A VINCULAÇÃO DE UM PRECEDENTE PELO PROCEDIMENTO: UMA ANÁLISE SOBRE LUHMANN E A FORMAÇÃO DE PRECEDENTES VINCULANTES

THE BINDING OF A PRECEDENT BY PROCEDURE: AN ANALYSIS OF LUHMANN AND THE FORMATION OF BINDING PRECEDENTS

 

 

Vinícius Lemos[1]

Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Recife, PE, Brasil.

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Resumo: O presente trabalho tem o escopo de analisar sucintamente a existência de um microssistema de formação de precedentes inserto no CPC/2015 e a sua vinculação, com um aprofundamento sobre a legitimidade da decisão resultante de cada instituto mediante correlação procedimental apresentada por Luhmann como meio autêntico para legitimação da própria decisão.

 

Palavras-chave: Precedentes. Vinculação. Legitimidade. Luhmann.

 

Abstract: The present study has the scope to examine briefly the existence of a microsystem of precedents in CPC/2015 and its binding, with a deepening of the legitimacy of the decision resulting from each institute through procedural correlation presented by Luhmann as authentic means to legitimize the decision itself.

 

Keywords: Precedents. Binding. Legitimacy. Luhmann.

 

1      INTRODUÇÃO

 

O CPC/2015 deu ênfase aos precedentes judiciais, com a positivação de um dever de uniformização, com a manutenção da estabilidade, a prática da coerência e integridade dos julgamentos pelos Tribunais, principalmente aos Superiores, mas com igual incumbência aos demais graus de jurisdição.

A disposição expressa do art. 926 no CPC/2015 representa toda essa nova diretriz e o início de um sistema de precedentes judiciais, contudo em outros momentos, a legislação primou por positivar, remodelando ou criando, institutos atinentes a formação de precedentes vinculantes.

Diante disso, a vinculação é analisada diante do prisma legal, da inserção que o próprio ordenamento concede e a busca de como lidar com essa determinação formal, com as espécies de vinculação e o modo de aplicação e interpretação do próprio precedente judicial. Uma vez que a decisão paradigmática vincula a coletividade, todos os indivíduos – de ambos os lados – que tiverem conflitos de interesse idênticos àqueles que propiciaram o julgamento formador do precedente, o impacto na sociedade é imenso, culminando na necessidade de enfrentamento da questão anteriormente colocada: a legitimidade da decisão meramente por ser resultado de um procedimento pré-determinado.

Nesse prisma, este estudo analisa essa questão da vinculação à luz da visão que Niklas Luhmann apresentou em sua teoria acerca da legitimidade pelo procedimento, mediante o livro de mesmo nome[2], com a devida comparação de seus aspectos de participação efetiva e de mudança de expectativa desses participantes, sobre os quais, sinteticamente explicando, devem entender e aceitar que a decisão proveniente do cumprimento do procedimento será legítima e representante da verdade dos fatos, pura e simplesmente, por ser oriunda do próprio rito procedimental. 

A saída complexa, apesar de tanto quanto utópica, passa pela busca do meio termo: uma  legitimidade conjunta pelo procedimento e substância. Ou seja, os caminhos processuais devem primar pela busca de um alto grau de discussão jurídica, de exaurimento factual, para culminar na melhor decisão possível, com a análise de todos os fatores e visões, para que a substância do que se decidiu seja o principal fator de legitimidade e o procedimento seja somente o meio pelo qual se adquire ou se almeje garantir que essa substância seja alcançável.

 

2     A FORMAÇÃO DE PRECEDENTES VINCULANTES NO CPC/2015

 

Por toda a conjuntura jurídica e organizacional inerente à atuação do Judiciário brasileiro, uma série de medidas legislativas para proporcionar uma melhoria na prestação jurisdicional e aplacar tanto a litigiosidade quanto a falta de previsibilidade é salutar.

Por obviedade que o direito não há de nascer para mudar totalmente a cultura de uma sociedade, o que seria leviano pensar que mudanças legislativas possuem tal condão, contudo, ao proporcionar uma série de medidas para solucionar a crise numérica e a jurisprudência lotérica dos Tribunais é, no mínimo, salutar e esperançosa.

Com isso, mesmo antes da sanção do CPC/2015, a norma processual foi modificada paulatinamente[3] em busca de soluções para as crises Judiciárias, tanto para o excesso de demandas, principalmente em direitos individuais homogêneos, quanto para a instabilidade jurídica e a jurisprudência lotérica.

Nisso, as iniciativas legislativas primaram pela criação de procedimentos decisórios de formação de precedentes judiciais, com o intuito de analisar menos casos e demandas, com uma ênfase e impacto nos demais, seja para julgar em massa, seja para definir uma questão de direito com possibilidade de controvérsia.

A ideia é utilizar como base o brocardo “treat like cases alike[4]”, de Cross e Harris para designar que a resolução dos conflitos deve ser igual para casos isonômicos. O intuito a longo prazo será proporcionar aos Tribunais, principalmente os superiores, a julgar menos processos, com a utilização destes como base para as outras demandas idênticas.

No CPC/2015, foram concedidas a algumas espécies de decisões, um caráter vinculante, geralmente após passar por um procedimento diversificado dos demais.

Nesse ínterim, houve a restauração e oxigenação de institutos como a repercussão geral, o rito repetitivo e a arguição de inconstitucionalidade, somados com a criação do incidente de resolução de demandas repetitivas e o incidente de assunção de competência, os quais juntos formam um microssistema de formação de precedentes vinculantes, com a preocupação de pensar uma lógica vinculante para os julgamentos dos Tribunais.

 

2.1             A existência de um microssistema de formação de precedentes vinculantes

 

Essas espécies de decisões oriundas de institutos insertos no art. 927 formam, portanto, precedentes vinculantes, cada qual a seu modo peculiar, passam por técnicas para que se julgue uma só demanda, com o intuito de que o resultado analítico desta possibilite aos demais processos que tenham identidade fática material com aquele outrora julgado.

Com a existência de um abarrotamento de demandas no judiciário, não há mais como visualizar-se o judiciário como responsável pelos litígios individuais no modus operandi natural do processo civil brasileiro, com a necessidade de uma mudança na forma de enquadramento processual à realidade dos Tribunais, uma adaptação sistêmica[5], como dispõe Ataíde Jr.

Um excesso de litigiosidade, o que já era antevisto por Cappelletti e Garth[6], é uma consequência mundial, necessitando de novas técnicas de enfrentamento jurisdicional sistêmico, com o intuito de possibilitar o acesso à justiça do indivíduo em sociedade, contudo garantir, de igual maneira, a efetividade do direito material ali posto ao Estado enquanto judiciário, recaindo também na efetividade processual, como argumentam Marinoni e Mitidiero, “um dos valores centrais do novo direito processual civil brasileiro[7]”.

O pensamento em julgar-se uma demanda para a definição de uma tese jurídica para aplicação posterior é uma solução para o que Beneti[8] e Bondioli[9] classificam como macrolides, aquelas que têm similitude fática e material, com uma proliferação de demandas ou matérias idênticas. Essa concepção pode ser tanto no sentido de uma quantidade imensa de processos ou uma matéria com alto impacto social, o que, de igual maneira, a técnica ampla formação de precedente vinculante já resolve a matéria, com a fixação da tese jurídica.

Diante de tal necessidade de formação de precedentes, justamente para atender o “treat like cases alike”, os institutos processuais brasileiros optaram pelo julgamento por amostragem, justamente por ter um caso base e ter ascendência de seu resultado aos demais.

Para a existência de um julgamento por amostragem, em qualquer de suas espécies, ainda que com características diversas e autônomas, há de se entender, no entendimento de Cabral, como uma conjunção de “uma ou algumas causas que, pela similitude na sua tipicidade, são escolhidas para serem julgadas inicialmente, e cuja solução permite que se resolvam rapidamente todas as demais[10]".

As decisões oriundas dos institutos delineados no art. 927 tem uma vinculação normativa, dada a alteração procedimental realizada para a formação desses precedentes. Todos esses meios de formação de precedentes buscam sistematizar e aplacar a jurisprudência lotérica e a insegurança jurídica, contudo cada instituto tem uma real intenção de solução dentro desse sistema, o que podemos separar como: a formação de precedente para gestão de estoque; a formação de precedente para questão jurídica não repetitiva; e a formação de precedente fora de qualquer incidente, dada a sua argumentação jurídica.

Esses institutos formadores de precedentes vinculantes, cada qual a seu modo peculiar, são técnicas para que se julgue uma só demanda – ou algumas, com o intuito de que o resultado analítico desta seja utilizada nos ao demais processos[11] que tenham identidade fática material com aquele outrora julgado.

 

2.1.1       A formação de precedente para gestão de estoque

 

Se um dos problemas dos Tribunais é o excesso de demandas e, ainda, há a identificação de que muitas delas têm pontos em comum, diante de uma litigiosidade que se repete, seja em questões de fundo, aquelas com em lesões a direitos individuais homogêneos, seja somente com questões incidentais, o que leva a imaginar-se que a solução está em julgar por amostragem, com a visão de que a pacificação de um entendimento é o início da pacificação de uma questão repetitiva, como uma solução diante de um problema já existente.

Diante de uma multiplicidade já existente, com milhares ou milhões de processos, existem dois institutos no CPC/2015 que visam a criação de um precedente, mediante um julgamento por amostragem, para a gestão de estoque, para que essa multiplicidade, atual e futura, ao menos sobre determinada questão, seja resolvida. Os institutos próprios de gestão de estoque são: recursos excepcionais repetitivos; e o incidente de resolução de demandas repetitivas.

Para a existência de um julgamento por amostragem para gestão de estoque, em qualquer de suas espécies, ainda que com características diversas e autônomas, há de se entender, no entendimento de Cabral, como uma conjunção de “uma ou algumas causas que, pela similitude na sua tipicidade, são escolhidas para serem julgadas inicialmente, e cuja solução permite que se resolvam rapidamente todas as demais[12]".

 

2.1.2      A formação de precedente para questão jurídica não repetitiva

 

Diante da sistemática escolhida para formar precedentes, além daqueles imaginados para aplacar uma multiplicidade já existente, existem também outros institutos que visam definir grandes questões de direito, sem ater-se a existência da multiplicidade como requisito para a sua instauração. Dentre esses institutos estão: a repercussão geral em recurso extraordinário; e o incidente de assunção de competência, em qualquer Tribunal.

O intuito é aplacar, mediante esses institutos, a própria instabilidade jurídica e a jurisprudência lotérica, imbuindo-se de colocar em prática o disposto no art. 926, almejando a uniformização da jurisprudência dentro de um Tribunal, para mantê-la estável, íntegra e coerente.

Não há nesses institutos relação com a quantidade, ao menos momentânea, de demandas daquela mesma espécie ou identidade fático-jurídica, somente na visão de resolver uma grande questão de direito, primeiro para resolver a demanda e depois formar o precedente resolutivo daquela questão jurídica.

 

2.2            A existência de um procedimento de formação de precedentes vinculantes: um microssistema a ser seguido

           

Diante dessa concepção e realidade de um ordenamento processual que prima pela formação de um precedente vinculante, os institutos nele insertos primam pela existência de um procedimento adequado e diferenciado daquele em que a demanda ou o recurso normalmente seria julgado. Ataíde Jr. ao defender que os sistemas jurídicos devem se adequar à nova realidade de julgamento dessas demandas não aplacáveis ao julgamento meramente individual, devem guardar a relação de um rito próprio e diverso, com as seguintes características:

(i) a rápida fixação da tese jurídica, a reger o julgamento de todas as causas semelhantes (ii) maior previsibilidade na aplicação do direito; (iii) um julgamento isonômico – para que casos análogos sejam solucionados da mesma maneira (treat like case alike); (iv) criação de filtros processuais, que possibilitem a diminuição do número de recursos nos tribunais superiores e, com isso, a eliminação da divergência jurisprudencial interna, bem como possibilitem a reprodução de maior qualidade e, sobretudo, (v) uma cultura de respeito aos precedentes[13].

 

Desse modo, os institutos desse microssistema de formação de precedente judicial vinculante diferenciam-se do procedimento normal, adotando um caminho procedimental diverso, com características específicas para o julgamento formador de um precedente.

Há, portanto, uma procedimentalidade diversa, com alterações processuais para possibilitar uma melhor amplitude cognitiva ao julgamento único, aquele com o intuito de julgar o caso em concreto e fixar a tese jurídica para a aplicabilidade posterior – seja em processos existentes ou futuros. Alguns exemplos de alteração procedimental para a formação de precedente seria o deslocamento de competência para um colegiado maior, suspensão dos processos de identidade material, ampliação do contraditório para a manifestação da sociedade via amicus curiae e audiência pública, definição da questão de direito do precedente, fundamentação adequada aos argumentos de todos os atores e publicidade endo e extraprocessual.

Mediante essa alteração procedimental, há a esperança de uma maior carga cognitiva no julgamento, cobrindo-lhe de uma legitimidade maior do que um julgamento em um caso em concreto pelo rito normal daquela demanda ou recurso. O intuito é garantir maior previsibilidade jurídica a sociedade, com um julgamento diante de uma isonomia na resposta estatal judicial, bem como prestar a melhor jurisdição, num tempo razoável, respeitando os precedentes outrora criados.

Evidente que, pela peculiaridade de cada instituto, existem diferenças pontuais entre os institutos, o que não impossibilita que sejam configurados diante de uma mesma contextualização, justamente pelas suas convergências, seja por todos aplicarem, quando suscitados, um rito diverso daquele normal para a resolução do conflito, atuando com uma transcendência, ora qualitativa, ora quantitativa, no intuito de resolver aquela demanda, porém com aplicabilidade para os demais processos idênticos.

Há, portanto, uma rede de julgamentos por amostragem, um verdadeiro microssistema[14] de formação de precedentes vinculantes[15].

 

3     A LEGITIMAÇÃO PELO PROCEDIMENTO: HÁ COMO APLICAR A VISÃO DE LUHMANN?

 

Todas as decisões realizadas por esses procedimentos (repercussão geral, repetitivos, IRDR e IAC, por exemplo) formam precedentes vinculantes, dada a previsão legal, conferindo uma utilização e argumentação normativa de que todo processo futuro de identidade fático-jurídica deve basear-se nessa decisão.

No entanto, uma questão salta aos olhos e torna-se pertinente: o mero fato de seguir-se um procedimento especial e diversificado, mais aberto, garante uma melhor argumentação e legitimidade social para que aquela decisão seja vista como vinculante? Esse é o ponto crucial para entendermos o novo sistema processual legal, dada a opção por uma teoria dos precedentes.

Um precedente judicial tem a sua força argumentativa pela sua própria fundamentação, dada a concretude que representa ou pelo simples fato por ter seguido um procedimento específico e legalmente delineado? Nesse ponto, entendemos pertinente a utilização comparativa da legitimidade pelo procedimento de Luhmann.

 

3.1             A vinculação, a legitimidade e o procedimento: a visão de Luhmann

 

Na visão que trouxemos sobre os precedentes vinculantes no CPC/2015, as decisões são oriundas de institutos em que o procedimento é alterado para garantir uma discussão maior sobre a matéria e, consequentemente, almejar um exaurimento, seja de contraditório ou de argumentações, para chegar na melhor decisão jurídica. Luhmann em sua obra Legitimidade pelo Procedimento[16], explicita que há uma institucionalização do procedimento como maneira de conjugar os sistemas sociais e, consequentemente, legitimar o processo decisório, independentemente de seu resultado.

A visão dada por Luhmann, nessa mencionada obra, está no viés de que um procedimento legitima a tomada de decisão, seja ela qualquer espécie de decisão, incluindo, de certa maneira, a decisão judicial. O procedimento estaria inserto no sistema deliberativo, como cerne da questão, mais importante do que o próprio conteúdo da decisão, como meio dos destinatários futuros desta decisão, seja qual for – política, legislativa ou judicial, aceitar essa legitimidade social e jurídica, justamente pela existência de um sistema procedimental.

Com isso, o Judiciário, mediante um processo judicial, está em proceder-se um andamento pelo ideal procedimento, com o intuito de conseguir, ao final, a melhor decisão e, posteriormente, aplicar uma igualdade de decisão. Muito mais do que a análise dos fundamentos decisórios – morais, ideológicos, éticos, a observância dos critérios colocados diante do caminho construtivo da decisão é suficiente para a legitimação qualitativa da mesma. A mera perspectiva de participação e a delimitação de um sistema procedimental já garantiriam a própria legitimidade da decisão.

Luhmann entende como sistema[17], de modo em geral, uma complexidade de elementos que devem ser conjuntamente entendidos como um contraponto ao ambiente. Sistema seria aquilo que não está interligado ao ambiente. De um lado há o sistema, de outro o ambiente. Sempre há, dentro desse ponto de vista, como separar o sistema de um ambiente, mesmo que este ambiente fosse um sistema maior. Numa exemplificação, a sociedade perfaz um sistema social que se contrapõe ao ambiente, que pode ser considerado a tudo que está envolta da sociedade, mesmo que, numa medida macro, o ambiente seria parte de um planeta, que seria um sistema maior. O que não influencia o sistema, não sendo inserto de suas complexidades e autorreprodução é meramente ambiente.

Desse modo, tudo que existe será visto como sistema ou como ambiente, diante de várias possibilidades de pontos de intersecção, dependendo da visibilidade cognitiva. O sistema se relaciona imbricamente com o ambiente, sem uma independência entre eles. Esse sistema é autopoiético, ou seja, ele mesmo se reproduz, com uma autoconstituição e reconstituição, o que seria que a comunicação interna do sistema mantém a operacionalidade e reavivamento do próprio sistema.

Lembremos que Luhmann entende a sociedade como um sistema estruturado em si mesmo[18], que não tem uma relação primordial com o mundo e a ação humana, significando que detém a característica da autopoiese, expressão da biologia, que significa a possibilidade de autoproduzir-se, independentemente de outros fatores.

Desse modo, a atividade humana seria concebida como uma inteiração com um sistema social preconcebido e não imbuído da atividade humana como contingente[19]. Existiria, portanto, um sistema social e um sistema humano, que podem de todo modo coexistir[20], reagindo entre si, mas não dependendo dessa inteiração, uma vez que podem ser autopoiéticos.

Diante dessa ótica, o direito seria um limitador entre as integrações da sociedade e a atividade humana, com a funcionalidade de buscar equalizar as expectativas das ações individuais. Se a sociedade e a atividade humana são sistemas próprios que coexistem, o direito serve como linha pacificadora entre ambos, com a função de neutralizar as disparidades e potencialidades das convergências. A verdade existente no direito deve servir para a expectativa diante de um neutralizar as distensões existentes entre a sociedade e a atividade humana e, esta deve ser alcançada mediante um devido procedimento, que esvaído de qualquer preconceito inaugural, legitimará a própria decisão, seja qual for o seu conteúdo.

Na definição de Luhmann, a legitimidade traduz-se em uma “disposição generalizada para aceitar decisões de conteúdo ainda não definido, dentro de certos limites de tolerância[21]”. De certo modo, ao priorizar o procedimento, há uma tergiversação sobre o conteúdo alcançado.

Em sua visão, as partes de uma demanda – ou de qualquer processo decisório – devem entender a decisão como o resultado de um caminho percorrido, diferenciando, para fins de legitimidade, a aceitação que terá sobre as premissas que permeiam a decisão e a própria aceitação da decisão e seu conteúdo.

As premissas nascem pela consequência da legitimação necessária da decisão que rege pelo cumprimento de um procedimento. As partes de uma demanda devem conter a sua expectativa, diante dessa visão, pela efetividade do procedimento e aceitar o resultado oriundo deste, uma vez que as premissas foram respeitadas. A legitimidade da decisão não deve nascer do sentimento pessoal de cada indivíduo, mas da institucionalização de seguir-se o procedimento, com a certeza e a convicção de que o conteúdo que surgirá dali é capaz de pacificar o conflito, ainda que não tenha, a seu sentir de uma ou ambas as partes, o convencimento pessoal sobre o que se decidiu.

Evidentemente que Luhmann entende procedimento por uma dialética influenciante, mas incerta em seu resultado. Cada participante do procedimento tem a sua função no ritual ali proposto, com o conhecimento desta e uma organização diante do que se almeja alcançar como verdade e, dessa maneira, ao cumprimento do próprio procedimento como um caminho para alcançar a legitimidade da própria decisão. O procedimento existe pela incerteza de seu resultado, pela busca por traçar um caminho em busca da verdade e da melhor solução, sem o controle do conteúdo do que se alcançará como certo, mas que a legitimidade está no seguimento de todos os atos daqueles procedimentos autônomos, para conjuntamente, cada qual realizando a sua função, chegar na decisão legítima, ainda que as convicções pessoais não reconheçam desse modo.

Numa tentativa de sistematizar o procedimento ideal, Luhmann classifica um ponto primordial pela separação das funções e papéis, com cada participante tendo a ciência de sua limitação diante do procedimento, realizando cada qual seu mister individual. Somente com a repartição de funções que se pode alcançar a verdade, com o êxito na representação de cada ente participante em representação à própria sociedade. Após realizada a separação das funções, o procedimento deve permitir a ampla comunicação, num total viés dialético, permitindo, ainda a contradição diante dessa comunicação dos diferentes[22] entes ali presentes e representados. Todas essas fases do procedimento são garantias do próprio procedimento, mas não do alcance da verdade. E, por verdade, entendemos a melhor interpretação dos fatos e do alcance jurídico disposto à análise. Mas, ao término do cumprimento fiel ao procedimento haverá uma decisão, ainda que não seja a decisão correta, pelo simples fato de ter seguido os passos pautados no procedimento, que deve, por si só, legitimar a decisão, independentemente de seu conteúdo, posto que incerto em sua essência de imprevisibilidade do resultado futuro dele mesmo.

E a indagação realizada por Luhmann é interessante para entender o quanto o procedimento se suplanta, em sua visão ao conteúdo da decisão: “perguntar de forma mais radical se atingir a verdade constitui, geralmente, a função principal do procedimento juridicamente organizado[23]”. Desse modo, com a verdade sendo um tanto utópica, apesar de plausível, não é a única função do procedimento decisório organizado, ainda que seja possível que se alcance também a verdade, mas ao proceder-se pelo procedimento, alcança-se a decisão legítima, por si só, numa autopoiese[24].

Não há, por Luhmann, na legitimação por via procedimental, uma negação à verdade ou ao conteúdo, somente não se pode conceber que este exista somente para o alcance desta[25].

O procedimento, então, deve ir além da própria função de alcance da verdade, com a necessidade de realizar-se, durante o procedimento, observações e alcançar-se conclusões, as quais têm o condão de obrigatoriedade, ainda que não representem a verdade, desde que tenha cumprido o próprio procedimento em seu andamento e fases.

Luhmann não despreza o conteúdo na sua concepção de legitimidade pelo procedimento, uma vez que a verdade é um ponto considerado, o que se almeja alcançar da reconstrução do que se discute, sendo o cerne da busca inicial do processo analisado, no entanto, não se deve colocar como frustrante se esta não vier a tona, justamente por ser necessário o julgamento e seguir-se o procedimento, ainda que não represente o que se pretendia em relação à verdade[26].

Não há uma negação à verdade, mas uma não limitação a esta, uma vez que o procedimento se legitima por si só, autoproduzindo uma cadeia viciosa.

Se o procedimento, na visão de Luhmann, contiver todos os meios pelos quais se legitima, com as fases bem realizadas, os atores bem delineados e representados diante daquele rito anteriormente disposto, com a realização dos diálogos sem todos os pontos, o resultado será legítimo, ainda que não se consiga a melhor solução ou, a verdade do que se almejava. A  legitimidade deve entender-se com um certo grau de racionalidade, com a verificação de que se optou pelo cumprimento da legalidade do procedimento e, se está presente, o resultado decisório, com o devido cumprindo das normas descritas como legitimadoras, será, de igual maneira, legitimado.

Ainda, acerca do conceito de legitimidade, Luhmann diferencia a aceitação de premissas de decisão e a aceitação da própria decisão, referindo que se pode:

optar por afirmar os princípios e as normas dos quais uma decisão tem de ‘derivar’ e negar contudo a própria decisão, por ter logicamente resultado errada ou com base em interpretações falsas ou aceitação de fatos errados. E, ao invés, podem aceitar-se decisões, sem preocupações quanto aos méritos a que se reportam, numa atitude de total indiferença, talvez até numa recusa das suas razões como regras gerais de decisão[27].

 

Quando há uma busca de legitimação pelo procedimento, necessariamente, deve, as partes dentro de um contexto, pressupor que a expectativa deve ser alterada, mediante as regras pré-definidas. A expectativa, nessa visão[28], deve ser pelo cumprimento do rito procedimental, com a busca da realização efetiva de um processo de comunicação, este decorrente da conformidade com os regulamentos jurídicos.

O sistema, para funcionar em si mesmo, mediante a autopoiese, necessita de uma estruturação e, com isso, proceder por uma padronização das expectativas ali criadas. Estas devem limitar-se a participar do procedimento e, com o resultado proveniente do caminho decisório, deve proceder por esperar uma decisão que corresponda aos anseios do que se pode influir e participar, não de imaginar um resultado distante, utópico e preconcebido.

A estruturação pressupõe atores delineados, com papéis a serem realizados[29] e, consequentemente, as expectativas oriundas desse pensamento devem corresponder as limitações que o próprio procedimento cria. O resultado deve ser a aspiração de um procedimento bem conduzido, com as partes bem representadas, com as fases respeitadas, com a dialética proporcionada mediante um contraditório amplo e uma decisão que levem em consideração todo o procedimento ali disposto, tornando-a legítima pelo cumprimento do rito.

Se cada ator processual, diante de sua função delineada, cumprir corretamente a sua função, mediante as responsabilidades oriundas da separação e divisão dos papéis[30], cada qual se responsabilizará pelo que fez e, ensejará como expectativa a correspondência de que todos assim o façam, com a condução correta do procedimento. Com isso, há uma evidente simplificação da legitimidade pelo procedimento, pelo cumprimento dos ritos e do que se pressupôs anteriormente com plausível para tanto, mediante uma análise, não do conteúdo do que se conseguiu como decisão, mas do devido cumprimento procedimental.

Um procedimento cumprido em todos os seus pontos, regras e garantias, trará uma decisão justa para os participantes e, posteriormente, para os que serão impactados, simplesmente pelo fato de que houve o cumprimento do rito ideal para tanto.

Entretanto, o procedimento deve guardar uma ideia de ampla discussão para chegar-se à decisão judicial, ainda que não seja aquela anteriormente imaginada, até pelo fato de que Luhmann defende que, diante do procedimento, deve-se despir-se de qualquer preconceito sobre o qual conteúdo deva culminar a decisão. O procedimento, por esse viés, deve legitimar, seja for a decisão, porém deve agir de maneira refutativa, com a análise de pontos em contrários, de tese e antíteses.

Desse modo, utilizando da teoria da legitimação pelo procedimento de Luhmann, numa relação com um microssistema de formação de precedentes vinculantes, chega-se a uma pergunta: o precedente formado está legitimado somente pelo cumprimento do procedimento explicado neste capítulo? Esse é um dos pontos importantes a serem considerados diante da propositura legal de um microssistema de formação de precedentes vinculantes.

Diante da alta litigiosidade, da existência de uma gama de direitos individuais homogêneos e de direitos isomórficos que se repetem, uma atitude para aplacar e solucionar a multiplicidade de demandas passa pela objetivação do processo civil, com uma ampla possibilidade de criação de precedentes, seja para decidir processos em cascata, em efeito repetitivo, seja para criar precedentes para pautar futuros casos sobre determinado assunto. Não há como encontrar outra saída, sem pensar na objetivação.

Com isso, o procedimento diferenciado diante de um microssistema de precedentes vinculantes é necessário para o exaurimento material, para a representação correta e devida dos interessados no presente e no futuro, para chegar-se numa melhor decisão. Luhmann entende que o procedimento, se seguido corretamente, tem autonomia como um sistema em si mesmo para legitimar a decisão que dali sobrevirá, o que importa em uma decisão legítima para pautar o que se propôs diante daquele procedimento e, consequentemente, para todo o impacto social que dali também carregará.

Desse modo, seguindo esse viés, a decisão por si só seria justa e aceitável socialmente, com todos os impactos possíveis sociais e sociológicos, simplesmente por ter submetido-se ao procedimento previamente determinando, aceitando que este rumo proporciona a justiça diante da legitimidade de se ter valido de um determinado conjunto de regras ordenado culminando numa decisão justa.

A justiça enquanto visão de resultado de uma decisão judicial viria somente do cumprimento de uma série de normas previamente estabelecidas, resultando numa verdade sobre o qual as expectativas devem ser supridas. E, essas expectativas devem limitar-se somente a esperar o resultado obtido pelo procedimento, com o entendimento de que a decisão é apropriada e justa, mediante a liberdade inserta ao próprio rito procedimental.

 

3.2            A complicação da visão de Luhmann nos precedentes vinculantes no CPC/2015: os problemas de legitimidade social

 

No tocante a relação da obra de Luhmann com os precedentes vinculantes insertos ao ordenamento processual brasileiro, há facilmente uma legitimidade pela simplesmente existência de um procedimento adequado e apropriado? Esse é o cerne da correlação entre Luhmann e esses precedentes.

O procedimento é necessário, justamente para diferenciar o caminho decisório dos precedentes, contudo este não pode legitimar-se em si só, da maneira proposta no ordenamento. O conteúdo, de certo modo, importa.

O primeiro problema passa pela liberdade da decisão. Evidente que não há como prever a decisão que será formada ao final do procedimento, o que passamos, num momento inicial do procedimento, o que pareceria uma aproximação com o que Luhmann propõe diante dessa problemática. Os debates pertinentes às fases do procedimento devem conduzir o próprio para culminar na melhor decisão, com a abertura para o diálogo e dialética, com o enfrentamento de todas as possibilidades jurídicas, como vimos na parte da fundamentação de uma decisão e a construção de uma só decisão entre o colegiado que chegue numa decisão que ponderou entre todas as teses levantadas[31], considerando-as, seja para acatá-las ou refutá-las, mas como uma noção de um grau de importância em discorrer sobre todos os pontos.

O procedimento é um dos pontos que sustentam a legitimidade da própria decisão proveniente desse processo e que, num microssistema de formação de precedentes vinculantes, impactará a sociedade como um todo, mas não pode ser somente o único viés legitimador. A decisão não será justa, adequada e cabível àquela situação pelo mero cumprimento do rito previsto. Todos os pontos devem ser considerados, como em toda decisão judicial, mas sobretudo por entender-se que esta decisão, realizada diante de um sistema diferente, com impacto maior do que interpartes, deve guardar um cuidado analítico maior.

Uma decisão que não guarde coerência com a realidade, sem a devida integridade com o mundo do direito, ou seja, diante dos ditames constitucionais e dos direitos fundamentais, não alcançará a legitimação adequada, mesmo diante do cumprimento de todo o procedimento.

Esse ponto leva a entendermos que somente o procedimento não é a base para a legitimação da decisão.

No segundo problema, assiste razão inicial à Luhmann ao partir da premissa de que para que o procedimento seja válido, este deve conter as suas fases, com as devidas repartições de funções e responsabilidades, com as manifestações e preclusões. Contudo, há uma problemática na realidade do microssistema – ou nos institutos anteriormente utilizados no ordenamento – sobre o próprio procedimento, com o cumprimento deficitário do próprio rito, com a falta de substância fática no rito.

Fazzalari entende de modo igualmente procedimentalista em relação à legitimidade, contudo, com maior ênfase do que Luhmann sobre a legitimação pela participação[32] no procedimento, o que tem certa intersecção com este pensamento. Com a repartição de envolvimento de todos os atores no procedimento, o resultado decisório deste seria legítimo[33].

Nessa visão, o contraditório é o legitimador do procedimento em si, compartilhando essa base focal com Luhmann, porém, seria somente uma intersecção, uma vez que o procedimento como um todo é a base da visão deste[34].

As fases processuais do microssistema, desde o pedido de instauração, nos institutos possíveis, passando pela decisão de admissibilidade e de afetação, com a ampliação do contraditório até culminar na decisão prolatada com a formação de um precedente, tem razão em sua própria existência e inserção diante de um organograma jurídico sistêmico. Não há de se pensar que somente o simples cumprimento inefetivo de uma fase legitimará a decisão. Uma audiência pública que não influência, um amicus curiae que não é considerado na decisão, uma fundamentação que não pormenoriza e enfrenta todos os pontos, não perfazem o cumprimento que Luhmann defende. Ou seja, o procedimento deve ser substancial, dialético, existente e efetivo em sua realidade para a própria formação do precedente.

Se entendermos que o procedimento é um caminho necessário, mas que não realiza por si só a legitimação, com a necessidade de consonância substancial do que se decidiu com a realidade, um procedimento que nem guarda a efetividade em si mesmo, com um déficit em sua própria realização, com atos meramente formais em busca de legitimação, sem a devida consideração e ponderação, não há como pensar em legitimidade pelo procedimento.

Desse modo, qualquer procedimento deve ser cumprido em suas diretrizes, com todo o ônus processual existente, seja pelas partes e terceiros que possam se manifestar e que terão que fazê-lo mediante as regras preestabelecidas, bem como pelo colegiado julgador, com toda a preocupação judicante em tal desiderato.

A carga de condução procedimental é imensa, com a necessidade não somente de possibilitar a oitiva de todos que têm direito à manifestação, mas que todos estes tenham o contraditório como um direito de influência[35], para não ser o procedimento pelo próprio cumprimento do procedimento.

Se temos ressalvas quanto à visão de Luhmann na visão geral da legitimação pelo procedimento, imaginemos uma hipótese em que o procedimento for utilizado como mero legitimador, com o cumprimento fictício de suas fases para culminar na decisão, sem grandes discussões, sem ônus argumentativo de todos os lados e, principalmente, dos julgadores, numa displicência judicante, nunca nem poderíamos refutar o autor, simplesmente pelo procedimento nem ter colocado-se à prova, pela própria ineficiência de quem o conduz.

Desse modo, há de se entender que mesmo que tenhamos posicionamento crítico quanto à Luhmann e sua fidelidade ao procedimento como a verdade decisória, se um procedimento nem seguido for substancialmente, não há nem como pensarmos em legitimidade, mas não por discordância ao autor, mas por pura precariedade do próprio funcionamento do Judiciário nessa condução.

Ultrapassados os problemas insertos da teoria da legitimação pelo procedimento de Luhmann, a pergunta se coloca da seguinte maneira: a sociedade considerará a decisão como justa[36] independentemente de seu conteúdo somente pelo procedimento ser seguido? Essa visão é complexa de entender-se como válida, uma vez que a sociedade como um todo não participou da formação do precedente, tampouco se limita a sua expectativa somente pelo cumprimento devido do procedimento. O conteúdo da decisão judicial é importante para a própria concepção legitimadora.

Evidente que trazer a comparação da teoria da legitimação pelo procedimento de Luhmann com o microssistema de formação de precedentes vinculantes reforça uma visão de que toda a explicação aqui pormenorizada do procedimento pelo qual cada instituto deve passar é importante, mas não, ao mesmo tempo, deve cuidar-se para que não haja um cumprimento procedimental simplesmente por acreditar numa legitimação consequencial básica, sem analisar-se o conteúdo que ali foi prolatado.

O viés conclusivo dessa comparação do microssistema com a teoria da legitimação pelo procedimento[37] de Luhmann passa pela necessária relação da decisão judicial oriunda dos institutos ali dispostos com o seu próprio conteúdo como um dos agentes legitimadores, não ficando afetos somente ao procedimento[38], mas com a substância do que se decidiu. Evidente que para que o próprio microssistema de formação de precedentes seja possível em sua concepção realista, o procedimento não pode ser meramente figurativo, devendo ser efetivo e real, sem a possibilidade visível aventada por Luhmann[39].

 

4     A SAÍDA PELO MEIO TERMO: É POSSÍVEL UMA LEGITIMIDADE CONJUNTA PELO PROCEDIMENTO E SUBSTÂNCIA DECISÓRIA?

 

Diante do prisma da existência de um microssistema de formação de precedentes vinculantes, com a demonstração e explicação de que há a necessidade, para a melhor criação de uma decisão que tornará um precedente, que um procedimento próprio e ampliado seja criado, com um cuidado maior para com a matéria em juízo, pelas partes, pelos terceiros e pelo órgão julgador.

No entanto, acreditar no procedimento como o único ou principal viés legitimador é um tanto simplório. A decisão oriunda do precedente deve ter consonância com o que se entende como justo, importando com o seu conteúdo para uma futura aplicabilidade. Apesar do CPC/2015 optar por um conjunto de institutos que tem uma vinculatividade formal e, por isso, também por um procedimento amplificado e especial, contudo, não podemos entender que simplesmente o cumprimento deste implicará em um precedente que terá um conteúdo válido e condizente de uma aplicabilidade a ser replicada, nos processos que outrora estejam suspensos ou as futuras demandas que guardem identidade fático-jurídica com a decisão paradigmática. Seria, de certo modo, entender que a legitimidade estaria puramente no procedimento.

O contraditório é importante para esse ponto[40], seja pela sua necessária influência no debate ou pela sua abertura cognitiva diante de uma ampliação da argumentação. Com um debate maior, em busca de levantamento das mais diversas teses e visões sobre o tema a ser discutido, a análise judicante, em teoria, deve ser a mais exauriente possível, com a pormenorização de todos os argumentos, refutação e acatamento de pontos materiais para se culminar nas melhores teses sobre a matéria a ser decidida.

O rito procedimental existente no microssistema não pode ser um mero legitimador de um viés jurisprudencial anterior[41], ou seja, a admissibilidade de qualquer dos institutos insertos no microssistema não serve simplesmente para se conseguir a convalidação de um posicionamento daquele tribunal, concedendo-lhe um viés vinculativo que outrora não detinha. Ao admitir-se qualquer dos institutos, desde a afetação até a decisão final deste, o colegiado julgador deve reabrir o campo das discussões cognitivas e exaustivas, justamente para dar azo a todas as manifestações, com a possibilidade de que todas estas sejam consideradas, discutidas e influenciantes para o procedimento e a ulterior decisão judicial dali proveniente.

Uma vez admitido qualquer dos institutos, evidentemente, que a jurisprudência existente deve ser considerada, mediante a sua formação paulatina durante o tempo, mas não deve ser o fio condutor judicante para tal desiderato, deve ater-se a ser somente mais um argumento persuasivo para os debates abertos pela própria instauração daquele contraditório ampliado. Se ao invés disso, qualquer dos incidentes optar por uma rapidez e ausência de grande contraditório[42], somente na busca da convalidação vinculativa de um posicionamento anterior, não há, evidentemente, uma legitimidade no precedente, ainda que seguindo o procedimento, tornando a decisão desconexa com a realidade e um equívoco a ser corrigido posteriormente, causando mais males do que benefícios.

É importante que a abertura cognitiva seja real, no intuito de considerar os argumentos de todos os comunicadores ali presentes, com a efetiva participação de todos os atores processuais, com a consideração de todos os pontos materiais elencados e culminar na decisão mais justa, diante do prisma de direitos normativos existentes e coadunando com os preceitos fundamentais. Ou seja, por mais que o procedimento seja essencial para a construção de um precedente vinculante, nos moldes que a novel legislação processual imaginou um microssistema, a substância material oriunda dali é tão importante quanto o rito procedimental sugerido legalmente e que deve ser seguido pelo órgão judicante competente.

Desse modo, a decisão judicial deve fundamentar-se em preceitos fundamentais, em seguir os ditames constitucionais e seus princípios, bem como estar alicerçada em diversos pontos materiais normativos em que possa ser aceita como justa pela sociedade. E, ainda, como já vimos, com uma fundamentação analítica e adequada para que cumpra sua função extraprocessual de maneira minimalista.

O procedimento não pode ser o legitimador único, como Luhmann dispõe[43], como um meio de mudar as expectativas das decisões judiciais pelas mesmas em relação ao cumprimento do procedimento e, consequentemente, ater-se a aceitar[44] a decisão oriunda daquele instituto, se cumprido todo o rito[45].

Toda decisão, em qualquer dos institutos do microssistema, deve tem uma substância material digna e coadunando com a legalidade e, sempre que possível, com os anseios sociais. É importante essa visão da decisão que forma o precedente, justamente para entender-se que a vinculatividade formal, contida em diversos artigos do CPC/2015 e, sobretudo, no art. 927, não resolverão, de plano, o problema da dispersão de entendimentos se o único ponto legitimador for o devido cumprimento do procedimento. Não há liberdade decisória total por causa da existência de procedimento pré-definido, tampouco, há legitimidade ampla somente pela participação da sociedade, através dos terceiros, principalmente amicus curiae, como se estes autorizassem qualquer que fosse o resultado da decisão judicial.

E, para entendermos os precedentes já existentes no Brasil, uma vez que muitos dos institutos insertos do microssistema não são novidades e foram, no máximo, remodelados, muitas decisões sem um cunho vinculante formal e legal, têm total aceitação pela sociedade e pelos juízos de tribunais e graus inferiores pela sua própria substância, sem a necessidade de uma norma que obrigue os demais órgãos a seguir. Evidentemente que um microssistema de formação de precedentes vinculantes pressupõe a ciência pelo órgão julgador que há um paradigma a ser construído no exercício específico daquela judicância, naquele momento, o que importa em atrelar-se, ainda mais, os precedentes fundamentais, os argumentos das partes e, principalmente, a pacificação social[46], orientada pelos ditames constitucionais e, como o próprio CPC/2015 preconiza em seu art. 8o, para culminar numa decisão que detenha uma legitimidade pelo cumprimento das regras procedimentais e pela sua própria materialidade, conseguindo uma decisão social e juridicamente justa.

Um ponto importante para toda a legitimidade está na ampla publicidade de todo o conteúdo do procedimento, de todas as deliberações, desde a decisão de afetação, quanto aos debates e, principalmente, sobre o enfrentamento de todas as questões, com as devidas refutações que são peculiares da argumentação jurídica.

As deliberações de cada um dos atores processuais, das partes aos amicus curiae, passando pela audiência pública, informações dos tribunais e parecer do Ministério Público revelam as escolhas de posições jurídicas e políticas por estes grupos, ainda conforme seus sentimentos e anseios, o que não pode ser omitido e, tampouco, desconsiderado. Conhecer e tornar pública as razões da deliberação são fundamentais para o exercício e vinculatividade da decisão, até pelo fato de somente entender-se-á toda essa vinculação, se entendermos o que está em jogo, quais são todos os interesses sobre os quais qualquer dos institutos almeja.

Evidentemente, o procedimento por si só não legitima qualquer decisão[47].

Não há de se pensar em transcendência da decisão formada neste microssistema vergastado neste estudo, se as suas decisões forem desconectadas com a realidade jurídica e sua aplicabilidade no cotidiano. Do mesmo modo, a substância material do que se decide, do que se delibera é fundamental para que saiba se o procedimento cumpriu a sua função, não como um legitimador em si mesmo da decisão, mas, sobretudo, como a busca de uma decisão resultante da melhor interpretação do direito material. Essa dicotomia procedimento/substância[48] material deve permear o órgão julgador em uma preocupação incessante na coexistência de ambos. O procedimento deve ser meio, a substância deve ser a finalidade.

O conteúdo tem alto grau de importância, tanto que existem diversas decisões/precedentes que, apesar de não serem vinculantes formalmente, detém alto grau de respeitabilidade[49] e vinculação pela sua própria contundência em sua formação[50], ainda que fora de um rito procedimental instituído para tanto.             No entanto, a possibilidade de uma decisão construída fora do procedimento do microssistema ter este alto grau de vinculatividade pelo seu conteúdo, não há como imaginar que o rito previsto nestes institutos é desnecessário, o intuito é totalmente diverso, passa por entender que mediante esta alteração procedimental, com ampliação do contraditório e da pormenorização judicante, há maiores possibilidades de acertos na formação do conteúdo do que se decidiu e, com isso, um grau maior de legitimidade deixando a dicotomia para entender-se como uma complementariedade entre procedimento e substância[51].

 

5     CONCLUSÃO

 

Diante de toda essa análise sobre os precedentes judiciais e a sua vinculação normativa existente no CPC/2015, a primeira conclusão é a impossibilidade da utilização do procedimento como único legitimador da decisão e a necessidade de convergência entre substancialidade e procedimento.

O procedimento por si só não pode ser o único mecanismo de legitimação da decisão formada em qualquer destes institutos. A substância oriunda da decisão, após os debates e a participação cooperativa de todos os terceiros e legitimados, é fundamental para que saiba se o procedimento cumpriu a sua função, não como um legitimador em si da decisão, mas, sobretudo, como trâmite para a busca de uma decisão resultante da melhor interpretação do direito material.

Desse modo, após a devida análise, refutamos a teoria de Luhmann, na visão que a escolha de um microssistema procedimental não pode funcionar, pragmaticamente, como mero agente legitimador das decisões provenientes de certos procedimentos. O resultado do estudo é o inverso, o procedimento é caminho para um conteúdo que tenha, por si só, materialmente, a legitimidade.

Essa dicotomia procedimento/substância material deve permear o órgão julgador em uma preocupação incessante na coexistência de ambos. O procedimento deve ser meio, a substância deve ser a finalidade.

 

REFERÊNCIAS

 

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Data de Submissão: 29/09/2018, Data de Aprovação: 05/12/2018

 

COMO CITAR ESTE ARTIGO

LEMOS, Vinícius. A vinculação de um precedente pelo procedimento: uma análise sobre Luhmann e a formação de precedentes vinculantes. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, BA, v. 5, n. 1, p. 140-173, jan./jun. 2018. ISSN 2447-6536. Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/213. Acesso em: dia mês. Ano. DOI: https://doi.org/10.29293/rdfg.v5i1.213.

 

 



[1] Doutorando em Processo Civil pela UNICAP/PE. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela Faculdade de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil da FARO e na UNIRON. Coordenador da Pós-Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO.

[2] Destaca-se que a posição assumida pelo autor em sua obra não representa sua posição final acerca do direito ou do processo, a partir da construção da proposta teórica de uma teoria da sociedade a partir da identificação da existência de (sub)sistemas sociais.

[3] “Essa fase da reforma constitui uma tentativa de solucionar os problemas gerados pela “abertura das portas do Judiciário”, que ocasionou um considerável aumento do número de demandas, possuindo, desta forma, o objeto primordial de diminuir o número destes processos em trâmite nos Tribunais brasileiros, efetivando o princípio da celeridade de forma raciona e, consequentemente, reduzir substancialmente com a famigerada morosidade da Justiça Brasileira em concretizar uma resposta final aos anseios dos litigantes processuais” RIBEIRO, Cristiana Hamdar. A lei dos recursos repetitivos e os princípios do direito processual civil brasileiro. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, RJ, v.5, n. 5. 2010. p. 622. Disponível em: < https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/23105>. Acesso em: 02 jan. 2017.  

[4] Livre tradução de: CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in English Law. 4. ed. Oxford: Oxford University Press, 2004. p. 3.

[5] “Não há dúvidas de que as demandas de massa tem características próprias, que as diferem das demandas individuais e coletivas, exigindo dos diversos países a adaptação de seus sistemas jurídicos, a fim de tratá-las mais adequadamente, tendo em vista a insuficiência do regime processual das demandas individuais e coletivas para com as mesmas.” ATAÍDE JR, Jaldemiro Rodrigues de. As demandas de massa e o projeto de novo código de processo civil. In FREIRE, Alexandre at. Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 48.

[6] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução Ellen Grace. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris. 1991. p. 20. 

[7] MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIEIRO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT. 2008. p. 93.

[8] BENETI, Sidnei Agostinho. Assunção de competência e fast-track recursal. Revista de Processo. v. 171,  ano 34. São Paulo: Revista dos Tribunais, maio/2009. p. 10.

[9] “As macrolides se apresentam como um grande desafio para a ciência do processo. É que se espera de todo e qualquer processo que ele não consuma mais tempo, energia e dinheiro do que o estritamente necessário para a sua solução, seja efetivo e traga segurança e orientação para as relações econômicas e sociais. E a multiplicação de litígios judiciais, ainda que idênticos, aumenta o volume de serviço do Poder Judiciário sem que haja incremento na sua capacidade de absorção de trabalho. Ademais, a proliferação de processos similares, até por uma questão estatística, incrementa as chances de soluções diferentes para uma mesma situação da vida. Nessas condições, convive-se com uma série de fatores negativos para a otimização, efetividade e previsibilidade do processo e é preciso neutralizá-los.” BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. A nova técnica de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos. Disponível em: <http://www.dinamarco.com.br/wp-content/uploads/NovaTecnica.pdf >. Acesso em: 02 jan. 2017.

[10] CABRAL, Antonio do Passo. O novo Procedimento-Modelo (Musterferfahren) Alemão: uma alternativa às ações coletivas. In: DIDIER JR, Fredie. Leituras complementares de processo civil. Salvador: Juspodvm, 2008. p. 146.

[11] “Não há dúvidas de que as demandas de massa tem características próprias, que as diferem das demandas individuais e coletivas, exigindo dos diversos países a adaptação de seus sistemas jurídicos, a fim de tratá-las mais adequadamente, tendo em vista a insuficiência do regime processual das demandas individuais e coletivas para com as mesmas.” ATAÍDE JR, Jaldemiro Rodrigues de. As demandas de massa e o projeto de novo código de processo civil. In FREIRE, Alexandre et al. Novas tendências do processo civil. Salvador: Jus Podivm, 2014. p. 48.

[12] CABRAL, Antonio do Passo. O novo Procedimento-Modelo (Musterferfahren) Alemão: uma alternativa às ações coletivas. In: DIDIER JR, Fredie. Leituras complementares de processo civil. Salvador: Juspodvm, 2008. p. 146.

[13] ATAÍDE JR, Jaldemiro Rodrigues de. As demandas de massa e o projeto de novo código de processo civil. In FREIRE, Alexandre et al. Novas tendências do processo civil. Salvador: Jus Podivm, 2014. p. 48.

[14] Cunha e Didier Jr. adotam a distinção entre os microssistemas, como existente um sobre precedentes vinculantes repetitivos e um maior sobre precedentes obrigatórios, sobre os quais permeiam uma conjunção do que defendemos neste estudo, com convergência no macro, mas divergência pelo fato de que incluímos a repercussão geral e eles  a  criação das súmulas vinculantes, as quais não entendo como precedente, apesar de vinculante: ‘Há uma unidade e coerência sistêmicas entre o incidente de assunção de competência e o julgamento de casos repetitivos, cumprindo lembrar que o termo "julgamento de casos repetitivos" abrange a decisão proferida em incidente de resolução de demandas repetitivas e em recursos repetitivos (CPC, art. 928). Em outras palavras, existe um microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios, formado pelo incidente de assunção de competência e pelo julgamento de casos repetitivos.” CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 658.

[15] O FPPC entendeu que existe um microssistema de solução de casos repetitivos, contudo, visualizo que o microssistema deve ser ampliado e visualizado como de criação de precedentes por amostragem, não desmerecendo a qualidade do enunciado, somente adequando-o para uma utilização mais adequada:

Enunciado n.º 345 do FPPC: O incidente de resolução de demandas repetitivas e o julgamento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos formam um microssistema de solução de casos repetitivos, cujas normas de regência se complementam reciprocamente e devem ser interpretadas conjuntamente.

Enunciado n.º 460. (arts. 927, §1º, 138) O microssistema de aplicação e formação dos precedentes deverá respeitar as técnicas de ampliação do contraditório para amadurecimento da tese, como a realização de audiências públicas prévias e participação de amicus curiae.

Enunciado n.º  472. (art. 985, I) Aplica-se o inciso I do art. 985 ao julgamento de recursos repetitivos e ao incidente de assunção de competência.

Enunciado n.º 591. (arts. 927, §5º; 950, §3º; 979) O tribunal dará ampla publicidade ao acórdão que decidiu pela instauração do incidente de arguição de inconstitucionalidade, incidente de assunção de competência ou incidente de resolução de demandas repetitivas, cabendo, entre outras medidas, sua publicação em seção específica no órgão oficial e indicação clara na página do tribunal na rede mundial de computadores.

[16] LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte Real. Brasília: UNB, 1980.

[17] A visão de sociedade pelo autor: “A sociedade é aquele sistema social cuja estrutura regula as últimas reduções básicas, às quais os outros sistemas sociais podem referir-se. Ela transforma o indeterminado em determinado, ou pelo menos em uma complexidade determinável para outros sistemas. A sociedade garante aos outros sistemas um ambiente por assim dizer domesticado, de menor complexidade, um ambiente no qual já está excluída a aleatoriedade das possibilidades, fazendo assim com que ele apresente menos exigências à estrutura do sistema. Nesse sentido a estrutura da sociedade possui uma função de desafogo para os sistemas parciais formados na sociedade.” LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. p. 168.

[18] LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. p. 168

[19] Ao falar de Luhmann, Cerqueira analisa o modo de visão de sistema e contingência: “O sistema é sempre contingente, eis que as possibilidades por ele selecionadas podem ou não ocorrer, sendo que o que garante o sistema contra a contingência das possibilidades escolhidas é a sua estrutura. O direito, nesta perspectiva, figura enquanto estrutura indispensável, definidora dos limites e interações da sociedade e possibilitadora de estabilização de expectativas nas interações. A problemática reside, precisamente, em saber em que sentido se pode chamar a estrutura do direito de legítima.” CERQUEIRA, Katia Leão. A legitimação pelo procedimento e a obsolência da concepção clássica e seus critérios regulativos da verdade e da Justiça. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, XIII, n. 82, nov 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8646&revista_caderno=23>. Acesso em: 02 jan. 2017.

[20] No sentido da diferença entre sistemas e a sua possibilidade de coexistência, Luhmann discorre: “Cada um é para o outro demasiadamente complexo e contingente. E ambos estão estruturados de tal forma que apesar disso possam sobreviver. A estrutura e os limites da sociedade reduzem a complexidade e absorvem a contingência das possibilidades orgânicas e psíquicas.” LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.p. 169.

[21] LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte Real. Brasília: UNB, 1980. p. 30

[22] A concepção de Luhmann de ter um procedimento, com a devida em sua própria tramitação passa pela representação das partes, mediante as devidas intervenções: “as comunicações dos participantes têm realmente de apresentar uma realização de seleção, têm mais ou menos de participar que aconteceu isto (e não aquilo), ou que deveria acontecer, mas continuam a ser, na sua seletividade (e não apenas com o sentido que escolheram) assunto de comunicações posteriores.” LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte Real. Brasília: UNB, 1980. p. 44

[23] LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte Real. Brasília: UNB, 1980. p. 26.

[24] Uma definição por Neves sobre autopoiese: “A autopoiese significa que um sistema complexo reproduz os seus elementos e suas estruturas dentro de um processo operacionalmente com ajuda de seus próprios elementos.” NEVES, Marcelo. Constitucionalização simbólica e desconstitucionalização fática: mudança simbólica da constituição e permanência das estruturas reais de poder. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo, n. 12,  1995. p. 279.

[25] Luhmann compreende que, dentro do procedimento, as análises devem ser abertas, sem preconceitos anteriores, num sistema aberto de refutações e possibilidades: “Cada procedimento tem de principiar sob a condição prévia de que qualquer coisa pode, dentro do vasto quadro de fatos gerais e conhecidos, ser outra coisa (por fatos gerais e conhecidos entende-se conhecidos do juiz através de sua própria atividade oficial). A sentença não pode ser tão facilmente obtida a partir de preconceitos. No lugar de preconceitos têm que já estabelecerem o caso isolado e deixam em suspenso, sobretudo, a questão da verdade da afirmação dos fatos.” LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte Real. Brasília: UNB, 1980. p. 58.

[26] O sentido que Luhmann compreende como verdade não seria suficiente para a resolução das decisões com proveniência e correspondência com a certeza: “verdades com este sentido específico não são suficientes para resolver todos os problemas com uma absoluta certeza intersubjetiva” LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte Real. Brasília: UNB, 1980. p. 26.

[27] LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte Real. Brasília: UNB, 1980. p. 32

[28] A visão crucial da legitimação é a mudança de expectativas: “A legitimação pelo procedimento não é como que a justificação pelo direito processual, ainda que os processos legais pressuponham um regulamento jurídico, trata-se, antes, da transformação estrutural da expectativa, através do processo efetivo de comunicação que decorre em conformidade com os regulamentos jurídicos, trata-se, portanto, do acontecimento real e não duma relação mental normativa.” LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte Real. Brasília: UNB, 1980. p. 35

[29] As partes devem ser proativas e participativas durante o procedimento, incumbindo a estes a sua própria qualidade influenciante, como uma carga e preocupação meramente destes, na visão de Luhmann: “à medida que o processo se desenrola, reduzem-se as possibilidades de atuação dos participantes. Cada um tem de tomar em consideração aquilo que já disse, ou se absteve de dizer. As declarações comprometem. As oportunidades desperdiçadas não voltam mais. Os protestos atrasados não são dignos de crédito (...) Os participantes cooperam na determinação da história do processo jurídico. Daí terem de se pôr de acordo quanto a um rito comum. LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte Real. Brasília: UNB, 1980. p. 35

[30] Numa tradução livre, a comunicação entre as partes e seus papéis organiza-se automaticamente, como a própria conexão procedimental:   “na medida em que a comunicação organiza sua capacidade de conexão, na medida em que exercita sua autopoiesis, o que se conecta não pode conectar-se senão ao já dito” LUHMANN, Niklas. La ciencia de la sociedad. México: Universidad Iberoamericana/Anthropos. 1996. p. 25/26

[31] Port, ao analisar comparativamente a visão procedimental de Luhmann e as demandas repetitivas, entende que não há tal legitimidade se o tribunal somente utilizar o rito para convalidar os que já pensa em sua jurisprudência, o que concordamos. No entanto, tudo depende do método, a maneira procedimental e a substância envolvida, podendo, de igual modo, mesmo em sentido diverso da jurisprudência, não ter legitimidade também: “Assim, pode-se vislumbrar, num primeiro momento, que a decisão judicial, proferida em demanda repetitiva, que se limita a meramente reproduzir o entendimento jurisprudencial consolidado, sem uma análise, ainda que superficial, das razões trazidas ao conhecimento do julgador pelas partes, carece de legitimidade. Nesse sentido, não reduz as expectativas, não minora as complexidades, por não ter cumprido o “iter” procedimental necessário e indispensável à satisfação do escopo principal do processo judicial: a pacificação social.” PORT, Otávio Henrique Martins. A decisão judicial nas demandas repetitivas e a legitimação pelo procedimento segundo Niklas Luhmann. Revista Pensamento Jurídico. v. 7, n. 1, 2015. p. 171.

[32] A visão de Fazzalari, também procedimentalista, passa pela participação, pelo contraditório como legitimador, numa concepção um pouco diversa de Luhmann, numa tradução livre: “Tal estrutura consiste na participação dos destinatários dos efeitos do provimento final à fase preparatória da mesma; na paridade simétrica de suas posições; na implicação mútua de suas atividades (tempo, respectivo, para promover e impedir a emanação do provimento); na importância das mesmas para o autor da provisão: de modo que cada o contraditório possa exercitar em sua totalidade - conspícuo ou modesto não importa - as escolhas, reações, controles, e deve resistir aos controles e as reações das outras, aos quais esse autor do provimento deve ater-se.” FAZZALARI, Elio. Instituzioni di Diritto Processuale. VII Edizione. Padova: CEDAM, 1994. p. 82.

[33] Marinoni acaba por refutar ambas as visões, colocando como limitadas por não se analisar o resultado em termos de conteúdo: “Assevera, ainda, Luiz Guilherme Marinoni (2007, p. 25) que a observância do procedimento como critério para legitimidade da decisão, não pode ser vista restritivamente, como o fez Elio Fazzalari, como a participação no procedimento. De igual modo, as teorias procedimentalistas são insuficientes para legitimar a jurisdição, haja vista não analisarem os conteúdos substanciais da decisão.” GOMES, Matheus Barreto. Precedentes judiciais - legitimação pelo procedimento. Dissertação de Mestrado em Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, 2009. p. 159.

[34] Não há como entender que a mera participação, como contraditório, é suficiente para a legitimidade da decisão, independentemente de seu conteúdo e poder de influência. Não se deve entender a participação como mero legitimador, sem atinar-se sobre como se procedeu essa participação. Por isso, Marinoni refuta a visão de Fazzalari: “Quando Elio Fazzalari afirma o seu conceito de legitimidade pelo procedimento, o seu interesse deita-se sobre o contraditório, ou melhor, sobre a efetividade da participação em contraditório na formação da decisão judicial. Como o poder é exercido através do procedimento, a participação efetiva e igual das partes no procedimento judicial seria suficiente para legitimar ou democratizar o exercício da jurisdição. Isto revela uma ideia de processo com conotação política, pois voltada a assegurar a participação igualitária das partes - deixando ao longe a concepção de relação jurídica processual, mas sem qualquer preocupação em sustentar a legitimidade da afirmação dos direitos fundamentais sobre a lei.” MARINONI, Luiz Guilherme. Da teoria da relação jurídica processual ao processo civil do estado constitucional. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo102.htm>. Acesso em: 02 jan. 2017.

[35] “relevante contributo para o labor jurisdicional. Sem embargo, a participação não só tem o escopo de garantir que cada um possa influenciar na decisão, mas também tem a finalidade de colaboração para o exercício da jurisdição.” CABRAL, Antonio do Passo. Contraditório como influência. Dicionário de Princípios Jurídicos - Flávio Galdino; Silvia Faber Torres; Ricardo Lobo Torres; Eduardo Takemi Kataoka. Editora: ELSEVIER – CAMPUS. 2011. p. 201.

[36] Os mecanismos procedimentos que garantiriam a legitimidade, não a satisfação dos participantes com o resultado que se alcançou, o qual deve culminar uma decisão independente e, teoricamente, legítima por submeter-se ao procedimento: “A preocupação de Luhmann é a de esclarecer os mecanismos que dotam uma decisão de força vinculativa, possibilitando sua assimilação e aceitação por todos os atingidos, estejam eles satisfeitos ou não. Para a legitimação pelo procedimento, pouco importa se a decisão é justa, exata ou congruente, pois, nas sociedades complexas, a natureza da decisão cede lugar aos procedimentos que generalizam o reconhecimento das decisões.” BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Política: uma relação difícil. Lua Nova Revista de Cultura e Política. n. 61. 2004. p. 15.

[37] “A legitimidade da decisão, para alguns, como os seguidores da teoria de Luhmann, não se apresenta como uma questão autônoma. Para esses é viável apenas discutir o problema da legitimação da jurisdição, já que não há objetividade possível em questões normativas. Nesse contexto, o problema da legitimidade da decisão é consumido pelo da legitimação através do procedimento. Porém, não há como negar que uma das questões mais importantes para a teoria do direito contemporânea é a da legitimidade da decisão jurisdicional, especialmente quando o juiz confronta a lei infraconstitucional diante dos direitos fundamentais, tarefa que lhe é imprescindível no Estado constitucional.” MARINONI, Luiz Guilherme. Da teoria da relação jurídica processual ao processo civil do estado constitucional. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo102.htm>. Acesso em: 02 jan. 2017.   

[38] Ferraz Jr. critica a conclusão de Luhmann por entender que não seria possível considerar que a legitimidade seria proveniente somente dos aspectos procedimentais: “Luhmann reduz a legitimidade a procedimentos decisórios, pois, para este autor, bastam as regras de procedimento legal como premissas legitimadoras; sendo a função da decisão absorver insegurança, para fundar uma decisão, basta que se contorne a incerteza de qual decisão (materialmente falando) ocorrerá pela certeza de que uma decisão. (formalmente falando) ocorrerá; legitimidade estaria, assim, para este autor, baseada numa certa crença na legalidade, mas propor fundamentos para esta crença não teria, então, funcionalmente, nenhum sentido, pois um dos constituintes da legitimidade estaria justamente na ficção que esta possibilidade exista, mas não seja realizada.” FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Teoria da norma jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 173/174.

[39] Agra aponta os equívocos que entende pela própria teoria de Luhmann no que a falta de canais eficientes de realidade social. Ou seja, o procedimento não pode pautar a interpretação judicial, sem ser interligado e resultante com a substância: “A teoria formulada por Luhmann apresenta algumas deficiências que impedem sua aplicação em uma sociedade considerada pós-moderna. Orientar as decisões inerentes à jurisdição constitucional apenas por procedimentos judiciais, sem forte inter-relação entre a normatividade e a facticidade, significa aumentar o gap jurídico e contribuir para o decréscimo da força normativa da Constituição. Outrossim, pela falta de canais eficientes com a realidade social, tende o ordenamento jurídico a se tornar auto-referencial, cerceando as tentativas de construção de uma sólida teoria de legitimidade de atuação extensiva da jurisdição constitucional” AGRA, Walber de Moura. A reconstrução da legitimidade do Supremo Tribunal Federal, Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 231.

[40] E, neste ponto, todos os autores citados concordam, seja Fazzalari pelo contraditório como legitimador, Habermas pela comunicatividade, Haberle pela ampliação dos pré-interprétes, Popper pela refutação e Luhmann pela participação com a noção de remodelação de expectativas.

[41] Outro problema do procedimentalismo de Luhmann, mencionado por Port, está na utilização deste para revestimento de entendimentos que, anteriormente, eram somente persuasivos, como mera procedimentalidade para transformá-los, diante do microssistema, em repetitivos ou precedentes vinculantes: “As decisões judiciais que se limitam a reproduzir a jurisprudência consolidada, sem a devida atenção ao conflito instaurado no processo e à participação dialética das partes, consubstanciada nas razões por ela invocadas no curso da demanda, não contribuem, conforme já dissemos, para a redução das expectativas das partes envolvidas, dando azo à sua deslegitimação como procedimento, segundo o conceito de Niklas Luhmann.” PORT, Otávio Henrique Martins. A decisão judicial nas demandas repetitivas e a legitimação pelo procedimento segundo Niklas Luhmann. Revista Pensamento Jurídico. v. 7, n. 1, 2015. p. 178

[42] Refutando, de certo modo, a teoria de Fazzalari, apesar de considerar que denota aspectos importantes, Marinoni versa sobre a insuficiência desta para a legitimidade da decisão: “Contudo, a participação das partes no procedimento, embora importante, é insuficiente para garantir a legitimidade da jurisdição. A parte, além de ter o direito de participar do processo, possui o direito ao procedimento adequado à tutela do direito material. Esse direito incide sobre o legislador, obrigando-o a instituir procedimentos idôneos, assim como sobre o juiz, especialmente em razão das normas processuais abertas, que dão à parte o poder de estruturar o procedimento segundos as necessidades do direito material e do caso concreto. Ou seja, a legitimidade da jurisdição, inclusive para que lhe seja possível tutelar os direitos, exige a compreensão de que o processo deve se mostrar apto à tutela do direito material. O processo, nessa perspectiva, exige mais um plus em relação à fria e neutra concepção de relação jurídica processual.” MARINONI, Luiz Guilherme. Da teoria da relação jurídica processual ao processo civil do estado constitucional. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo102.htm>. Acesso em: 02 jan. 2017.  

[43] LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte Real. Brasília: UNB, 1980. p. 26.

[44] Luhmann ressalta que legitimidade, em sua visão, deve ser compreendida como aceitação da validade da decisão. Este ponto é complexo, socialmente e sociologicamente, pelo fato de que a decisão judicial não deve ter somente aceitação, mas, sobretudo, legitimidade: “Em primeiro lugar tem de se distinguir claramente no conceito de legitimidade, entre a aceitação de premissas de decisão e aceitação da própria decisão. Esta distinção é particularmente importante, pois o processo legitimador de decisão opera sob uma condição do tipo sim/não. Existe uma grande diferença quando esta condição é aplicada só às premissas de decisão ou também às próprias decisões. Pode-se optar por afirmar os princípios e as normas dos quais uma decisão tem de ‘derivar’ e negar contudo a própria decisão, por ter logicamente resultado errada ou com base em interpretações falsas ou aceitação de fatos errados. E, ao invés, podem aceitar-se decisões, sem preocupações quantos aos méritos a que se reportam, numa atitude de total indiferença, talvez até numa recusa das suas razões como regras gerais de decisão. À positivação do direito, isto é, à tese de que todo o direito é posto por decisão, corresponde estabelecer o conceito de legitimidade sobre o reconhecimento das decisões como obrigatórias. Este é o conceito mais amplo. Compreende, também, o reconhecimento das premissas de decisão, contanto que se decida sobre elas (noutro tempo e através doutras passagens). Igualmente, leis, atos administrativos, sentenças etc. são, pois, legítimos como decisões, quando e enquanto se reconhecer que são obrigatoriamente válidos e devem fundamentar o próprio comportamento. Com esta definição as dificuldades deslocam-se para o conceito da aprovação ou aceitação (....) O conceito de aceitação tem de ser correspondentemente formalizado. O que quer dizer é que os indivíduos, por quaisquer motivos, assumam sempre as decisões como premissas do seu próprio comportamento e estruturem as suas expectativas de acordo com isso” LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte Real. Brasília: UNB, 1980. p. 26.

[45] Marinoni reúne Fazzalari e Luhmann como procedimentalistas, apesar de com vertentes diferentes, para refutar que o procedimento consegue, meramente, chegar numa legitimidade decisória: “Contudo, as teorias de Fazzalari e de Luhmann se situam em planos completamente diversos. Embora a legitimação pelo procedimento, na teoria de Luhmann, também invoque uma legitimação através da participação, há uma grande distinção entre os significados de participação em Luhmann e Fazzalari. Luhmann, ao tratar da participação, está preocupado com a aceitação das decisões e em “tornar inevitáveis e prováveis decepções em decepções difusas”, e não apenas com a efetividade do direito da parte participar do processo, influindo sobre o convencimento judicial, o que, segundo Fazzalari, legitimaria o exercício da jurisdição.” MARINONI, Luiz Guilherme. Da teoria da relação jurídica processual ao processo civil do estado constitucional. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo102.htm>. Acesso em: 02 jan. 2017.

[46] Nesse ponto, há de se imaginar que o simples procedimento a ser seguido, sem um viés participativo e em conjunção à sociedade não detém o grau de vinculatividade que a própria norma preconiza. O caso apresentado aqui refere-se ao Repetitivo sobre “Necessidade de, na busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, ser paga a integralidade do débito para caracterizar-se a purgação da mora pelo pagamento, não sendo suficiente o pagamento, tão somente, das parcelas vencidas”, tendo o REsp 1.418.593 como representativo da controvérsia, deliberou-se sobre a necessidade de pagar a integralidade da dívida se houver uma ação de busca e apreensão ou somente o que perfaz valores em atraso que geraram a possibilidade da demanda. A interpretação em Repetitivo em Recurso Especial foi a seguinte pela 2a. Seção do STJ: “Nos contratos firmados na vigência da lei 10.931/04, compete ao devedor, no prazo de cinco dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida – entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial –, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária." Ou seja, decidiu em sede de formação de um precedente vinculante (apesar de não se utilizar este termo no CPC/73) que se há um processo de busca e apreensão de um veículo, purgar-se-á a mora de todo o contrato e, ao devedor, que não conseguiu pagar aquela parcela ou parcelas, somente será possível a devolução do veículo com a visão de que o devedor deve quitar toda a dívida. É uma visão deturpada da norma, bem como desarrazoada da realidade e da finalidade de um repetitivo. Primeiro sobre o prisma do aspecto temporal, o repetitivo foi aceito, pelo Ministro Salomão, em 03/02/2014, e julgada a tese em 14/05/2014, com julgamento dos embargos de declaração em 18/06/2014, e trânsito em julgado em 22/08/2014. Não houve nem o procedimento em sua análise de maturação do que se decidir, somente uma consideração em um julgamento com uma vinculatividade maior, como uma legitimidade para um entendimento sem seguir pormenorizadamente o que o rito preconiza. Desse modo, não há uma respeitabilidade pelo repetitivo pelo Brasil afora, levando a ser um repetitivo com alto índice de descumprimento pelos tribunais e juízes de primeiro grau, fora a noção de que o devedor não terá condições de adimplir todo o contrato. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI218053,11049-STJ+reforma+decisao+que+admitiu+purgacao+da+mora+em+leasing+de+veiculo>.  Acesso em: 02 jan. 2017.

[47] “Dessa forma, a legitimação não deve ser apreendida apenas em seu sentido formal, deve ela advir de uma confluência com os influxos da realidade que fornece qualidade e conteúdo à decisão.” MARTIN, Andréia Garcia. A legitimação das decisões judiciais pelo procedimento adequado: a superação da teoria de Luhmann. Anais. Sociedade, Direito e Decisão em Niklas Luhmann Congresso Internacional em Homenagem a Cláudio Souto. 24 a 27 de Novembro de 2009. p. 107.

[48] Sobre o ordenamento revogado, Raatz demonstrava uma crítica justamente à ênfase ao procedimentalismo, com o intuito de mencionar que o precedente deve conter substância de tal desiderato. Os precedentes, nos moldes brasileiros, nascem para assim o serem e devem ter o cuidado com o conteúdo e não somente uma legitimidade pelo procedimento: “Por um lado, o sistema de precedentes obrigatórios não leva em conta os fundamentos da decisão como qualificadores do seu grau de vinculação para as decisões futuras: basta que a decisão tenha sido tomada pelo Superior Tribunal de Justiça em respeito a algum procedimento capaz de conferir-lhe tal força, como, por exemplo, aquele previsto no artigo 543-C, do CPC27. Vale dizer, o valor do precedente independe do seu conteúdo28. O aspecto subjetivista impera nesse primeiro momento, pois não importa como se decidiu, mas, sim, que determinada matéria foi decidida. Com isso, o precedente ganha, automaticamente, força vinculante relativamente aos casos futuros.” RAATZ, Igor. Precedentes obrigatórios ou precedentes à brasileira? Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Vol. XI. N. 11. 2013. p. 224.

[49] Apesar de ser uma súmula, contudo, citamos a súmula 385, como um precedente não vinculante em termos formal, porém, com alta vinculatividade substancial, com aplicabilidade unânime nos tribunais e juízes de primeiro grau. SÚMULA N. 385 – Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento. Referências: CDC, art. 43, § 2º. CPC, art. 543-C. Resolução n. 8/2008-STJ, art. 2º, § 1º. Precedentes: AgRg no REsp 1.046.881-RS (4ª T, 09.12.2008 – DJe 18.12.2008) AgRg no REsp 1.057.337-RS (3ª T, 04.09.2008 – DJe 23.09.2008) AgRg no REsp 1.081.404-RS (4ª T, 04.12.2008 – DJe 18.12.2008) AgRg no REsp 1.081.845-RS (3ª T, 04.12.2008 – DJe 17.12.2008) REsp 992.168-RS (4ª T, 11.12.2007 – DJ 25.02.2008) REsp 1.002.985-RS (2ª S, 14.05.2008 – DJe 27.08.2008) REsp 1.008.446-RS (4ª T, 08.04.2008 – DJe 12.05.2008) REsp 1.062.336-RS (2ª S, 10.12.2008 – DJe 12.05.2009) Segunda Seção, em 27.5.2009 DJe 8.6.2009, ed. 379.

[50] O cerne do nosso estudo é o procedimento oriundo do microssistema, contudo, há de se perceber que existem precedentes com alto grau de vinculatividade mesmo fora das decisões resultantes destes institutos, justamente pela qualidade de seu conteúdo. Magalhães e Silva analisam essa substancialidade: “Os direitos fundamentais desempenham papel determinante no grau de vinculação de um precedente. Dessa forma, os precedentes, independentemente de exercerem ou não vinculação formal, que reconheceram (ADI 939/DF), estenderam (RE 179.500/RS) ou criaram (HC 68.742/ DF) direitos fundamentais possuem uma força vinculante muito maior do que aqueles que limitaram ou reduziram o campo de aplicação de direitos fundamentais (ADI 1.232DF e ADC 4/DF). Portanto, as experiências recalcitrantes, quando surgem, não são desconsideradas pelo STF e as justificativas para a adoção do precedente são sempre utilizadas, para que a decisão seja considerada a mais correta, do ponto de vista da interpretação da Constituição e da proteção dos direitos fundamentais (ADI 1.232/DF).” MAGALHÃES, Breno Baía; SILVA, Sandoval Alves da. O grau de vinculação dos precedentes à luz do STF. Revista Jurídica do Senado Federal. Brasília a. 49 n. 195 jul./set. 2012. p. 94.

[51] A substância é condição da própria decisão. Não existe procedimento por si só, mas somente como um meio para uma decisão que contenham valores condizentes com a realidade e não com o mero procedimento. Marinoni conclui desse modo, ao refutar a visão dos procedimentalistas, principalmente de Luhmann: É evidente que o procedimento, quando compreendido nessa dimensão, é atrelado a valores que lhe dão conteúdo, permitindo a identificação das suas finalidades. Isso pela razão óbvia de que o procedimento, à luz da teoria processual que aqui interessa, não pode ser compreendido de forma neutra e indiferente aos direitos fundamentais e aos valores do Estado constitucional. Nesse momento não há razão para tentar penetrar na essência de outro processo que não aquele que importa à jurisdição do Estado contemporâneo.” MARINONI, Luiz Guilherme. Da teoria da relação jurídica processual ao processo civil do estado constitucional. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo102.htm>. Acesso em: 02 jan. 2017.