O procedimento e a decisão de afetação no IRDR: sistematização e desdobramentos

The procedure and the decision of affectation in the IRDR: systematization and unfolding

 

Vinícius Silva Lemos[1]

Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) – Recife/PE

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RESUMO: Este artigo tem o propósito de analisar o incidente de resolução de demandas repetitivas a partir do seu procedimento, com o delinear dos pontos necessários, desde o pedido de suscitação, admissibilidade, decisão de afetação e organização, as manifestações de todos os atores possíveis, com o intuito de instruir cognitivamente o incidente, para deixá-lo apto para a prolação da decisão que será transformada em precedente judicial naquele Tribunal de segundo grau.

Palavras-chave: Decisão de Afetação. Demandas Repetitivas. Incidente. Procedimento.

ABSTRACT: This article has the purpose to analyze the incident resolution of repetitive demands from your procedure, with the outline of the points required, since the request of evoke, admissibility decision of affectation and organization, the manifestations of all the possible actors, with the aim of instructing cognitively the incident, to make it suitable for the delivery of the decision, which will be transformed into a judicial precedent in that court of second degree.

Keyword: Decision of Affectation. Repetitive Demands. Incident. Procedure.

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 O IRDR: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS; 2 O PROCESSAMENTO DO IRDR; 2.1 O pedido suscitante do IRDR; 2.2 A possibilidade de nova suscitação do IRDR; 2.3 A impossibilidade de instauração quando a matéria está afetada por Tribunal Superior; 2.4 A recepção, distribuição e o juízo de admissibilidade; 2.5 O efeito no processo originário do protocolo do pedido do IRDR: necessidade de petição de informação e impossibilidade de julgamento; 3 A DECISÃO DE AFETAÇÃO DO IRDR; 3.1 A avocação pelo colegiado competente do processo base para o julgamento do IRDR; 3.2 A suspensão dos processos com identidade material naquele Tribunal; 3.3 A possibilidade de ampliação dos processos representativos da controvérsia; 3.4 O processamento do IRDR com a definição do contraditório ampliado; 3.5 A audiência pública no IRDR; 3.6 Existe uma falta de representatividade de ausentes no IRDR?; 3.7 A comunicação da suspensão aos órgãos julgadores e ao CNJ; 3.8 A possibilidade de ampliação ou prorrogação da suspensão; 3.9 A desistência e a inserção do Ministério Público; 3.10 O prazo para o processamento do IRDR, a maturação analítica e a remessa para julgamento; 4 ASPECTOS CONCLUSIVOS; REFERÊNCIAS.

 

SUMMARY: INTRODUCTION; 1 The IRDR: INCIDENT OF RESOLUTION OF REPETITIVE DEMANDS; 2 IRDR PROCESSING; 2.1 The IRDR's request; 2.2 The possibility of new IRDR appeal; 2.3 The impossibility of establishing when the matter is affected by High Court; 2.4 The receipt, distribution and admissibility judgment; 2.5 The effect in the originating process of the protocol of the request of the IRDR: necessity of request of information and impossibility of judgment; 3 THE IRDR'S DECISION OF AFFECTIONATION; 3.1 The call by the competent collegiate of the basic process for the judgment of the IRDR; 3.2 Suspension of proceedings with a material identity in that Court; 3.3 The possibility of amplifying the representative processes of the controversy; 3.4 The processing of the IRDR with the definition of the extended contradictory; 3.5 The public hearing at IRDR; 3.6 Is there a lack of representation of absentees in IRDR ?; 3.7 The communication of the suspension to the judging bodies and the CNJ; 3.8 The possibility of extending or extending the suspension; 3.9 The withdrawal and insertion of the Public Prosecution Service; 3.10 The deadline for processing IRDR, analytical maturation and referral for judgment; 4 CONCLUSIVE ASPECTS; REFERENCES.

 

§ INTRODUÇÃO

 

Diante da notória opção pelo combate à dispersão da jurisprudência, o CPC/2015 criou o incidente de resolução de demandas repetitivas com o intuito de aplacar a alta litigiosidade e repetitividade de questões idênticas, seja em direitos individuais homogêneos ou em questões com identidade em ações heterogêneas.

O intuito passa por conceder aos Tribunais de segundo grau a possibilidade de, desde logo, fixar tese jurídica vinculante a estas questões repetitivas, com valorização dos precedentes via julgamento por amostragem, um verdadeiro combate à imensa quantidade de processos que abarrotam o judiciário brasileiro em todos os níveis.

Diante da aposta neste novo instituto processual, há uma decisão de mérito que fixa a tese jurídica sobre a qual o art. 987 prevê o cabimento de recurso excepcional, especial quando a matéria for de lei infraconstitucional ou extraordinário quando atingir questão constitucional. Para se chegar nessa definição decisória, um incidente é instaurado, num colegiado com uma composição maior e, com uma procedimentalidade ampliada, com a inserção de manifestação de diversos atores processuais, com o intuito de ampliar os intérpretes para uma melhor fixação da tese jurídica pacificadora das questões repetitivas.

O recorte desse estudo está na identificação desse procedimento, com a sistematização de seu andamento e desdobramento, desde a decisão de afetação, aquela logo após a admissibilidade positiva pelo colegiado ampliado, até o processo incidental estar apto para o julgamento. Ou seja, o intuito aqui é delinear o molde necessário dessa decisão de afetação, a organização realizada por tal momento decisório e as consequências procedimentais, com os detalhes e desdobramentos que entendemos, mediante a pesquisa realizada, como necessários e importantes para se alcançar a melhor discussão jurídica, com uma instrução completa, deixando pronto o incidente para um julgamento racional e completo

Diante de tais entendimentos iniciais, delinearemos as sistematizações e desdobramentos dessa procedimentalidade e afetação.

 

1          O IRDR: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

 

O CPC/2015 trouxe a novidade do incidente de resolução de demandas repetitivas ou, simplesmente, IRDR, como a aposta em como lidar com a multiplicidade de demandas desde o segundo grau de jurisdição, antecipando a discussão macro das demandas em massa. A competência é dos tribunais estaduais ou regionais – TJs ou TRFs – os quais terão a novidade de apreciar matérias com o intuito de fixar teses jurídicas vinculantes. Um instituto novo, com inspiração notadamente alemã[2], apesar de também ter influências de outras experiências[3], soando como uma real criação jurídica brasileira, com peculiaridades próprias, numa tentativa de aproximar-se da realidade brasileira.

O conceito, nos dizeres de Abboud e Cavalcanti (2015, p. 222), passa por um “mecanismo processual coletivo proposto para uniformização e fixação de tese jurídica repetitiva” que detém o objetivo de “conferir um julgamento coletivo e abstrato sobre as questões unicamente de direito abordadas nas demandas repetitivas, viabilizando a aplicação vinculada da tese jurídica aos respectivos casos concretos”.

Mesmo com a existência de didática processual dos recursos repetitivos e da repercussão geral, no âmbito dos tribunais superiores, a novel legislação processual, primou, sobre o IRDR, por ampliar horizontes, incluindo os tribunais de segundo grau – chamados de apelação/revisão[4] – na sistemática de pensar e contribuir para a resolução de demandas repetitivas, aumentando o leque de órgãos com a finalidade de alcançar processualmente soluções para os litígios que se repetem no âmbito territorial, atribuindo uma eficácia processual até então inexistente, primando pela efetividade de diversos princípios processuais constitucionais, dentre eles, o da duração razoável do processo[5].

O intuito, mediante essa nova espécie de julgamento por amostragem e formação de precedentes[6] vinculantes, é proteger os princípios da isonomia e da segurança jurídica[7], estancando, desde logo, decisões conflitantes em matérias que a multiplicidade já se tornou latente, debatendo, no próprio segundo grau, a fixação de teses jurídicas, incutindo a estes, tal responsabilidade. Uma notória preocupação em trazer a preparação cognitiva e decisória, com um contraditório ampliado desde o segundo grau, para uma antecipação da resolução destes casos.

Mas, será que o termo correto seria mesmo de demandas repetitivas? O intuito é julgar a demanda, como uma causa para servir de paradigma para as demais ou resolver uma questão? Parece que essa segunda visão seria a correta, com o nome equivocado de demanda, o que ensejaria, na visão de Temer, de entender como questões repetitivas[8].

O art. 976 dispõe sobre o cabimento do incidente, com a sua possibilidade para suscitação dos legitimados, quando identificarem uma matéria/questão de direito, que contenha efetiva repetição de processos que versem sobre aquela mencionada controvérsia, causando um possível risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, já que quanto mais processos, maior a possibilidade de decisões conflitantes e não uniformes. Dessa maneira, o referido artigo já dimensiona os requisitos para a instauração do incidente, com a conjunção dos seguintes: a multiplicidade, decisões divergentes e identidade de questão de direito.

A base do instituto é a multiplicidade, a existência de vários – milhares – processos com questão de direito idêntica oportuniza o IRDR. Não se pode pensar em potencialidade[9] sobre a questão a ser discutida, efetivamente devem existir causas em quantidade para tal. Ou seja, não há a possibilidade de um IRDR preventivo, o qual, entendemos que se pensarmos em potencialidade, há a viabilidade da assunção de competência[10] para tal desiderato.

A multiplicidade, por mais que seja antagônico, é um conceito complexo de se trabalhar, uma vez que não se tem uma definição do que seria essa quantidade para delimitar a existência ou não dela, impondo um requisito com ares de objetividade, mas com possibilidade de análise subjetiva por qualquer dos tribunais ou aquele órgão colegiado competente por tal admissibilidade.

Todavia, a mera existência de multiplicidade já permite a instauração de IRDR? Outro ponto pertinente está no risco à segurança jurídica e à isonomia, o que permite essa pergunta, uma é importante descobrir se a simples multiplicidade enseja a instauração de tal incidente. Neste caso, deve configurar-se uma real possibilidade de divergência ou de entendimentos conflitos. Se já houver divergência nas decisões de primeiro grau e, principalmente, do tribunal, a visão fica, naturalmente, mais fácil de visualizar e possibilitar a instauração do incidente, contudo se a matéria for controversa, com multiplicidade, mas ainda sem divergência[11], não visualizado como impossibilitador do IRDR.

A opção de ater-se somente nas questões de direito foi do próprio legislador que, durante a tramitação do CPC/2015, tinha a possibilidade de permitir a discussão sobre questões de fato múltiplas[12], porém foi rechaçada essa possibilidade[13]. Obviamente que há uma certa dificuldade de separar as questões fáticas de questões meramente jurídicas[14], mas não se deve versar sobre o conteúdo das provas ou a discussão que verse sobre os fatos, somente os direitos ali questionados[15] e, ainda, com a conjunção em relação a multiplicidade desta mesma questão em outras demandas.

Dessa maneira, logicamente, o suscitante do incidente deve, de igual maneira, ater-se somente a questionar matérias jurídicas que ensejam uma fixação de uma tese jurídica. Essa questão pode ser tanto do mérito da causa, o que pode acabar por ser mais comum, mas, também, de ponto iminentemente incidental, ainda versando sobre direito material ou processual. Outro requisito importante é a conjunção entre a existência da multiplicidade de demandas, ou questões em demandas, e a identidade material do que se suscitará como base do IRDR. A questão material deve ser idêntica diante dessa multiplicidade.

Diante dessa constatação, os legitimados para suscitar tal instauração, de acordo com o art. 977, são: pelo juiz, pelo relator, pelas partes, pelo Ministério Público e Defensoria Pública. O instituto possibilitou, em sua criação, uma amplitude da legitimidade, permitindo tanto de ofício, pelo juiz de primeiro grau ou o relator em segundo grau, ou por requerimento, pelas partes, Ministério Público e Defensoria Pública[16], não restringindo nenhum dos atores processuais possíveis[17].

O incidente tem o intuito de minorar as dificuldades que o judiciário tem em resolver as demandas em plano pluri-individual, com a possibilidade de resolução de um processo modelo para, após, servir de base para toda a multiplicidade existente. Didier Jr. e Zaneti Jr. [18] (2016, p. 210) entendem que o incidente é uma técnica de processo coletivo, para aplacar direitos homogêneos, o que Temer (2016, p. 92) discorda[19], acentuando que o IRDR tem uma matriz diversa em sua base, o que não o transforma em um processo coletivo, mas uma base para uma resolução de uma demanda ou então, uma questão repetitiva, para a fixação de tese para ser multiplicada em processos idênticos ou com questões idênticas.

 

2          O PROCESSAMENTO DO IRDR

 

Existem características próprias do IRDR, com inovações processuais intensas, como a instauração independente de um processo, formando um incidente autônomo, em paralelo ao andamento do próprio processo/recurso[20], o que já difere dos demais institutos, inclusive dos repetitivos em graus superiores.

O processamento do IRDR tem diversas fases, desde o pedido de instauração até o julgamento que fixa a tese jurídica do incidente e, a seguir, analisaremos esses pontos.

 

2.1     O pedido suscitante do IRDR

 

O protocolo é realizado fora do processo originário, aquele que será usado como base fática para tal análise, ou seja, é um incidente que detém procedimento próprio e desvinculado do seu processo base, ainda que a ele se interligado, com evidentes reflexos processuais.

O IRDR, portanto, é um procedimento autônomo, com uma instrumentalidade própria.

A petição de requerimento é quase que uma petição inicial, com a menção das partes, o endereçamento ao presidente do Tribunal, para a devida distribuição, a fundamentação jurídica com o preenchimento dos requisitos pertinentes ao próprio incidente e o pedido da resolução da questão repetitiva. Mesmo que seja realizado de maneira oficiosa, pelo relator, pelo colegiado ou pelo juízo de primeiro grau, deve haver um documento que inicie o incidente em paralelo, nem que seja um ofício organizacional da questão e da presença de todos os requisitos.

Tanto na forma oficiosa pelo juízo ou em requerimento, há a necessidade de instrução com documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente, para uma maior e melhor verificação pelo órgão julgador do cumprimento dos requisitos. A necessidade de melhor instrução do pedido tem como intuito uma comprovação dos requisitos para uma análise com base nestes documentos pelo órgão julgador[21].

Independe do pagamento de custas processuais. 

O momento do pedido ou de ofício da instauração do incidente deve ser prévio ao julgamento do recurso[22], pelo seu fator incidental. Não há como suscitar um incidente recursal em momento posterior ao julgamento do recurso, pela própria desnecessidade de resolver a questão repetitiva, caso tal julgamento já tenha ocorrido.

A suscitação tem um ponto temporal limite em segundo grau, dada a necessidade de ser anterior ao julgamento recursal, mas, se for suscitado quando o processo estiver em primeiro grau, pode ser a qualquer momento.  

Um ponto relevante sobre do instituto é, justamente, essa possibilidade do pedido ser realizado quando o processo ainda está em primeiro grau, fase em que todos os legitimados, salvo o relator, podem requerer a instauração do incidente, ampliando o cabimento para uma divergência maior do que somente entre decisões internas do Tribunal e, dessa forma, possibilitando por existências de decisões ou sentenças conflitantes de juízos em primeiro grau.

Diante de tal possibilidade, criou-se um incidente em que um processo do primeiro grau pode suscitar a manifestação de Tribunal, sobre questão de direito, antecipando a jurisdição do Tribunal, para, desde logo, fixar uma tese jurídica, via IRDR. Evidentemente que a possibilidade do pedido, quando a demanda ainda está em primeiro grau, necessita de questões somente de direito, sem a necessidade de instrução probatória. Por outro lado, se a demanda de primeiro grau ainda carece de produção de prova, não cumpre o requisito da questão somente de direito, impossibilitando de instauração do incidente.

 

2.2     A possibilidade de nova suscitação do IRDR

 

A necessidade do preenchimento dos requisitos para a instauração do incidente de demandas repetitivas é fundamental para o juízo de admissibilidade do próprio incidente. Quando o pedido da instauração for carente de algum dos requisitos estipulados pelo art. 976, I e II, e, em juízo de admissibilidade, não for admitido, com a impossibilidade de instaurar o incidente, não formará coisa julgada. Ou seja, não há preclusão, tampouco estabilização da decisão que rejeita a instauração do incidente por falta de cumprimento dos requisitos.

Sem preclusão ou coisa julgada, quando qualquer dos legitimados suscitar um IRDR e, for inadmitido, por não preencher os requisitos, em outro momento processo, até o julgamento recursal, podem suscitar novamente o incidente e sua devida instauração. De acordo com o art. 976, §3º, somente basta que esse novo pedido de instauração do incidente traga novos subsídios sobre o preenchimento de todos os requisitos, com a sua devida comprovação, principalmente daquele que o Tribunal firmou entendimento como ausente na suscitação anterior.

Um exemplo seria um pedido em que o Tribunal rejeitou a instauração por ausência de efetiva repetição e, com o passar do tempo, com uma quantidade maior de demandas sobre a mesma questão de direito, o requisito carente, no momento anterior, preenchido estaria, cabendo um novo pedido, com total possibilidade de admissibilidade pelo Tribunal.

E, ainda, um outro motivo sobre tal possibilidade está na impossibilidade de um determinado pedido de instauração, por vezes mal realizado por uma parte, impeça que outras partes, em demandas com a mesma questão de direito, com um zelo maior, possam suscitar o IRDR, com uma qualidade melhor de comprovação da presença dos requisitos. 

 

2.3     A impossibilidade de instauração quando a matéria está afetada por Tribunal Superior

 

Apesar da possibilidade de suscitar a qualquer momento processo até o julgamento do recurso, há um impedimento objetivo para a instauração do IRDR: a hipótese daquela mesma matéria suscitada, num Tribunal Superior – STJ ou STF, ter uma decisão de afetação idêntica, seja em rito repetitivo ou em repercussão geral, tornando incabível o incidente, nos moldes do art. 976, § 4º.

Nessa hipótese, a instauração do incidente não teria efeito prático, tornando-se inócuo, uma desnecessidade processual[23]. Com a afetação da mesma questão de direito pelo Tribunal Superior, em outro nível, num rito também de julgamento por amostragem, repetitivo ou em repercussão geral, não há motivos para o Tribunal de segundo grau afetar uma matéria já afetada.

Todavia, é importante salientar que a matéria deve ser afetada em repetitivo ou em repercussão geral para que seja um impeditivo de instauração do IRDR, se somente existirem decisões no âmbito dos Tribunais Superiores, sem a presença de uma decisão de afetação, em rito específico, o Tribunal de segundo grau pode aceitar o incidente, sem nenhum impedimento.

O intuito da impossibilidade é a própria desnecessidade, pelo fato de que o instituto do grau superior resolverá a questão e vinculará, via decisão futura, o sistema como um todo, tornando, portanto, desnecessário, naquele momento, a instauração do IRDR.

 

2.4     A recepção, distribuição e o juízo de admissibilidade

 

Com o recebimento o pedido de instauração do IRDR, o presidente do Tribunal deve remeter ao órgão competente para a matéria. Mas, qual seria esse órgão? Dependerá do regimento de cada Tribunal, com a definição de tal atribuição, determinando um órgão para a pacificação e uniformização da jurisprudência naquele Tribunal[24].

E, nos Tribunais maiores, com divisões materiais, é importante que o regimento tenha o cuidado de dividir tais órgãos por matérias também, sem concentrar em uma só órgão a competência para todo e qualquer IRDR. Quando um Tribunal tiver, por exemplo, uma divisão entre Câmaras Cíveis e Especial (Fazenda Pública) e afins, seria mais interessante ter órgãos competentes para o incidente, atinentes a cada matéria. No entanto, é importante frisar que a competência, na existência de diversos órgãos dependerá da suscitação, se a matéria for processual, muitas vezes deve ser uma junção maior de órgãos, pelo fato de que tal situação pode ocorrer em diversas matérias, ao mesmo tempo. 

Distribuído para o órgão competente, realizar-se o sorteio de um relator dentre os membros desse colegiado, sem nenhuma relação com o relator do processo originário. A função do relator, a princípio, será da análise sobre os pontos de admissibilidade, para a inserção na pauta de julgamento.

O juízo de admissibilidade do IRDR nunca deve ser realizado de modo monocrático, somente pelo relator, pelo teor do art. 981, o correto é a submissão para o colegiado analisar tal feito, colocando em pauta para o julgamento da admissibilidade, baseando nos requisitos do art. 976, I e II[25]. 

Importante salientar que o órgão originário daquela demanda, não realiza nenhuma análise sobre a admissibilidade ou a possibilidade de instauração do incidente, sendo a prerrogativa exclusiva do órgão competente para o julgamento meritório do próprio IRDR, até pelo caráter autônomo do próprio incidente, com o protocolo e o pedido em procedimento em separado, com novo número e sem a ciência do órgão originário.

Essa análise colegiada sobre a admissibilidade tem duas possibilidades de resultado: a negativa do incidente; ou a admissão.

Se o colegiado entender que falta algum dos requisitos para a instauração do IRDR, pertinente será a inadmissibilidade do incidente, culminando numa decisão negativa sobre o pedido ali realizado. No entanto, tem total pertinência de que, na decisão, especifique-se, claramente, qual o requisito não foi devidamente comprovado.

Rejeitado o incidente, o mesmo será arquivado.

Por outro lado, se a resposta da admissibilidade for positiva, com o aceite em relação a instauração do incidente, a tramitação inicia-se, permeando a necessidade da decisão de afetação pelo relator, determinando qual a questão de direito específica do IRDR, denominada tese jurídica, bem como a busca e o início de um contraditório ampliado e democrático, permitindo um grande número de manifestações, almejando, como toda técnica de julgamento por amostragem e formação de precedente vinculante, o exaurimento cognitivo material da questão de direito ali suscitada.

Ou seja, a decisão do colegiado é somente pela admissibilidade e, partir daí, autorizando a procedimentalidade do próprio incidente e ao relator de proferir a decisão de afetação.

 

2.5     O efeito no processo originário do protocolo do pedido do IRDR: necessidade de petição de informação e impossibilidade de julgamento

 

O pedido de instauração do IRDR tem endereçamento ao presidente do Tribunal de segundo grau, de modo autônomo ao processo-base para o próprio incidente. Inaugura-se, portanto, um procedimento incidental com total autonomia e, em um colegiado totalmente diverso daquele que em que o processo – recurso, remessa necessária ou competência originária – tramita.

Desse modo, o requerente do IRDR pleiteia tal instauração em órgão diverso, como o próprio ordenamento prevê. A preocupação necessária passa pela impossibilidade, dado o pleiteio pela instauração do incidente, do prosseguimento do julgamento do processo originário, base do IRDR. Mas, como impedir que o colegiado originário julgue o recurso, remessa necessária ou ação de competência originária, se, num primeiro momento, nem tem ciência da existência de tal requerimento protocolado em órgão diverso – o colegiado maior? Esse ponto é importante para o requerente, afinal, o IRDR deve ser proposto em momento anterior ao julgamento da demanda principal em segundo grau e, partir de tal pedido, consequentemente, não pode ocorrer tal julgamento, pelo fato do protocolo realizado estar em tramitação, com a necessidade de distribuição para o relator e análise colegiada de admissibilidade.

Há uma ausência de procedimentalidade nesse ponto, após a admissibilidade positiva, seja pela ampla divulgação, preconizada no art. 979, ou, especificadamente ao processo originário, a avocação do feito, com a transferência de competência para esse colegiado maior. Contudo, tais providências somente ocorrem em momento posterior à admissibilidade positiva e, naturalmente, impedem o órgão originário de julgar a demanda principal, uma vez que, agora, o julgamento será pelo órgão também competente para o IRDR.

O problema procedimental está no período de tempo entre o pedido de instauração e o julgamento da admissibilidade pelo colegiado, com duas consequências necessárias: a ciência do órgão originário sobre a existência do IRDR; e a impossibilidade do julgamento da demanda principal.

Com o protocolo do IRDR, direcionado ao presidente do Tribunal, e, posteriormente, remetido ao colegiado competente para a formação de precedente, o órgão originário deve ser cientificado de tal ato e, para isso, seriam possíveis duas hipóteses: protocolo de uma petição de informação pelo requerente; ou expedição de ofício pela Presidência do Tribunal.

Qualquer dos atos processuais sugeridos satisfaria a ciência do órgão originário e, consequentemente, impediria o julgamento da demanda principal. O ideal seria cada Tribunal adotar, regimentalmente, a necessidade de expedição de ofício ao órgão em que tramita a tal demanda, com o intuito de cientificar da existência do IRDR, impossibilitando qualquer julgamento meritório nesse intermédio temporal até a admissibilidade do incidente.

Entretanto, sem previsão legal, tampouco regimental, pertinente que o requerente realize o protocolo de petição de informação – tal qual no agravo de instrumento, mas sem as sanções dali existentes – do IRDR, com o claro intuito de cientificar o colegiado e impedir qualquer julgamento meritório em sua demanda. Tal ato é uma obrigação do requerente? Evidentemente que não. Afinal, por tratar-se de uma construção procedimental, não há como entender que haja uma obrigatoriedade, porém sem tal informação, o requerente correrá o risco de sua demanda ser pautada para o julgamento do recurso, remessa necessária ou competência originária, o que imputar-se-á, a partir desse momento, a necessidade de tal comunicação.

E, ainda, caso haja o julgamento dessa demanda principal, tal ato judicante, pela existência do IRDR, é nulo, contudo para se chegar nessa conclusão de nulidade, o interessado deverá interpor embargos de declaração, com a explicação da existência de pedido de instauração do incidente. Toda essa sucessão de atos – julgamento, recurso, decisão anulatória – na demanda principal são desnecessários e, plenamente, evitáveis, via uma petição de informação.

Uma pergunta é pertinente para tal questão: esse possível julgamento é realmente nulo? O IRDR é um incidente processual no Tribunal e, comparando-o com outros incidentes recursais, como o incidente de assunção de competência – IAC – e o incidente de arguição de inconstitucionalidade, uma vez suscitados, o mérito daquela demanda principal não pode ser julgado, com a necessidade de suspensão do julgamento principal para o enfrentamento da questão incidental.

No entanto, o IRDR é, procedimentalmente, diferente dos demais, pelo fato que os outros incidentes são suscitados no mesmo órgão competente para o julgamento meritório. Como o IRDR é protocolado diretamente para o presidente do Tribunal, o órgão originário não tem a ciência, mas a lógica processual da existência de um incidente processual impõe a mesma necessidade a esse incidente, que a simples suscitação impede o julgamento meritório, como entendemos.

Desse modo, o requerente, ao protocolar o pedido de instauração do IRDR, deve peticionar ao órgão originário de sua demanda, com a informação da existência de tal pedido, funcionando esse ato como uma cooperação dessa parte para o processo, seja para seu próprio benefício – não ver a existência de um julgamento desnecessário e nulo, quanto para a procedimentalidade como um todo, pelo fato de impedir a realização de atos desnecessários.

Não há forma para tal petição, tampouco prazo, dada a sua inexistência no ordenamento, contudo pertinente que o requerente realize tão logo protocole o IRDR, pelo risco de uma tramitação desnecessária da demanda principal. E, por outro lado, ao receber tal petição, o relator, no órgão originário, deve suspender a tramitação, sem incluir em julgamento e, se pautado, retirar da pauta da sessão. 

 

3          A DECISÃO DE AFETAÇÃO DO IRDR

 

A decisão de afetação no IRDR tem uma notória diferença na comparação com as demais de outros institutos, uma vez que a atuação do relator não será de delimitação livre de tal matéria, mas de uma resposta ao pedido realizado no pleito do IRDR. Afinal, o requerente – qual dos legitimados, ainda que de maneira oficiosa – realizou um pedido de instauração com a especificação e delimitação, nesse ato postulatório, da questão jurídica que entende como possível de controvérsia propícia para a suscitação de um IRDR.

De modo inicial, a delimitação material está a cargo de quem pleitear a instauração do IRDR, contudo na resposta concedida ao requerimento de instauração, já na admissibilidade, o colegiado já analisa a questão de direito ali suscitada como repetitiva, com o pleito do julgamento via esse procedimento. Por consequência, não pode o colegiado delimitar de maneira diversa as questões ali colocadas, ampliando-as, por guardar, de igual modo, o princípio da congruência com o pedido de instauração do IRDR.

No entanto, pertinente entender que o colegiado pode delimitar de modo menor a questão ali invocada, deferindo o incidente em parte do que se propôs, o que leva a possibilidade de delimitação da questão jurídica, mas não seria pelo relator e, sim, pelo colegiado, no momento da verificação analítica dos requisitos do art. 976.

A decisão de afetação no IRDR não guarda a delimitação da questão jurídica em seu bojo, apesar da pequena margem do colegiado em poder diminuir a questão suscitada, deferindo a instauração em questão menor do que aquela suscitada.

Ao relator, sobre a questão de direito controversa admitida pelo colegiado, cabe somente, na decisão de afetação, sistematizar e publicizar, contudo sem defini-la. Até por isso, Temer e Didier Jr. chamam de decisão de organização[26], o que não é uma visão errada, pelo fato de que a questão jurídica já virá determinada pelo colegiado, sem uma liberdade do relator, cabendo-lhe, realmente, mais a organização procedimental do IRDR. No entanto, continuamos a entender que a nomenclatura mais acertada seria de decisão de afetação, pelo fato de que o relator tem a incumbência de definir a suspensão e a afetação dessa questão de direito aos demais processos com identidade material, naquele Tribunal.

 

3.1     A avocação pelo colegiado competente do processo base para o julgamento do IRDR

 

Com a admissibilidade positiva realizada pelo colegiado competente ao IRDR, o relator, na decisão de afetação, apesar de não disposto no art. 982, avocará o processo-base do incidente, determinando a expedição de ofício para o órgão fracionário, com a comunicação de tal ordem de transferência de competência daquela demanda principal para o colegiado competente de formação de precedente.

Independentemente da discussão se o IRDR é causa-piloto ou procedimento modelo, o art. 978, parágrafo único, dispõe que esse colegiado será o responsável pelo julgamento, também, da questão principal, ou seja, do recurso, remessa necessária ou competência originária. Com a admissibilidade positiva, essa decisão já impõe a necessidade de transferência de competência, com a consequência, portanto, dessa alteração de colegiados, remetendo, após o recebimento do ofício, confirmando o resultado da admissibilidade, para o colegiado maior.

O cerne dessa necessidade está na competência determinada pelo art. 978, parágrafo único, apesar de tal dispositivo não descrever qual o momento correto para a ocorrência dessa transferência de competência. O momento correto, no nosso entendimento, é aquele imediatamente posterior à admissibilidade positiva.

No entanto, há a ressalva ao processo-base que ainda estiver em primeira instância, em alguma vara, com a impossibilidade de tal avocação ou de transferência, contudo quando houver eventual recurso, naquela demanda, a competência para julgamento será do colegiado que julga o IRDR.

 

3.2     A suspensão dos processos com identidade material naquele Tribunal

 

No IRDR, a suspensão é realizada logo após a decisão pela admissibilidade, sob a responsabilidade do relator, justamente inserta na decisão de afetação, aquela em que se delimita trâmite do incidente.

Com a definição da matéria pelo colegiado, o ato da suspensão é posterior, realizado somente pelo relator, com a necessidade de que todos os processos naquele Tribunal sejam imediatamente suspensos, respeitando, portanto, a limitação territorial do próprio instituto, pelo fato da competência ser de Tribunal de segundo grau – Estadual ou Regional Federal – para o julgamento da tese jurídica ali invocada.

Dessa feita, a suspensão somente atingirá os processos afetados daquela região pelo prazo de um ano[27] para julgamento do incidente. 

A suspensão deve ser de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos[28].

O ato do relator deve ser oficiado a todos os órgãos daquele Tribunal, internamente, e aos juízos de primeiro grau, com a decisão de afetação e a delimitação material condizente para tal suspensão, justamente para que esses juízos possam realizar a identidade fático-jurídica da afetação e da causa a ser suspensa.

 

3.3     A possibilidade de ampliação dos processos representativos da controvérsia

 

Uma das maiores dúvidas sobre a decisão de afetação do IRDR é a possibilidade, ou não, de ampliação dos processos representativos da controvérsia. E, ainda, há quem defenda que o processo que serviu de base para suscitar não será, necessariamente, aquele que será afetado, podendo ser descartado se o colegiado entender que não seria completo ou pertinente para tanto.

Sobre esse ponto de descarte do processo suscitante, não entendo com plausível tal posição, seja pela falta previsão para isso e, ainda, a posição de requerente deve ser mantida por aquele que assim o suscitou, pelo fato de ser um procedimento a parte, com um pedido e com o interesse de que seja aquele processo suscitante, contudo não vejo como problema, tampouco óbice que se agregue mais demandas como repetitivas daquelas questões, mas não vislumbre o descarte da demanda requerente[29].

Ultrapassado esse ponto, com a evidente necessidade pela manutenção do processo suscitante como representativo da controvérsia, pode-se afetar outros processos, incluindo-os como representativos da controvérsia, de igual maneira, ampliando, para tal fim, a possibilidade das partes desses processos também aderirem como requerentes ou parte do próprio incidente.

De outra forma seria impossível se prever, pelo fato de que seria imputar uma responsabilidade imensa ao processo afetado, que, talvez, nem queria ser o alvo da discussão.

Pode, então, uma parte de um outro processo, com a mesma questão de direito, requerer a sua entrada como representativo da controvérsia? Não vejo óbice para tanto, contudo não deve ser vinculado ao relator a tal pedido.

 

3.4     O processamento do IRDR com a definição do contraditório ampliado

 

Na decisão de afetação do IRDR, pelo relator, deve-se cumprir o determinado pelo art. 982[30], após a determinação da suspensão dos processos pendentes e a delimitação dos processos representativos da controvérsia, como já vimos, ainda realizar-se-á a definição da procedimentalidade do próprio incidente, com a ampliação do contraditório: poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 (quinze) dias; intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 (quinze) dias.

Uma vez instaurado o incidente, com a decisão positiva de admissibilidade e a posterior afetação, de igual maneira aos demais institutos, transforma-se em um procedimento de objetivação, apesar da concretude de basear-se em situações fático-jurídicas ali determinadas, há uma abstração, com a necessidade de ampliação do contraditório, como o próprio 982, III dispõe ao falar da intimação do Ministério Público para manifestação e, ainda, requerer informações de órgãos em que tramitem demandas com aquela determinada questão de direito.

O Ministério Público pode manifestar-se sobre tal questão, proferindo um parecer no prazo de 15 dias, contudo sem a necessidade de fazê-lo, adequando ao interesse público sobre tal matéria.

Os órgãos que têm demandas sobre a questão de direito do IRDR, devem manifestar-se no prazo de 15 dias. Não existe uma faculdade, mas um dever desse juízo em colaborar com a instrução do incidente. O relator deve analisar a matéria atinente à questão de direito para delimitar quais serão os órgãos que serão oficiados e terão tal incumbência.

O art. 983 complementa essa visão de contraditório ampliado do processamento do IRDR, quando preconiza que “os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia,” além do próprio amicus curiae, já que na visão de Nery Jr. e Nery[31] (2016, p. 2.120), esses seriam outros entes que não inseridos nas possibilidades de amicus curiae, que também são possíveis, uma vez que o art. 138 preconiza essa viabilidade, inclusive com a permissão para a interposição do recurso perante o resultado desse julgamento. 

 

3.5     A audiência pública no IRDR

 

Outro ponto importante da decisão de afetação, no IRDR, passa pela possibilidade de realização de audiência pública sobre a questão de direito ali controvertida, para que se tenha a participação efetiva da sociedade sobre a matéria posta como afetada, com a previsão expressa do art. 983, § 1º.

Dessa feita, o relator pode, após a afetação, se entender pertinente, determinar a realização de audiência pública[32], ou de várias, com data fixada e com ampla divulgação, para, nesse momento, ouvir pessoas sobre a matéria, principalmente aquelas com experiência e conhecimento sobre a questão de direito controversa.

A possibilidade de uma audiência pública demonstra uma abertura à sociedade, com um procedimento com fácil acesso, com ampla discussão, concedendo a palavra a pessoas com expertise na matéria, mas que não teriam como atuar perante o processo, atuando, via audiência pública, como uma ampliação do próprio amicus curiae, alcançando indivíduos que não têm condições de participar como aquele interveniente, mas que detém sapiência suficiente para tal desiderato.

Esses debates visam ampliar visões das mais variadas possibilidades dos afetados, dos possíveis autores ou réus, peritos, estudiosos, especialistas, pessoas comuns, dentre outros. Um procedimento, organizando pelo relator, menos formal diante do processamento do microssistema. Uma abertura processual para ampliar os debates, para uma decisão mais próxima de realidade da causa, com uma pluralidade de conhecimentos. Quando o julgamento for proferido, se realmente houver a influência do que ali for discutido, haverá, de certo modo, uma participação efetiva da sociedade, certamente estão mais preparados para embasar juridicamente suas decisões, com uma visão dos impactos sociais nas partes daquela decisão.

A própria realização de uma audiência pública demonstra uma abertura à sociedade, com um procedimento com fácil acesso, com ampla discussão, concedendo a palavra a pessoas com expertise na matéria, mas que não teriam como atuar perante o processo.

 

3.6     Existe uma falta de representatividade de ausentes no IRDR?

 

Mesmo diante de toda essa abertura para as devidas manifestações de terceiros, há quem entenda, como Marinoni (2015, p. 410), que o IRDR carece de um controle de representatividade, pelo fato de que a fixação da tese jurídica vinculará terceiros ausentes no incidente – talvez até aqueles que ainda nem intentaram a demanda – podendo configurar uma decisão vinculativa que cause prejuízo a quem não participou do incidente, o que violaria o próprio disposto no art. 506, quando dispõe que há a impossibilidade de uma decisão prejudicar terceiros. Marinoni (2015, p. 411) ressalta essa problemática no IRDR, ao dispor que esta técnica não forma precedente e não teria correlação com o stare decisis, por não julgar casos e, sim, julgar questões, o que faria que não se poderia decidir uma prejudicial, um incidente de modo a afetar a matéria com prejuízos a terceiros que nem tiveram a oportunidade de comparecer em juízo e influenciar no julgamento.

A solução seria, na visão de Marinoni (2015, p. 411), a legitimidade para a propositura e participação do contraditório a permissão dos legitimados da Ação Civil Pública e do CDC, essa seria uma forma de aplacar o problema da representatividade. O próprio art. 983 já permite a manifestação, sobre tal fato, Marinoni propõe que esses também seriam legitimados para a instauração do incidente, em tal ampliação não vejo grandes problemas, o que, de igual maneira, não enxergo a solução apresentada como algo que seja tão diferente do que a lei já dispõe, somente uma estipulação objetiva do que o mencionado artigo, uma vez que este tem viés aberto e subjetivo.

Cavalcanti (2015, p. 44) tem a mesma preocupação que Marinoni e, até acentua esta nesse ponto[33], uma vez que demonstra ceticismo sobre a aplicabilidade da tese jurídica formada no incidente como maneira atingir terceiros que serão prejudicados e, isso invariavelmente, uma vez que o julgamento implicará em fundamentos vencidos e vencedores na formação daquele precedente – ou tese jurídica.

Mas, como dirimir esse ceticismo? Vitorelli (2016, p. 32) preconiza que o direito coletivo deve viver um diferente devido processo legal[34], como uma real adaptação do que se entende como contraditório individual para uma outra espécie coletiva[35], num viés de representatividade como existência de uma participação, ainda que efetivamente não tenha ocorrido, possibilitando até a vinculatividade de uma decisão prejudicial, como Gidi (1995, p. 127) já preconizava.

Temer (2016, p. 136-138, 141) apresenta outra solução no caminho de Vitorelli, destrinchando que há, no IRDR, a impossibilidade de participação de cada indivíduo[36], o que ocasionaria uma inviabilidade do próprio instituto, o que perfaz a diferenciação de visão processual com a transposição, para aqueles terceiros não participantes, de um direito de consentimento para um direito de convencimento[37], ou seja, o contraditório ali disposto pelos participantes representantes é exercido com o intuito de influenciar o debate na formação da decisão que formará a tese jurídica do próprio incidente e, ainda, que para se entender que há um convencimento desse resultado pelos não participantes, há um exercício “independentemente do envolvimento pessoal[38] dos indivíduos.

Diante desse ínterim, o IRDR deve caminhar, procedimentalmente, com todo um cuidado amplo pelo órgão formador do precedente, para que todo o procedimento seja permeado com o máximo de manifestações possíveis daqueles interessados, para a devida legitimação da decisão dali oriunda, justamente para que a influência dessas manifestações no julgamento exerçam, posteriormente, o convencimento naqueles que não participaram e, tampouco, influenciaram o julgamento.

 

3.7     A comunicação da suspensão aos órgãos julgadores e ao CNJ

 

Com a suspensão decretada pelo relator do incidente, este comunica, primeiramente, os órgãos competentes ao julgamento em primeiro e segundo grau nos processos normais, com ampla divulgação, cadastrando o incidente no Conselho Nacional de Justiça – CNJ, para as partes e demais interessados terem acesso às matérias afetadas, bem como o acompanhamento do incidente[39].

São importantes tais medidas para garantir a publicidade[40] da instauração do instituto, dado o caráter coletivo e transcendental. A primeira providência é pertinente para que os órgãos vinculados à matéria, naquele Tribunal, realizem tal suspensão das demandas. E, a comunicação e cadastro no CNJ tem a serventia de ampliar a publicidade sobre a existência dos IRDRs, até pelo fato de que determinadas matérias podem gerar diversos incidentes em Tribunais diferentes, tendo a função, portanto, de credenciar e sistematizar as informações para os interessados. 

 

3.8     A possibilidade de ampliação ou prorrogação da suspensão

 

Além disso, há a possibilidade de algum dos legitimados para a instauração do IRDR, em demanda idêntica de qualquer outro foro[41] do Brasil, requerer ao Tribunal Superior competente – STJ ou STF – para o julgamento daquela tese jurídica delimitada pelo incidente, para que amplie os efeitos da suspensão para todo o território nacional, com impactos em todos os processos individuais ou coletivos da questão de direito afetada.

Sobre tal hipótese há toda uma complexidade, pelo fato de que o IRDR tramita no Tribunal de segundo grau e, tal pleito será realizado para um Tribunal Superior, ser ter, ainda, um rito repetitivo ou um recurso excepcional sobre a questão, somente baseado na existência de um IRDR tramitando em algum Tribunal de segundo grau. Apesar de complexa a ideia, plenamente possível e pertinente.

No entanto, não somente os legitimados para a suscitação do IRDR podem realizar tal requerimento ao Tribunal Superior. O art. 982, § 4º permite a qualquer parte, em todo o território nacional, independente da limitação daquele Tribunal do incidente, que tenha um processo com a mesma questão objeto do incidente, requerer a ampliação da suspensão para todo o Brasil, direcionando esse pedido para o STJ ou o STF, de acordo com a tese jurídica definida no incidente, devendo também fundamentar o pedido e a comprovação da necessidade e requisitos.

Esses novos processos afetados, agora pelos Tribunais Superiores, de igual maneira aos afetados do Tribunal competente para julgar o IRDR, ficam sobrestados pelo prazo de um ano para julgamento do incidente. Um tempo razoável para que o IRDR seja processado, instruído e esteja apto para julgamento. Obviamente que uma demanda com suspensão por um ano, causa impacto nas partes de processos afetados, mas diante da possibilidade de solução para as demandas repetitivas, está dentro da razoabilidade. 

Ultrapassado esse prazo, mesmo sem o julgamento do IRDR, os processos saem do sobrestamento com o devido prosseguimento do feito na mesma fase em que foi suspenso. Porém, o relator, caso entenda pertinente, pode, fundamentadamente, prorrogar a suspensão por mais tempo.  

 

3.9     A desistência e a inserção do Ministério Público

 

A partir do momento da instauração do IRDR mesmo se for por requerimento de uma parte, o interesse público tem prioridade, não cabendo para essa situação processual, a desistência como meio de encerrar o incidente. A parte tem total direito de requerer a desistência, de não mais continuar com a demanda e, consequentemente, deixando de ser o processo-base daquele procedimento, conforme preconiza o conteúdo do art. 976, §1º e §2º.

Ainda que a parte suscitante do IRDR desista de sua demanda, pelo caráter transcendental do procedimento, seja social ou juridicamente, o prosseguimento da instrução procedimental do incidente terá o Ministério Público, pela determinação legal, como o novo requerente[42]. 

Esse entendimento segue a tendência dos julgamentos por amostragem, numa amplitude que acata o pedido de desistência da parte, pelo fato de que tal deliberação cabe somente a própria parte, mas impossibilita a desistência do procedimento, seja pelo interesse público ou pela própria transcendência da matéria. Desse modo, ainda que a parte daquela demanda base para o IRDR desista da demanda, o incidente tem prosseguimento.

 

3.10   O prazo para o processamento do IRDR, a maturação analítica e a remessa para julgamento

 

Uma vez oportunizada a manifestação por todos os legitimados, interessados e amicus curiae, outrora admitidos, sendo possível também a realização de audiências públicas sobre a matéria, o incidente estará pronto, procedimentalmente, para o julgamento.

O prazo de procedimentalização do IRDR não é fixado pela norma, somente há a estipulação de um ano para a suspensão dos processos de igual questão de direito. Esse prazo nos dá a medida comparativa do que o legislador entendeu como um prazo razoável para o processamento e devido julgamento do incidente.

O fato de existência de muitas demandas, uma efetiva repetitividade, não significa um afã do Judiciário para que se apresse a tramitação do IRDR, em busca de uma solução rápida para a questão. O processamento deve ser gradual e ampliado, respeitando todas as manifestações, com a ampla divulgação, com o intuito de que todos os interessados sejam alcançados e cientificados, com a possibilidade de participação de todos os legitimados para manifestação, justamente para possibilitar um incidente que respeita o contraditório, totalmente democrático.

Desse modo, a cognição do colegiado competente deve ocorrer somente quando houver o exaurimento da matéria, com uma ampla discussão e possibilidade de manifestações, numa busca pelo meio termo sobre a dicotomia entre a necessidade de ouvir todos os interessados e a duração razoável do processo.

Realizadas tais manifestações, com um contraditório totalmente democrático, o incidente deve ser remetido para julgamento, com a devida inclusão na pauta da sessão do colegiado competente.

 

4          ASPECTOS CONCLUSIVOS

 

O intuito deste estudo foi delinear como entendemos que a procedimentalidade do IRDR deve ser, com a necessidade de que a decisão de afetação, além de delimitar materialmente o incidente, organize toda essa alteração, desde a necessidade de avocação dos autos do colegiado menor para o maior, com a consequência de não se julgar o recurso, remessa necessário ou ação em competência originária, enquanto não for resolvido o próprio incidente.

O pedido de suscitação do IRDR deve ser realizado diretamente ao Presidente do Tribunal, com a remessa para o colegiado que o regimento interno indicar, com a escolha de um novo relator, sem guardar correspondência com aquele do processo originário ou base do incidente.

A partir de tal ponto, com a análise colegiada pela admissibilidade, o relator terá o encargo de proferir a decisão de afetação, com a delimitação jurídica do incidente e a organização de todos os próximos passos procedimentais, com a suspensão – ou não – dos processos, a manifestação de todos os atores de um contraditório ampliado, a instrução como um todo do próprio IRDR, com o intuito de esgotar materialmente as teses jurídicas possíveis, num debate ampliado.

Mediante tal diferença de procedimentalidade, com a manifestação de todos os atores possíveis – partes, Ministério Público, Defensoria Pública, amicus curiae, audiências públicas, etc – o incidente estará pronto para o devido julgamento, com o respeito a uma ampliação de contraditório, com uma cognição ainda maior, para ser possível contemplar todas as teses jurídicas.

Desse modo, a partir do recorte proposto pelo estudo, delineamentos a procedimentalidade necessária para o andamento do IRDR, bem como as consequências que entendemos como lógicas do próprio incidente, suscitação, admissibilidade, afetação, manifestações, com o processo pronto para o julgamento.

 

§ REFERÊNCIAS

 

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VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.


 

 

 

 

Informações adicionais e declarações dos autores

 

Declaração de conflito de interesses (conflict of interest declaration): o autor confirma que não há conflitos de interesse na realização das pesquisas expostas e na redação deste artigo.

 

Declaração de autoria e especificação das contribuições (declaration of authorship): todas e somente as pessoas que atendem os requisitos de autoria deste artigo estão listadas como autores; todos os coautores se responsabilizam integralmente por este trabalho em sua totalidade.

 

Declaração de ineditismo e originalidade (declaration of originality): o autor assegura que o texto aqui publicado não foi divulgado anteriormente em outro meio e que futura republicação somente se realizará com a indicação expressa da referência desta publicação original; também atesta que não há plágio de terceiros ou autoplágio.

 

Dados do processo editorial

· Recebido em: 02/07/2019

· Controle preliminar e verificação de plágio: 02/07/2019

· Avaliação 1: 03/07/2019

· Avaliação 2: 18/07/2019

· Decisão editorial final: 19/07/2019

· Publicação: 20/07/2019

Equipe editorial envolvida

·  Editor-Chefe:FQP

·  Assistente-Editorial: MR

·  Revisores: 2

COMO CITAR ESTE ARTIGO

LEMOS, Vinícius Silva. O procedimento e a decisão de afetação no IRDR: sistematização e desdobramentos. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, v. 6, n. 01, e254, jan./jun. 2019. doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v6i01.254. Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/254



* Editor Responsável: Flávio Quinaud Pedron. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4259444603254002. https://orcid.org/0000-0003-4804-2886.

[1] Doutorando em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Mestre em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especialista em Processo Civil pela Faculdade de Rondônia (FARO). Graduado em Direito pela Faculdade de Rondônia (FARO). Lattes: http://lattes.cnpq.br/9299415118124732. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2095-2802.

[2]    O instituto teve como inspiração um paralelo estrangeiro, o procedimento denominado de musterverfahren, oriundo do direito germânico, um procedimento de julgamento de processo-modelo, no “qual se elege uma “causa piloto” onde serão decididos determinados aspectos gerais e comuns a diversos casos já existentes, sendo que a solução encontrada será adotada por todas as ações pendentes sobre o mesmo tema” (AMARAL, 2011, p. 255-256).

[3]    O Group Litigation OrderGLO do direito inglês e o agrupamento de ações do direito português. 

[4]    Mudando de certa maneira, a própria função destas cortes, retirando a mera verificação da revisão, para passar a formar precedentes, o que necessita uma outra visão, uma outra amplitude judicante.

[5]    “O incidente de resolução de demandas repetitivas, técnica processual destinada a contingenciar litígios seriados, assenta-se em três pilares principais, quais sejam: o princípio constitucional da isonomia, que exige tratamento uniforme dos litígios isomórficos, a segurança jurídica, estampada na previsibilidade e uniformidade das decisões judiciais e, por fim, a prestação jurisdicional em tempo razoável. Tais princípios, além de nortearem todo o ordenamento jurídico processual (como se infere, dentre outros, dos artigos 1o a 12o do CPC), são a base constitucional do incidente ora analisado” (MENDES; TEMER, 2015, p. 230).

[6]    Será que é mesmo um precedente? Marinoni defende que é uma tese vinculante. Mas, há diferenças? Marinoni ao discorrer sobre o IRDR tece críticas sobre a sua formação e tenta, dentro da possibilidade jurídica existente do incidente, sistematizá-lo somente como maneira de formar teses jurídicas, nunca precedentes, por, não aceitar que os tribunais de segundo grau tenha essa incumbência. “O incidente de resolução é uma técnica processual destinada a criar uma solução para a questão replicada nas múltiplas ações pendentes. Bem por isso, como é obvio, a decisão proferida no incidente de resolução de demandas repetitivas apenas resolve casos idênticos. Essa é a distinção básica entre o sistema de precedentes das Cortes Supremas e o incidente destinado a dar solução a uma questão litigiosa de que podem provir múltiplos casos” (MARINONI, 2015, p. 401).

[7]    “Com isso, procura-se, de uma só vez, atender aos princípios da segurança jurídica, da isonomia e da economia processual” (ABBOUD; CAVALCANTI, 2015, p. 222).

[8]    O que se julgará no incidente é uma questão específica, não a causa em si, mesmo que posteriormente o órgão colegiado apropriado também julgue o recurso. Ou seja, primeiro a definição da tese jurídica, com um julgamento próprio para tanto e, somente após, um julgamento da demanda. Por isso, as questões, materiais ou processuais são repetitivas, não a própria demanda, que pode ser ou não. Corroboramos, então, com a posição afirmada por Temer sobre esse ponto: “Adotamos a posição segundo a qual o incidente de resolução de demandas repetitivas apenas resolve a questão de direito, fixando a tese jurídica, que será posteriormente aplicada tanto nos casos que serviram como substrato para a formação do incidente, como nos demais casos pendentes e futuros” (TEMER, 2016, p. 68).

[9]    “Não basta um risco potencial. Essa exigência legal derivou de candente debate durante a tramitação do novo CPC, confrontando autores que imaginavam possível a instauração de um incidente “preventivo”, isto é, antes de proferidas decisões conflitantes e passível de ser deflagrado diante da potencial ocorrência de soluções contraditórias entre si (CAMARGO, 2014, p. 284), e outros autores que defendiam a necessidade de existência de sentenças já prolatadas na primeira instância, e portanto o incidente só poderia ser manejado quando já posta uma efetiva divergência pretoriana, com sentenças antagônicas já proferidas (CUNHA, 2011b, p. 334)” (CABRAL, 2016, n.p.).

[10]   O incidente de assunção de competência pode ser assim conceituado: “Instrumento de uniformização de jurisprudência que (…) busca prevenir a divergência jurisprudencial interna (de qualquer tribunal), mediante transferência da competência, a um órgão de maior composição, com a finalidade de julgar o recurso, a remessa necessária ou a ação originária no tribunal, cujas respectivas decisões terão efeito vinculante” (MADRUGA; MOUZALAS; TERCEIRO NETO, 2016, p. 929); “destina-se a permitir que determinado órgão do tribunal assuma a competência para julgar caso que contém questão relevante, ou melhor, questão de grande repercussão social; (…) Questão de direito com grande repercussão social é aquela que, além de não ter relevo apenas para a solução do caso sob julgamento, tem valor para a sociedade” (MARINONI; MITIDIERO, 2016, p. 248-249).

[11]   Talamini (2016) entende de modo diverso, ao entender que se a multiplicidade estiver em um caminho de pacificação não necessitaria do IRDR, entretanto, vejo que não seja um limitador, ou requisito a divergência. “É preciso ainda que exista o risco de violação da isonomia ou da segurança jurídica (art. 976, II) – o que se terá quando a mesma questão jurídica, nos inúmeros processos, estiver recebendo soluções distintas. Se, apesar da reiteração da questão em muitos processos, não se estiver havendo divergência jurisprudencial, com a questão sendo resolvida de modo uniforme na generalidade dos casos, não se justifica o IRDR”.

[12]   Sobre a tentativa da possibilidade das questões fáticas, ainda na fase da tramitação na Câmara, a inserção, apesar de bem-intencionada, era equivocada. A questão interessante para que coubesse sobre fatos era o ponto de que um mesmo fato pudesse atingir uma coletividade, como um dano ambiental para uma determinada cidade, um fato para uma determinada classe trabalhadora, ou seja, uma questão fática controvertida, mas não geral, ampliada para dois ou mais fatos parecidos. Desse modo, para evitar a interpretação equivocada do instituto, melhor foi a retirada. Cavalcanti demonstra bem essa situação e como se sucedeu, além de explicar a importância que seria o cabimento sobre a questão com influência em múltiplas ações: “Acontece que, durante a fase revisora da Câmara dos Deputados, chegou-se a prever o cabimento do IRDR também para a resolução de questão de fato controvertida. (…) A redação do texto que previa esse cabimento não era apropriada e possibilitava a interpretação de que a solução da questão fática fixada pelo tribunal seria aplicada vinculativamente a todos os casos semelhantes, independentemente da origem da questão fática e da verificação das peculiaridades relativas a cada caso individual” (CAVALCANTI, 2016, p. 220-221).

[13]   Mesmo com a impossibilidade legal para tanto, Antônio do Passo Cabral defende que há possibilidade de se pleitear a instauração do incidente para tal ponto, como uma mutação dentro do próprio instituto, posição que é interessante, mas que esbarrará na inaplicabilidade legal: “Dentro da lógica do novo CPC, que reforça a força vinculativa dos precedentes e amplia a necessidade de isonomia e coerência sistêmica, e que intenta apresentar aos jurisdicionados mecanismos complementares às ações coletivas, entendemos que o incidente de resolução de demandas repetitivas poderá ter seu objeto ampliado jurisprudencialmente também para as questões de fato comuns. Talvez para isso necessitemos desenvolver uma teorização e técnicas para a aplicação de precedentes em matéria de fato, até porque a ratio decidendi orienta-se para a reprodução de entendimento jurídico” (CABRAL, 2016, n.p.).

[14]   Arruda Alvim menciona que existem questões predominantemente de fato e questões de igual maneira jurídica, o que corrobora a dificuldade da separação para tanto. Todavia, não é novel tal separação, ainda que os fatos e direito estão imbricados no cotidiano, há de entender que são diversos pontos, considerando, portanto, a predominância (ALVIM, 1998, p. 53).

[15]   Temer (2016, p. 73) sistematiza isso como a utilização dos fatos insertos da ação que será a base ou das ações que serão a base do próprio IRDR como pressupostos fáticos, ou seja, o julgamento basear-se-á naquela delimitação fática, mas sem decidir o fato em si. “No IRDR, a resolução da questão de direito não será realizada a partir de uma completa abstração da realidade, até porque “não há teses sem fatos”. Os fatos, porque essenciais para análise da questão de direito, estarão presentes na resolução da controvérsia, mas não como fatos efetivamente ocorridos em uma situação concreta (até porque o tribunal não julgará nenhuma “causa”), e sim como fatos pressupostos, projetados, generalizados”.

[16]   A pergunta seria se o Ministério Público e a Defensoria Pública devem ser partes processuais para requererem a instauração do IRDR? Bueno (2016, p. 594) explica que não há essa necessidade, podendo suscitar mediante a visão de que atua como fiscal da ordem jurídica o primeiro. Já no tocante ao segundo seria em representação aos hipossuficientes, mas, discordo dessa visão sem ter demandas sob égide do próprio órgão: “Sobre a legitimidade do Ministério Público e da Defensoria Pública, cabe frisar, fazendo eco ao que dispõe o art. 977, III, a propósito do incidente de resolução de demandas repetitivas, que a regra merece ser interpretada amplamente para admitir que a legitimidade daqueles órgãos dê-se tanto quando atuam como parte (em processos coletivos, portanto) como também quando o Ministério Público atuar na qualidade de fiscal da ordem jurídica e a Defensoria estiver na representação de hipossuficiente ou, de forma mais ampla, desempenhando seu papel institucional em processos individuais, como amicus curiae”.

[17]   No entanto, Marinoni defende que deveria haver uma ampliação dos legitimados para aqueles que também o são nas ações civis públicas e na defesa dos direitos homogêneos individuais. No entanto, creio que a participação destes possa ser por meio do contraditório ampliado, na forma de amicus curiae ou nas audiências públicas. “Por isso, a melhor alternativa é tornar presentes no incidente de resolução de demandas repetitivas os legitimados à tutela dos direitos individuais homogêneos – conforme Lei da Ação Civil Pública e Código de Defesa do Consumidor. Na verdade, os legitimados à tutela dos direitos dos grupos nunca deveriam ter sido afastados do incidente de resolução de demandas. Isso porque esse incidente não pode ser pensado como artifício indiferente à participação e ao direito de defesa. O modo como o incidente foi desenhado pelo legislador, frio e neutro em relação aos direitos discutidos e, especialmente, ao direito de discutir, torna-o um instrumento ilegítimo, destinado a viabilizar os interesses de um Estado que não tem compromisso com a adequada tutela dos direitos, fim básico de todo e qualquer Estado constitucional.” (MARINONI, 2015, p. 410).

[18]   Didier Jr. e Zaneti Jr. entendem como premissa que o IRDR é uma técnica de processo coletivo, destacando que: “O CPC/2015 (LGL\2015\1656) estruturou um complexo sistema de julgamento de casos repetitivos. A relação entre esse sistema e o sistema das ações coletivas é um dos desafios que o novo Código impõe à doutrina e aos tribunais brasileiros. Partimos da premissa de que ambos são instrumentos de tutela coletiva de direitos, são, portanto, processo coletivo. As relações, aproximações e distinções entre eles devem começar a ser identificadas e sistematizadas” (DIDIER JR; ZANETI JR, 2016, p. 210).

[19]   Há evidente diferença sobre o IRDR e o processo coletivo como um todo, ou, ao menos, apesar das convergências, as divergências são mais notórias e impedem de ser técnicas idênticas. O IRDR pode, por exemplo, versar sobre matéria processual, o que, por si só, já traria mais próxima a uma objetivação do que uma tutela eminentemente coletiva. “Embora seja inegável que há uma dimensão coletiva no incidente, que decorre da repetição das mesmas questões em diversos casos (o que fundamenta o instituto) e que se observa na abrangência do âmbito de aplicação da tese fixada, há elementos importantes que demonstram que este não é um meio processual propriamente coletivo (…) O processo coletivo se distancia do IRDR (que, para nós, é técnica processual objetiva) porque, ao contrário deste, não se preocupa diretamente com a tutela da ordem jurídica objetiva” (TEMER, 2016, p. 92).

[20]   Tanto na Repercussão Geral, nos Recursos Repetitivos, na Arguição de Inconstitucionalidade e no IAC, a decisão é inerente aquele processo, com o incidente processual ali instaurado, o que muda sobre o IRDR, que tem uma independência, em termos pragmáticos processuais, do incidente, correndo de maneira autônoma, em processo próprio, em competência própria.

[21]   Enunciado n.º 202 do FPPC: O órgão colegiado a que se refere o § 1º do art. 947 deve atender aos mesmos requisitos previstos pelo art. 978.

[22]   Enunciado n.º 89 do FPPC: Havendo apresentação de mais de um pedido de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas perante o mesmo tribunal todos deverão ser apensados e processados conjuntamente; os que forem oferecidos posteriormente à decisão de admissão serão apensados e sobrestados, cabendo ao órgão julgador considerar as razões neles apresentadas.      

[23]   “Considerando o grau de vinculação/transcendência da matéria discutida (local ou nacional), o § 4º, do art. 976 do NCPC deixa claro que o incidente apenas poderá ser provocado se a matéria discutida não tiver sido afetada por um dos Tribunais Superiores, no âmbito de sua respectiva competência. Este dispositivo evita divergência entre o posicionamento do tribunal local e do Órgão Superior” (ARAÚJO, 2015, p. 329).

[24]   “A legislação infraconstitucional pode indicar o tribunal competente, seguindo as regras já traçadas pela Constituição Federal. O legislador deve apontar qual o tribunal competente, não estabelecendo qual o órgão interno do tribunal que deva realizar determinado julgamento. Se o órgão julgador, num determinado tribunal, é uma câmara cível, um grupo de câmaras, a corte especial ou o plenário, isso há de ser definido pelo seu respectivo regimento interno. O que importa é que o tribunal seja aquele previsto na Constituição Federal” (CUNHA, 2010, p. 139-174). “O órgão competente para julgar o IRDR é uma grande dúvida desde a sua aplicabilidade no cotidiano, com a necessária mudança dos regimentos internos dos tribunais. O CPC não teve como dispor sobre matéria que é afeta à particularidade de cada tribunal, no entanto, conseguiu-se delimitar quais os pontos uníssonos sobre o órgão, como Cabral descreve: “O art. 978 confere ao regimento interno dos tribunais a possibilidade de indicar qual órgão julgará o incidente, mas estabelece uma diretriz sobre as características que esse órgão deve possuir para que possa ver a si atribuída essa competência. Não haveria como o CPC decretar qual seria esse órgão, sob pena de interferir na autonomia organizacional dos tribunais (art. 96 da CR/1988; nesse sentido, CUNHA, 2011a, p. 271). A lei exige que órgão tenha competência para uniformizar a jurisprudência do tribunal” (CABRAL, 2016, n.p.).

[25]   Enunciado n.º 91 do FPPC: Cabe ao órgão colegiado realizar o juízo de admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas, sendo vedada a decisão monocrática.

[26]   Temer e Didier Jr. chamam de decisão de organização, o que chamamos de decisão de afetação, as quais delimitam com as seguintes necessidades: “A decisão de organização do incidente deverá identificar, de modo claro e preciso, a questão que será submetida a julgamento, ou seja, a controvérsia de direito material ou processual cuja resolução se buscará uniformizar. Trata-se, portanto, de identificar qual a questão jurídica em análise, respeitando-se o que foi decidido pelo órgão colegiado no momento da admissão. Essa precisa identificação, embora não conste expressamente da disciplina relativa ao IRDR, está clara no art. 1.037, I, do CPC (LGL\2015\1656), aplicável ao incidente por força da interpretação conjunta das normas relativas ao microssistema de julgamento de casos repetitivos. Não bastará, contudo, identificar a questão jurídica, sem delimitar a situação fática que lhe está subjacente, ou seja, as circunstâncias fáticas que ensejam a controvérsia, ou, ainda, a categoria fática para a qual a tese será aplicada” (DIDIER JR.; TEMER, 2016, p. 263).

[27]   Há sempre uma dicotomia em torno do tempo de julgamento de um instituto do microssistema: nem tão rápido e nem tão demorado. O prazo de um ano para o IRDR tem esse sentido, o qual deve ser seguido pelos outros institutos que não tem prazo definido. No entanto, não quer dizer que tenha que demorar um ano, mas, como um prazo razoável, dependendo da questão jurídica: “A definição da tese jurídica a partir de um ou alguns procedimentos-modelo tem como um dos objetivos reduzir o tempo de tramitação dos diversos processos pulverizados e, por conse- quência, desafogar a pauta para julgamento de outras ações. Considerando esse objetivo, o dispositivo legal prevê o prazo máximo para julgamento do incidente, que não poderá ultrapassar um ano, tendo preferência na tramitação, exceto quanto aos habeas corpus e processos com réu preso. A resolução de processos coletivos e de meios coletivos de solução de conflitos, de modo célere, é fundamental para a higidez do sistema judiciário. Do contrário, esses instrumentos caem em descrédito e não propiciam a economia necessária, causando a multiplicação de processos individuais, que entopem as veias de circulação do Poder Judiciário, causando demora e ineficiên- cia generalizada. Por outro lado, apesar da fixação a priori do prazo de um ano, haverá a possibilidade de prorrogação, desde que mediante decisão motivada (parágrafo único), o que poderá ocorrer quando houver a manifestação de muitos interessados e necessidade de amadurecimento do debate para fixação da tese” (MENDES, 2016, n.p.).

[28]   Enunciado no. 93 do FPPC: Admitido o incidente de resolução de demandas repetitivas, também devem ficar suspensos os processos que versem sobre a mesma questão objeto do incidente e que tramitem perante os juizados especiais no mesmo estado ou região.

     Enunciado no. 95 do FPPC: A suspensão de processos na forma deste dispositivo depende apenas da demonstração da existência de múltiplos processos versando sobre a mesma questão de direito em tramitação em mais de um estado ou região.

[29]   No sentido de entender que possa descartar o processo que suscitou o IRDR ver Didier Jr. e Temer (2016, p. 263).

[30]   “Admitido o incidente, o relator poderá requisitar informações ao juízo em que tramitar(em) o(s) processo(s) de onde se originou o procedimento-modelo (art. 982, II), bem como deverá intimar o Ministério Público para que o órgão se manifeste acerca da matéria jurídica controvertida (art. 982,III). Ainda, a decisão que admite o incidente gera outras consequências importantes, dentre as quais as mais relevantes são: (i) a ampla divulgação e publicidade acerca da afetação da matériapara julgamento mediante este instrumento processual diferenciado (art. 979); (ii) a suspensão dos processos repetitivos que veiculem a mesma matéria (art. 982, I)” (MENDES; TEMER, 2015, p. 293).

[31]   O IRDR não tem redação clara sobre a visão do contraditório ampliado, em seu bojo de legitimados para a instauração, há as partes, o juízo de ofício, o Ministério Público e a Defensoria Pública, há também a possibilidade do amicus curiae e uma gama de outros interessados, os quais podemos entender que sejam terceiros interessados afetados no incidente, bem como entidades que tenha interesse coletivo na resolução daquele incidente e fixação do precedente vinculante. Sobre as pessoas interessadas, há concordância com a visão de que não seriam mesmo amicus curiae propriamente dito, mas as entidades se confundem com a intervenção do amicus curiae: “A participação de tais pessoas e órgãos não se confunde com a participação do amicus curiae: neste caso, a pessoa, órgão ou entidade deve auxiliar o juízo no esclarecimento da matéria que é posta em questão. No caso do incidente de demandas repetitivas, o CPC 982 dá a entender que essas pessoas e órgãos funcionariam como espécie de terceiros intervenientes, com interesse na solução do incidente e que poderiam agir de forma direcionada a determinado objetivo” (NERY JR; NERY, 2016, p. 2.120).

[32]   Bueno coloca, acertadamente, as audiências públicas com o mesmo rol de importância que o próprio amicus curiae. Isso seria muito importante, apesar de não ser na prática desse modo, tampouco ser tão influenciante quanto a figura do amigo da corte. No entanto, há de se imaginar que assim deva ser: “Importante evidenciar, contudo, que tais audiências públicas e a oitiva do amicus curiae merecem ser tratadas como as duas faces de uma mesma moeda, isto é, como técnicas que permitem a democratização (e, consequentemente, a legitimação) das decisões jurisdicionais tomadas em casos que, por definição, tendem a atingir uma infinidade de pessoas que não necessariamente far-se-ão representar pessoal e diretamente no processo em que será fixada a interpretação da “questão jurídica” (BUENO, 2016, p. 807).

[33]   O IRDR é uma técnica de julgamento coletivo ou de formação de precedente. Esse ponto é crucial para entendermos os direitos ali dispostos. Se for um julgamento coletivo, há a coisa julgada e com esta, somente os participantes ou representados devidamente que participarão do impacto da decisão. Cavalcanti vai neste viés para dizer que há um equívoco no instituto. Porém, entendemos que como técnico de formação de precedente, não deve ser visto como coisa julgada, até por ensejar superação e não ação rescisória, dentre outros motivos: “Pior: a ideia de julgamento abstrato do IRDR permite aplicar a tese jurídica às causas futuras, referentes a litigantes que não tiveram qualquer possibilidade de participação e influência no julgamento coletivo” (CAVALCANTI, 2015, p. 44).

[34]   Mancuso (2016, p. 257) concorda com essa ideia quando estipula que o processo civil baseado na jurisdição singular não conseguirá abarcar as diretrizes condizentes com o instituto eminentemente coletivo, ainda que como técnica de formar tese jurídica – ou precedente para alguns. Desse modo, há uma necessidade de adaptação e visão de que o IRDR será regido por outra ótica, o que, de certa maneira, rebate o que Marinoni coloca como problema de representatividade adequada a terceiros. “Sucede que o IRDR, conquanto regulado no âmbito do CPC, não se afeiçoa exatamente aos moldes da jurisdição singular, já que sua instauração responde a razões de interesse público e social”.

[35]   É preciso imaginar uma representatividade diante de um novo devido processo legal com impactos coletivos, como preconiza acertadamente Vitorelli (2016, p. 32): “como o processo coletivo que atualmente vigora não conseguiu construir mecanismo para a participação efetiva da comunidade lesada, “é de se aceitar” que ela participa por ser representada. Não se trata de uma nova compreensão do devido processo legal, mas de sua redução, pura e simplesmente”.

[36]   Bueno (2016, p. 585) entende diferente, com a visão de que a menção as partes deve ser entendida como “qualquer parte individualmente considerada que tenha processo seu suspenso a mercê da instauração do incidente (art. 982, I), possa se manifestar diretamente no Tribunal para expor suas razões sobre a resolução da questão de direito”. Essa visão seria interessante se houve o pedido de manifestação ou, ainda, a manifestação de escolha de alguns líderes para a representatividade adequada, como nas class actions, o que não é o caso. Permitir deliberadamente que todos que tenham processo sobre a questão possam se manifestar, ainda mais pelo polo que detém mais heterogeneidade é inviabilizar o próprio instituto, o que deve ser visto com parcimônia essa viabilidade da manifestação de qualquer parte.

[37]   O que fazer com o IRDR, o impacto aos demandantes ausentes e a falha de representatividade? Temer entende que o correto seria repensar que esses devem ser representados somente via consentimento, o que ensejaria uma técnica de opt-in, mas, de convencimento de que daquele instituto e procedimento deliberou-se uma decisão paradigmática. Altera-se o consentimento para o convencimento: “Em vez de exigir a participação pessoal e direta de todos os sujeitos que serão afetados pela definição da tese jurídica, reconhecendo-lhe seu “dia na corte” - o que está ligado a uma ideia de participação como consentimento, adota-se uma concepção diferenciada do direito à participação para o IRDR, que se funda no contraditório como direito de influência. Afinal, a participação como consentimento está vinculada ao contexto do processo como resolução de conflitos subjetivos, o qual exige a atuação direta do sujeito na resolução de sua lide. (…) A participação aqui é vista, então, como a possibilidade de convencimento, através da apresentação (direta ou indireta) de razões para a resolução da controvérsia jurídica. É dispensável, no incidente, perquirir o que o sujeito quer propor a demanda em que se discuta a questão jurídica. (…) Muito mais do que o consentimento de quem quer que seja, o que é relevante para legitimar a decisão é a demonstração de que houve possibilidade de convencimento através do exercício do direito de influência, ainda que por sujeitos “não-representantes” ou mesmo “não-interessados” (TEMER, 2016, p. 136-138, 141).

[38]   Complementando a citação anterior: “Neste ponto, como não há técnica de opt-in no IRDR, a afetação nos terceiros deve ser pelo convencimento de que houve um contraditório com influência no resultado do precedente, sem a necessidade de que aceite a representação” (TEMER, 2016, p. 137).

[39]   Art. 979. A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça. § 1º Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao Conselho Nacional de Justiça para inclusão no cadastro. § 2º Para possibilitar a identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente, o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados.

[40]   Enunciado no. 591 do FPPC: O tribunal dará ampla publicidade ao acórdão que decidiu pela instauração do incidente de arguição de inconstitucionalidade, incidente de assunção de competência ou incidente de resolução de demandas repetitivas, cabendo, entre outras medidas, sua publicação em seção específica no órgão oficial e indicação clara na página do tribunal na rede mundial de computadores.

[41]   Mancuso (2016, p. 254) verifica que essa suspensão federal pelo STJ ou STF é salutar para que não gere IRDRs ou demandas com dispersão jurisprudencial. Não menciona, no entanto, que, desse modo, o IRDR seria um autêntico preparatório para um repetitivo federal: “Essa tríplice possibilidade de suspensão, ao nível nacional, dos processos concernentes à vexata quaestio objeto de um IRDR em curso, justifica-se pelo fato de que as demandas seriais devieram de uma macrolide, que pode até mesmo concernir aos brasileiros em geral (…) de sorte que se a tese jurídica, firmada ao final daquele incidente (art. 985, caput), ficasse limitada aos limites de um Estado (no caso de um TJ) ou de uma Região (no caso de um TRF), haveria o risco de tratamento desigual entre jurisdicionados afetados a uma mesma questão de direito, em detrimento da isonomia e segurança jurídica”.

[42]   “Com efeito, no incidente de fixação de tese para causas repetitivas no tribunal local, há a intervenção obrigatória do Ministério Público, tendo em vista que, uma vez provocado o órgão para a formação do precedente, o direito material ou processual que está sendo discutido não será mais individual, mas coletivizado, e “a tese jurídica firmada será aplicada a todos os processos que versem idêntica questão de direito” (ARAÚJO, 2013, p. 73).