das classes populares, racializadas como não brancas. Teoria do direito e jurisprudência passam a consolidar os interesses dos proprietários dos meios de produção do Estado brasileiro, excluindo do seu processo (não apenas do acesso à justiça, mas da construção normativa de forma mais ampla) os cidadãos considerados de segunda classe e aqueles cuja humanidade se negava (PIRES, 2019, p. 72).

No tempo contemporâneo o discurso parece oposto a esta prática. Teríamos informação suficiente para reconhecer a existência de um atual saber jurídico colonizado para que emerja “[...] a proposta de decolonialidade do saber. Decolonizar significa transcender essa lógica hegemônica da modernidade que coloca a Europa como centro do sistema-mundo, como narrativa unívoca do pensar” (PEREIRA; SILVA, 2019). É de nossa convicção que estaríamos em uma nova era tanto na esfera global quanto interna. Já temos a segunda Constituição mais longeva e ultrapassamos em número de anos períodos sob tutela de constituições democráticas que os anos sob constituições autocráticas. O estabelecimento de processos simultâneos de democracia representativa e participativa seguem produzindo empoderamento e transformações ao redor do país. Poderíamos ter feito o giro de paradigmas. Apesar disso, pelo menos aparentemente, o ativismo judicial serve de força transformadora a implementar a constituição cidadã e incluir quem esteve excluído. Neste esteio passemos a analisar o que pode estar oculto atrás dessa prática jurídica moderna.

 

5          Manutenção do Colonialismo: uso do ativismo como forma de reforçar o Constitucionalismo Simbólico

 

O recurso aos aparatos do Estado de Direito colonial “cria-se no entorno das normas e de sua aplicação uma ilusão de neutralidade, como se um ente sagrado as tivessem criado e como se também um ente sagrado as aplicasse” (ASSAD; DE MAGALHÃES, 2015, p. 19). Isso se percebe na atuação do judiciário que de um lado concede o que se julga como avanço ao permitir a materialização de ferramentas de inclusão de indivíduos no rol dos Direitos Econômicos e Sociais, por outro lado mantém fortes as amarras da truculência perante as liberdades individuais dos encobertos. O judiciário segue validando flagrantes por bagatela, cumprimento de sentenças em cárceres indignos, além de proferir decisões racistas e machistas.

O gotejamento de decisões paradigmáticas que lançam sopro de esperança de inclusão. Mas podem ser apenas uma mímica dos processos de inclusão feitos por cortes estrangeiras, frutos do que eles consideram salto no patamar civilizatório. Entretanto, se lá é há essa concepção é porque teriam em boa parte resolvido outros problemas e estariam a avançar na inclusão de indivíduos no Estado (Democrático) de Direito. Mas aqui restamos enganados. Tantos problemas de outras eras como da contemporaneidade seguem presentes. Não há uma ampla discussão social a formatar nossas soluções. Há um simulacro de avanço promovido pelas elites colonizadas para que estas mesmas se sintam desenvolvidas, afinal esta é a meta da linearidade histórica da modernidade.

Na acepção de DA SILVA (2010, p. 518-519), os empréstimos constitucionais adquirem um sentido bastante amplo. Extrapolam a ideia de simples transplante de regras escritas, comumente adotada na doutrina, e manifestam-se tanto no âmbito constituinte, como no jurisprudencial. [...] empréstimos ou migrações constitucionais, o importante, nesse exercício, é o uso comum por mais de um Tribunal Constitucional do mesmo critério interpretativo. Nessa lógica, quanto mais tribunais valem-se dos mesmos critérios interpretativos, mais integrados eles estão. A aproximação entre Cortes ocorreria não por legislações ou instituições comuns, mas pelo discurso jurídico, em um pleno diálogo efetivo (ANDRADE, 2018, p. 46).

Em vez de seguirmos com o nosso processo de construção do próprio constitucionalismo, trabalhando na teia social os valores essenciais e revolucionando todas as práticas, o que tem ocorrido é a entrega de migalhas jurídicas.

Existe, portanto, uma falsa pretensão de reconhecimento do Outro, pois fica claro que esse Outro que enxergamos, está modificado por aquele que subjugou (colonizador) para parecer que tudo se encaixa perfeitamente, e não há a necessidade de manifestação. O apontamento de Spivak fica claro no seguinte axioma, qual seja Diante de sentenças dialeticamente entrelaçadas que podem ser construídas como “homens brancos estão salvando mulheres de pele escura de homens de pele escura” e “as mulheres queriam morrer”, a mulher intelectual pós-colonial faz uma pergunta de simples semiose – o que significa isso? – e começa a traçar uma história” (SPIVAK, 2010, p. 123). A afirmação desta sentença está intimamente ligada com a questão da ‘recolonização’ perpetrada pelos países desenvolvidos, que cotidianamente, através de seus discursos, negam a identidade, a singularidade, e a autonomia do Outro, do subalterno, do marginalizado. (RIBEIRO; FIGUEREDO; SPAREMBERGER, 2019, p. 1004, grifo nosso)

Na prática estamos reforçando o Constitucionalismo Simbólico. Lidamos com casuísmos. Casuísmos estes que não servem de forças multiplicadoras de transformação porque as raízes dos problemas sociais seguem intactas. “Com o mecanismo de controle e regulação social, este Estado se politiza numa tentativa de silenciamento do diferente e do contestante, que questiona os parâmetros atuais de sustentação e de manutenção do ‘interventor pacificador’ [...] (RIBEIRO; FIGUEREDO; SPAREMBERGER, 2019, p. 996). O tecido social segue com sua trama colonizada hierarquizada. O recurso frequente ao judiciário como força de inclusão serve para excluir. A necessidade de afirmação do Direito de cima para baixo serve para silenciar.

É possível observar um paralelo entre a separação de teoria e prática da separação entre sujeito e objeto de estudo. Em ambos os casos, a separação funciona como um mecanismo de alienação do oprimido, do colonizado. A falsa pretensão de que o sujeito estaria distante do objeto pesquisado, e que esse distanciamento político e social criaria uma teoria neutra e universal, foi a base para uma ciência a serviço dos interesses das potências econômicas do Norte. Não obstante, a ideia de que prática e teoria estariam separadas, promove a construção de poucos sujeitos que sabem, que conhecem “a verdade cientifica” e que, somente eles, poderiam transmitir o conhecimento tido como válido (BICALHO; FEIJÓ, 2020, p. 40).

Na construção do que deveria ser marco de emergência de um novo Estado e uma nova sociedade acabamos por criar amarras que nos mantém no mesmo ciclo. Mais uma vez,

[t]ransplantamos, em especial a partir das redemocratizações pós-ditaduras, teorias da constituição e regras constitucionais retiradas de um tecido social completamente diferente do nosso. As constituições latino-americanas desse período reproduzem compromissos institucionais e respostas jurídicas pensadas diante de problemas do contexto europeu, reeditando na América Latina uma ideologia constitucional que apresenta dificuldades de realização de suas promessas (BRASIL; URQUIZA, 2020).

A alternativa decolonial do Novo Constitucionalismo Latino-americano e sua aposta na Mediação Consensual busca substituir a necessidade do juiz pacificador com suposto controle da única e melhor técnica possível. A lógica do lado vencedor e lado vencido pode ser substituída para instrumentalização do diálogo constantemente aberto, pela democracia viva. Depois de décadas de reivindicação, os movimentos sociais dos segmentos excluídos dos processos decisórios lograram êxito em se fazer ouvidos. Não foi um processo nem fácil nem rápido, que culminou em processo de constituinte inclusivo. Por mais que seja citado com frequência a força dos movimentos da população indígena, o que houve foi verdadeira aliança entre os encobertos. Essa efervescência social é reflexo da releitura do que ocorre no mundo. Apesar de a modernidade ter sido edificada no primeiro sistema mundo, foi apenas no século XX que afirmamos a existência da globalização.

No entanto, essas noções de monismo, Estado, sistematicidade e fechamento do direito moderno parecem cada vez menos adequadas para explicar seu funcionamento em sociedades atravessadas por diferentes formas de direito em um contexto de globalização econômica e financeira, de sobreposição e mobilidade crescentes. das fronteiras culturais, da mobilidade dos fluxos populacionais e da emergência de espaços supranacionais políticos e econômicos integrados. Menos ainda para sociedades pós-coloniais, como as de nossa região, onde a complexidade das formações sociais mostra a coexistência de diferentes modos de vida, visões de mundo sobre a relação pessoa-sociedade-natureza e direitos consuetudinários coexistindo junto à organização e aos Lei estadual. (MEDICI, 2010, p. 330, tradução livre)[4]

Se o processo decolonial é evento latino-americano, antes dele temos exemplos de outras críticas ao Direito moderno. Em vez de falarmos apenas num ano, na verdade foram duas décadas, 1960 e 1970, repletas de exemplos de forte movimentação social e de igual foça de contestação das hegemonias estabelecidas. Nos Estados Unidos um dos maiores exemplos foi a Rainbow Coalition ocorrida na cidade de Chicago em 1969, quando sob a liderança de Fred Hampton o Black Panther Party começou uma aliança, ultrapassando as barreiras de raça e etnicidade, com outras comunidades e movimentos sociais da cidade para coordenarem reivindicações contra a segregação, péssimas condições de vida e brutalidade policial (SERRATO, 2019).

Movimentos semelhantes ocorreram ao redor do país. Mas o fato mais notório foi a mobilização da sociedade civil amparada pela American Civil Liberties Union (ACLU) para ajuizar centenas de ações judiciais visando quebrar os paradigmas anteriores. Como naquele país vigora o sistema de precedentes, os advogados da ACLU trataram de argumentar que a circunstância da era não poderia ser regrada pelos precedentes de eras passadas. O que houve foi a movimentação do Judiciário em solicitação de prática do Ativismo Judicial para resguardar o que se dizia o espírito da nação e da constituição: liberdade, igualdade e democracia.

[…] quantas pessoas percebem que a ACLU defendeu mais casos de direitos das mulheres perante a Suprema Corte do que qualquer outra organização americana? Que a ACLU foi a primeira organização nacional a exigir o direito de todas as mulheres de interromper uma gravidez indesejada e a primeira a defender esse direito na Suprema Corte? Que, desde os anos 1970, o Projeto de Liberdade Reprodutiva da ACLU lidou com aproximadamente oitenta por cento de todos os litígios sobre liberdade reprodutiva em todo o país? (STROSSEN, 1991, p. 1941, tradução livre)[5].

Mas não é em todo país que existe uma ativa e independente sociedade civil com recursos humanos e materiais a mobilizar o judiciário em escala nacional. Nem tampouco com a consistência e tempo suficiente até materializar significativa mudança nos precedentes e, com isso, formar um novo direito (ou ao menos uma releitura do direito). 

Na Europa, queremos citar a União Intercolonial. Incialmente a Union Inter-coloniale -  UIC, sociedade civil francesa que se juntou a outras associações britânicas (Associação Negra de Manchester, Ligada da Juventude Africana de Serra Leoa, Centro Negro de Beneficência) e formaram a Federação Pan-Africana. Essa coordenação de esforços passou a editar a revista Opinião Africana Internacional e assumiu o controle da organização dos congressos pan-africanos (a partir do quinto) (DE MATTOS, 2019). Havia um grito travado. Uma vontade de levante contra a ordem opressora e os grupos perceberam que o apoio recíproco seria essencial para materializar os projetos individuais de cada um.

Os vários movimentos sociais perceberam a existência de interesses comuns nas próprias diferenças e para além das diferenças que os separa, convergindo, todos eles, em combates contra hegemônicos e emancipatórios, distintos, mas relacionados entre si. Esse mosaico de diversidades coordenadas dá corpo a um “cosmopolitismo subalterno insurgente” que induz, a partir de uma lógica contra hegemônica de globalização, ao abandono dos paradigmas externos de epistemologia, voltando nossos olhos às epistemologias do Sul (SANTOS, 2010). É por meio delas que passamos a raciocinar modelos de Estado e de constitucionalismo próprios às nossas experiências sociais, culturais e econômicas (BRASIL; URQUIZA, 2020).

Esses exemplos nos EUA e na Europa tiveram o mesmo fim. Como coalizões, acabaram desfeitas quando o objetivo central foi alcançado. Depois disso, as diferenças entre as partes acabaram afastando-as. O sistema soube aproveitar das rachaduras para acelerar a desunião. As partes, com mentalidade colonizada, hierarquizaram-se, colonizando umas às outras, priorizando demandas, ocultando e silenciando vozes dissonantes.

Tangente à colonialidade do poder, Quijano (2005) a descreve como a invasão do imaginário do outro. O invasor é o colonizador, o qual invisibiliza o imaginário do invadido, o colonizado. Essa invasão ocorre através de muitos métodos. Um deles é o da sedução, no qual o europeu cria um “fetichismo cultural” em torno da própria cultura para estimular os demais povos a idolatrá-la. Vale salientar: não necessariamente esse “fetichismo” é introjetado pela força física; podendo ser transmitido pela educação. O colono passa, então, a reprimir os modos de produção de conhecimento e os saberes diferentes dos produzidos pelo colonizador. Esses saberes são considerados “primitivos” ou “irracionais” (ANDRADE, 2018, p. 36).

Segundo os registros dos movimentos decoloniais latino-americanos seguem mobilizados. Apesar de enfrentarem ações reacionárias tentando desmobiliza-los, a sociedade geral dá sinais de que compreendeu as razões do histórico e ainda presente encobrimento.

Refiro-me ao fato de que, quando a aldeia é penetrada pela modernidade instrumental, os princípios de mercado e certos aspectos da democracia representativa, com sua consequente cooptação de lideranças comunitárias, o entre-mundo que é gerado é destrutivo, mas quando o discurso moderno de igualdade e da razão histórica circula pela aldeia, o entre-mundo que é gerado é benéfico, pois tende para uma felicidade mais generalizada. Por outro lado, quando a aldeia, com sua organização de status e suas solidariedades familiares penetra na esfera pública moderna, prejudica-a, criando redes corporativas e parentais que atravessam o espaço público, ao mesmo tempo em que quando a solidariedade comunitária influencia e inflexiona a ordem moderna, torna-a mais benéfica, aprimora-a. (SEGATO, 2012, p. 114-115, grifo nosso)

O sucesso dos Estados Plurinacionais será verificado com o passar do tempo. Seu modelo de constitucionalismo será posto a prova no dia a dia. A maior prova de eficácia será as transformações na teia social.

Um papel para o Estado seria assim, como dissemos, o de restituir aos povos seu foro interno e a trama de sua história, expropriada pelo processo colonial e pela ordem da colonial/modernidade, promovendo ao mesmo tempo, a circulação do discurso igualitário da modernidade na vida comunitária. Contribuir-se-ia assim, para a recuperação do tecido comunitário rasgado pela colonialidade e o restabelecimento de formas coletivistas com hierarquias e poderes menos autoritários e perversos do que os que resultaram da hibridação com a ordem colonial primeiro, e depois com a ordem republicana. (SEGATO, 2012, p. 114-115, grifo nosso)

Acontece que não estamos neste patamar ou mesmo paradigma no Brasil. Ao menos ainda. Existem sim muitos movimentos sociais. Existem também muitos núcleos de pesquisa e estudo sobre discriminação e encobrimento. O salto de poder pela coordenação destes movimentos ainda não aconteceu. A força das estruturas modernas clássicas segue derrubando qualquer tentativa, o último surto de levante talvez tenha sido os eventos da jornada de 2013, rapidamente cooptada.

Deixando a crítica decolonial de lado, como fizemos devidos aplausos às consequências do ativismo, no próximo item passaremos a apontar fundamentos em favor da efetivação dos direitos fundamentais ou direitos humanos

 

6          Ativismo Judicial em benefício dos direitos universais

 

Antes de seguir, a título de uniformização de entendimento, a caracterização dos direitos como universais representa que são aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas.

Outrossim, os direitos humanos não se referem apenas à pluralidade e autonomia de sistemas sociais e discursos, reagindo ao perigo da “desdiferenciação” (sobretudo política e econômica, mas também religiosa, midiática etc.) da sociedade, mas também dizem respeito à inclusão de pessoas e grupos. Do ponto de vista pragmático dos portadores ou destinatários, os direitos humanos têm a pretensão de validade universal. Todo homem é portador dos direitos humanos. (NEVES, 2005, p. 8)

A afirmação de direitos pelo esforço de construção da racionalidade humana é bem diferente do ciclo jusfilosófico anterior. Segundo Marcelo Neves (2005, p. 8)

Enquanto os modelos jusnaturalistas que remontam ao pensamento europeu antigo tendiam a excluir determinadas espécies de homem (escravos, mulheres e, de certa maneira, estrangeiros) ou a construir uma ordem hierárquica entre os homens com relação aos seus direitos, os direitos humanos (modernos) têm a pretensão de inclusão generalizada dos homens no âmbito jurídico. Portanto, nesse sentido, não constituem uma expressão ética de valores coletivos particulares, pois se relacionam com um discurso com pretensão normativa de universalidade pragmática. Podem-se definir os direitos humanos, nessa perspectiva, como expectativas normativas de inclusão jurídica de toda e qualquer pessoa na sociedade (mundial) e, portanto, de acesso universal ao direito enquanto subsistema social (autônomo). Ao passo que, no conceito de justiça, a noção de igualdade assume o primeiro plano, no conceito de direitos humanos é a idéia de inclusão jurídica como acesso ao direito que é central, embora não só a primeira pressuponha a segunda, como esta se orienta no sentido daquela. A exclusão jurídica de amplos grupos humanos apresenta-se exatamente como a dimensão negadora dos direitos humanos, que, paradoxalmente, fortifica a sua semântica e também as expectativas normativas correspondentes. Diferentemente da cidadania em sentido amplo, que aponta para a inclusão jurídica generalizada no âmbito de uma ordem estatal particular, (Neves, 2000: 134 ss.), os direitos humanos referem-se à inclusão jurídica no plano da sociedade mundial. Sob esse aspecto, o próprio direito à cidadania pode ser visto como uma dimensão reflexiva dos direitos humanos. Os direitos humanos têm pretensão, portanto, de afirmar-se tanto perante as diversas ordens estatais quanto em face da ordem internacional, assim como diante da pluralidade de ordens extra-estatais em que expectativas normativas têm relevância estrutural. (NEVES, 2005, p.8, grifos nossos)

A vivência constitucional e do positivismo jurídico ancorado na atividade legislativa foi frouxo a controlar movimentos de exclusão social e de negação de direitos a indivíduos. Foi pela força das urnas e da democracia que regimes exclusivistas usaram do medo e da angustia das pessoas diante um clima de desalento pelas dificuldades socioeconômicas para chegar ao poder. Uma vez no cargo, alegando clamor popular e representarem a vontade irrefutável da maioria para excluir indivíduos do guarda-chuvas de proteção dos direitos fundamentais. No ciclo pós-guerras a opinião pública formou aparente consenso para impor limites à soberania interna e institucionalizar ferramentas da governança coletiva a justificar a intervenção em Estados que desrespeitem os direitos inerentes a qualquer pessoa. O apreço ao direito e responsabilização pela sua violação foram alçados a pedras fundamentais das ordens jurídicas internas e internacional. Enquanto isso, ainda na lógica da modernidade, a autodeterminação dos povos passou a ser entendida, quase que exclusivamente sendo possível apenas em regimes democráticos.

O “casamento” entre constituição e democracia significa, na prática, que existem limites expressos ou não às mudanças democráticas. Em outras palavras, existem assuntos, princípios, temas que não poderão ser deliberados. Há um limite à vontade da maioria. Existe um núcleo duro, permanente, intocável por qualquer maioria. A lógica que sustenta estes mecanismos se sustenta na necessidade de proteger a minoria, e cada um, contra maiorias que podem se tornar autoritárias, ou que podem desconsiderar os direitos de minorias (que poderão se transformar em maiorias). Assim, o constitucionalismo significa mudança com limites, transformação com segurança. Estes limites se tornaram os direitos fundamentais. O núcleo duro de qualquer constituição democrática (moderna, democrática representativa e majoritária) são os direitos fundamentais. (DE MAGALHÃES, 2015, p. 93, grifo nosso)

Desta forma, as garantias fundamentais e os remédios constitucionais ganham destaque. E, com isso, também ganha destaque a atuação do Poder Judiciário, quem tem que administrar a pacificação social através desses instrumentos. Mesmo que o faça caso a caso, problema por problema, inclusão de pessoa por pessoa.

A lógica “nós versus eles” nos ajuda a entender como é possível viver em uma metrópole moderna. Em meio à violência, exclusão e miséria radical, com as quais convivemos, o que ajuda as pessoas a continuarem ignorando tudo isto é justamente o fato de que aparentemente isto não lhes diz respeito. Os tantos mortos são os “outros”, são “eles”, diferentes de “nós”. (DE MAGALHÃES; CHALFUN, 2015, p. 384-385)

Indaga-se se o tal aparente consenso em favor dos Direitos Humanos não teria sido registrado como parte do processo de luto no pós-guerras. Ou ainda se não seria apenas um discurso que segue encobrindo a maioria, transformada em minoria excluída, mas com alguns poucos casos de sucesso de inclusão ou resgate.

Em alguns casos pessoas foram levadas à responsabilização pelos vícios do entreguerras ou atrocidades durante a Segunda Grande Guerra. Mas a maioria foi anistiada. Investigações foram abandonadas. Na transição dos regimes autocráticos para as refundadas democracias houve escolha pelo esquecimento na maioria dos casos. Em outros a contraposição foi em favor do exercício de memória como condição indispensável para a reconciliação da sociedade “Nessa acepção o que deve ser esquecido é o interdito das narrativas sufocadas e dos crimes acobertados. O esquecimento das dores e violências só pode acontecer como o resultado de um exercício terapêutico de luto e de memória”.  (SILVA FILHO, 2010).

Neste esteio o ativismo judicial desempenhou papel importante em amenizar parte culpa social pela exclusão presente dentro da sociedade. A atuação dos magistrados poderia ser interpretada como o exercício do superego a controlar o id. “O luto indica uma readequação psíquica à realidade, visto que sem ele o objeto perdido continua a existir, a sua perda não é processada. É o luto que torna possível a reconciliação, dando início a uma nova síntese subjetiva [...]” (SILVA FILHO, 2010). A extrair dos objetivos fundamentais da nação a produção de uma sociedade sem preconceitos, a progressivamente incluir as minorias no processo pela efetivação dos Direitos Humanos (ou Direitos Fundamentais)

 

§ Considerações Finais

  

Como visto, o ativismo Judicial é um fenômeno que avança mundialmente. Supomos fazer parte do processo de enraizada mentalidade colonizada que segue buscando inspiração em modelos do norte geográfico. Fato é que intervenção do judiciário na função de legislar ocorre devido a procura frequente da sociedade por solução de seus conflitos em circunstâncias que o ordenamento jurídico não ampara de forma expressa e mas que também que os esquemas de poder político não consegue resolver no tempo e forma adequados. Com isso, instigado, o Poder Judiciário atua como produtor do Direito no momento de fundamentar as decisões, utilizando de princípios lançados na Constituição para orientar comportamento do Estado e da sociedade, garantindo inclusive organicidade ao ordenamento jurídico.

Quando falamos das referências europeias desse movimento vemos que só ocorreu após a implementação de novas constituições no período pós-guerras mundiais. Na referência norte-americana temos a mesma Constituição, porém, com tradição jurídica commonlista o esquema de precedentes permitiu os magistrados resgatarem a ideia do espírito da nação para interpretar o texto constitucional em favor da efetivação das liberdades e da igualdade.

Tais práticas chegaram ao Brasil por apego a literatura e prática jurídica estrangeira. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal já exprimiram considerar essencial esse tipo de prática, argumentando no princípio da proteção judicial efetiva e tentativa de pacificação social. Destacamos que esta importação é sintoma de mentalidade colonizada, que a atuação para afirmar o argumento vitorioso não é a única alternativa. Em perspectiva a contínua intervenção judicial acaba por reforçar o simulacro de normalidade social. Enquanto alguns conseguem efetivar aspectos de sua dignidade, milhões seguem mantidos à margem, encobertos, silenciados.

Ademais, o poder judiciário deve ser fiscalizado pelos outros poderes como forma de restringir decisões que ferem a Constituição Federal de 1988, que é a base para toda e qualquer decisão. O recurso ao processo judicial impede que se efetive a democracia cidadã pelo diálogo aberto e franco entre os diferentes setores da sociedade. Não podemos deixar de destacar que o Brasil pode de maneira genérica ter sido parte do Novo Constitucionalismo, mas está fortemente amarrado a uma cultura jurídica do Direito Moderno, ainda presa ao juspositivismo. Dessa sorte, o esquema de separação de poderes, com o seu conjunto de freios e contrapesos, segue como parte de nosso paradigma. A fiscalização entre os poderes considerando o direito escrito segue o padrão. Isso exige que os magistrados se atenham as garantias e direitos fundamentais, como imutáveis dentro de um contexto lógico, para que isto leve a uma segurança jurídica considerada necessária, necessária.

A segurança jurídica ainda é um requisito muito relevante neste tema, porque ela garante o equilíbrio social. A Constituição é defendida como texto referência, donde os indivíduos devem se inspirar para a prática perante outros e sempre usar de parâmetro para identificar se as ordens ou decisões proferidas o foram pelas autoridades competentes. A falta de consistência de decisões proferidas pelo Judiciário não contribui para a consolidação de valores constitucionais na sociedade. A inconsistência enfraquece o assentamento de valores.

O ativismo judicial tem funcionado como uma ferramenta para auxiliar na efetivação dos direitos sociais. Mas deve ser utilizado com cautela e de forma direcionada, ou seja, o seu uso deve ter fiscalização constante, de forma que cada poder tem sua função definida com autonomia e independência. Essa atuação não deve neutralizar o necessário debate social sobre os projetos públicos de prestação de tais serviços sociais. E mais, mas quando os magistrados usarem de sua função para que seus próprios interesses sejam colocados acima dos interesses do coletivo, os demais poderes devem atuar como repressores.

Por fim, fica o estímulo para que se estudem as alternativas decoloniais de administração dos conflitos sociais. Especificamente nos fundamentos em favor de uma mediação consensual estimulada pelos instrumentos do Estado a permitir uma troca livre de experiências, de ideias e de teorias. Com destaque para o fato de que não se espera haver uma posição vitoriosa, pelo contrário, esforço para que não exista pressão por posição finalística e sim um convite para contínua discussão e, por ela, construção e revisão do Direito.

 

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Informações adicionais e declarações dos autores

(integridade científica)

 

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration): os autores confirmam que não há conflitos de interesse na realização das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

 

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declaration of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores; todos os coautores se responsabilizam integralmente por este trabalho em sua totalidade.

 

·      Vladimir Pinto Coelho Feijó: projeto e esboço inicial (conceptualization), desenvolvimento da metodologia (methodology), coleta e análise de dados (data curation), levantamento bibliográfico (investigation), revisão bibliográfica (investigation), redação (writing – original draft), participação ativa nas discussões dos resultados (validation), revisão crítica com contribuições substanciais (writing – review and editing), aprovação da versão final.

 

·      Thiago Filipe Martins Bicalho: coleta e análise de dados (data curation), levantamento bibliográfico (investigation), revisão bibliográfica (investigation), participação ativa nas discussões dos resultados (validation), revisão crítica com contribuições substanciais (writing – review and editing), aprovação da versão final.

 

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of originality): os autores asseguram que o texto aqui publicado não foi divulgado anteriormente em outro meio e que futura republicação somente se realizará com a indicação expressa da referência desta publicação original; também atestam que não há plágio de terceiros ou autoplágio.

 

Dados do processo editorial

· Recebido em: 17/12/2020

· Controle preliminar e verificação de plágio: 17/12/2020

· Avaliação 1: 25/01/2021

· Avaliação 2: 21/02/2021

· Decisão editorial preliminar: 21/02/2021

· Retorno rodada de correções: 14/03/2021

· Decisão editorial final: 14/03/2021

· Publicação: 25/03/2021

Equipe editorial envolvida

·  Editor-Chefe: FQP

·  Assistente-Editorial: MR

·  Revisores: 02

COMO CITAR ESTE ARTIGO

FEIJÓ, Vladimir Pinto Coelho; BICALHO, Thiago Filipe Martins. Uma leitura decolonial sobre o ativismo judicial. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, v. 7, n. 02, e313, jul./dez. 2020. doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v7i02.313. Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/313. Acesso em: dia mês. ano.



* Editor: Prof. Dr. Flávio Quinaud Pedron. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4259444603254002. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4804-2886.

[1] Doutorando em Direito Internacional pela PUC/MG. Mestre em Direito pela UFMG. Bacharel em Direito pela UFMG. Professor do curso de Direito do IBMEC/MG e da Faculdade Arnaldo Janssen. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0104840470014832. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-9567-1792.

[2] Doutorando em Direito Internacional pela PUC/MG. Bacharel em Direito pela PUC/MG.Lattes: http://lattes.cnpq.br/6076672665725878. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9958-8569.

[3] Las formas de constitucionalismo adoptadas en nuestra región desde el siglo XIX importaron y superpusieron a esa abigarrada complejidad y pluralismo sociocultural unos esquemas simples basados en la idea de constitución racional –entendiendo esta en el sentido del constitucionalismo demoliberal de origen norteamericano o europeo–, normativismo positivo – entendiendo por Derecho exclusivamente el de creación y aplicación estatal–. De esta forma, la idea de Constitución y de su supremacía importada en la organización de los estados de nuestra América responde más a una visión monocultural y jurídicamente monista.

[4] Sin embargo, estas nociones del monismo, la estatalidad, la sistematicidad y el cierre del Derecho moderno, parecen cada vez menos adecuadas para explicar su funcionamiento en sociedades atravesadas por diversas formas de Derecho en un contexto de globalización económico financiera, de crecientemente solapamiento y movilidad de las fronteras culturales, de movilidad de flujos de población, y de emergencia de espacios supranacionales políticos y económicos integrados. Menos aún para sociedades poscoloniales, como las de nuestra región, donde la complejidad de las formaciones sociales muestra la coexistencia de distintas formas de vida, cosmovisiones acerca de la relación entre persona-sociedad-naturaleza, y derechos consuetudinarios coexistiendo junto a la organización y el derecho estatales.

[5] […] how many people realize that the ACLU has argued more women's rights cases before the Supreme Court than any other American organization? That the ACLU was the first national organization to call for the right of all women to terminate an unwanted pregnancy, and the first to argue for such a right in the Supreme Court? That, since the 1970s, the ACLU Reproductive Freedom Project has handled approximately eighty percent of all reproductive freedom litigation nationwide?