POPULAÇÃO LGBTI, REPÚBLICAS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PRECONCEITO NA CIDADE DE OURO PRETO: A VIOLÊNCIA COMO PRÁTICA PARA AQUELES TIDOS COMO “OUTROS”

LGBTI POPULATION, REPUBLICS AND THE INSTITUTIONALIZATION OF PRECONCEPTION IN THE CITY OF GOLD BLACK: VIOLENCE AS A PRACTICE FOR THOSE CONSIDERED AS "OTHERS"

 

 

Rainer Bomfim[1]

Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Ouro Preto, MG, Brasil.

rainerbomfim@outlook.com

 

Jéssica de Paula Bueno da Silva[2]

Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Ouro Preto, MG, Brasil.

jessicadepaulabueno@gmail.com

 

Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia[3]

Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Ouro Preto, MG, Brasil.

alexandre@ufop.edu.br

 

 

Resumo: O trabalho versa sobre as questões de LGBTIfobia e consequente falta de igualdade social e jurídica dessa população. Sua relevância deve-se à condição de desrespeito sob a qual a minoria sobrevive, sendo marginalizada pela sociedade e tendo suas mortes frequentemente naturalizadas. A pretensão é analisar como o cenário molda-se para manter tal população em situação de invisibilidade. Para tanto, faz-se um recorte para analisar a institucionalização do preconceito em universidades federais, neste caso a Universidade Federal de Ouro Preto. Apresenta-se a entrada do calouro e requisitos de aceitação para integrar as repúblicas federais de Ouro Preto; passa-se então à análise da institucionalização da LGBTIfobiae suas consequências paras as pessoas e, por fim, apresenta-se como e porque a invisibilização da diferença é tão efetiva. Trata-se de pesquisa sob o método jurídico-descritivo tendo como referência a concepção de igualdade como diversidade de Alexandre Bahia.

 

Palavras-Chave: LGBTIfobia. UFOP. Institucionalização. Autoridades. Tradição Republicana.


Abstract: The paper deals with the issues of LGBTIphobia and consequent lack of social and legal equality of this population. Its relevance is due to the condition of disrespect under which the minority survives, being marginalized by society and having their deaths often naturalized. The pretension is to analyze how the scenario is shaped to keep such a population invisible. Therefore, a cut is made to analyze the institutionalization of prejudice in federal universities, in this case the Federal University of Ouro Preto. It presents the entry of the freshman and acceptance requirements to integrate the federal republics of Ouro Preto; then the analysis of the institutionalization of LGBTIphobia and its consequences for the people, and finally, how and why the invisibilization of difference is so effective. It is a research under the legal-descriptive method having as reference the concept of equality as diversity of Alexandre Bahia.

 

Keywords: LGBTIphobia. UFOP. Institutionalization. Authorities. Republican Tradition.

 

1      Introdução

 

A Constituição Federal, já em seu preâmbulo, assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Também consagra como objetivo fundamental da República (art. 3ª, IV): promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

No referido dispositivo mandamental, tem-se o art. 205, que atribui ao Estado brasileiro o dever de auxílio ao pleno desenvolvimento da pessoa, físico e intelectual, bem como o seu preparo para o regular exercício da cidadania, em sua significação, isso quer dizer que, sob nenhum aspecto, o Estado brasileiro poderá furtar-se ao dever de promoção (via instituições públicas e privadas) do bem de todos, incluindo-se aí as minorias sociais. Além do inciso I do artigo 206 da Constituição Federal também, que diz que a todos será garantido o princípio da igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola – o que, principiologicamente, abarca também universidades. Aduz-se ainda que a lei que rege a educação brasileira, isto é, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – Lei 9394/1996 –, traz em seu art. 43 como uma finalidade fundamental da educação superior no Brasil: “VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade”.

Para regulamentar esses comandos expressos e constitucionais, foram criadas leis com inúmeras finalidades, como a Lei 7.716/89 e o Estatuto da Igualdade Racial que, respectivamente, criminaliza o preconceito de raça ou de cor e busca a inserção do negro;o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso atentam contra o preconceito em razão da idade; a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, sobre a violência contra a mulher.

Entretanto, na prática não é isso que acontece, minorias sociais são constantemente excluídas, como é o caso da população LGBTI(lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros), que é marcada pela narrativa de exclusão e opressão, sendo que os números e dados sobre a violência contra essa população é alarmante e cresce a cada ano, como será demonstrado abaixo.

Dessa forma, mostra-se no trabalho a situação da população LGBTI trazendo números sobre a atual violência frente essa população e, a partir disso, parte-se para uma análise da situação da população LGBTI na cidade de Ouro Preto, com atenção às normativas da Universidade Federal de Ouro Preto(UFOP), casos que tramitam frente ao Ministério Público Federal com o enfoque nas Repúblicas Federais, os quais são imóveis pertencentes ao patrimônio da Administração Pública, sendo que não são raros os casos em que estudantes são excluídos das repúblicas por não se adequarem ao perfil heterossexual e cisgênero que é esperado por partes dos outros estudantes e todo esse  preconceito é institucionalizado através de normas que autorizam os estudantes a adotarem o que é chamado como “autogestão” para a escolhas dos moradores daquela casa (BAHIA; GARCIA; BOMFIM, 2017, p. 32).

Em seguida, mostra-se a normativa da UFOP que trata sobre os conhecidos trotes e a sua vedação dentro da Universidade e seus possíveis avanços, tomando-a como um ponto de partida para a discussão dentro da instituição. Por fim, apresenta-se a conclusão do presente trabalho.

A metodologia utilizada na confecção do material é predominantemente jurídico-descritivo (GUSTIN, DIAS, 2013, p.21) com a apresentação dos dados sobre a população LGBTI e dados sobre normativas da UFOP, sem que haja prejuízo do método e da crítica realizada pelos autores.

 

2     Cenário da população LGBTI no Brasil

 

A população LGBTI é vítima constante de agressões e segregações sociais decorrentes de discriminações por orientação sexual e identidade de gênero, sendo que não existe uma norma no país que proteja essa população de forma específica, isto é, que crie instituições e sanções que façam frente à violência específica que aquela população sofre. Isso se reflete nos dados abaixo: segundo o “Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil: o ano de 2011” do Governo Federal, de janeiro a dezembro de 2011 foram denunciadas 6.809 violações de direitos humanos contra LGBTI, envolvendo 1.713 vítimas e 2.275 suspeitos (BRASIL, 2012a)[4]. Além disso, tem-se outros dados trazidos pelo Grupo Gay da Bahia:

Em 2010, 260gays, travestis e lésbicas foram assassinados no Brasil. De acordo com um relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB) [...] a cada um dia e meio um homossexual brasileiro é morto. Nos últimos cinco anos, houve aumento de 113% no número de assassinatos de homossexuais. Apenas nos três primeiros meses de 2011 foram 65 assassinatos.(AGÊNCIA BRASIL, 2011; MOTT, 2000)

 

Em 2013, com os dados referentes ao ano de 2012, a violência homofóbica cresceu 166% em relação a 2011, tendo sido registradas 9.982 violações relacionadas à população LGBT, das quais 310 foram homicídios (BRASIL, 2013).Contudo, isso ainda representa uma fração muito pequena da violência que acomete lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros, pois, além de outros fatores, ainda é muito recente e desconhecido da maioria dos membros desta comunidade a existência de locais de denúncia como o “Disque 100”. Some-se a isso a hipótese de subnotificação.

Os números do “Disque 100” trazem constatações de grande importância: a primeira diz respeito ao padrão de sobreposição de violências cometidas contra indivíduos dessa população. De tal forma, que os dados revelam uma média de 3,97 violações sofridas por cada uma das vítimas, o que parece indicar como a homotransfobia se faz presente no desejo de destruição (física, moral ou psicológica) não apenas da pessoa específica das vítimas, mas também do que elas representam – ou seja, da existência de pessoas LGBTI em geral. Dessa forma são recorrentes, por exemplo, os casos em que não apenas o indivíduo sofre violência física, com socos, pontapés ou pior, mas também uma variedade de formas de violência psicológica, por meio de humilhações e injúrias.A segunda constatação trazida pelo Relatório é o maior número de suspeitos em relação ao de vítimas. A diferença chega ao patamar de 32,8%, o que sugere o caráter de tais violências são cometidas por mais de um agressor ao mesmo tempo, sendo que grupos de pessoas que se reúnem para agredir homossexuais ou travestis são um exemplo comum deste tipo de crime.

Todos esses números apontam para uma situação de violência contra a população LGBTI no Brasil, sendo que, apenas no ano de 2013, foram reportadas 9,31 violações de direitos humanos de caráter LGBTIfóbico[5] do total de violações no dia. Então, segundo esse indicador, a cada dia do ano de 2013, em média, 5,22 pessoas foram vítimas de violência LGBTIfóbica do total de casos reportados no país (BRASIL, 2016).

Outro dado que relevante é que no ano de 2013, seguindo a tendência dos anos anteriores e de estudos mais amplos sobre a violência no Brasil (BRASIL, 2012, 2013), a grande maioria das denúncias de violências LGBTIfóbicas são sobre vítimas do sexo biológico masculino[6] (73,0%). Outras 16,8% são do sexo biológico feminino. Os não informados contabilizaram 10,2% dos casos (BRASIL, 2016).

Em 2017, o relatório produzido pelo Grupo Gay da Bahia mostrou que 445 LGBTI morreram no Brasil vítimas da LGBTIfobia, sendo que foram 387 assassinatos e 58 suicídios[7] (GRUPO GAY DA BAHIA, 2018). Nota-se um aumento de 30% em relação a 2016, quando foram registradas 343 mortes (GRUPO GAY DA BAHIA, 2018). Segundo o Relatório de 2017:

A cada 19 horas um LGBT é barbaramente assassinado ou se suicida vítima da “LGBTfobia”, o que faz do Brasil o campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais. Segundo agências internacionais de direitos humanos, matam-se muitíssimo mais homossexuais aqui do que nos 13 países do Oriente e África onde há pena de morte contra os LGBT. E o mais preocupante é que tais mortes crescem assustadoramente: de 130 homicídios em 2000, saltou para 260 em 2010 e 445 mortes em 2017 (GRUPO GAY DA BAHIA, 2018).

 

Dessas vítimas de LGBTIfobia que foram identificadas que

[...] 194 eram gays (43,6%), 191 trans (42,9%), 43 lésbicas (9,7%), 5 bissexuais (1,1%) e 12 heterossexuais (2,7%). Na categoria gay foram incluídos homossexuais masculinos, andróginos, dragqueens, transformistas e crossdressers, posto que embora esses últimos adotassem esporadicamente performance do gênero feminino, manifestavam identidade e eram socialmente reconhecidos como homossexuais. A categoria trans inclui travestis, mulheres transexuais e homens trans. 12 das vítimas foram identificadas como heterossexuais, justificando-se sua inclusão neste relatório pelo fato de terem sido mortos devido a seu envolvimento com o universo LGBT, seja por tentarem defender algum gay ou lésbica quando ameaçados de morte, seja por estarem em espaços predominantemente gays ou serem “T-lovers”, amantes de travestis. (GRUPO GAY DA BAHIA, 2018)

 

Uma pesquisa menos abrangente que as anteriores mas com maior rigor metodológico é a que resultou no “Relatório do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT sobre inquéritos policiais envolvendo travestis e transexuais no Estado de Minas Gerais” produzido pelo NUH-UFMG em parceria com o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos (CAO-DH) – Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Trata-se de parte de uma pesquisa mais ampla que vem sendo desenvolvida por estes grupos. No caso do Relatório tem-se a junção de notícias de mídia sobre violências envolvendo travestis/transexuais, REDS (Registro de Ocorrência da Defesa Social) e informações do Centro Integrado de Informações de Defesa Social (CINDS/SEDS). Todos os dados compreendem o período entre jan./2014 e dez/2015 no Estado de Minas Gerais nos quais travestis/transexuais aparecessem como supostas autoras, vítimas e/ou testemunhas de homicídios. Assim, a pesquisa separou “39 registros de ocorrência relativos a homicídios consumados e tentados em que figuram travestis e transexuais” (PRADO, 2018, p. 12) os quais tiveram seus registros solicitados às respectivas delegacias e, com erros, documentos faltando e excesso de tempo sem resposta, restaram 13 casos para análise. Percebe-se que o número é pequeno, no entanto, o ganho qualitativo da pesquisa é muito significativo. Resumidamente, as conclusões da pesquisa apontam:

a) o apagamento da travestilidade na história social do indivíduo;

b) a redesignação de um gênero para o corpo custodiado; e

c) a qualificação de um gênero considerado criminoso, fora das convenções sociais, fora da categoria de corpo humano.

Esses três aspectos produzem em atos e procedimentos o que designamos aqui como a construção do gênero criminoso que, ao adentrar o sistema de justiça como vítima, suporta autora e/ou testemunha, já inicia perdendo completamente qualquer qualidade de adequação à vida social. Esses três aspectos instauram, assim, um movimento de retirada da humanidade do corpo, passando a considerar criminoso um gênero independentemente da análise do fato. Isso tem gerado um sistema injusto de criminalização das pessoas que se autoidentificam como travestis e transexuais (PRADO, 2018, p. 68).

De tal forma, como se não bastassem os dados apresentados dos anos anteriores, percebe-se que esse quadro é uma situação de violência institucionalizada, pois, até o mês de agosto de 2018, já aconteceram 98 mortes de travestis, homens trans e mulheres trans que já foram notificados, segundo levantamento diário da ANTRA[8].

Assim, delineada o quadro o quadro de constante violência à população LGBTI no âmbito nacional, que notoriamente os números só aumentam, passa-se para a análise em âmbito local, tendo como locus da pesquisa a cidade de Ouro Preto e nas repúblicas da UFOP para demonstrar como que tal violação apresenta-se sistêmica e estrutural.

 

3     As Repúblicas em Ouro Preto e a exclusão população LGBTI

 

Com a finalidade de contextualizar a institucionalização do preconceito dentro da UFOP, faz-se necessário apresentar o cenário em que todo esse quadro ocorre e como isso é tratado historicamente pela instituição.

Quando se trata da Universidade Federal de Ouro Preto existem vários programas de moradia universitária que possui atualmente um patrimônio de 58 imóveis próprios para moradias, conhecidas como “repúblicas federais”, que, atualmente, são cedidos aos estudantes sem qualquer regulamentação de critérios de entrada e permanência nestas casas. Conforme é trazido por Bahia, Garcia e Bomfim:

O sistema intitulado como autogestão que compõe as repúblicas federais cujos imóveis são de propriedade da UFOP, possuem, de acordo com a Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (PRACE), 769 vagas disponíveis (para serem ocupadas com o sistema de “batalha”) sendo que 159 vagas estão ociosas. Em contraponto a isso, a UFOP adota o critério socioeconômico nas vagas de apartamentos (que perfazem 94 vagas), e alojamentos (64 vagas), e todas essas estão ocupadas. Além disso, o edital de ocupação das moradias públicas federais geridas pela UFOP em critério socioeconômico nas suas mais diversas modalidades gerou um excedente de 181 estudantes que preenchem os critérios de vulnerabilidade social e aguardam na fila de espera (2017, p.36)

 

As moradias denominadas repúblicas federais sofrem uma baixa intervenção da Universidade, que é disciplinada através de um Estatuto regido pela Resolução n.1540[9] que fora aprovado no ano de 2013 pelo CUNI – a partir de sugestões de vários setores da Universidade, inclusive as associações de repúblicas e moradias estudantis. Dessa maneira, fica ao critério do chamado sistema de autogestão[10]gerir esses bens públicos no que se refere ao que acontece internamente[11] no que tange a organização, distribuição de tarefas e definição de quem serão os moradores a permanecer na casa. Esse sistema, aparentemente, parece ser sempre bem sucedido, mas que na teoria se mostra excludente e pouco democrático (BOMFIM, VALADARES e RECH, 2018, p.85-86).

 O sistema republicano atual não consegue (ou não se esforça) para absorver a demanda dos estudantes da Universidade – que teve um grande aumento do número de alunos a partir do REUNI – e não possui critérios objetivos para a escolha daquele que irá continuar na república federal, que é um bem público pertencente à União.

Vale lembrar que, apesar da república ter que justificar à Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (PRACE) a decisão da assembleia da república por não aceitar um candidato, não são raras as respostas em que o estudante não foi aceito com a genérica justificativa de que ele “não se adequou ao perfil da casa”, ou que “não houve afinidade com os propósitos estabelecidos pela república”. Como tal perfil é definido por aqueles que ali já estão (arts. 5oe segs. do Estatuto das Moradias Universitárias – UFOP, 2017a) e estes se vinculam de maneira demasiada a uma ideia de tradição que reproduz concepções e práticas totalmente inadequadas para a conjuntura social atual, a discriminação é uma realidade em tais moradias. A estrutura ganha contornos que moldam aqueles que ali adentram, de modo que, além de excluir determinados grupos, perpetua e forma estudantes que reproduzem comportamentos excludentes e violentos, dificultando assim a própria atuação da Universidade como espaço para a promoção da igualdade e da diversidade.

Ademais, essa “não adequação”, com alguma frequência, se dá pela suspeita ou mesmo descoberta de que o indivíduo é homossexual/travesti/transgênero. Os relatos dentro da Universidade são inúmeros – e chegam com grande frequência, por exemplo, ao Núcleo de Direitos Humanos (NDH/UFOP)[12] –, além de fácil comprovação pela inexistência transexuais/travestis/transgêneros e de quase nenhum homossexual (assumido) dentro das repúblicas federais – os poucos que existem devem se adequar ao “padrão” heteronormativo e cisgênero e esconder sua orientação sexual ou identidade de gênero “diversa”.

Não há uma real abertura para que os indivíduos possam viver de forma igual e respeitando o seu livre desenvolvimento. Em uma sistemática guiada pela tradição de uma masculinidade hegemônica, os padrões comportamentais são eleitos enquanto verdadeiras normas de conduta que passam a fazer parte, ainda que veladamente, de todas as relações sociais (KORIN, 2001). Deste modo, as repúblicas permanecem como instituições machistas e que acabam reproduzindo – dentro de um espaço que deveria enquanto público e democrático – todas as discriminações e violências que caracterizam a relação de opressão vivida pelas minorias sexuais na sociedade brasileira (BAHIA, GARCIA, BOMFIM, 2017, p.36).

Isso mostra a perpetuação de um sistema machista, LGBTIfóbico e opressor dentro de um bem da Administração Pública, o que viola uma série de normas constitucionais e infraconstitucionais, como destaca-se:

Falar sobre proteção à minoria LGBT no Brasil envolve uma série de questões. Há que se tratar da violência, em suas mais variadas formas e intensidades; há que se tratar da discriminação que alimenta a violência – fundada em vários tipos de preconceitos, desde o sexismo, passando por ideias como “normalidade de papéis de gênero”; e, por fim, a combinação das duas questões anteriores que é a afirmação/negação de direitos constitucionais a uma minoria da população, notadamente nos campos do direito de família (e sucessões) e do direito penal. (...) [o] Brasil parece ter deslocado os sujeitos nomeados como homossexuais para a massa da não-gente, uma vez que como transviados, não adaptados aos valores morais e psicológicos do status quo arquetípico, não exercem os requeridos papéis produtores de cidadania dentro da estrutura de poder material e simbólico subjacentes ao projeto de Estado nacional. Desse modo, para além da subalternização das subjetividades dos LGBT, verifica-se nos campos jurídico e social brasileiros o não reconhecimento da identidade social dessa gente como tal. O fenômeno da não integração como plenos sujeitos de direito se mostra de várias formas. Uma delas é a sistêmica derrota de suas demandas no sistema representativo uma vez que, na correlação de poder, nelas há pouco acúmulo de capital social e simbólico, o que se traduz, consequentemente, em fraco capital jurídico. Assim sendo, tais indivíduos carecem de representatividade e se localizam à margem da proteção jurídica posto que são somados aos desqualificados cívicos e, nessa condição de subcidadãos, suas reivindicações por inclusão e igualdade jurídicas são sistematicamente alçadas à condição de não-demandas(BAHIA, 2016, p. 373- 375)[13].

Existem dois tipos de discriminação, uma considerada moral pois por meio de leis eações afirmavas influí para que um grupo de pessoas possa ter acesso à educação, cultura, saúdee justiça de qualidade, bem como um sentido não moral de discriminação, onde com base emestereótipos pessoas que não se adequam ao padrão esperado são subalternizadas. (...) quando pensadas nas situações de discriminação, sofrem da discriminação não moralcomo, mas também sofrem da ausência de uma discriminação moral. (SILVA, SILVA, 2018, p. 124)

 

Na Universidade tal questão assume destaque, uma vez que ela deve ser um ambiente plural, de construção não apenas de saberes, mas de cidadania e emancipação social, de forma crítica e reflexiva, como por exemplo, consta do Estatuto da UFOP:

Art. 2° A Universidade Federal de Ouro Preto tem as seguintes finalidades: I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;II - formar diplomados nas diferentes áreas do conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;(...)VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;(...)Art. 4° A Universidade Federal de Ouro Preto reger-se-á por princípios democráticos de gestão e ideais de liberdade e solidariedade humana (UFOP, 1997).

 

Vale lembrar que a LDB (lei 9394/96) já estabelece como princípios da educação no Brasil:

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;(...)

Art. 43. A educação superior tem por finalidade: I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo[14].

 

A Constituição de 1988 dispõe sobre o dever do Estado promover o bem de todos sem discriminações de qualquer espécie (art. 3º, IV), que a dignidade humana é um princípio fundamental (art. 1º, III) e que a igualdade é um direito fundamental (art. 5º, caput), assumindo um sentido muito mais complexo do que apenas "isonomia" (igualdade formal), mas abrangendo, igualmente, igualdade material (equidade) e diversidade[15].

O atual sistema de autogestão das Repúblicas Federais de Ouro Preto é objeto de estudo entre a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e o Ministério Público Federal (MPF/PRGMG) nos autos dos procedimentos de números 1.22.000.000329/2009-02, 1.22.0000.004297/2007-4 e 1.22.000.000571/2007-14.

Da mesma forma ocorre com o Ministério Público Estadual – 4ª Promotoria de Justiça de Ouro Preto, nos autos do Inquérito Civil Público n. 0461.09.000021-1. Também foi objeto da Auditoria nº. 201413195 da Controladoria-Geral da União em Minas Gerais. Destaca-se também que a matéria é objeto da Ação Judicial n. 2121- 59.2013.4.01.3822, em trâmite na Subseção Judiciária de Ponte Nova da Justiça Federal de 1º Grau em Minas Gerais. Todas as questões referentes a este assunto estão consignadas nos autos do processo administrativo UFOP nº. 23109.010267/2009-49.

A Controladoria-Geral da União em sua última auditoria realizou inúmeras recomendações acerca do modelo de gestão de moradia adotado pela UFOP. Dentre as principais recomendações está a reescrita da Resolução CUNI n. 1.540 (UFOP, 2017a)[16] – o que foi feito em 2017 –, de forma que essa Resolução renovada deveria conter mecanismos claros de sanções cabíveis aos discentes que infringirem as normas institucionais. Os arts. 16 a 19 dessa Resolução tratam dos direitos e deveres de moradores e candidatos a moradores.

 A partir disso e das regras estabelecidas na Resolução quanto ao processo de aceite de novos alunos (arts. 5o e segs.), a PRACE pode ser chamada a resolver casos nos quais a exclusão do discente tenha se dado em desconformidade com o que a Resolução prevê – como ações discriminatórias, “trotes”, etc. (art. 22, especialmente os incisos VI e VII). Vale ressaltar que no caso das moradias estudantis do campus de Mariana há uma Resolução suplementar – Resolução CUNI n. 1775 (UFOP, 2015) – que traz um regramento mais detalhado sobre violações e suas respectivas sanções de forma escalonada (de advertência a expulsão), estando as questões sobre discriminação, ofensa, “trotes” e assemelhados sujeitas a advertência.

 

4     Quando a institucionalização da chamada “tradição republicana” se transforma em violência e opressão

 

A palavra “trote” é uma chave para a compreensão de como sobre como a tradição do sistema republicano foi construída. Uma das formas específicas do andar do cavalo é o trote, forma tal que não lhes é natural e sim ensinada, o trote localiza-se entre o passo e o galope, um meio-termo. É a partir dessa ideia que a construção do processo de “batalha de vagas” se modelou, a ideia do período de batalha é a de que os novos estudantes precisam aprender sobre a vida na universidade com os respectivos veteranos (moradores), o aprendizado, obviamente, se daria a partir desse ensinamento conferido durante esse processo. A ausência de problematização da batalha de vagas representa a perpetuação de uma tradição que naturaliza a falsa hierarquia estabelecida.

 

4.1             Violência institucionalizada pelo meio em que se convive

 

A violência é percebida em diferentes lógicas, etapas ou momentos. De tal forma que nem todo comportamento humano é violento, ele se torna violento na medida em que adquire formas opressivas e intimidadoras perante aquele outro a quem se dirige aquele ato (BOMFIM, VALADARES e RECH, 2018, p.78). Isso se mostra presente na tradição republicana no ato de chamar o outro para “tomar cachaça”, pois entre aqueles moradores de mesma hierarquia aquilo é considerado um ato de amizade, quando se trata do outro – o bixo ou aquele em hierarquia inferior – é trote(!).

Entretanto, apesar de que aquele comportamento humano em análise“se revista de caráter opressivo e intimidador, a sociedade não o percebe como violento e acaba por legitimá-lo e, assim, aceita, reforça e naturaliza esse comportamento” (BOMFIM, VALADARES e RECH, 2018, p. 78).

O autor Pierre Bourdieu (2002) cunhou tal comportamento sendo a ‘violência simbólica’, de modo que os indivíduos passam a naturalizar ou mesmo aceitar aquelas condutas sociais, mesmo que aquilo o atinja diretamente ou seja violento. O próprio meio ou a sociedade legitima algum comportamento aquele é parte deste(s) e como consequência pode formar alguns modelos e instituí-los o entendimento da vida social, de tal forma que incorporam aqueles comportamentos violentos como “normais”(BOMFIM, VALADARES e RECH, 2018, p. 78). Quando se confronta com a realidade ouro-pretana tem-se que tais comportamentos daqueles que são em hierarquia superior com o seu inferior são normalizados e reforçados por aqueles mesmos que sofrem tais comportamentos violentos. De tal forma, como foi trazido em outra oportunidade:

O comportamento violento pode se dar em caráter físico, isto é, quando há uma reação de comprometimento à integridade corporal de uma pessoa. Pode também acontecer em caráter psicológico, isto é, quando a agressão se dirige à percepção psicológica do indivíduo de modo a ferir-lhe a estima, a honra ou o sentimento de apreço. Pode ser uma violência verbal, de modo em que ofensas e insultos são desferidos contra determinada pessoa, de modo a causar-lhe sofrimento emocional.  A violência pode ainda ser percebida em múltiplos aspectos, situações em que o indivíduo é submetido a variadas formas de violência.Interessante ressaltar que, embora pesquisas sejam realizadas com o intuito de conhecer as causas de um comportamento violento, a violência, em si, não é justificável. O comportamento pode e deve ser estudado de modo a prevenir e reprimir atos de violência. A violência, contudo, não deve ser justificada, mas estudada para ser coibida. Ela existe e é uma realidade, que às vezes, manifesta-se de forma concreta, ganhando voz e contornos, mas que, muitas outras vezes, manifesta-se de forma silenciosa, naturalizada no cenário social. É o que acontece quando se banalizam as práticas de violência que, por serem tão recorrentes, já não tocam mais a sensibilidade dos indivíduos(BOMFIM, VALADARES e RECH, 2018, p. 79).

 

A opressão geralmente possui gênero, raça e orientação sexual, em suma, afeta de forma devastadora membros de minorias sociais, como mulheres, LGBTI – Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais, Travestis e Intersexuais –, bem como negros e negras. Concursos como Miss Bixos, no qual os calouros são induzidos a consumir bebida alcoólica e desfilar em estado alterado e “representando” sua república são situações corriqueiras e de considerável aceitação na comunidade republicana, sendo que é repetida ao longo de toda “tradição republicana”.

 

5     Período de “batalha”: ausência de critérios objetivos para a permanência e subjetivação das escolhas

 

Os recém-ingressados na UFOP, calouros[17] ou bixos[18], que têm a intenção de morar em uma república passam por um processo de admissão conhecido como “batalha de vaga” que ocorrem nas moradias republicanas.

O discente não pode ser considerado um “morador”, uma vez que para que isto ocorra, o ingressante deve passar por uma fase na qual são analisados diversos elementos e fatores subjetivos, como: o relacionamento interpessoal com os demais moradores, sua relação de amizade, hábitos de organização e limpeza e salvaguardar hábitos da “tradição republicana”- que se manifestam nos hinos, as festas de aniversário da república, as datas comemorativas e a obediência à falsa noção hierárquica existente naquela cultura, sendo submetidos aquele processo.

O critério de afinidade é o mecanismo subjetivo adotado para a permanência do discente no imóvel institucional ou não. Pode pensar tratar-se de compatibilidade de identidades de sujeitos, identidades comuns? E é o discurso da não adequação ao “perfil da república” que justifica a exclusão do “outro”. Os preconceitos são conhecidamente velados e por esse discurso a experiência de ser rejeitado pode ser traumática e devastadora para a vida acadêmica de alguns sujeitos, já para outros torna-se bandeira de luta e resistência.

Durante os meses de fevereiro, março e início de abril - período em que fiquei na república - fui questionado, indiretamente, sobre minha sexualidade. Na primeira festa realizada dentro da casa, junto com uma república feminina, ao perceberem que não flertava com nenhuma garota, um ex-aluno que estava presente me constrangeu perguntando se eu era “viado”, já que eu não estava ficando com nenhuma mulher. Já sabendo do histórico de homofobia da casa, prontamente disse que “não”. Em seguida insistiu: “Tem certeza, Bixo, de que você não é viado?”. Ele fez isso por umas duas ou três vezes durante a festa com as garotas. Fiquei assustado e com medo de me mandarem ir embora e comecei a dançar com as garotas da festa [...] Relato de A.H, estudante de pós-graduação da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOPao Ministério Público Federal – MPF.

 

Os relatos de violação a direitos chegam com frequência a inúmeros setores da Universidade, mas, em sua grande maioria não recebem adequado tratamento e/ou não são tratados por pessoas capacitadas para as novas demandas sociais e as mudanças que ocorreram ao longo do tempo – a que as Repúblicas ou a Universidade  não foram capazes de absorver e de adequar. É nesse sentido que foram observadas mudanças mínimas na compreensão da esfera administrativa da UFOP que buscaram uma aproximação com esses novos seguimentos e procuraram desenvolver novas políticas de enfrentamento à essas tradições prejudiciais.

O reconhecimento social envolve a valorização das identidades individuais e coletivas. E a desvalorização social das características típicas e do modo de vida dos integrantes de determinados grupos, como os homossexuais, tende a gerar nos seus membros conflitos psíquicos sérios, infligindo dor, angústia e crise na sua própria identidade (DUPRAT, 2009, p. 2).

 

Tais práticas caminham na contramão do propósito da Universidade, que deve ser um lugar de convivência entre as diferenças, uma vez que são situações diversas que propiciam a ocorrência do processo de ensino e aprendizagem, seja por meio de debates e/ou exposições de perspectivas de pontos de vista. Com o processo de exclusão daquele “diferente”, a Universidade e seus espaços de convivência acadêmica tornam-se sem significado real e a UFOP, ao não agir positivamente, privilegia determinados grupos de estudantes em detrimentos de outras minorias.

 

6     A UFOP e a LGBTIfobia: a escolha do encobrimento institucional

 

Apenas em 2017, através da Resolução CUNI n. 1.870 (UFOP, 2017b) – recentemente alterada pela Resolução CUNI. n. 2057/2018), a UFOP dispôs sobre a proibição de trotes no âmbito da UFOP e deu as primeiras providências às questões desse gênero. O trabalho inicialmente desenvolvido pela equipe de psicólogos e técnicos administrativos vinculados à PRACE, contou posteriormente com a colaboração de outros seguimentos da universidade; vale destacar a participação do Núcleo de Direitos Humanos da UFOP (NDH/UFOP) na construção da minuta inicial (que veio a se tornar a Resolução) de proibição aos trotes em ambiente que envolvem atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão da universidade.

Nessa normativa, considerou-se a dignidade da pessoa humana como princípio constitucional estruturante do Direito Administrativo, bem como a premissa de que a convivência acadêmica pressupõe cordialidade, fraternidade e respeito mútuo entre os membros da comunidade universitária, sendo, portanto, incompatível com qualquer forma de violência física, moral e psicológica. Foi importante a consideração de princípios como o de que a recepção ao calouro deve pautar-se pelo respeito às normas da boa convivência social e acadêmica, evitando-se toda e qualquer experiência traumática comprometedora, não só quando do ingresso do aluno na Instituição, como também no curso posterior de suas atividades acadêmicas.

Assim, no referido instrumento foram considerados “trotes” atividades que: envolvam ou incitem agressões verbais, físicas, psicológicas ou morais; envolvam qualquer forma de coação física ou psicológica que implique ridicularizarão ou humilhação de discentes ou, ainda, menosprezo à dignidade da pessoa humana; obriguem ou coajam qualquer discente à ingestão de álcool e outras drogas ou a fazer uso de outras substâncias que atentem contra sua saúde; obriguem ou coajam qualquer discente a utilizar vestimentas, acessórios que lhe causem constrangimento; evidenciem qualquer forma de opressão, preconceito ou discriminação (racismo, machismo, homofobia, lesbofobia, transfobia, entre outros); estabeleçam e/ou reforcem situações de hierarquia definidas por tempo de residência, tempo de universidade, gênero e sexo, cursos e áreas de formação, dentre outros, imprimindo relações de subordinação e desrespeitando a diversidade; evidenciem qualquer intolerância política, ideológica ou religiosa; produzam qualquer ação que obrigue os discentes a praticarem atos que configurem situação vexatória ou outras formas de humilhação e constrangimento. Como pode ser visto:

Art. 1o. (...)

§ 3º Para efeito desta Resolução, entende-se por âmbito da UFOP:

I – os locais de desenvolvimento de atividades acadêmicas, tais como prédios, casas, veículos, bem como os locais de convivência acadêmica, tais como as moradias e residências estudantis.

II – qualquer lugar externo onde se realizem atividades relacionadas ao ensino, pesquisa e extensão desta Universidade.

(...)

§4o. As práticas desenvolvidas nas residências estudantis com os candidatos a moradores comumente conhecidas como "batalhas" são caracterizadas como trote e estão sujeitas às penalidades constantes nessa Resolução.

Art. 2º O consentimento do(a) discente para a prática de qualquer ato proibido pela presente Resolução não exime de sanções os participantes do trote (UFOP, 2017b).

 

A aprovação dessa Resolução representa (ou deve representar) que a UFOP posicionou-se contra quaisquer opressões naturalizadas em sua comunidade e mencionou de forma clara que tais proibições (apesar de trazerem o nome “trote”) são aplicáveis em suas moradias com ou sem o consentimento dos discentes envolvidos.

 

7      Considerações Finais

 

Assim, frente a toda a tratativa dos quadros de violência à população LGBTI (em âmbito nacional e local) mostra-se uma verdadeira institucionalização de tais condutas nos dois cenários analisados, destacando-se a narrativa de Ouro Preto que demonstra a exclusão da população LGBTI do espaço público da Universidade, sendo uma conduta omissiva da instituição em não realizar nada para modificar aquelas conduta, haja vista a vedação constitucional de preconceito em razão de sexo – que alcança a discriminação por orientação sexual ou identidade sexual e de gênero – prossegue sem uma legislação que criminalize atos de homofobia e transfobia em nosso país e até então em nossa universidade.

Ressalta-se também que o quadro de violência não é somente aqueles indivíduos LGTBI, pois todas/os aquelas/es que desejarem passar pelo processo de “batalha” e se submetem a serem “bixos” dessas repúblicas passam pela ambientação e processos institucionalizados socialmente pelos moradores mais antigos. Entretanto, destaca-se que aqueles indivíduos que se identificam como LGBTI ou são tidos como pertencentes de tais grupos (uma vez que muitas das vezes não precisa da afirmação do indivíduo) são excluídos do processo de batalha e não são “escolhidos” por aqueles integrantes daquela moradia estudantil.

Dessa forma, a existência de uma cultura de LGBTIfobica que insiste em manter e reproduzir os seus padrões “heteronormativos” dentro das repúblicas precisa ser revisto, pois uma cultura/tradição que não reconhece o outro como igual portador dos mesmos direitos ofende o Estado Democrático de Direito e, portanto, precisa ser revista ou revisitada (HABERMAS, 2002).

Destaca-se que os imóveis em questão são propriedade da União, assim, o dever de administrar, bem como, o de estabelecer regras de ingresso e fiscalização são exercícios exclusivos da própria, sendo impossível a transmissão aos “moradores”, que por mais uma tradição centenária vem conduzindo a administração desses imóveis.

Ademais, a inclusão da LGBTIfobia na pauta de discussões da Universidade visa, primordialmente, a incluir em rol exemplificativo, a título simbólico, o direito da comunidade LGBTI em ser incluída, tendo em vista os direitos elencados pela Constituição Federal de 1988, quais sejam, além dos elencados acima, o que dispõe o art. 206 sobre a pluralidade de ideias e a liberdade de aprender. Entretanto, espera-se que essa discussão não seja apenas uma forma da Universidade se esquivar de sua responsabilidade institucional como o que acontece dentro das repúblicas federais e seus arredores.

Em tempo, com intuito de expandir e dar continuidade à pesquisa aqui desenvolvida,tem-se a possibilidade dos estudos sobre teoria das instituições e sua influência no processo histórico, com a finalidade de investigar o papel das instituições na formação dos padrões sociais, especialmente, na cidade de Ouro Preto e nas repúblicas federais, e também uma pesquisa empírica sobre o preconceito existente na cidade de Ouro Preto.

Por fim, convém destacar que o Núcleo de Direitos Humanos-UFOP criou, em 2017, um projeto de extensão chamado “Ouvidoria LGBTI”, com a finalidade de realizar um mapeamento e prestar auxilio jurídico para a população LGBTI que sofra preconceito ou violência.

 

Referências

 

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Data de Submissão: 06/12/2019, Data de Aprovação: 24/02/2019

 

COMO CITAR ESTE ARTIGO

 

BOMFIM, Rainer; SILVA, Jéssica de Paula Bueno da; BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes. População LGBTI, repúblicas e a institucionalização do preconceito na cidade de Ouro Preto: a violência como prática para aqueles tidos como “outros”. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, BA, v. 5, n. 2, p. 156-179, jul./dez. 2018. doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v5i2.227. Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/227. Acesso em: dia mês. Ano.



[1] Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Bacharel em Direito pela UFOP. Membro e Coordenador da linha de extensão do Grupo de Estudos “Omissão Legislativa e o papel do Supremo Tribunal de Justiça: estudo sobre a ADO. n. 26”. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3064395260276586. ORCID: http://lattes.cnpq.br/3064395260276586.

[2] Mestranda em Direito no Programa “Novos Direitos, Novos Sujeitos” do PPGD – UFOP. Bolsista UFOP. Membro do Grupo de Estudos “Omissão Legislativa e o papel do Supremo Tribunal de Justiça: estudo sobre a Ado n. 26”. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8056938446504477. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5993-3249.

[3] Doutor pela UFMG. Professor Adjunto na UFOP e IBMEC-BH. Bolsista de Produtividade do CNPq. Coordenador Docente do Núcleo de Direito Humanos. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2877462978948032. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5461-7848.

[4]Em 2011 foi criado o “Disque 100” para denúncias de violação aos Direitos Humanos, entre eles, casos de homofobia/transfobia; quanto a esta, os números não param de crescer, ano a ano, à medida que o mesmo vai se tornando mais conhecido (BRASIL, 2012b).

[5] Em todo o estudo do “Relatório de violência homofóbica no Brasil em 2013” foi utilizadaa palavra homofobia para abarcar as violências contra a população lésbica, bissexual, transexual e outras referencias à população, entretanto, para a contribuição devalor didático, inclusivo e visando à reflexão, utilizam-se os termos LGBTIfóbico, violência LGBTIfóbica . 

[6] Importante ressaltar que entre os 73,0% das vítimas de sexo biológico masculino estão aquelas e aqueles que expressam sua identidade em aspectos femininos, o que se constitui como uma limitação para o referido estudo (BRASIL, 2016).

[7]  Ressalta-se a ocorrência de 58 suicídios no Brasil, de tal forma que eram 33 gays, 15 lésbicas, 7 trans e 3 bissexuais. Desses, sete deles estavam na faixa etária de 14-19 anos, treze tinham entre 20- 29 anos e seis deles tinham entre 30-36 anos. Outro fato que deve ser mencionado é que alguns deixaram cartas denunciando o sofrimento motivado pela sua sexualidade, outros chegaram a gravar vídeo nas redes sociais anunciando sua morte (GRUPO GAY DA BAHIA,2018).

[8] Como está disponível em: encurtador.com.br/aACFZ.

[9] Disponível em:              http://www.prace.ufop.br/pdfs/Resolucoes/Resolucao%20CUNI%201540%20-%20Estatuto.pdf.

[10]Denominado pela UFOP como “Gestão Compartilhada”. Mais informações sobre as modalidades das moradias em: http://www.prace.ufop.br/index.php/assistencia-estudantil/2012-11-08-17-57-05/modalidades-de-moradia/institucional.

[11] “O morador mais velho da casa, conhecido como ‘decano’, além de ter o papel de gerência da casa e condução das assembleias de moradores, corresponde ao principal canal pessoal de comunicação dos moradores com os ex-alunos, no sentido de ouvir as sugestões e críticas e tentar melhorar cada vez mais a casa de acordo com os princípios originais. Os moradores mais antigos da república servem para passar os ensinamentos aos mais novos de sua experiência quanto à resolução de problemas, planejamento estrutural e financeiro de reformas, organização de eventos e demais atividades realizadas pelas repúblicas. Os chamados ‘semi-bixo’ são os moradores recém-escolhidos que, além de terem as responsabilidades comuns a todos os moradores, são incumbidos de conduzir a 'batalha' dos novos ingressantes. Os ‘bixos’ se situam na posição mais baixa da hierarquia e estão incumbidos de realizar as atividades mais básicas de manutenção da casa, zelar pela boa convivência com moradores e as demais pessoas, bem como de participar das confraternizações com os moradores, no sentido de preservar as amizades e receber a todos com cordialidade. Os candidatos a moradores não participam das assembleias nem das decisões da casa. Além disso, não há assunção por eles de responsabilidades relativas à finanças visto que os calouros ainda estão em processo de avaliação quanto à honestidade, responsabilidade e comprometimento. Responsabilidades como fazer compras, controlar entrada e saída de dinheiro da Associação, efetuar o pagamento de contas, representar a república nas assembleias da REFOP, entre outras atribuições, são exclusivas a moradores. Do ponto de vista prático, a hierarquia reflete também em escolha de quartos, móveis e demais pertences da casa, tendo os mais velhos posição privilegiada no que concerne a estas questões” (GODINHO, 2016, p. 48)

[12]Sobre o NDH ver: http://www.proex.ufop.br/programas/ndh-nucleo-de-direitos-humanos-da-ufop. O NDH, inclusive, instituiu como Projetos as Ouvidorias – da mulher, do negro e LGBTI – com o objetivo de ser um canal de denúncias, inclusive, de estudantes que tenham sofrido agressões ou discriminações nas repúblicas. Qualquer pessoa em Ouro Preto, Mariana e João Monlevade, aluno ou não da UFOP, que sofrer quaisquer daquelas discriminações pode fazer a denúncia no site: http://ouvidoria.ndh.ufop.br.

[13]Sobre tais questões, ver também, e.g.: MARTINS; TOLENTINO; NOGUEIRA, 2009, FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO; FUNDAÇÃO ROSA LUXEMBURGO STIFTUNG, 2008; HEREK, 2004, LOPES, 2005, MOREIRA, 2010 e 2012, PEREIRA; BAHIA, 2011 e VIANNA, 2004.

[14] Vale a pena conferir também o Plano Nacional de Educação (PNE) (lei 13005/14), art. 2º, III, V, VII e X.

[15] BAHIA, 2013 e 2014 e BAHIA; MORAES, 2015.

[16]Vale a pena consultar os arts. 3o (sobre os objetivos humanistas e democráticos que a Resolução impõe às moradias universitárias) e 4o (que dispõe que toda república “federal” tem de ter um Regimento Interno e o mesmo tem de ser aprovado – bem como qualquer alteração – junto à PRACE, que verificará sua conformidade às normas da UFOP).

[17] O termo calouro geralmente refere-se ao estudante mais novato em relação aos estudantes mais antigos, denominados veteranos. Esse estudante pode ser submetido ao trote estudantil e ao processo usual de batalha de vagas nas moradias, que em casos mais graves podem degenerar em humilhações ou agressões. O trote estudantil foi expressamente proibido na UFOP por meio da Resolução CUNI 1.870/2017 (UFOP, 2017b).

[18] Aquele que é usualmente chamado de “bixo”, terá seu primeiro contato com a opressão institucionalizada, durante muito tempo respaldada pela universidade em razão da autogestão, ou seja, por meio da gestão discente dos imóveis públicos. Por que chamam os calouros de bixos? Segundo AntonioZuin (2002. p.44), professor do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Calos (UFSCar), “denominar o calouro de bixo (ou bixete, se for mulher), parece querer indicar ‘que o calouro deve ser humilhado a ponto de nem mesmo merecer que a palavra bicho seja escrita corretamente’”. Já para o filósofo e professor da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), Paulo Denisar Vasconcelos (1993, p.14-15.), “bixo” “é um trocadilho desumanizador, em que a letra ‘x’ indica, depois do vestibular, aquele que está marcado”. Na UFOP, especialmente nas Repúblicas Federais, aqueles que são chamados como “bixos” quando são homens tem suas cabeças raspadas e/ou tem camisas e roupas próprias para demonstrar sua diferença perante aqueles outros que já residem na casa e são superiores a ele na hierarquia, como um processo de não pertencimento daquele ingressante.