Privatizações e soberania nacional: caso Telebrás

Privatizations and national sovereignty: Telebrás case

 

 

Fernanda Cristina Covolan[1]

Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP) – Engenheiro Coelho/SP

[email protected]

 

Gabriel Weber Thomas[2]

Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP) – Engenheiro Coelho/SP

[email protected]

 

RESUMO: Esta pesquisa tem o intuito de aclarar o tema de privatizações, partindo de seu contexto histórico e jurídico, até o caso da privatização do setor de telecomunicações no Brasil, considerando as medidas dos governos de Fernando Collor e FHC (Fernando Henrique Cardoso) para combater crises econômicas de acordo com as diretrizes do Consenso de Washington. Em seguida, reflete sobre os efeitos da transferência de Telecom da Telebrás para a iniciativa privada, a reordenação da atuação estatal, e suas consequências para a soberania nacional no setor. Por fim, analisa as privatizações em um setor de infraestrutura e a importância do investimento estatal em produção e desenvolvimento de tecnologias nacionais, a fim de preservar a supremacia dos interesses pátrios frente ao capital estrangeiro com a independência de tecnologias importadas.

Palavras-chave: Direito econômico. Privatização. Soberania nacional. Telecomunicações. Tecnologia.

ABSTRACT: This research aims to clarify the subject of privatizations, starting from its historical and legal context, up to the case of privatization of the telecommunications sector in Brazil, considering, in this way, the measures of the governments of Fernando Collor and FHC to combat economic crises according to the Washington Consensus guidelines. Then, it reflects about the effects of the transfer of Telecom to the private sector, the reorganization of state action, and its consequences for national sovereignty in the sector. Finally, it analyzes privatizations in an infrastructure sector and the importance of state investment in the production and development of national technologies, in order to preserve the supremacy of national interests over foreign capital with the independence of imported technologies.

Keywords: Economic law. Privatization. National sovereignty. Telecommunications. Technology.

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 CONTEXTO HISTÓRICO E JURÍDICO; 2 PRIVATIZAÇÕES E A TELEBRÁS; 3 SOBERANIA; 4 REFLEXOS NEGATIVOS DA PRIVATIZAÇÃO DA TELEBRÁS; 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS; 6 REFERÊNCIAS.

 

SUMMARY: INTRODUCTION; 1 HISTORICAL AND LEGAL CONTEXT; 2 PRIVATIZATION AND THE TELEBRÁS; 3 NATIONAL SOVEREIGNTY, PRIVATIZATIONS AND TELEBRÁS; 4 NEGATIVE EFFECTS OF PRIVATIZATION; 5 FINAL CONSIDERATIONS; 6 REFERENCES.

 

§ INTRODUÇÃO

 

Por meio da Constituição Federal de 1988, o Estado responsabilizou-se por ser o protetor da sociedade que o compõe, obrigando-se a prover uma vida digna aos cidadãos, os quais têm direito à segurança, saúde, educação, moradia, bem como às demais garantias fundamentais dispostas pelo texto constitucional.

Contudo, a efetividade e qualidade na prestação dos direitos que se obrigou a assegurar podem ser prejudicados, caso o Estado atue diretamente na economia em setores que não são determinantes para a segurança nacional e manutenção da soberania, pois a administração é dificultada quando há uma sobrecarga de atribuições além das necessárias. 

Como objeto deste estudo está a transferência de atividade econômica estatal para a iniciativa privada sob alegação de ser medida adequada para a simplificação da administração pública, a fim de aliviar o peso da burocracia e aumentar a concorrência. Entende-se que a privatização pode incentivar o crescimento econômico, tornando o País mais atrativo para investimentos externos, bem como para se empreender, a exemplo de outros países mais desenvolvidos. Neste trabalho, interessou refletir sobre a privatização da Telebrás, já que houve muitas mudanças no cenário econômico do setor de telecomunicações na década de 1990, mudanças estas que se perpetuam até os dias atuais, com seus reflexos positivos e negativos.

Em face deste contexto, o presente artigo, através de uma análise histórica, visa analisar se a privatização do setor de telecomunicações de fato contribuiu para o desenvolvimento nacional e melhora na prestação de serviços de utilidade pública, considerando os resultados obtidos na atualidade.

Então, analisa-se quais foram os reflexos da privatização da Embratel para com a soberania nacional, uma vez que o setor havia recebido diversos investimentos para o estabelecimento da estatal como provedora de telecomunicações em território nacional, além de refletir sobre a importância dada à pesquisa e desenvolvimento de tecnologias nacionais que estavam sendo exploradas pelo CPqD[3] (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações), as quais visavam reduzir a dependência tecnológica do Brasil.

Por fim, reflete-se sobre os aspectos negativos que as privatizações podem ensejar, e pôr em risco a soberania nacional em decorrência da dependência tecnológica.

 

1          Contexto jurídico e histórico

 

De início, cumpre dizer que o Título VIII da Constituição Federal traz em seu bojo os ditames da Ordem Econômica e Financeira, e é o responsável por regular a atuação estatal no ambiente econômico, estabelecendo os princípios que regem a atuação do Estado na economia, as hipóteses em que sua intervenção na exploração da atividade econômica se justifica e de que modo serviços públicos podem ser explorados pela iniciativa privada.

O artigo 173 da Carta Magna preconiza quais as únicas situações em que o Estado poderá intervir na economia diretamente, explorando certa atividade econômica, condicionando tal intromissão à iniciativa privada em condições, de fato, necessárias:

Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (BRASIL, 1988).

Assim, o Estado poderá explorar a atividade econômica excepcionalmente. Portanto, na ausência dos requisitos determinados pela Constituição, a exploração estatal da atividade econômica em um setor determinantemente privado não deve persistir (BEZERRA, 2008, p. 23), a qual pode ser transferida para a iniciativa privada como meio de reduzir a interferência do Estado no ambiente comercial através da privatização.

De mesma sorte, a privatização tem como escopo o afastamento do Estado da exploração direta da atividade econômica, como define o §1º do artigo 2º da Lei nº 8.031/1990:

Art. 2° § 1° Considera-se privatização a alienação, pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade (BRASIL, 1990).

Uma vez compreendido o sentido jurídico de privatização, convém abordar o seu contexto histórico mais recente. Este mecanismo surgiu na Grã-Bretanha, no final dos anos 70 e início dos anos 80, sob o comando de Margareth Thatcher. Esta iniciativa baseada em forte viés ideológico de caráter neoliberal, resultou em um intenso processo de transferência para o setor privado de atividades até então administradas pelo Estado, como o fornecimento de água, eletricidade, petróleo e afins, incluindo os setores considerados estratégicos, bem como os serviços de utilidade pública (MOREIRA, 1994, p. 98).

A propagação do neoliberalismo foi conduzida por dois principais precursores: Margaret Thatcher e Ronald Reagan. A partir destas iniciativas, a efetivação do neoliberalismo econômico tornou-se um pressuposto de que “não havendo intervenção econômica governamental, as economias nacionais e mundial podem operar de forma mais eficiente, aproximando-se dos modelos dos mercados perfeitamente competitivos.” (PENA, 2008, p. 30).

 Em meados da década de 1980 o movimento tornou-se internacional, com diversos países europeus adotando políticas neoliberais em seus governos e promovendo medidas de privatização como forma de enfrentar a crise econômica mundial, que alegavam derivar do intervencionismo Estatal em razão do protecionismo do Estado desenvolvimentista que vigorou após o fim da Segunda Guerra Mundial.

As tensas relações internacionais também incentivaram a difusão das privatizações. Com os Estados Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em um agressivo embate ideológico durante a Guerra Fria, a maioria dos países da Europa se opuseram a quaisquer medidas que significassem aumentar o poder do Estado (ANDERSON, 1995, p. 2).

Em 1989, em um seminário organizado pelo IIE (Institute of International Economics) sediado em Washington, reuniram-se economistas latino-americanos, economistas do FMI, do Banco Mundial, representantes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo dos Estados Unidos da América (BRANDÃO, 2017, p. 5).

O seminário tinha como objetivo primário a análise da situação econômica da América Latina para fins acadêmicos e discutir quais medidas que deveriam ser tomadas pelos países latino-americanos, que se viam com grandes dívidas externas, um cenário de hiperinflação e em recessão econômica, incluindo o Brasil (ANDERSON, 1995, p. 7).

Tratando-se do caráter inicialmente acadêmico do Seminário que originou o Consenso de Washington, Paulo Nogueira Batista traz o seu entendimento:

Embora com formato acadêmico e sem caráter deliberativo, o encontro propiciaria oportunidade para coordenar ações por parte de entidades com importante papel nessas reformas. Por isso mesmo, não obstante sua natureza informal, acabaria por se revestir de significação simbólica, maior que a de muitas reuniões oficiais no âmbito dos foros multilaterais regionais (BATISTA, 1994, p. 6).

Alicerçados nesta premissa, o FMI, Banco Mundial e o governo estadunidense, no Consenso de Washington, propuseram aos países emergentes a implantação de medidas que reduzissem o protagonismo do governo no ambiente comercial, “mediante a privatização de empresas de propriedade estatal e a eliminação das regulamentações e intervenções governamentais na economia” (STIGLITZ apud PENA, 2008, p. 30).

O Fundo Monetário Internacional, graças às medidas elaboradas no Consenso, passou a orientar oficialmente a adoção de um conjunto formado por dez recomendações que, se acatadas, deveriam promover o ajustamento econômico de países que passavam por dificuldades. As medidas são:

1- Disciplina fiscal para o pagamento da dívida externa; 2- Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infraestrutura, subsídios para setores com maior retorno econômico; 3- Reforma tributária (elevação dos impostos); 4- Liberalização financeira, com permissões para que as instituições financeiras internacionais atuem em igualdade com instituições nacionais nos mercados locais; 5- Taxa de câmbio competitiva; 6- Abertura do comércio exterior, com a redução das alíquotas de importação; 7- Eliminação das restrições ao capital estrangeiro, permitindo Investimento Estrangeiro Direto (IED); 8- Privatização, com a transferências de empresas estatais para o capital privado (nacional e estrangeiro); 9- Desregulação da economia; 10- Direito à propriedade intelectual.[...] (BRANDÃO, 2017, p. 5-6).

Importa ressaltar que tais medidas foram amplamente recomendadas e entendidas como necessárias à recuperação econômica dos mais diversos países, com pouca consideração pela história econômica de cada um deles, muito menos por sua formação ou experiência, consolidando-se como proposta impositiva, ao invés da elaboração de ajustes às diversas realidades, visando recuperações sustentáveis para trazer, além da recuperação econômico-financeira do país frente aos seus credores, também a melhora das condições econômicas da população com diminuição de desigualdade econômica interna.

Na mesma época, o Brasil experimentava sua primeira eleição livre e democrática após décadas de ditadura. A disputa eleitoral foi também uma disputa de escolas econômicas, as quais no segundo turno se apresentaram bastante polarizadas, tendo saído vencedor Fernando Collor de Mello que apresentou em suas propostas o neoliberalismo, com óbvias influências da Agenda de Washington em suas medidas econômicas, acarretando diversas tentativas do Executivo em implantar políticas neoliberais, freadas pela economia desordenada e a inflação absurda, e os malfadados Plano Collor I e II, juntamente com o conhecido confisco dos ativos de conta correntes e aplicações financeiras que não foram capazes de conter o constante crescimento inflacionário (BRANDÃO, 2017, p. 15).

Ainda assim, a década de 1990 viu uma empreitada de transferência de diversas empresas estatais para o setor privado, influenciado por movimentos internacionais alheios às condições e interesses nacionais, guiados por uma escola de pensamento econômico dominado por países desenvolvidos, majoritariamente credores dos países em desenvolvimento, aos quais interessava o ingresso de dólares através de grandes investimentos estrangeiros.

Diante de uma recessão econômica, foi proposto pelo então presidente Fernando Collor o PND (Programa Nacional de Desestatização) criado pelo decreto Lei nº 8.031/90, que tinha como objetivo promover a privatização e reorganizar a economia nacional buscando a estabilidade econômica. A lei trouxe em seu escopo as medidas que seriam adotadas para tentar reverter o péssimo quadro econômico que o Brasil enfrentava. Dentre estas, destaca-se a de “reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público” (BRASIL,1990).

Com uma reforma do Estado e uma onda neoliberal acarretando a criação de programas de transferências de estatais para o setor privado, o PND deu início ao processo de privatização, o que ocasionou um enxugamento administrativo no qual foram extintos um total de 24 órgãos estatais, entre autarquias, fundações e empresas públicas, e o número de ministérios foi reduzido de 25 para apenas 12 ao longo dos anos seguintes(BRANDÃO, 2017, p. 18).

Collor teve um governo curto e turbulento, mas as políticas de privatização foram continuadas pelo presidente eleito no pleito seguinte, Fernando Henrique Cardoso, inclusive de forma mais ordenada, sempre dentro da mesma ordem, como Armando Castelar Pinheiro (1999, p. 166) elucida:

Com as grandes vendas de 1997-1998, o Brasil foi capaz de atrair elevados montantes de investimento direto estrangeiro, que ajudaram a financiar os altos déficits em conta corrente, e de evitar a explosão da dívida pública, a despeito dos crescentes déficits públicos registrados desde 1995. Pinheiro e Giambiagi (1999) mostram que em 1995-1997 – isto é, sem contar a venda da Telebrás – a privatização contribuiu para abater a dívida pública no equivalente a 2,1% do PIB. Além disso, os investimentos diretos estrangeiros associados à privatização em 1996-1998 foram equivalentes em média a 14,7% do déficit em conta corrente do país. Vale dizer, a privatização assumiu um papel macroeconômico relevante a partir de 1996.

Verifica-se que as diretrizes do Consenso de Washington apresentaram ao Brasil e a outros países que os problemas relativos ao endividamento externo, inflação, ineficiência das estatais e ingerência dos serviços de utilidade pública poderiam ser sanados pela simplificação da máquina administrativa, redefinição do papel do Estado e abertura da economia, transferindo ao setor privado a responsabilidade de explorar atividades que foram atingidas pela ineficiência e não foram devidamente exploradas, em virtude dos entraves burocráticos inerentes à Administração Pública no período (PICCOLO, 2013, p. 67).

Entretanto, em que pese a necessidade de simplificar a Máquina Pública, as críticas existentes à inserção do Estado em certos setores da economia sempre colocaram em relevo valores mercadológicos de gestão, esquecendo que as atuações do Estado em empresas estatais tiveram, além da exploração da atividade econômica, outros propósitos, como universalidade da prestação do serviço, modicidade, manutenção de controle sobre áreas consideradas estratégicas para a soberania do país, não apenas nas áreas de defesa, mas principalmente, para as de desenvolvimento e economia.

Nesse diapasão, à época, o país mantinha controle sobre a produção de minérios, de siderurgia, e no caso que nos interessa, preservava o domínio sobre as telecomunicações no país, inclusive no que tange ao fomento tecnológico, que permitiu importante desenvolvimento de tecnologia de base, rompendo a dependência nacional dos países mais poderosos economicamente. Ocorre que a independência tecnológica do setor não teve sua relevância reconhecida no processo de privatização do setor.

Porém, a reorientação da política econômica não precisaria significar a saída do Estado da área de C&T, como demonstraram outros países entusiastas da proposta neoliberal, que continuaram fortemente envolvidos com a utilização integrada de políticas de C&T e industrial, fomentando investimentos privados, a demanda, a competição, sustentando a base técnica e a educação. “A atuação do Estado, fundamental para a adaptação e a apropriação do novo paradigma técnico-econômico constituiu a base para a política de inovação adotada pelos governos dos países mais entusiastas da proposta neoliberal” (STEFANUTO, 1993, p. 55).

Assim, no que concerne ao caso em tela, o relevante saldo positivo para as contas públicas da privatização do setor de telecomunicação, e ainda a rápida evolução na diversidade de serviços oferecidos e a dinamicidade para investimentos que as empresas que passaram a explorar este setor gozaram,  não parece ter se preocupado com os ganhos quanto ao desenvolvimento tecnológico que se vinha obtendo, aparentemente em caminho diverso do experimentado em outros países.

 

2          Privatizações e o caso da Telebrás

 

No que se refere à exploração diretamente estatal no setor de telecomunicações, criou-se a Embratel em 1965, com finalidade mais específica de tentar dar mais coesão ao sistema antes existente e responsável pelas ligações internacionais e interurbanas. Sua atividade permitiu o avanço para a transmissão da TV em rede nacional; cresceu a comunicação de longa distância mais de 100 vezes entre 1965 e 1980, houve cabeamento entre o Brasil e outros países da América do Sul, além da expansão de telex de 4 mil em 1974 para 41 mil terminais em 1980 (CROSSETTI,1995, p. 33).

Posteriormente, a Telebrás foi criada em 1972 pela lei nº 5.792 como uma sociedade de economia mista, com o propósito de planejar e coordenar as telecomunicações de interesse nacional e custear suas atividades mediante participação acionária em que o Estado era o acionista majoritário com 51% das ações. Para a época, seu desempenho em oferecer serviços de telefonia aos cidadãos foi consideravelmente bom, uma vez que a densidade de terminais por 100 habitantes passou de 1,9 para 8,1 (TATSCH, 2003, p. 48).

 Criada para figurar como a única provedora de telecomunicações em território nacional, a Telebrás deveria garantir a universalidade da oferta de serviços de telecomunicações, a fim de que os telefones fossem instalados em todas as regiões do Brasil, não se limitando as áreas de alta rentabilidade. Para que isso fosse possível, grandes aportes financeiros estatais oriundos do Fundo Nacional de Telecomunicações (FNT) contribuíam para o financiamento dos equipamentos necessários para a expansão do setor (COVOLAN; LULA, 2017, p. 52).

Apesar de sua breve ascensão, a crise econômica pela qual o Brasil foi atingido em 1975 impôs à União a necessidade de realizar cortes orçamentários, nos quais o Fundo Nacional de Telecomunicações (FNT) foi atingido com uma transferência de gestão para o Ministério do Planejamento. Em 1979, ocorreu sua total desvinculação do setor de telecomunicações, o que acarretou o fim do FNT, e suas receitas foram destinadas ao Tesouro Nacional. Com isso, a iniciativa estatal de subsidiar a nacionalização e independência do setor de telecomunicações foi obstada pelos entraves burocráticos e políticos que impediram o devido financiamento de suas atividades (COVOLAN; LULA, 2017, p. 52).

Nos anos 80, devido à crise que se instalou na economia, a continuidade de expansão das linhas telefônicas ficou prejudicada, impossibilitando os aprimoramentos que o Sistema Nacional de Telecomunicações necessitava, até ao ponto de haver:

[...] uma fila de espera de 13,4 milhões de pessoas inscritas em todo o país em planos de expansão da rede fixa, aguardando as empresas do Sistema Telebrás terem condições de entregar ao cidadão um telefone. Desse total, 7,2 milhões correspondiam à demanda reprimida no Estado de São Paulo. Tatsch (2003, p. 51)

Para que a privatização ocorresse, foi necessária uma reforma para reestruturar a Telebrás. Para Tatsch (2003, p. 66) a privatização implicaria na solução dos problemas de telefonia então existentes, passando para a iniciativa privada a prestação do serviço aos consumidores, enquanto ao Estado caberia o papel fiscalizador de modo a fomentar a livre concorrência e proteção aos consumidores.

Na execução, a Telebrás passou por um processo de cisão, então houve um desmembramento da estatal em 12 companhias holdings em abril de 1998, e em 29 de julho do mesmo ano ocorreu o leilão dessas empresas, as quais foram leiloadas em menos de seis horas. A desestatização da Telebrás foi uma das maiores do mundo, gerando uma arrecadação de U$$ 22 bilhões pela venda das holdings na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (NOVAES, 2000, p. 171).

Novaes (2000, p. 174) defende que o método aplicado para a desestatização do setor de telecomunicações garantiu aos consumidores os ganhos da produtividade dos serviços de forma rápida, com incentivo a um ambiente competitivo para a concorrência.

Nos dias atuais, o uso de telefonia móvel tornou-se corriqueiro ao ponto de ser possível adquirir uma nova linha telefônica a qualquer momento, e acessar a internet por meio de aparelhos celulares, realidade inimaginável à época em que o usufruto destes serviços era disponibilizado para uma pequena parcela dos brasileiros.

Em 20 anos de privatização, as telecomunicações alçaram um voo respeitável: o Panorama Setorial da Anatel relata que em janeiro de 2018 havia 236,2 milhões de assinaturas de telefonia móvel, 40,7 milhões de assinaturas de telefonia fixa, 17,9 milhões de TVs por assinatura, e em dezembro de 2017, 28,7 milhões de assinaturas de internet fixa (ANATEL, 2018).

De fato, reconhece-se que o cenário pós-privatização apresentou maior acesso à telefonia com o aporte significativo de participação da concorrência entre grandes empresas do setor, muitas das quais, aliás, já exerciam forte participação de mercado em seus países de origem.

Tratando-se da transferência da exploração da atividade econômica para a iniciativa privada, entende-se que o Estado pode oferecer ao seu cidadão a oferta de serviços de qualidade, mesmo que não sejam por este diretamente proporcionados, mediante os efeitos da competição existente em uma economia aberta. Em relação ao papel do Estado na oferta de serviços, Ricardo Coelho (2000, p. 367-368) expõe:

A partir do momento em que há um mercado livre e aberto à competição, uma legislação dando apoio ao consumidor para questionar a qualidade e a pontualidade dos serviços que estejam sendo prestados, passa a existir uma maior preocupação dos setores produtivos com o atendimento à qualidade e com a competição dos serviços e produtos oferecidos.

Quando o Estado transfere o exercício de certa atividade para o setor privado, há um processo de redefinição de atuação governamental sobre esta atividade. Exemplificativamente, segundo Moreira (1994, p. 3), este seria o caso da privatização do setor elétrico no Estado de São Paulo e o setor de telecomunicações, nos quais o Estado não atua como empresa, mas como uma agência reguladora (Anatel e Aneel) em prol da manutenção da qualidade dos serviços oferecidos e em defesa do consumidor.

Na qualidade de agente normativo e regulador, o Estado norteia a exploração da atividade econômica, devendo a iniciativa privada pautar-se pelas diretrizes estabelecidas, com o escopo de assegurar o desenvolvimento nacional equilibrado, como dispõe o artigo 174 da Constituição Federal:

Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado (BRASIL, 1988).

 Ao agir no setor de telecomunicações, são atribuições da ANATEL:

a) configuração do conteúdo da oferta de serviços no setor; b) fiscalização do mercado e controle do ingresso de operadores competitivos; c) regulação dos serviços públicos; d) administração dos recursos do espectro de radiofrequências e outros recursos escassos; e) padronização e certificação de produtos e equipamentos; f) controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica; g) competências de arbitragem e resolução de conflitos; h) competências administrativas “estrito senso” e de representação (BEZERRA, 2008, p. 82). 

Intervindo quando necessário, regulando e fiscalizando a exploração da atividade econômica do setor, o Estado beneficia-se em razão da simplificação do processo na elaboração dos ditames para alcançar os seus objetivos para as telecomunicações, em observância ao princípio da eficiência na atuação estatal, além de reduzir os riscos de que interesses puramente políticos venham a obstar o atendimento das demandas dos entes privados, ou dos usuários (BEZERRA, 2008, p. 84).

Ante o supramencionado, conclui-se que a privatização, se devidamente organizada a fim de criar um ambiente de ampla concorrência no setor, é um meio que o Estado pode utilizar para desonerar os custos da administração pública a fim de se reorientar quanto às suas prioridades, as quais devem se ater a garantir o pleno acesso à jurisdição, à saúde, segurança, e à justiça social, remetendo à iniciativa privada a exploração da atividade econômica. Porém, estes objetivos não devem ser alcançados às custas da soberania nacional, o que será abordado no capítulo seguinte.

 

3          Soberania

 

A Constituição da República atribui o valor de cláusula pétrea ao seu artigo 1º, no qual dispõe os fundamentos do Estado Democrático de Direito, frisando a importância da soberania do Estado ao positivá-la no inciso primeiro do respectivo artigo.

 A Constituição Federal expõe os diversos prismas em que a soberania nacional é exercida através do interesse dos seus cidadãos por meio do voto, na esfera econômica, no âmbito militar, dentro do poder judiciário, e em todas as áreas em que seja necessária a defesa dos interesses do Estado (BRASIL,1988).

 Como se vê, o texto constitucional procurou dar relevância à defesa dos interesses do Estado e o cumprimento das garantias a que se obrigou a oferecer aos seus cidadãos. Neste sentido, o Estado atua na prestação daquilo que se incumbiu através de órgãos, autarquias, polícias, empresas e afins, apartando-se de quaisquer influências externas quanto à sua autodeterminação, assegurando a efetivação de suas decisões em seu território.

Conceitua-se soberania como a seguinte máxima: “Soberania é o poder que tem uma Nação de organizar-se livremente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões para a realização do bem comum.” (REALE, 2000, p. 138). Esta caraterística é inerente à concepção de Estado de direito, pois depreende-se que não há Estado perfeito que não seja soberano, vez que este não prevalecerá se não for capaz de, coercitivamente, fazer valer os seus interesses no que diz respeito aos seus subordinados e territórios (MALUF apud ALVES, 2010).

O Estado brasileiro, pautando-se pelo princípio da Ordem Econômica da livre iniciativa, exerce diretamente a sua soberania no âmbito econômico, porém limita a sua exploração direta da atividade econômica “quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo” (BRASIL, 1988), como determinado pelo artigo 173 da CF. Em razão disso, as empresas estatais são constituídas para a finalidade de prover serviços públicos de relevante interesse coletivo, construção e infraestrutura, até a exploração de atividades econômicas em alguns setores estratégicos e imprescindíveis à segurança nacional (OLIVEIRA, 2016).

No mesmo sentido aponta Borges (2007), discorrendo sobre como a soberania é condicionada ao seu próprio reconhecimento por parte de outros Estados-nação:

A Soberania, portanto, é sempre um processo e um fenômeno relacional, uma vez que depende necessariamente do seu reconhecimento por parte dos demais Estados-Nação presentes na esfera internacional. É entendida como a independência de cada país em relação a qualquer poder externo que impeça ou limite a autonomia do Estado no plano externo, ainda quando demande reconhecimento mútuo para ser validada (BORGES, 2007, p. 4).

Ao refletirmos sobre o contexto da atualidade, importa considerarmos os efeitos inerentes à globalização no que diz respeito à interdependência de mercados internacionais, transferência de tecnologias, guerras comerciais e o modo como Estados estrangeiros podem influenciar as políticas internas através da informação e relações comerciais. Há de se ressaltar que a soberania nacional está sujeita a novas ameaças, pois é possível controlar um país tornando-o dependente econômica e tecnologicamente ou até modificar os valores culturais de seus habitantes através dos meios de comunicação, sendo o exercício da força militar uma alternativa menos velada (BORGES, 2007, p.5).

Todavia, em face do histórico do Brasil com transferências de grandes empresas estatais para o setor privado, sendo o capital adquirente majoritariamente estrangeiro, não faltam críticas às privatizações, uma vez que empresas como a Vale e a Telebrás, objeto do estudo, não haviam perdido sua relevância para a manutenção da segurança nacional.

No que tange à crescente independência tecnológica brasileira no setor de telecomunicações, convém destacar que a Telebrás abrigava um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento cujas pesquisas e atividades lograram colocar, ao longo dos anos, o Brasil em posição significativamente privilegiada, tendo se desenvolvido ali tecnologias à época fundamentais, como a da fibra ótica (COVOLAN; LULA, 2017, p. 53).

O CPqD, referido Centro de Pesquisa e Desenvolvimento, uma diretoria da Telebrás, foi transformada em Fundação de direito privado cujo objetivo é atuar no setor. A União dotou a fundação com todo o patrimônio então existente fisicamente nessa diretoria (ativos, prédios, imóveis, trabalhadores, equipamentos).

Mesmo permanecendo dedicada ao setor, foi uma entidade que experimentou grandes perdas com a privatização. Afinal, a tecnologia podia ser importada pelas estrangeiras a menor custo sem a fixação do saber tecnológico, o que implicou na persistente perda de independência e poder negocial no setor. Pouco a pouco, o CPqD mudou seu escopo de atuação, desligando-se do objetivo inicial de fortalecer a independência tecnológica, ainda que tenha se constituído em Fundação de direito privado, por dotação do Estado.

O que se viu, por fim, foi a desistência da política de nacionalização da produção de tecnologia e produtos, impossibilitando a diminuição da redução da dependência tecnológica no setor. Quanto mais abertura se deu ao capital estrangeiro, houve menos justificativas para investimentos na área, diminuindo, ao que parece, a percepção do valor estratégico para a soberania nacional e da importância da autonomia tecnológica.

 

4          Reflexos negativos da privatização

 

A ideia de privatização e diminuição do tamanho do Estado é corrente entre economistas, por entenderem que as atividades mercadológicas não deveriam, ou não precisariam ser frente de atuação da máquina estatal. Infelizmente, o que se atribui menor importância é que a venda de patrimônio do Estado é muito corriqueiramente usado como medida de diminuição de dívida estatal, desconsiderando-se as outras justificativas da atuação do Estado nestas áreas, isto é, fomentar o desenvolvimento também tecnológico do país, de modo a não se ver dependente e subserviente à nações estrangeiras, ainda que indiretamente. Assim sendo, algumas desvantagens devem ser citadas e apreciadas, ponderando positividades e negatividades.

Há quem defenda a completa ausência de intervenção estatal na economia, mas em contrapartida, existem aqueles que militam por um Estado empreendedor, capaz de gerar inovação e desenvolvimento de pesquisas avançadas que permitam ao país uma posição de maior equilíbrio perante potências tecnológicas, menos dependente de influências econômicas externas.

Na realidade, ocorre que o Estado deu início à exploração econômica de setores, à época estratégicos, como o de telecomunicações no caso da Embratel e Telebrás, em razão da precariedade de investimentos da iniciativa privada para a universalidade e coesão na prestação do serviço em momento anterior à Embratel, uma vez que os riscos inerentes ao tamanho do investimento que o setor necessitava eram altos demais (CROSSETTI,1995, p. 33).

Acerca da atuação estatal como desbravador de áreas deficientes da economia que necessitam de altos investimentos, Mazzucato (2014, p. 52) pugna que:

[...] um Estado empreendedor investe em áreas nas quais o setor privado não investiria mesmo que tivesse os recursos. E que o papel visionário e corajoso do Estado que tem sido ignorado. O investimento empresarial é limitado não por ausência de recursos, mas principalmente por sua falta de coragem (ou o “espírito animal” keynesiano) – pela mentalidade “é só mais um negócio”. Estudos feitos junto a empresas mostraram que o que leva à entrada em determinada indústria (a decisão de atuar em determinado setor) não são os lucros existentes nesse setor, mas as oportunidades estimadas em termos de mercado e tecnologia (Dosi et al., 1997). E essas oportunidades estão ligadas aos montantes dos investimentos do Estado nessas áreas.        

Após anos de investimentos na expansão da malha telefônica pela Telebrás, e pesquisas através do CPqD, a privatização desta empresa, (respeitados o atual desempenho das empresas que atuam nos dias de hoje em universalizar as telecomunicações) resultou em um prejuízo para a soberania nacional no que tange à redução da dependência tecnológica (COVOLAN; LULA, 2017, p. 53), já que boa parte da infraestrutura é importada, os equipamentos são quase todos de tecnologia importada, e os que são fabricados no país são de tecnologia de fora, com pagamento de royalties.

Desse modo, há o contraponto entre a busca pela máxima reprodução de capital e extração de lucro às custas das empresas que previamente foram estabelecidas e o investimento de recursos provenientes de impostos arrecadados pelo Estado, que com esta medida estaria abdicando de sua soberania através de privatizações de estatais, vendendo-as muitas vezes a empresas estrangeiras (OLIVEIRA, 2016).  

A respeito da relação entre os investimentos estatais para estruturar o setor de telecomunicações, além dos valores aplicados em pesquisa e desenvolvimento para com a privatização da Telebrás, é possível observar como válidos os argumentos de  Mariana Mazzucato (2014, p. 244-245):

E em setores da “nova economia”, empresas como a Apple colhem frutos de tecnologias financiadas pelo Estado, bem como do financiamento arriscado assumido por ele, e depois mal pagam os impostos que poderiam ser usados para financiar novas tecnologias “inteligentes”. Qual é o futuro desse sistema de risco socializado e recompensa privatizada?

Em uma ampla perspectiva, conclui-se que ao explorar certa atividade econômica, empresas privadas objetivam a criação de riquezas, ao contrário de empresas públicas, que visam o atendimento ao povo e prestação de serviços universalizados, nas condições do artigo 173 da Constituição Federal. Em razão dos objetivos divergentes, as empresas privadas são responsáveis por sua própria saúde financeira, não sendo obrigadas a assegurar que os serviços prestados alcancem toda a população, o que pode acarretar a falha na prestação do serviço aos usuários que se encontrem isolados em locais que o lucro seja ínfimo (BRAGA, 1996, p.34).

Outras desvantagens da privatização é a possibilidade de surgimento de “lobbys” de empresas privadas em busca de mais investimentos públicos em infraestrutura e medidas para assegurar o lucro das empresas que vierem a explorar a atividade. Neste contexto, referindo-se ao caso das empresas farmacêuticas dos Estados Unidos da América:

A indústria farmacêutica tenta convencer o governo de que está sujeita a um excesso de burocracia e agências reguladoras ao mesmo tempo em que depende da P&D financiada pelo governo. Associações de pequenos negócios convenceram os governos de muitos países de que não receberam financiamento suficiente enquanto categoria. Entretanto, em muitos países elas recebem mais apoio que a polícia, sem a contrapartida dos empregos ou inovação que justifique tal apoio (HUGHEs; STOREY apud MAZZUCATO, 2014, p. 46-47).

Cumpre dizer que Gilberto Bercovici (2019, p. 2) encara as privatizações como uma perda da capacidade autônoma do Estado de determinar por si só, suas políticas econômicas dentro do setor, apartado de influências externas.

Corroborando essa tese, a experiência recente da guerra comercial entre Estados Unidos e China sendo a empresa Huawei, fabricante de componentes imprescindíveis para a nova tecnologia de rede de comunicação, um dos maiores pontos de debate, o que ocasionou ameaças norte-americanas ao Brasil caso o Estado brasileiro escolha utilizar equipamentos chineses para instituir a rede 5G em território nacional (PRANGE, 2020).

Este conflito permite contextualizar o quanto a independência tecnológica deixa o país em situação de ameaça à soberania:

O importante é que tanto as empresas de tecnologia dos EUA quanto a China, ou apenas a Huawei, têm poder sobre os cidadãos brasileiros que são consumidores dos produtos tecnológicos, e sobre todos os cidadãos brasileiros, uma vez que também sofrem efeitos em suas vidas por conta das brigas por poder e dinheiro entre empresas e países hegemônicos. Este episódio é uma amostra disso (MAURÍCIO; ALMEIDA; SOARES JUNIOR, 2019, p. 3).

Assim, é possível ver como a privatização da Telebrás impôs ao Brasil um flagrante golpe à soberania nacional, o qual não poderia ter sido previsto à época, mas cobra sua conta nos dias de hoje. Atualmente, em razão da  dependência tecnológica do setor no que se refere à inovação das telecomunicações, o Brasil se vê à mercê deste embate geopolítico por não ter se tornado independente tecnologicamente, não podendo apartar-se desta contenda por depender de potências que tomaram outras decisões estratégicas, como a China, ou como os Estados Unidos, que exerceram o domínio ideológico no contexto das privatizações dos anos 1990.

 

§ CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A onda de privatizações foi um fenômeno impulsionado por um movimento em escala internacional a favor do Neoliberalismo. A abertura da economia, a desregulamentação, a desestatização, a liberação para o investimento estrangeiro direto e outras medidas, foram os remédios aplicados para que o Estado com sua economia em crise passasse a se desfazer de empresas estatais, disposto a abrir suas fronteiras para tornar seu território um ambiente atrativo para o mercado estrangeiro.

Neste sentido, importa citar que nem todos os processos de privatização nacionais se saíram tão bem. No entanto, há a necessidade de se observar que não foram apenas as diretrizes do Consenso de Washington que ensejaram a privatização do setor de telecomunicações. A desvirtuação do desenvolvimentismo promovido no setor ocasionando a dissolução do Fundo Nacional de Telecomunicações frustrou completamente a iniciativa estatal de subsidiar a nacionalização e a independência deste respectivo setor, o que contribuiu em grande monta para a privatização.

Apesar das grandes cifras obtidas pelo leilão da Telebrás além da inovação tecnológica no setor e o amplo acesso às telecomunicações por parte da população, estes resultados também poderiam ser alcançados caso o Fundo Nacional de Telecomunicações tivesse a oportunidade de fomentar a produção de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias nacionais a ponto de possibilitar a nacionalização de inovações tecnológicas, bem como tornar o setor de telecomunicações independente das influências do capital estrangeiro.

É relevante a reordenação do papel do Estado na economia e nos setores que já não possuem mais influência para a efetivação da segurança nacional ou para a manutenção da soberania, sendo a privatização destes campos uma das medidas adequadas, e neste setores a atuação indireta estatal se daria através de agências reguladoras que ditariam quais parâmetros deveriam ser observados para que a iniciativa privada atendesse os objetivos da Ordem Econômica e Financeira, como preza a Constituição Federal.

Ainda que muitos economistas considerem que as privatizações podem contribuir para que o Estado continue progredindo em realocar suas funções primordiais, é necessário ponderar a existência de atividades inerentes à infraestrutura do país que devem permanecer sob a direta observância estatal a fim de resguardar a sua soberania.

Em um cenário que o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás tivesse a sua importância valorizada, o Brasil, após 20 anos de pesquisa e desenvolvimento, poderia contar com tecnologias que o afastariam do envolvimento nos interesses dos norte-americanos na cruzada comercial contra a China nos dias atuais, o que asseguraria o pleno exercício da soberania nacional neste contexto geopolítico.

Ante o exposto, em que pese os resultados obtidos com as privatizações, acesso a serviços de utilidade pública, infraestrutura  e barateamento dos custos por meio da redução de burocracia, também é fato que, tendo como base os custos do desinvestimento acarretados pela privatização do setor de telecomunicações, verifica-se que o investimento do Estado na inovação, pesquisa, produção e desenvolvimento de tecnologias deve ser a máxima  prioridade nas áreas relevantes para a segurança nacional, vez que representam  a independência tecnológica do país e, em consequência, a efetivação da soberania frente ao mundo globalizado, devendo ser considerados tais fatos dentro dos processos de privatização.

 

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Informações adicionais e declarações dos autores

 

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration): os autores confirmam que não há conflitos de interesse na realização das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

 

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declaration of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores; todos os coautores se responsabilizam integralmente por este trabalho em sua totalidade.

 

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of originality): os autores asseguram que o texto aqui publicado não foi divulgado anteriormente em outro meio e que futura republicação somente se realizará com a indicação expressa da referência desta publicação original; também atestam que não há plágio de terceiros ou autoplágio.

 

Dados do processo editorial

· Recebido em: 24/05/2020

· Controle preliminar e verificação de plágio: 24/05/2020

· Avaliação 1: 25/06/2020

· Avaliação 2: 18/08/2020

· Decisão editorial preliminar: 18/08/2020

· Retorno rodada de correções: 21/09/2020

· Decisão editorial final: 21/09/2020

· Publicação: 24/09/2020

Equipe editorial envolvida

·  Editor-Chefe: FQP

·  Assistente-Editorial: MR

·  Revisores: 02

COMO CITAR ESTE ARTIGO

COVOLAN, Fernanda Cristina; THOMAS, Gabriel Weber. Soberania nacional e privatizações: caso Telebrás. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, v. 7, n. 01, e291, jan./jun. 2020. doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v7i01.291. Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/291. Acesso em: dia mês. ano.

 

 

 

                                                                                                                                                                           



* Editor: Prof. Dr. Flávio Quinaud Pedron. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4259444603254002. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4804-2886.

[1] Doutora em Direito Político e Econômico pela Univ. Presb. Mackenzie. Mestra em Direito pela Unimep. Bacharel em Direito pela PUC/Campinas. Professora Titular do Unasp. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7106665637619319. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6993-9054.

[2]    Graduando em Direito pelo Unasp. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0432679000436079. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5223-3242.  

[3] Tratava-se de uma diretoria de P&D da Telebrás localizado em Campinas (e não em Brasília como todas as demais diretorias da Telebrás).