Direito, narrativa e imaginário social: A representação do feminino e a legitimação da violência contra a mulher

Law, narrative and social imaginary: The representation of the feminine and the legitimation of violence against women

 

 

Henriete Karam[1]

Centro Universitário FG (UniFG) – Guanambi/BA

[email protected]

 

Rosa Lima de Araújo Castro[2]

Centro Universitário FG (UniFG) – Guanambi/BA

[email protected]

 

RESUMO: Este trabalho, que se insere no campo dos estudos em direito e literatura, tem como objetivo investigar em que medida a representação do feminino nas narrativas produzidas pela coletividade e instituídas em seu imaginário social podem legitimar a violência contra a mulher e, como consequência, colaborar para a ineficácia da aplicação da lei penal vigente no ordenamento brasileiro. Parte-se dos pressupostos oferecidos pelo campo do Direito e Literatura para examinar questões teóricas atinentes à representação do feminino e ao imaginário social. Na sequência, é apresentado o estudo de um caso que foi realizado: são analisadas as diferentes versões da história de Leocádia – narrativa mítico-fundacional da cidade de Guanambi –; discutidos os dados obtidos no levantamento do número de homicídios cometidos no município em 2014 e dos júris, a eles correspondentes, que já ocorreram; e, por fim, com base em tais dados, avaliada a eficácia do direito na proteção à mulher. Tal percurso permite concluir que a inefetividade da aplicação da lei penal na proteção à mulher vincula-se à ausência de prestação jurisdicional e à violência justificada pela culpabilização da vítima, resultando na impunidade do agressor.

Palavras-chave: Direito e literatura. Direito penal. Mito de Leocádia. Guanambi. Violência contra a mulher.

ABSTRACT: This work, inserted in law and literature studies, aims to investigate if the representation of the feminine in the narratives produced by the community and instituted in their social imaginary can legitimize violence against women and, as a consequence, colaborate for the ineffectiveness of the application of the criminal law in force in Brazil. It starts with the assumptions offered by the studies of Law and Literature to examine theoretical issues related to the representation of the feminine and the social imaginary. In the sequence, the study of a case that was carried out is presented: the different versions of the history of Leocádia - mythical-foundational narrative of the city of Guanambi - are analyzed; discussed the data obtained in the survey of the number of homicides committed in the municipality in 2014 and the juries, corresponding to them, that have already occurred; and, finally, based on such data, the effectiveness of the law with regard to the protection of women is assessed. This path allows us to conclude that the ineffectiveness of the application of the criminal law in protecting women is linked to the absence of jurisdictional provision and to the violence justified by blaming the victim, resulting in impunity for the aggressor.

Keywords: Criminal law. Guanambi. Law and literature. Leocadia myth. Violence against women.

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 DIREITO E LITERATURA; 1.1 O feminino e sua representação no imaginário social;1.2 Leocádia: tragédia grega no sertão baiano; 2 A CRIMINALIDADE CONTRA A MULHER NO MUNICÍPIO DE GUANAMABI; 2.1 Homicídios no ano de 2014; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.

 

SUMMARY: INTRODUCTION; 1 LAW AND LITERATURE; 1.1 The feminine and its representation in the social imaginary;1.2 Leocádia: Greek tragedy in the Bahian hinterland; 2 CRIMINALITY AGAINST WOMEN IN THE CITY OF GUANAMABI; 2.1 Homicides in 2014; FINAL CONSIDERATIONS; REFERENCES.

 

§ INTRODUÇÃO

 

A pesquisa que deu origem a este trabalho[3] inscreve-se na intersecção entre Direito e Literatura – conforme delimitações estabelecidas por Richard Posner (1996 [1988]), Thomas Morawetz (1996), Ph. Malaurie (1997) e François Ost (2005 [2004]) – e buscou investigar os possíveis efeitos das construções narrativas que são produzidas por uma comunidade e que conformam seu imaginário social na (in)efetividade da aplicação da justiça.

Três eixos nortearam a investigação aqui apresentada: o primeiro, que remete ao paradigma conceitual e seus pressupostos, compreende tanto a concepção do Direito como construção discursiva e o caráter narrativo do Direito – postulados dos estudos em Direito e Literatura[4] – quanto a relação entre Direito e imaginário social; o segundo eixo, que fornece subsídios teóricos de matiz sociológico, abarca a representação do feminino, em sociedades com configuração social e política marcadamente patriarcal[5], as relações de gênero e a violência perpetrada contra a mulher; e o terceiro eixo diz respeito ao estudo de caso que ilustrará as questões jurídicas que interessam abordar, bem como à metodologia e aos procedimentos adotados na coleta, tratamento e análise dos dados.

Tais dados são relativos a homicídios que ocorreram no município de Guanambi (BA), durante o ano de 2014, tendo chamado particular atenção aqueles em que as vítimas eram profissionais do sexo, sobretudo em razão da invisibilidade dolorosa desses crimes – que, frise-se, permanecem até hoje sem a devida elucidação -, pois, apesar das notícias veiculadas em sítios eletrônicos e em jornais locais, eles não despertaram grande interesse das autoridades locais e da população.

Destaque-se que, independentemente da região do país ou da unidade da Federação, a violência contra a mulher atinge, no Brasil, taxas alarmantes[6]. Como se trata de fenômeno que está disseminado por todo o território nacional, que tem uma raiz estrutural fundada nas relações de gênero e que encontra sua forma mais extrema no feminicídio, não havia significativa disparidade ao se comparar o número de homicídios de Guanambi, município localizado na região do semiárido baiano, com o de outras cidades da Bahia, da região Nordeste ou do país. Tampouco se podia atribuir uma feição peculiar à omissão do poder público e da própria sociedade organizada diante da violência contra a mulher e, em particular, quando a vítima é profissional do sexo.

No entanto, Guanambi constitui um caso paradigmático se a pretensão for explorar, descrever e explicar[7] o fenômeno da violência contra a mulher e da impunidade dos agressores, uma vez que sua configuração social e política marcadamente patriarcal legitima relações de poder e de desigualdade entre homens e mulheres, que transparecem já em seu mito fundador: a história de Leocádia. 

Assim, o trabalho tem em vista duplo objetivo: de um lado, investigar a relação entre a representação do feminino nas narrativas locais e a construção de um imaginário social; e, de outro, avaliar em que medida tal construção pode favorecer a violência contra a mulher, promover o processo de “naturalização” dessa violência e, consequentemente, resultar na ineficácia da aplicação da Lei Penal na proteção à mulher.

Em consonância com esse duplo objetivo, o texto está dividido em duas partes. Na primeira, além das questões teóricas pertinentes à representação do feminino e à construção do imaginário social, são apresentadas as diferentes versões narrativas, orais e escritas, da história de Leocádia e identificados seus respectivos elementos figurativos, bem como os conteúdos temáticos e ideológicos a eles vinculados, a fim de identificar as representações de feminino nelas oferecidas. Na segunda parte do texto, constam tanto os dados que foram coletados, junto à Polícia Civil e ao Judiciário de Guanambi, referentes aos homicídios de mulheres cometidos no ano de 2014, quanto a análise comparativa dos índices de (a) homicídios de mulheres, (b) júris a eles correspondentes e (c) condenações, no âmbito do município de Guanambi.

Tal percurso, acredita-se, possibilita avaliar e compreender as potenciais relações entre a representação do feminino no imaginário social e a ineficácia da aplicação da Lei Penal na proteção à mulher. Afinal, o fato de a violência ser legitimada favorece que se configure a certeza da impunidade.

 

1          DIREITO E LITERATURA

 

A pesquisa acadêmica que se inscreva no âmbito dos estudos em direito e literatura e, mais especificamente, na corrente denominada direito na literatura – adotando classificação empregada por Richard Posner (1996 [1988]), Thomas Morawetz (1996), Philippe Malaurie (1997) e François Ost (2005 [2004]) – deve partir de algumas premissas básicas que se relacionam com o paradigma da linguagem e que se fundam na concepção de que o Direito é um fenômeno discursivo e narrativo (KARAM, 2017A). A natureza discursiva e o caráter narrativo do Direito evidenciam sua intrínseca intersecção com os mitos, as narrativas orais e os textos literários. Mas o Direito não se restringe ao conjunto de Leis, ao ordenamento jurídico de determinada sociedade, o Direito é violência (COVER, 1986; 2016), é exercício do poder estatal sobre a esfera do ser, limitando e interferindo em sua existência.

Além disto, há de se considerar as forças sociais que atuam sob e na produção jurídica[8]. Esses dois conglomerados (sociedade e direito) exercem constantes e recíprocas influências, provocando duras transformações em suas esferas. Assim, se estudar o imaginário social é também observar os fenômenos jurídicos, a literatura - por se tratar de uma manifestação artístico-cultural que faz uso da palavra e que, em sentido amplo, abarca também os mitos e as produções narrativas oriundas de relatos orais – ocupa posição privilegiada na problematização de construções do imaginário social que operam no âmbito do direito[9], tendo em vista “a capacidade do texto literário de nos oferecer tanto múltiplas leituras e interpretações do real quanto a compreensão do sistema simbólico erigido na busca de atribuição de sentido às experiências humanas” (TRINDADE; KARAM; AXT, 2017, p. 15). Esta seção, dedicada à representação do feminino no imaginário social, se subdivide em duas subseções. Na primeira, serão abordados aspectos relativos ao feminino e à sua representação, com base nas formulações de Simone de Beauvoir (2016) e Elizabeth Badinter (1986); e os conceitos de imaginário empregados por Jean-Jacques Wunenburger (2003), Charles Taylor (2004), Peter Berger e Thomas Luckmann (2004). Os conceitos e temas desenvolvidos na primeira parte, de cunho essencialmente teórico, constituem os subsídios para o case que é introduzido com a apresentação das diferentes versões do mito de Leocádia, seguida da análise de seus elementos narrativos[10], enfocando questões relativas à narrativa mítica e à composição trágica, em suas intersecções com o feminino e o direito, a partir de postulados de Claude Lévi-Strauss (1985), Nicole Loraux (1986) e Henriete Karam (2016).

 

1.1   O feminino e sua representação no imaginário social

 

Para abordar a representação do feminino no imaginário social – seja do ponto de vista abstrato e genérico, seja no exame de uma situação específica, como se pretende no estudo de caso a ser apresentado a seguir -, é importante ter em mente a articulação construída entre o que se define ser da ordem da natureza e aquilo que pertenceria à esfera da cultura. Isso porque, à diferença anatômica entre os sexos, que possibilita identificar os traços fisiológicos que diferenciam o corpo da mulher e o corpo do homem, somam-se os lugares que a cultura confere ao feminino e ao masculino (KARAM, 2002).

A definição de imaginário social depende da compreensão de um sentimento, a empatia, e obviamente do seu exercício em sociedade. Charles Taylor (2004) define imaginário como um emaranhado complexo, composto por expectativas que depositamos sobre os outros, e o senso de compreensão/entendimento/empatia inerente ao jogo social da vida comunitária.

Pensando nos povos originários Elizabeth Badinter (1986) destaca a complementariedade existente nas relações sociais. Em sua obra Um é o outro, ela explica como a convivência ancestral homem/mulher se amoldava de forma harmônica, quase como o que os orientais chamam de yin/yang. Para Badinter, masculino e feminino dividiam funções igualmente importantes no desenvolvimento da comunidade.

Através da agricultura e da criação dos filhos (sobretudo, ensinando a linguagem), a mulher marca seu papel fundamental no surgimento da sociedade tal qual a conhecemos. Porém, se nessa fase da história humana as tarefas realizadas por ambos são igualmente importantes, como se forma o patriarcalismo?

Antes de adentrar nessa questão, uma pequena observação. A deusa da fertilidade em diversas culturas ancestrais (Céres, Gaia, Aditi...) é personificada como uma mulher. Tal fato pode ser visto como honrosa deferência, como entende Badinter (1986), ou como mais uma forma de exclusão do feminino do plano real da existência, conforme alerta Beauvoir (2016). Hoje, em uma cultura cristã, como a que se observa no Brasil, deus tem sexo e é menino. À mulher (sofredora, mártir, cândida), resta ocupar algum altar como Santa. Observa-se a exceção a essa exclusão em religiões de matriz africana, que incluem a mulher como ser autônomo, na veneração de figuras femininas como deidades plenas.

Retomando a questão do patriarcalismo, para Badinter (1986), o que forma tal padrão ideológico é o medo, o medo do feminino: “Embora reduzida a quase nada, a mulher sempre constitui um perigo no imaginário do homem” (BADINTER, 1986, p. 70). Através da criação de mitos, lendas e narrativas se estabelece um local hierarquicamente superior ocupado pelo homem. Conta-se a história pelas mãos do “vencedor”.

Beauvoir (2016) refuta completamente a ideia de que houve, em qualquer tempo, harmonia entre os sexos[11]. Para a autora, os judeus, os negros, os protestantes, os burgueses são agrupamentos solidários entre si. Já a condição biológica feminina, por si só, não cria nenhum laço de reciprocidade. Nesse sentido, a mulher branca será solidária ao homem branco, mas dificilmente à mulher negra. Daí pode-se compreender a necessidade do surgimento, na contemporaneidade, do feminismo negro (MALTA; OLIVEIRA, 2016).

Segundo Taylor (2004), o imaginário social forma o “senso comum”, que faz possível a propagação de determinadas práticas sociais, como se elas fossem legítimas. Assim, a propagação da superioridade masculina em todas as esferas, pelo discurso, pelas imagens míticas, pela linguagem, confere legitimidade às ações de poder arbitrariamente perpetuadas pelo homem (e, pior, sua aceitação passiva, por parcela significativa de mulheres).

Interessante a observação faz Ismério (1995, p. 37) ao sublinhar que a formação do sistema cultural brasileiro sofre vasta influência da moral positivista e, também, cristã (católica). Segundo a autora, o positivismo e a Igreja Católica guardam um ponto em comum: em ambos, a mulher figura como guardiã da moral e do culto religioso. Assim, é responsável por propagar os símbolos e signos da cultura, na medida em que os reproduze no ambiente familiar, obviamente na criação dos filhos. Surge, assim, o “arquétipo” da Virgem Maria como modelo a ser seguido para cumprir essa nobre missão.

 No entanto, as características do feminino forjadas pela cultura são ancestrais. Em seu estudo sobre o mito e a tragédia, Campbell (2007) aborda a representação do feminino a partir da trajetória do herói: é somente quando sua aventura chega ao ponto fulcral, ao clímax, que se dá o encontro do herói com a Deusa. O foco está sempre na figura masculina, no “herói”; enquanto a imagem da “Rainha-Deusa-do-Mundo” (2007, p. 72) e sua representação mítica estão atreladas à mulher casta, à irmã, à mãe, jovem e bela, consolo e prêmio obtido depois de todas as provações, símbolo de perfeição divina, de nutrição, mas que também carrega seu lado sombra. É nessa contradição que reside a chave da compreensão imagética. Ela é também, e ao mesmo tempo, a mãe-megera, ausente, opressora, punitiva, a mãe fruto do desejo inalcançável (Édipo).  Tal é o caso de Diana, que Campbell (2007) evoca como exemplo: a deusa da caça, belíssima, que ao ser vista desnuda por Actéon, o transforma em cervo; desesperado, o mancebo saí em disparada e, irreconhecível, acaba sendo morto e devorado por seus próprios cães.

 Em outra perspectiva, quando protagonista de uma narrativa mítica, a mulher é agraciada com um consorte imortal por possuir as qualidades de graça e beleza inerentes ao (que se deseja do) feminino. Nesses casos, sobrevém o outro (único) arquétipo admitido, para além da Virgem-Deusa-Sagrada, surge a mulher desejável, como objeto de tentação.

A vulnerabilidade do herói perante o feminino encontra-se, muitas vezes, relacionada ao desejo incontrolável que uma mulher lhe desperta. Na igreja católica, os santos são em regra celibatários, assim como os líderes religiosos. A castidade em si é venerada no mundo cristão, a repulsa ao contato íntimo com a mulher garante limpeza, pureza e salvação. Essa dualidade permeia a descrição do próprio feminino nas narrativas míticas/literárias, por vezes, santa; em outras, puta, porém em todas figuram apenas essas duas opções.

Quanto à representação na sociedade, para Beauvoir (2016, p. 19), moralistas, religiosos, legisladores, filósofos e satíricos deleitam-se em cunhar uma imagem de subordinação resignada da mulher. Na perspectiva biológica, a ciência vincula ser fêmea à ideia de passividade. O corpo da mulher não é ela, mas é “outra coisa”. Ela possui menos força física, tamanho menor, menstrua, engravida. Porém, características fisiológicas não criam valores sociais; a humanidade, através da interpretação desses dados, sim!

Sob o viés histórico, para Beauvoir (2016), desde a fixação do homem em territórios e o estabelecimento de institutos sociais – tais como, Leis, propriedade privada, religião, casamento, política, herança –, a mulher é relegada à posição de inferioridade. A linguagem cria o lugar de inferioridade social. O privilégio biológico coloca os homens em lugar de destaque que se perpetua através dos instrumentos de poder que eles mesmos forjaram.

Peter Berger e Thomas Luckmann (2004) salientam a importância da linguagem (como sistema de sinais) na vida cotidiana. Conforme afirmado anteriormente, desde os primórdios, ensinar a falar sempre foi função desempenhada pela mulher, nas comunidades. A fala é a essência para a compreensão e para a própria existência da vida humana, sendo, portanto, parte fundamental da tessitura do imaginário social.

Em que momento, portanto, que a linguagem (jurídica, social) é instrumentalizada para manifestar o autoritarismo patriarcal? A mesma língua(gem) chamada materna,      quando se trata de língua nativa, geralmente ensinada pela mãe/mulher, transforma-se, também, em meio de dominação. Por quê?

 O ser humano, em sua essência de ser social, busca compreender todos os fenômenos que o rodeiam, o surgimento dos mitos, da religião e de regras sociais é sedimentado nessa necessidade de racionalizar a existência, a experiência da vida. Assim, essa ordem moral e metafísica é necessária, pois tudo deve “fazer sentido”[12].

O entendimento social, factual e normativo, junto à necessidade de compreender como as coisas “sempre acontecem”, perpassa o conceito de imaginário social (TAYLOR, 2005). O mais grave, segundo a percepção desse autor, é que as teorias se infiltram inicialmente nas elites (intelectuais) e depois se dispersam para o todo.

Fato totalmente verdadeiro, como denunciado por Clarisse Ismério (1995) em relação ao positivismo, é que a doutrina de Augusto Comte se propaga facilmente durante o séc. XIX, no Brasil, graças às suas semelhanças com a moral cristã. Perpetua-se a ideologia da elite. Tal corrente científica marca de maneira permanente os costumes e a legislação pátria.

Em conceito mais amplo, Jean-Jacques Wunenburger (2003, p. 11) afirma que o imaginário social é formado por um conjunto de produções do ser humano. As narrativas são expressões do imaginário de um povo, assim como o são as obras de arte, os mitos e as elucubrações mentais adstritas ao plano lógico-abstrato.

Por ser um conglomerado de imagens e textos, o imaginário pode ser interpretado. É desse produto que se extrairia o “sentido secundário direto” (WUNEMBURGER, 2003, p. 12). Porém, o imaginário não é imaginação, e, por não ser fruto do processo criativo do ser humano, por se apresentar como essa massa amórfica, formada por camadas de histórias e imagens, alguns negam sua existência. Mais uma vez, tudo que foge ao controle da racionalidade humana tende, quase como um pensamento cartesiano, a ser negado.

Assim, o conceito de imaginário social pode ser cindido em duas concepções. Na primeira, “é compreendido como um tecido de imagens passivas e sobretudo neutras, não dotadas de existência verdadeira alguma” (WUNENBURGER, 2003, p. 13); e, na segunda concepção, é visto como um sistema mutável, influenciado pela imaginação e sujeito a mudanças na forma de perceber as imagens dentro do espaço e tempo. Adota-se, neste trabalho, a segunda concepção, com a perspectiva de que ele se ordena em uma estrutura lógico-temporal, mesmo com a ausência de regras expressas que o forjem assim.

Retomando a questão já colocada sobre a linguagem, se tudo é manifesto no mundo das ideias e dos fatos através dela, nada mais natural do que esse efeito de “espelho”. Uma sociedade machista, patriarcal e autoritária que se comunica, por seus símbolos, mitos e códigos sociais vai refletir, em todas essas esferas, seus valores intrínsecos.

 

1.2   Leocádia: tragédia grega no sertão baiano

 

As narrativas sobre Leocádia se mesclam com a história da Vila de Beija-Flor, atual município de Guanambi. As fontes de tais narrativas são diversas: além dos relatos orais e do registro em livros que resgatam a história da cidade de Guanambi, há um romance protagonizado por Leocádia (GUIMARÃES, 1991) e uma dissertação de mestrado (PEREIRA, 2010) que aborda as manifestações religiosas a ela vinculadas. As diferentes versões oferecidas remetem, de um lado, ao próprio caráter mítico ou histórico dos eventos narrados e, de outro, às divergências ideológicas que se evidenciam ao se confrontarem tais versões.

De todo modo, tem-se o fato histórico-geográfico de que, situada na região do alto sertão baiano, a Vila de Beija-Flor sempre padeceu com a falta de chuvas, e, em vista disso, nos idos de 1889, iniciou-se a construção de uma barragem, obra que atraiu vários trabalhadores para o povoado.

Segundo o romance-histórico de Elísio Cardoso Guimarães (1991), Leocádia foi uma jovem que, fustigada pela seca, sai em busca de trabalho no povoado de Beija-Flor. Por andar com as vestes rotas, ganha do seu empregador, o coronel José Pedro Dias Guimarães, um corte de chita para a confecção de um vestido.

Dona Raquel, esposa do coronel, acreditando que o marido cortejava a moça, manda dois jagunços a matarem e trazerem, como prova, um seio da jovem. Assim foi feito. O seio é cozido e servido ao coronel no jantar, que desavisado, pratica o ato de canibalismo. O corpo da menina é jogado em um “caldeirão”, fenda na rocha em lajedo, cheia de água de chuva, onde é encontrado dias depois.

Conforme essa versão (GUIMARÃES, 1991), os dois jagunços terminam loucos, sendo encontrados mortos em estado de putrefação avançada. Já dona Raquel teria fugido para São Paulo com as filhas e o marido.

A área onde o corpo foi encontrado tornou-se local de peregrinação, Leocádia consagra-se como a “Santa do Povo”, realizando, segundo as crenças populares, milagres e curas. A configuração do lajedo enquanto local sagrado é confirmada em registro histórico, efetuado por Thiaquelliny Teixeira Pereira (2010).

Independentemente da história de Leocádia remeter ou não a um evento histórico, interessa analisá-la enquanto narrativa mítica – devido ao seu caráter instituinte, no imaginário social – e destacar alguns elementos que lhe são essenciais.

Observe-se, nesse sentido, que a esposa do coronel em um ato de hýbris[13] provoca uma desordem cósmica que é restabelecida com a morte cruel dos dois jagunços e a elevação da menina ao patamar de santa. No imaginário popular, a justiça, quando exposta em um mito, toma a forma da vingança (divina).

Lévi-Strauss (1985, p. 238) lembra que as sociedades exprimem sentimentos fundamentais através dos mitos. No caso, a violência é retratada no ato bárbaro praticado contra Leocádia. O sociólogo francês ressalta que em diferentes culturas pode observar-se a presença de narrativas míticas estruturadas de maneira semelhante.

Em versão contada por Cotrim (1994), Leocádia era prostituta na antiga Rua das Sete Portas, no povoado de Beija-Flor. O interessante é perceber que essa sensualidade remete à imagem de Santa-Puta, relembrando outras entidades religiosas que por vezes são taxadas de sensuais, sem perder sua, por assim dizer, “capacidade milagrosa”. Interessante trabalho faz Pereira (2010), referindo-se a tais práticas religiosas que envolvem o mito.

Existem variações nas versões do mito/história que se propagaram de forma oral e habitam o imaginário popular. Lévi-Strauss (1985, p. 238) destaca que o mito faz parte da língua, é através da palavra que o conhecemos, e ele provém do discurso.

Até o presente momento, encontramos três versões da história de Leocádia: na primeira versão (GUIMARÃES, 1991), dona Raquel seria uma senhora vingativa, neurótica, enquanto Leocádia assume o papel de moça pura, injustiçada. Na segunda versão (COTRIM, 1994), a esposa do coronel é tida por justiceira, aquela que restabelece a moral e os bons costumes, enquanto a jovem seria uma prostituta. Na terceira e última versão, a senhora mantém o papel de defensora da ordem, e Leocádia aparece grávida do coronel.

Apesar das incertezas que rondam o mito, nos atemos a partir de agora aos pontos em comum que todas as versões trazem, ou seja, à estrutura do mito, propriamente dita.

Leocádia, moça pobre vinda dos confins do Sertão, trabalhou na barragem construída em Beija-Flor no ano de 1889, nos albores da República. Ganhou um corte de chita de um poderoso coronel, o que despertou a fúria de sua esposa ciumenta. Foi brutalmente assassinada por dois capangas. Teve o seio amputado e ingerido involuntariamente pelo coronel em uma refeição doméstica preparada a mando de sua consorte. O corpo da jovem foi lançado em uma fenda rochosa cheia d’água, e ela tornou-se cultuada como Santa no município de Guanambi, Bahia.

Por coincidência (ou não), Leocádia é um nome grego. Sua origem está relacionada à ilha grega de Leucádia e, também, ao vocábulo leuco, que significa branco, puro, iluminado. A história de Leocádia, apesar dos eventos se situarem no sertão baiano, apresenta os elementos básicos da tragédia grega, gênero cujos expoentes foram Sófocles, Ésquilo e Eurípedes.

Nicole Loreaux (1986) escreve um tratado sobre a presença feminina nas tragédias e ressalta que todos os valores são repassados pelas e nas palavras, inclusive a morte. Segundo a autora citada, é verdade que nas tragédias as mulheres costumam morrer de forma violenta (1986, p. 24), mas o elemento mais significativo é a escolha e o uso das palavras quando, no texto ou na encenação, um mensageiro narra a morte de uma mulher: o modo como essa morte é contada evidencia a diferença que se perpetua entre os sexos, pois essa narração de mortes femininas deveria produzir um efeito bem específico no imaginário do público, composto por cidadãos (LOREAUX, 1986, p. 11).

Conforme Loreaux, entre os elementos que caracterizam, via de regra, a morte feminina nas tragédias gregas, estão o desaparecimento do corpo –no caso de Leocádia, tem-se, ainda, o ressurgimento místico do corpo, em lajedo cheio de água  e com forma de caixão – e a ausência  total de testemunhas do crime, seguida da morte ou da perda da lucidez dos assassinos, configurando o que Loreaux (1986, p. 49) chama de admirável  jogo do visível e oculto. Não se vê a morte de uma mulher, apenas seu corpo, e, assim, a ação dramática pode continuar em torno de sua presença silenciosa. Em um espaço opressor, essa seria a maneira feminina de anunciar sua própria tragédia, por meio de seu desaparecimento-morte.

Outro ponto de destaque, na narrativa de Leocádia, é o seio amputado. Teria a jovem sido mutilada ainda com vida? Nenhuma das versões descreve a causa exata da morte, porém, o simbolismo associado a essa parte do corpo feminino, sobretudo nas tragédias, é algo digno de nota.

Com relação à causa da morte, Loreaux (1986) observa que, nas tragédias, três são as regiões do corpo comumente atingidas no golpe fatal: a garganta (dere), os seios (mastoús) e o peito (sterna).

A mutilação e posterior cocção do seio de Leocádia pela esposa “traída” do coronel é, notavelmente, ato repleto de simbolismo. Subtrair um dos maiores símbolos da feminilidade  é subjugar a outra em sua própria existência enquanto mulher. Assim como a nudez, sobretudo se for feminina, carrega certa carga erótica, tal amputação atinge a sexualidade da jovem, “condenada” por sua beleza e encanto.

O uso da narrativa trágica como forma de controle social (do feminino) denota a forma mais perversa do medo (masculino). A utilização “pedagógica” da narrativa que distorce e controla a figura feminina é descrita por Campbell (2007, p. 73) e ocorre, segundo ele, sobretudo nas tradições religiosas, com o objetivo de “purgação, estabilização e iniciação da mente na natureza do mundo visível”. Tal atitude incorre, logicamente, em manipulação ideológica e perpetuação do patriarcado.

Conforme Badinter (1986, p. 112), o medo do feminino é registrado também nas culturas ancestrais. A vagina, bem como os líquidos por ela secretados, desperta pavor em povos como os maori, da Nova Zelândia, e os baruyas, da Nova Guiné. Para eles “o sexo feminino é perigoso por excelência”. O que é temido, em regra, ou é venerado com respeito, ou é excluído, podado, rechaçado, diminuído em sua importância. Na cultura cristã, prevalece a segunda opção.

 Considerando os postulados de Lévi-Strauss (1985) sobre a estrutura dos mitos, é possível identificar pontos de contato entre a “lenda” de Leocádia e outras histórias presentes na mitologia de vários povos. Em rápida análise, tem-se a imagem da moça pobre, belíssima, que é injustamente morta em um ato de vingança e que tem seu corpo profanado. A tais peculiaridades, soma-se o ato de canibalismo, e ela surge no imaginário social como Santa. Percebe-se que, nas construções produzidas em diferentes culturas, a estrutura básica desse tipo de mito não é alterada.

O ato de canibalismo involuntário também é frequente na mitologia, conforme lembra Henriete Karam (2016, p. 82): Tântalo, filho de Zeus, oferece um banquete ao pai com a carne do próprio filho (neto de Zeus), a fim de testar a onisciência dos deuses.

Lévi-Strauss (1985, p. 241) considera que o mito pode ser analisado em três níveis, de acordo com um sistema temporal: no nível da palavra, que pertence ao tempo irreversível; no nível da língua, em que ele é formulado e que remete ao tempo reversível; e, por último, como objeto absoluto. O que essas três abordagens possuem em comum é que, em todas, o mito é linguagem, sendo particularmente interessante que Lévi-Strauss chega a sugerir que, um dia, podemos vir a descobrir que é a mesma lógica que habita os pensamentos mítico e científico.

É bem verdade que, em certa medida, pode-se afirmar que mito e direito são moldados com a mesma matéria-prima: a linguagem. Apesar das formas diferirem diametralmente, sua essência é a mesma.

As mulheres presentes no mito de Leocádia orbitam em torno do Coronel: uma é a esposa submissa; a outra, alvo de sua benevolência. Raquel, silenciada em seu ciúme, torna-se refém do desejo e comete um crime bárbaro. Leocádia, objeto de desejo, considerada linda, é vítima de sua beleza. Em uma sociedade marcada pelo silêncio (feminino), a mulher transita em espaços limitados. Seu lugar de fala lhe é tolhido. Não lhe era permitido questionar o marido ou defender-se de acusações injustamente imputadas.

O que resta à mulher? Resta-lhe o ato ou a resignação, o comportamento incivilizado, destinado àqueles que não possuem linguagem, a vingança de um lado, o sofrimento em silêncio de outro.

Sobretudo no que se refere às tragédias, Campbell (2007) ressalta que a mulher ocupa (apenas) dois lugares, a virgem-mãe-deusa e a mulher-tentação-desejo. Verifica-se que, nas versões da história de Leocádia, ela transita entre esses dois pólos. Ora é a moça pobre, que necessita de ajuda, ora é a puta, amante do homem casado. Também no imaginário esse maniqueísmo se repete. Ao recontar a história, oralmente, parte da população a rotula de uma forma, parte de outra, porém o padrão se repete (até na literatura).

Marilena Chauí (2013) traça interessante paralelo entre a formação do imaginário social e o mito. Para a autora, é um contrassenso manifesto o fato de o brasileiro afirmar ser um povo sem preconceitos, que habita em um país acolhedor, onde há igualdade social e só alegria, e, ao mesmo tempo, vivenciar com naturalidade situações de racismo, machismo e opressão. Para explicar tal contradição, Chauí (2013) recorre ao mito fundador do Brasil.

A possibilidade de se considerar a narrativa de Leocádia um mito fundador da cidade de Guanambi encontra amparo no fato de sua história ser estudada comumente em escolas do ensino fundamental, constando inclusive em cartilha educativa direcionada a crianças, pois constitui conteúdo programático da história do município. Isso permite que se adote, neste trabalho, os critérios postulados por Chauí (2013) para examinar a articulação entre o mito fundador e o imaginário social.

Assim, a narrativa mítica de Leocádia se situa em dois planos: etnológico e antropológico. De um lado, trata da perpetuação oral de uma história, de outro, da solução encontrada pelo imaginário social para elaborar uma contradição, um conflito não solucionado, uma tensão. Todo texto constrói-se na perspectiva de desvelar por qual razão e como essa narrativa influencia a comunidade local em todas as esferas, sobretudo, em condutas sociais e jurídicas.

No mito de Leocádia, o corpo feminino situa-se no centro da tragédia – o seio cortado de uma, o coração partido de outra – e é impregnado de sentido: de um lado, a menina, (possível) alvo do desejo masculino; de outro, a esposa que se sente ameaçada de perder o (único) lugar que a mulher poderia ocupar à época, como objeto do desejo do homem.

Esse lugar silencioso ocupado pela mulher é, nas tragédias, substituído pela ação. Loraux (1986, p. 48) afirma que o ato de quebrar as regras vem sempre acompanhado de sofrimento. O silêncio feminino lança “sinais angustiantes” aos ouvidos, e esses sinais precedem ações também “subtraídas à vista”, ações secretas.

A esposa, tolhida do seu poder de fala, age de forma invisível. Serve a refeição (exótica), cumprindo aparentemente com todas as funções de rainha do lar: silenciosa, casta e trágica.

Nesse sentido, Karam explica a importância da emancipação da mulher, que “só é possível pelo acesso à linguagem, [pela mulher] ocupando a posição de sujeito do desejo, e pela ruptura com a lógica fálica do discurso” (2002, p. 191), condições para que se produza alterações no universo simbólico e, consequentemente, nas relações sociais e jurídicas.

 

2      A CRIMINALIDADE CONTRA A MULHER NO MUNICÍPIO DE GUANAMABI

 

De início é importante salientar que a cultura da violência contra a mulher sustenta-se não só na representação do feminino e na culpabilização da vítima, ambas consolidadas no imaginário social, mas também na impunidade do agressor.  As considerações deste tópico restringem-se à eficácia do direito – ou seja, à efetiva produção de efeitos no tecido social – e à verificação da efetividade da aplicação da Lei Penal, especificamente no que diz respeito ao delito de homicídio cometido contra a mulher, no município de Guanambi – eleito como case deste estudo.

Não se adota, aqui, o termo feminicídio por coerência cronológica. A Lei nº 13.104, que insere oficialmente esse termo jurídico no ordenamento do país, data de 9 de março 2015 (BRASIL, 2015), período posterior ao recorte temporal proposto nesta análise, que inicia em 2014.

Primeiramente, realizou-se a coleta dos dados em Delegacia de Polícia do munícipio. A seguir, foi verificado, na Vara do Júri da comarca, o andamento processual de cada um dos inquéritos pré-selecionados. Por fim, procedeu-se à análise das informações coletadas, bem como ao exame da efetividade da aplicação da Lei Penal na proteção da mulher.

Segundo dados do IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (BRASIL, 2020), nas regiões Norte e Nordeste estão concentrados os mais altos índices de homicídio contra a mulher. No Ceará, no período de 2017 a 2018, os homicídios aumentaram em 278,6%, em Roraima houve um crescimento de 186,8%; e no Acre o crescimento foi de 126,6%. No Brasil, em 2018, a cada duas horas uma mulher foi assassinada.

Quanto ao recorte temporal, o ano de 2014 foi escolhido tendo em vista informações que constam no relatório do Conselho Nacional de Justiça (BRASIL, 2018, p. 148), denominado Justiça em números de 2018. Segundo esse relatório, a fase de conhecimento do processo crime demora em média 2 anos no 1º grau, no Estado da Bahia. Por isto, em tese, haveria tempo hábil para, de 2014 a 2018, ocorrer a conclusão da primeira fase do rito instituído no Tribunal do Júri.  Agregue-se a isso o fato de que o período do levantamento realizado iniciou em 2018 e finalizou em julho de 2019.

 Quando se trata de violência contra a mulher, os delitos mais frequentes e contumazes[14] são a incidência da infração penal prevista no art. 129 do CP ou daquela tipificada no art. 147 do CP (BRASIL, 1940), respectivamente, lesão corporal e ameaça. Entretanto, o recorte temático desta pesquisa é o crime de homicídio previsto no art. 121 do CP. Além de ser o delito atrelado à narrativa de Leocádia, apresentada anteriormente, trata-se de crime grave que ocorre na culminância dos atos de violência perpetrados contra a mulher.

A coleta dos dados foi realizada em cinco fontes, todas vinculadas a órgãos oficiais, o que garante grau de confiabilidade máximo às informações obtidas. Inicialmente, levantou-se o número de homicídios cometidos no ano de 2014, no livro de registros de ocorrências da Delegacia de Polícia Civil da cidade de Guanambi - DPC, 22ª COORPIN. De posse das informações obtidas na DPC, foi verificado, na 1ª Vara dos Feitos Criminais e Anexos da comarca, o andamento de cada um dos feitos, individualmente. Após a obtenção dos números de cada processo, acompanharam-se as tramitações e atualizações através do portal E-SAJ, no portal eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ/BA) até o mês de julho de 2019.

Houve pesquisa de índices gerais e abstratos nos sítios eletrônicos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP/BA) para realizar a análise comparativa dos dados coletados in loco.

No portal E-SAJ, além de confrontados os números de processos obtidos na 1ª Vara Criminal da Comarca de Guanambi, foi realizada busca com base no número do documento na delegacia e com o nome da parte. Os números de inquéritos pesquisados foram sequenciais, variando do 001/2014 ao 500/2014, levando-se em conta apenas os feitos criminais referentes a homicídios. Já no quesito nome da parte, utilizaram-se os seguintes termos de busca: “Mins. Público”, “Ministério Público”, “Defensoria Pública”, “3ª Promotoria”, “’1 Bahia” e “Minist. Público”, “3ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE GUANAMBI – BA”, “Defensoria Pública do Estado da Bahia”. Esses termos foram utilizados por figurarem como polo ativo nos demais processos que foram acessados manualmente.

Foram identificadas disparidades nos dados obtidos, notadamente no que tange ao homicídio de mulheres, conforme se observa na Tabela 1, em que se oferece a sistematização dos dados coletados nos distintos órgãos.

Para a correta análise dos dados, cumpre ressaltar que a disparidade é ainda superior ao que demonstram os números contidos na tabela. Isso porque, dos quatro homicídios registrados na DPC, um não teve sua investigação concluída, não sendo, portanto, remetido inquérito ao Ministério Público.

 

Tabela 1 – Homicídios ocorridos na cidade de Guanambi no ano de 2014

FONTE

VÍTIMAS

homens

mulheres

Total

Livro de Ocorrência da DPC

10

4

14

Portal E-SAJ

10

5

15

Portal SSP/BA

-

-

15

Fonte: Elaboração própria.

Nota: um dos homicídios reportados no livro da DPC teve inquérito inconclusivo.

 

Assim, percebe-se que existem dois processos registrados no portal E-SAJ do Tribunal de Justiça da Bahia, com número de inquérito regular, que não constam no livro de registro de ocorrências da DPC. Esses crimes foram perpetrados contra mulheres. Aí reside a disparidade.

 No livro de ocorrência da DPC de Guanambi constam quatro registros de homicídios com vítima mulher no ano de 2014.

Segundo os dados colhidos: a primeira vítima, L.P.S., foi morta em 16 de março supostamente por E.A.S., gerando processo crime sob o nº 0300726-25.2014.8.05.0088; a segunda vítima, V.V.G., faleceu em 21 de julho, o crime tem como autor M.B.P., e o processo vinculado ao caso correu sob nº 0302451-49.2014.8.05.0088; o terceiro caso refere-se ao homicídio de L.P.S. em 12 de setembro, com suposta autoria de O.P., e gerou processo com nº 0301620-64.2015.8.05.008; já o quarto e último registro refere-se à vítima D., que não possuía nenhum documento de identificação.

Esse último crime não foi elucidado, não havendo, portanto, processo crime nem identificação de suposto autor. Contudo, o fato criminoso foi noticiado por jornais e blogs da região[15]. Segundo tais relatos, a mulher era garota de programa e foi assassinada ao discutir com um cliente que se recusou a fazer o pagamento. O autor do fato fugiu do local do crime e nunca foi identificado pela polícia judiciária ou por testemunhas.

De forma reiterada, afirmou-se que a culpabilização da vítima e a impunidade reforçam a violência perpetrada contra a mulher. A ausência de processo crime e de elucidação dos fatos no caso de “D.” corrobora a percepção explicitada por Gregoli (2017) e reafirmada diversas vezes ao longo do presente texto.

Já nos registros oficiais obtidos no portal eletrônico do Tribunal de Justiça da Bahia são encontrados seis registros de homicídio praticado contra mulher, dois a mais do que o reportado no caderno de ocorrências da DPC. Essa informação confirma a hipótese de que há descaso quando se trata de crimes perpetrados contra vítimas do sexo feminino.

Os feitos criminais sem respectivo registro no livro de ocorrência da DPC são: o processo n. 0301438-15.2014.8.05.0088, cuja vítima é Z.A.S., com homicídio perpetrado em 2 de julho de 2014; e o processo nº 0302402-09.2014.8.050088, referente ao homicídio de L.A.N.C., crime praticado em 9 de junho de 2014.

Assim, ao confrontar as informações colhidas na DPC e no site do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, verifica-se que foram cometidos seis homicídios contra mulheres na cidade de Guanambi, no ano de 2014. Ressalte-se que um desses crimes, contra a vítima D., não foi elucidado, não gerando processo crime e, consequentemente, qualquer tipo de punição ao autor do fato.

 

2.1   Homicídios no ano de 2014

 

Com a junção dos dados colhidos na DPC, nos portais eletrônicos do TJ/BA e da SSP-BA, percebeu-se que, no ano de 2014, foram cometidos 15 homicídios na cidade de Guanambi. Desses, dez foram perpetrados contra vítimas do sexo masculino; e cinco, contra vítimas do sexo feminino.

A sistematização das informações colhidas no portal E-SAJ, quanto ao andamento processual referente a cada homicídio e à verificação de realização de júri no curso da ação penal, constam no Quadro 1, abaixo:

 

Quadro 1 – Acompanhamento processual dos homicídios ocorridos em 2014, na cidade de Guanambi

 

Nº PROCESSO

VÍTIMA

ANDAMENTO PROCESSUAL

JÚRI

1

0302559-78.2014.8.05.0088

Homem

Pronúncia (Fase recursal - Rese)

Não

2

0301018-73.2015.8.05.0088

Homem

Pronúncia

Não

3

0300009-76.2015.8.05.0274

Homem

Citação (réu em local incerto)

Não

4

0302518-14.2014.8.05.0274

Homem

Impronúncia (MP recorreu)

Não

5

0300886-50.2014.8.05.0274

Homem

Pronúncia (Fase recursal - Rese)

Não

6

0302533-80.2014.8.05.0088

Homem

Denúncia recebida. AIJ designada

Não

7

0300881-57.2016.8.05.0088

Homem

Pronúncia (Fase recursal - Rese)

Não

8

0501806-06.2015.8.05.0088

Homem

Denúncia recebida. AIJ designada

Não

9

0501645-59.2016.8.05.0088

Homem

Denúncia recebida. AIJ designada

Não

10

0500660-90.2016.8.05.0088

Homem

Citado (Réu em local incerto)

Não

11

0301620-64.2015.8.05.0088

Mulher

Citado (Réu em local incerto)

Não

12

0301438-15.2014.8.05.0088

Mulher

Absolvido (Inimputável)

Não

13

0302402-08.2014.8.05.0088

Mulher

Preventiva decretada (Réu em local incerto)

Não

14

0302451-49.2014.8.05.0088

Mulher

Julgado (14/06/18)

Sim

15

0300726-25.2014.8.05.0088

Mulher

Denúncia recebida (1ª fase)

Não

Fonte: Elaboração própria.

 

Enfatize-se que o caso de D., vítima de homicídio que ocorreu em 6 de novembro de 2014, com inquérito policial nº 300/2014 e registro na DPC sob o nº 4704/14, não consta no Quadro 1 por não ter sido remetido ao Ministério Público nem, tampouco, autuado como processo criminal. O inquérito restou inconclusivo, não havendo menção ao suposto autor do fato, nem sequer o sobrenome da vítima, nos documentos pesquisados na DPC.

Sabe-se, por notícias divulgadas em blogs da região, que a moça era garota de programa, advinda da cidade vizinha de Janaúba, Minas Gerais, recém-chegada à cidade de Guanambi há apenas três dias e que se chamava D., vulgo Mary. No livro de ocorrências, encontra-se apenas o prenome D., sem nenhuma outra informação que leve à identificação completa da vítima ou do autor do fato.

Nesse sentido, Santos (2016) ressalta o estigma inerente à prostituição, bem como a invisibilidade social sofrida pela profissional do sexo, ocorrente aqui na cidade de Guanambi. O autor aborda questões referentes à vulnerabilidade no local de trabalho em que as mulheres atuam, estando expostas à violência física e verbal, bem como ao contágio de moléstias e à exploração econômica.

Em algumas das versões do mito fundador, Leocádia foi retratada como prostituta. Cotrim (1994) chega a afirmar que o motivo da vinda da moça para a cidade fora a perda de sua virgindade e posterior expulsão da casa dos pais. Segundo esse autor, Leocádia veio residir na casa de uma tia, na Rua das Sete Portas, “lugar onde os homens jovens, ansiosos por mulheres fáceis, pagavam com pouco tostão os doces minutos de amor” (COTRIM, 1994, p. 53).

Voltando à proposta inicial deste tópico, qual seja, a de analisar os homicídios cometidos no ano de 2014, na cidade de Guanambi, será oferecido breve relato dos crimes cometidos contra mulheres, empregando-se o indicativo numérico que consta na primeira coluna do Quadro 1.

No caso 11, a vítima e o acusado conviviam há dez anos, o que ocasionou a morte foi inúmeras facadas desferidas contra vítima, o crime foi cometido em 11 de setembro de 2014 e ainda permanece sem o devido julgamento. Em relação ao caso 13, a causa do óbito foram golpes de machado desferidos no dia 9 de junho, e o acusado era casado com a vítima há dez anos.

O caso 14 envolve vítima e agressor que conviveram juntos por três anos, os golpes que ensejaram o óbito foram perpetrados com um “ferrolho de porta”, seguidos de disparos de arma de fogo, e o fato se deu em 20 de julho de 2014.  No caso 15, a morte resultou de golpes deferidos com uma forte haste de madeira usada para socar sementes em pilão (mão de um pilão), e vítima e agressor conviviam já há seis anos. Todos esses crimes ocorreram na zona rural do município de Guanambi. Na zona urbana, o caso 12 envolveu vítima e autor do fato que mantinham relacionamento há mais de três anos, a arma do crime foi uma tesoura, e o fato ocorreu em 2 de julho de 2014.

O último caso ocorrido na zona urbana não possui menção no Quadro 1, pois, como já explicitado, o inquérito está pendente de finalização: trata-se do caso de D., garota de programa assassinada a tiros após discussão com cliente sobre o pagamento dos seus serviços. Há referências a esse delito no caderno de ocorrências da DPC, bem como nas reportagens já aqui citadas.

Interessante ressaltar que, em metade dos casos reportados, ou seja, em três dos seis homicídios, os autores encontram-se em local incerto e não sabido. Em 100% dos casos, houve envolvimento amoroso ou sexual prévio entre autor do fato e vítima. Por fim, percebe-se que mais da metade dos casos, precisamente em quatro, o que corresponde a 66% dos registros feitos, os crimes foram cometidos na zona rural.

Após acompanhamento processual de cada caso, individualmente, no portal E-SAJ, através do site do TJ/BA, percebe-se que apenas um dos crimes foi levado a júri popular. Em um universo de 15 delitos, isso corresponde à taxa de apenas 6% de julgamentos realizados, o que configura, notadamente, um índice baixo para o período de quatro anos, mas que não difere em demasia dos números obtidos em outros estados. Vejamos.

Confrontando esses dados com pesquisa realizada por Igor Tadeu Silva Viana Stemler, Gabriela Moreira de Azevedo Soares e Maria Tereza Aina Sadek (2017, p.7), verifica-se que o tempo médio de realização do júri é de cinco anos em Minas Gerais, cinco anos e dez meses no Mato Grosso do Sul e de quatro anos e nove meses no Rio Grande do Sul.

O déficit é tamanho que o Conselho Nacional de Justiça, através da Portaria nº 69 de 11/9/2017, criou o mês nacional do júri, com o intuito de dar celeridade e de descongestionar o sistema judiciário. O programa existe desde 2014, quando houve a primeira semana nacional do júri. Segundo dados do último Relatório Justiça em Números, no ano de 2019 a taxa de congestionamento nas Varas do Júri é de 67%, com 721 processos pendentes por Vara (CNJ, 2020).

O programa instituído aconselha que seja dada prioridade, segundo recomendações, em primeiro lugar aos processos com réus presos; em segundo, aos processos que envolvam violência contra mulher. De fato, essa prioridade já é observada na prática, na região que é objeto desta pesquisa.

Tal tendência também se verifica a nível nacional, pois, em outros estados da nação, “o tempo de julgamento tende a ser mais rápido nas situações em que a vítima é do gênero feminino. Casos de violência doméstica foram julgados de forma significativamente mais célere” (STEMLER; SOARES; SADEK, 2017, p. 10).

Conforme os dados colhidos na pesquisa, apenas um dos quinze homicídios ocorridos em 2014, na cidade de Guanambi, foi levado a júri, e, de fato, a vítima era do sexo feminino. Em outro processo – único dentre os quinze analisados que foi submetido a todas as fases processuais e apreciação jurisdicional –, a sentença prolatada ensejou a absolvição do réu por inimputabilidade, e nesse também a vítima também era uma pessoa do sexo feminino.

 

§ CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Neste trabalho, buscou-se avaliar e compreender as potenciais relações entre a representação do feminino no imaginário social e a ineficácia da aplicação da Lei Penal na proteção à mulher.

Tal propósito foi alcançado recorrendo a um estudo de caso que viabilizou reconhecer, na cidade de Guanambi, que a disparidade que se estabelece nas relações de gênero está arraigada socialmente e é perpetuada em narrativas que remetem à fundação da Vila de Beija-Flor.

As figuras femininas que emergem nesse contexto e estão relacionadas ao surgimento do município – Belarmina, Florinda (que dá origem ao nome da Vila, no clamor religioso do “beija das imagens”) e Leocádia – são retratadas por historiadores locais (Dário Teixeira Cotrim, Domingos Antônio Teixeira) como prostitutas, meretrizes, rameiras, mulheres de vida fácil, solteironas aciganadas de muitos homens. 

Contemporaneamente, a vulnerabilidade à violência praticada contra a mulher se agrava no local que é denominado “baixo meretrício”. Além da culpabilização das vítimas, verifica-se a pouca ou nenhuma atuação do poder estatal, bem como a impunidade dos homens que ali agridem e assassinam profissionais do sexo, frequentemente. A cultura da violência se sustenta exatamente nesses elementos.

O reflexo de todo esse caminho de dor e de exclusão foi encontrado na realização de coleta de dados referentes aos homicídios cometidos na localidade estudada, no ano de 2014. Todas as mulheres assassinadas possuíam alguma relação prévia com o agressor, envolvimento sexual ou convívio familiar. Dentre as vítimas, a grande maioria foi morta em seu domicílio, excluindo-se apenas duas: uma alvejada no local de trabalho, e a segunda na casa do homicida (que era seu namorado).

Além disso, é notável o baixo índice de punibilidade e, paralelamente, de realização de sessões do Tribunal do Júri. Em todos os casos estudados, apenas um foi levado ao plenário, fato absurdo se levado em conta o lapso temporal de cinco anos entre o fato e o encerramento da coleta de dados.

Não pode haver efetividade ou, melhor, não se pode nem iniciar a discussão sobre efetividade da Lei Penal, se essa legislação não é sequer aplicada. Não há como trabalhar com funções inerentes à legislação de prevenir, de punir e de ressocializar, se não há a aplicação da norma.

Essas informações revelam algo imprescindível para a compreensão e a defesa da hipótese inicialmente levantada. A violência que assola o feminino está relacionada à questão do gênero, as mortes ocorreram de forma prematura e, tão somente, porque as vítimas eram mulheres.

Ressalte-se que, em algumas versões do mito fundador de Guanambi, Leocádia é figura como prostituta. Essa informação é de suma importância para a compreensão dos pilares que sustentam a cultura da violência na cidade, sendo eles: a culpabilização da vítima e a impunidade do agressor.

A história de Leocádia é conteúdo programático do ensino fundamental, está presente em livros oficiais da educação básica do município, é amplamente difundida e conhecida por todos. Sua história mescla-se com a própria fundação do município e se encontra consolidada no imaginário social.

Causa estranhamento a perpetuação de uma história de dor e de violência que se mistura com o próprio surgimento da cidade. Trata-se da naturalização da barbárie cometida e a legitimação da violência contra a mulher na localidade.

O que não se esperava encontrar, e que faz parte dos desafios e surpresas de toda pesquisa, é que a ausência de punição atinge sobretudo os homicídios perpetrados contra homens.

Em verdade, dos quinze homicídios cometidos no ano de 2014, apenas um foi levado a júri popular, no qual a vítima era do sexo feminino. Importante ressaltar que o outro único caso julgado – com absolvição do réu por ser inimputável e, portanto, sem a realização do júri – também está relacionado com o óbito de uma mulher. De fato, foi possível observar consonância com uma tendência nacional em priorizar o julgamento de crimes relacionados à violência doméstica, tal como consta em uma recomendação do CNJ.

O achado mais significativo da coleta foi que todos os seis homicídios perpetrados contra a mulher foram cometidos por parceiros, amantes, ex-maridos, namorados ou homens que mantiveram algum tipo de envolvimento sexual ou afetivo com a vítima. Nenhuma pessoa do sexo feminino foi alvo da violência “comum” que assola as cidades, como assaltos, brigas, dívidas referentes ao tráfico de drogas...

Inicialmente, pode parecer temerário relacionar esses seis crimes com o mito fundador de Guanambi, que legitimaria a violência contra a mulher. Porém, é inegável que se instituiu em Guanambi o que se denomina cultura da violência.

Tal cultura sustenta-se, de um lado, na culpabilização da vítima e diz respeito, sobretudo, ao menosprezo suportado pela mulher que sofre o ato cruel. De outro lado, a cultura da violência se sustenta no imaginário social, em que prevalecem fortes traços de patriarcalismo e misoginia. Por fim, para fechar o ciclo nefasto da cultura da violência, coroa-se tudo com a impunidade, fato também comprovado pelos dados levantados.

Para a mudança desse quadro, se faz imprescindível a transformação da consciência regional. Espera-se que o presente trabalho contribua para retirar do limbo da invisibilidade aquelas que tanto padecem nas mãos dos homens com os quais se relacionam, bem como que propicie novas reflexões sobre as relações entre o direito, o imaginário social e a violência contra a mulher.

 

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Informações adicionais e declarações dos autores

(integridade científica)

 

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration): as autoras confirmam que não há conflitos de interesse na realização das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

 

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declaration of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores; todos os coautores se responsabilizam integralmente por este trabalho em sua totalidade.

 

·      Henriete Karam: projeto e esboço inicial (conceptualization), desenvolvimento da metodologia (methodology), levantamento bibliográfico (investigation), revisão bibliográfica (investigation), participação ativa nas discussões dos resultados (validation), revisão crítica com contribuições substanciais (writing – review and editing), aprovação da versão final.

 

·      Rosa Lima de Araújo Castro: projeto e esboço inicial (conceptualization), desenvolvimento da metodologia (methodology), coleta e análise de dados (data curation), levantamento bibliográfico (investigation), revisão bibliográfica (investigation), redação (writing – original draft), participação ativa nas discussões dos resultados (validation), revisão crítica com contribuições substanciais (writing – review and editing).

 

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of originality): as autoras asseguram que o texto aqui publicado não foi divulgado anteriormente em outro meio e que futura republicação somente se realizará com a indicação expressa da referência desta publicação original; também atestam que não há plágio de terceiros ou autoplágio.

 

Dados do processo editorial

· Recebido em: 17/12/2020

· Controle preliminar e verificação de plágio: 17/12/2020

· Avaliação 1: 17/01/2021

· Avaliação 2: 26/01/2021

· Decisão editorial preliminar: 26/01/2021

· Retorno rodada de correções: 29/01/2021

· Decisão editorial final: 10/02/2021

· Publicação: 10/02/2021

Equipe editorial envolvida

·  Editor-Chefe: FQP

·  Assistente-Editorial: MR

·  Revisores: 02

COMO CITAR ESTE ARTIGO

KARAM, Henriete; CASTRO, Rosa Lima de Araújo. Direito, narrativa e imaginário social: a representação do feminino e a legitimação da violência contra a mulher. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, v. 7, n. 02, e314, jul./dez. 2020. doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v7i02.314. Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/314. Acesso em: dia mês. ano.



* Editor: Prof. Dr. Flávio Quinaud Pedron. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4259444603254002. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4804-2886.

[1] Doutora em Estudos Literários pela UFRGS. Mestra em Teoria da Literatura pela PUC/RS. Professor de Hermenêutica Jurídica do PPGD da UNIFG. Professora Colaboradora do PPGD da UFRGS. Professora Convidada da Especialização em Psicanálise da UNISINOS. Lattes: lattes.cnpq.br/2731124187247021. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2166-1321.

[2] Mestra em Direito pela UNIFG. Especialista em Direito pela UFBA. Advogada. Lattes: lattes.cnpq.br/1256261040380420. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5430-9949.

[3] Este artigo é um recorte, com acréscimos, da dissertação de mestrado intitulada “Direito, narrativa e imaginário social: a representação do feminino e a legitimação da violência contra a mulher”, que foi defendida, no PPGD da UniFG, por Rosa Lima de Araújo Castro e orientada por Henriete Karam.

[4] Na produção brasileira, destacam-se, entre outras, as contribuições de André Karam Trindade e Lenio Streck (2015), as questões abordadas por Albano Pêpe (2016) e por Angela Espíndola (2018), bem como as reflexões propostas por Henriete Karam (2018) e por Fabio Shecaira (2018).

[5] Sem adentrar nas discussões sobre o uso do termo patriarcado ou sobre a necessidade de sua ressignificação – como apontado por Delphy (1981), Pateman (1993), Scott (1995; 2005) e Saffioti (2011) –, bem como sobre os parâmetros a serem adotados na caracterização da sociedade patriarcal brasileira, emprega-se o adjetivo patriarcal para referir as relações de poder que se sustentam em uma “estrutura simbólica que tem como referencial o masculino e que se encontra fundada sobre a idealização do pênis” (KARAM, 2002) ou, como propõe Pierre Bourdieu (2012), para designar a dominação masculina que, nas relações de gênero contemporâneas, envolve tanto uma dimensão simbólica quanto estruturas inconscientes e representações sociais.

[6] A título de exemplo, chama-se a atenção para o fato de que, de acordo com o recente Dossiê Mulher 2020, “houve registros de 128.322 mulheres vítimas de violência no âmbito doméstico e familiar no estado do Rio de Janeiro em 2019, 6,0% a mais do que no ano anterior. Na prática, foram 10.694 vítimas por mês, 352 vítimas por dia, ou 15 vítimas a cada hora” (MENDES et al., 2020, p. 13).

[7] Cabe esclarecer que, enquanto método de pesquisa, o estudo de caso levanta e analisa dados qualitativos com a finalidade de explorar, descrever e explicar fenômenos atuais. Concentra-se num caso particular que é representativo e pode servir de modelo para a compreensão de casos análogos (YIN, 2015; TRIVIÑOS, 1987).

[8] A clareza no entendimento dessa intersecção é fundamental no âmbito do ensino jurídico, como demonstram os estudos de Angela Espindola e Luana Seeger (2018) e de Alexandre Coura e Bruno Zanotti (2018).

[9] Esse é um dos campos em que se evidencia a proximidade entre algumas investigações dos Critical Legal Studies e do Law and Literature Movement (ROGGERO, 2016).

[10] Nessa análise, segue-se a metodologia proposta por Henriete Karam (2017b).

[11] Para Beauvoir (2016), a definição de mulher passa pela ideia do “outro”. Por mais paradoxal que pareça à primeira vista, ela categoriza a mulher como “o outro”, que se distingue e se desvia do padrão modelar masculino. A esse respeito, convém frisar que, na adoção de um padrão modelar na relação com o outro, encontra-se implicada a tentativa de transformar o outro em um mesmo, o que se contrapõe à própria noção contemporânea de alteridade. Por óbvio, a dominação que subjaz às questões de gênero e a imposição de padrões sociais modelares não recaem exclusivamente sobre o feminino, elas incidem sobre diferentes “grupos minoritários”. Daí a relevância dos estudos que, enfocando as garantias constitucionais, abordam, por exemplo, os direitos das populações LGBTI, seja no que diz respeito ao reconhecimento de união estável homoafetiva e à adoção homoparental (VECCHIATTI, 2019), seja quanto à urgência da criminalização da LGBTIfobia (BOMFIM; BAHIA, 2019), entre outras tantas temáticas.

[12] Considerando que se defende o caráter narrativo do direito, convém acrescentar, aqui, que “o direito trata dessa nossa relação com o mundo, com as coisas” (STRECK; KARAM, 2018, p. 617). Assim,

[13] Vocábulo grego que constitui um conceito da tragédia e pode ser traduzido como desmedida.

[14] Conforme pesquisa do Datafolha (2019), de 1092 mulheres entrevistadas em fevereiro de 2019, 21,8% das foram ofendidas com palavras; 9,5% foram ameaçadas e 18,2% sofreram agressão física. 70,8% afirma não ter sofrido nenhum tipo de lesão.

[15] Segundo registro jornalístico do portal Sudoeste da Bahia, a vítima D. foi alvejada diversas vezes por arma de fogo e morta por um cliente em boate na cidade de Guanambi. Disponível em: http://www.sudoestebahia.com/noticias/10021-2014/11/06/guanambi-clente-mata-garota-de-programa-em-uma-boate. Acesso em: 11 fev. 2019.