A dinâmica das práticas integrativas e complementares na saúde pública brasileira

Autores

  • A. V. Melo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul
  • P. R. H. O. Bastos Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – PPGSD/Faculdade de Medicina

Palavras-chave:

Práticas integrativas e complementares, políticas públicas de saúde, saúde pública

Resumo

Após a publicação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (PNPIC), em 2006, alguns estados e municípios brasileiros instituíram suas próprias políticas regionais ou locais. Algumas delas, reconheceram mais terapias como práticas integrativas e complementares (PICs) do que a política nacional da qual derivam e buscam respaldo. Num contexto de pesquisa de doutorado ainda em andamento sobre a institucionalização da PNPIC, objetiva-se analisar as interações entre as políticas nacional, regionais e locais. De escopo qualitativo e partindo da etnografia dos documentos dessas políticas, esta pesquisa se fundamenta na teoria ator-rede, a qual pressupõe que os fenômenos emergem na realidade a partir da associação de atores. Nesse sentido, o pressuposto que norteia as análises é o de que a PNPIC, para existir na realidade e ter a capacidade de
influenciar seu público-alvo (instituições e pessoas), precisa da interação com outros atores que, ao se apropriarem da política, podem ressignificá-la. Argumenta-se que tal ressignificação pode ser entendida como processo de contestação da política do documento, podendo levar a sua alteração. Nesse sentido, as políticas regionais e locais que reconhecem PICs que não são reconhecidas pela PNPIC, podem ser compreendidas como resultado de processos de apropriação da política nacional por esses atores que a ressignificam, tomando-a como possibilitadora para inserção de outras terapias e não como dispositivo restritivo às PICs definidas pela política nacional. O reconhecimento de mais terapias como PICs podem ser encontrados nas políticas estaduais de Espírito Santo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso, por exemplo. Esses movimentos de contestação parecem ter influenciado a alteração da política nacional, a qual reconheceu e inseriu no SUS muitas dessas outras terapias em 2017 e 2018. Por outro lado, a ressignificação pode não estar relacionada com contestação, mas demonstra a capacidade da PNPIC em possibilitar a constituição de realidades.Um exemplo é quando a PNPIC e as PICs são percebidas como capital político, haja vista que algumas dessas políticas foram instituídas pelo legislativo regional ou local, cujas propostas de lei tiveram origem e foram apoiadas por deputados e vereadores que, do ponto de vista eleitoreiro, incrementaram ou reforçaram a cartela de potenciais eleitores. Um exemplo é o estado de Mato Grosso, onde a política estadual foi instituída por lei tramitada no legislativo. PICs e PNPIC emergem como capital político também no legislativo federal, onde tramitam inúmeros projetos de lei. Tanto a permissão para o reconhecimento de outras PICs, quanto a política como capital político, são versões da PNPIC que não estão previstas no documento da política, mas emergem na realidade na interação com outros atores. Essas interações entre as políticas nacional, regionais e locais, são parte da dinâmica da existência de uma política pública e permitem compreender a PNPIC a partir da não separação entre o documento da política e a execução da política. Esse caminho analítico pode contribuir para compreender como a PNPIC está existindo nas situações concretas, somando-se às análises que enfatizam o comparativo entre o documento e a prática da política.

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Publicado

2022-12-07